INTRODUÇÃO
AO
ESTUDO DO POSITIVISMO
—
Parte IV —
(Conclusão)
Rodolfo
Domenico Pizzinga
Música
de fundo: La Marseillaise
(Claude-Joseph Rouget de L'Isle)
Fonte:
http://membres.lycos.fr/phpleretour/phpecard/index.php
Introdução
ao Positivismo (Parte I)
http://paxprofundis.org/livros/positivismo/positivismo.html
Introdução
ao Positivismo (Parte II)
http://paxprofundis.org/livros/positivismo1/positivismo.html
Introdução
ao Positivismo (Parte III)
http://paxprofundis.org/livros/positivismo2/positivismo.html
AUGUSTO
COMTE
E A QUESTÃO SOCIAL
Iniciando o exame do presente
capítulo do livro de Lins, transcrever-se-á abaixo um
parágrafo do autor como ponto de partida da análise da
questão social, segundo a doutrina positivista.
A ação material
do homem sobre o mundo somente pode ser classificada como trabalho
social quando os seus frutos não são totalmente utilizados
por ele próprio, estendendo-se a outros membros da sociedade
de que participa, os quais, realizando operações análogas,
concorrem para a sobrevivência e o desenvolvimento da sociedade.
O Capital e Suas Leis
A
sociabilidade do homem, ou em outras palavras, a transformação
do egocentrismo humano em altruísmo, de acordo com Comte, decorre
de duas leis:
A
primeira é subjetiva – refere-se ao próprio sujeito
ou agente produtor – e consiste em que cada homem é capaz
de produzir mais do que consome.
A
segunda é objetiva – concerne ao objeto do trabalho do
homem: os materiais obtidos podem conservar-se além do tempo
exigido para sua renovação.
Portanto,
acumulação e formação do capital decorrem
das duas leis acima, onde cada geração ao produzir um
excesso (alimentos, roupas, habitações etc.) em relação
consumo por ela necessitado, favorece as gerações futuras.
As técnicas de conservação de alimentos, a durabilidade
dos materiais de construção, de eletrodomésticos
etc. exemplificam e atestam a veracidade das leis anteriormente enunciadas.
Tal capital acaba, em última instância, em se constituir
no fundamento basilar do evolver da raça humana.
Por
isso, no Positivismo, a propriedade tem função profundamente
social onde cada geração ao bem administrar os capitais,
facilita as dificuldades de sua própria existência, bem
como diminui as das gerações que lhes seguem. Viver
para outrem – segundo Lins – não se resume em
um postulado moral; constitui-se em uma fatalidade, onde cada qual,
pelo fato de, por um lado, por não ter capacidade de produzir
tudo que precisa, e, por outro, porque as necessidades básicas
para a sobrevivência impõem a aquisição de
bens e materiais, acaba, inexoravelmente, tendo que trabalhar para si
e para toda a coletividade. Nesse sentido, Comte acreditava que cada
homem, ao cooperar com a sociedade, era, em realidade, um verdadeiro
funcionário público.
Por
isso tudo, Lins entendeu que, a exemplo dos feudos da Idade Média,
os proprietários devem se constituir em meros gestores do
capital, detendo-o para bem administrá-lo em toda a sua
amplitude social, sem jamais possuí-lo. Resumindo: deter sem
possuir.
Socialização da Propriedade
O
jus utendi, fruendi et abutendi (o direito de usar, fruir e
dispor) a propriedade pelo proprietário é, no conceito
positivista, de um lado irreal e, por outro, desprovido de justiça.
[Aforismo jurídico: Dominium est jus utendi, fruendi
et abutendi re sua quatenus juris ratio patitur. Domínio
é o direito de usar, fruir e dispor do que é seu, até
o ponto em que o permite a razão do direito.]. No Comtismo,
a solução da questão social consiste em se
imprimir à gestão do capital o caráter relativo
e social que lhe impõe a sua origem. Sobre essa matéria,
ouça-se Lins:
Nenhuma
propriedade podendo ser criada, nem mesmo transmitida pelo seu possuidor,
e carecendo, sempre, de imprescindível e preponderante cooperação
pública, sua utilização não deve ter nunca
uma finalidade exclusivamente individual.
A
captação de impostos, notadamente o de renda, configura
a participação do cidadão no evolver da sociedade,
estimulando progressivamente, em última instância, a socialização
da riqueza. Portanto, repartir a riqueza tem importância tão
elevada quanto produzi-la.
Lins,
lembrando Condorcet, comenta ainda:
Em qualquer nação
bem organizada, (....) o necessário à subsistência
do indivíduo deve ficar isento de qualquer imposto. E, por
outro lado, toda a parcela deste que não for empregada tendo
em vista o bem público, deve ser tida como um roubo.
A
Indústria Moderna e o Salário
A instituição de
uma cota mínima, um salário mínimo, para o trabalhador
é um dos postulados do Positivismo. Tal cota, obviamente, deve
atender às necessidades mínimas do operário e de
acordo com os padrões e com o nível de riqueza em cada
época. É, por assim dizer, o corolário de um princípio
do Positivismo que reconhece os direitos de cada qual como resultantes
dos deveres dos outros para com ele. Por isso, Comte pensou que
o salário deveria se compor de duas partes: uma fixa, comum
a todos os empregados, e, outra, variável, proporcional à
produção de cada um.
Deve-se
acrescentar ainda que Comte defendia que o trabalho hebdomadário
não seria superior a cinco dias, e, em cada dia, as horas de
trabalho não excederiam jamais a seis.
O
salário-mínimo surgiu no Brasil em meados da década
de 30. O Governo Revolucionário (de inspiração
castilhista, portanto positivista) de Getúlio Vargas (amado pelo
povo e detestado pelas elites) criou o Ministério da Educação
e Saúde, entregue a Chico Campos, fundou a Universidade do Brasil
e regulamentou o ensino médio em bases que duraram décadas.
Criou, simultaneamente, o Ministério do Trabalho, entregue a
Lindolfo Collor, que promulgou, nos anos seguintes, a legislação
trabalhista de base, unificada depois na Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT), até hoje vigente. Criou, ainda,
o direito de livremente se sindicalizar e de fazer greve, o sindicato
único e o imposto sindical que o manteria, as férias pagas,
o salário-mínimo, a indenização por tempo
de serviço, a estabilidade no emprego, o sábado livre,
a jornada de 8 horas, a igualdade de salários para ambos os sexos
etc. Darcy Ribeiro recorda: Getúlio obrigou o empresariado
urbano de descendentes de senhores de escravos a reconhecer os direitos
dos trabalhadores. Os politicões tradicionais, coniventes, senão
autores da velha ordem, banidos por ele do cenário político,
nunca o perdoaram. A
Lei nº 185 de janeiro de 1936 e o Decreto-Lei nº 399 de abril
de 1938 regulamentaram a instituição do salário-mínimo,
e o Decreto-Lei nº 2162 de 1º de maio de 1940 fixou os valores
desse mesmo salário-mínimo, que passou a vigorar a partir
do mesmo ano. O País foi dividido em 22 regiões (os 20
coma
existente na época, mais o Território do Acre e o Distrito
Federal) e todas as regiões que correspondiam a Estados foram
divididas ainda em sub-regiões, num total de 50 sub-regiões.
Para cada sub-região foi fixado um valor para o salário-mínimo,
num total de 14 valores distintos para todo o Brasil. A relação
entre o maior e o menor valor, em 1940, era de 2,67.
Incorporação Social do Proletariado
O pensamento de Comte, resumido
por Lins, no que concerne à incorporação social
do proletariado, resume-se a três condições essenciais:
I) o direito de desenvolver o operário e a vida de família,
assegurando-se-lhe, através de seu próprio trabalho,
a subsistência;
II) o direito de receber uma instrução que abranja todos
os resultados essenciais da evolução científica,
filosófica, literária e estética da Humanidade;
III) a necessidade de se tornar o proletariado, em seu conjunto, capaz
de preencher um papel social fiscalizando, em colação
com os intelectuais, o exercício do poder e a administração
da riqueza.
Finalizando
a resenha deste capítulo, pode-se verificar, salvo melhor juízo,
que, a todo instante, a tônica básica dos preceitos daquele
que foi o fundador da sociologia, é, permanentemente, uma preocupação
humanista, ainda que autoritária.
Mondin, resumindo as bases do
Positivismo, que se inserem perfeitamente neste momento, diz:
Por
um lado, ele [o Positivismo] propõe-se a libertar
o homem de todas as alienações ideológicas que
o haviam anteriormente agrilhoado à religião e à
metafísica; por outro lado, pretende adquirir um conhecimento
exato do homem como ser social, valendo-se do método das ciências
experimentais: como as ciências são idôneas para
formular as leis relativas ao desdobramento dinâmica da realidade
natural, assim também devem ser idôneas para formular
as leis relativas ao desdobramento dinâmico da realidade natural,
assim também devem ser idôneas para formular as leis
relativas ao desenvolvimento do mundo social humano.
AUGUSTE COMTE
E A DEMOCRACIA
A
primeira observação a ser feita é que apesar de
os homens não serem iguais entre si – segundo Comte –
o princípio da igualdade veio concorrer para realçar a
dignidade do homem, desprezada pelo poderoso regime feudal prevalecente,
derrubando as desigualdades existentes, por nascerem uns, na observação
de Voltaire, de celas às costas, enquanto outros, desde o
berço, já traziam esporas aos pés.
Por
não serem todos os homens iguais nem ao menos equivalentes, não
podem, por conseguinte, ter os mesmos direitos. Segundo Lins, cabe ao
homem, todavia, livremente desenvolver sua atividade pessoal no sentido
de, ao utilizar suas aptidões, colaborar para a existência
coletiva e o bem comum. Foi
nesse sentido que Comte, após reconhecer no homem, desigualdades
físicas, desigualdades intelectuais e desigualdades morais, referiu-se
à igualdade como uma mentira imoral.
Não sendo, pois, iguais
nem tampouco equivalentes, segundo o Positivismo, os homens –
quanto aos aspectos físicos, quanto à moralidade e quanto
à intelectualidade – são tão-somente semelhantes,
constituídos sobre um tipo parecido, no qual, entretanto,
figuram em proporções diferentes as qualidades fundamentais.
Por
isso, Comte entendeu que o exercício da soberania pelo povo era
uma mistificação opressiva, e Flaubert ao se
referir ao sufrágio universal, considerou-o a vergonha do
espírito humano, porquanto, segundo ele, um sábio
poderia ser derrotado por dois imbecis.
No
campo científico ou das belas letras, para Comte, a questão
é a mesma, e observa:
Se
um empreendimento depender de alto valor intelectual, como, por exemplo,
uma grande concepção científica ou poética,
não haverá reunião de espíritos vulgares,
por mais vasta, capaz de lutar, de qualquer forma, com um Descartes
ou um Corneille.
Não
havendo restrição alguma na escolha dos mandatários
da nação, pode resultar que todo bom orador, independente
de quaisquer antecedentes, pode, nos regimes democráticos, aspirar
ao poder, ficando, assim, as democracias expostas à mediocridade
e ao charlatanismo. Sobre tal ponto Comte ponderou: ...poderá
sempre o mais absurdo charlatanismo, pela magnificência de suas
promessas, obter, junto de uma sociedade sofredora, privada de toda
esperança racional, momentâneo sucesso, apesar da evidente
inanidade dos diversos ensaios anteriores.
Para
Comte não há um governo ideal único. Pode um governo
servir para um determinado povo e não servir para outro. Há
portanto tantas soluções boas quantos os povos existentes.
Assim, a política científica deve, através de observação
criteriosa e análise aprofundada, determinar o regime de governo
exeqüível para cada sociedade, adaptando-se da melhor forma
possível, ao povo a que se destina.
Afirma
Lins que não há panacéia política e
todo o regime de governo tem de se subordinar aos dados da observação.
Devem ser levados em conta, assim, os antecedentes sociais e o
estado de civilização do povo. É nesse sentido
que um regime que possa ser ótimo para a Rússia ou para
a Espanha, poderá não ser (e geralmente não é)
bom para o Brasil, para a Argentina ou para os Estados Unidos da América,
cujas condições sócio-econômico-culturais
não são evidentemente as mesmas. Mas isso não significa
que a solução esteja em uma ditadura republicana, qualquer
que seja a sua coloração.
Montesquieu,
referenciado por Lins, também agasalhou os princípios
anteriormente discutidos, enfatizando que só por um acaso
mui grande podem as leis de uma nação convir a outra.
Para
Comte, recordando a história, a questão social resume-se
a reorganizar sem Deus e sem rei. Tal afirmação
cabia como uma luva, quer para Voltaire, quer para Rousseau. O primeiro
postulou a derrubada do altar conservando o trono, o segundo mantinha
a teologia, acabando com a realeza. Comte,
no seu entendimento, veria realizado o ideal de Diderot, que imaginou
no poema Os Possessos da Liberdade, que o último
rei seria enforcado com as tripas do último padre. Enfim,
Comte, pretendeu, com suas idéias e sua doutrina, onde o
absoluto e a metafísica são impossíveis e nem sequer
devem ser apresentados como objetos de estudo, elaborar um sistema
social, onde a teologia e a metafísica seriam trocadas pela ciência,
a república substituiria a monarquia e a guerra seria extirpada
do Planeta, dado lugar ao trabalho industrial organizado.
Sinceramente,
eu acho esse negócio todo muito chato e muito autoritário.
Até admito que as teologias e as monarquias são retrógradas,
mas se acabarem com a Metafísica eu ficarei a pão e água.
Imaginem só o mundo, o tempo todo, sem parar, entra êmbolo
sai êmbolo, como essa máquina aí embaixo. Se eu
ficar olhando para essa animação por quinze segundos,
dou um bocejo. Em trinta estarei quase dormindo. Mas se eu insistir
em ficar olhando e não adormecer, perderei a consciência,
a motricidade voluntária, a sensibilidade... e entrarei em estado
letárgico típico do coma cárus, caracterizado pelo
desaparecimento de todas as reações motoras e pelo surgimento
de problemas oculares e vegetativos, e poderei passar para o lado de
lá por anoxia! Isso seria terrificamente boriskarloffiano, mas
a culpa seria do Auguste e o Boris Karloff não teria nada com
isso. Há umas coisas no Positivismo muito cinzentas. Acabar com
a Metafísica é uma delas. O mais curioso é que
Comte foi o maior metafísico de todos os positivistas!
AUGUSTO COMTE
E A EDUCAÇÃO
O Homem
Na
bela imagem de Comte, o homem é um ser, um monumento que
tem por pedestal o corpo e por estátua a alma. Por
esse motivo, não pode a educação visar a outro
objetivo, que não seja a cultivação integral do
ser humano.
Nesse
particular, ouça-se Lins:
...
cultivo de seu físico,
que é o pedestal de sua alma; cultivo de sua alma, subdividido
em cultivo do coração ou cultura moral; cultivo da inteligência
ou instrução, sob os mais variados aspectos: estética,
científica, técnica e filosófica; e, afinal,
cultivo do caráter ou capacidade de agir, de modo a se realizar
o ideal do poeta romano ao aspirar, para todos os homens, uma alma
sã em um corpo são.
O
Positivismo dá grande importância à educação
na primeira infância, e por via de conseqüência, ao
papel da mãe na formação do caráter e dos
princípios de moralidade na criança, cuja base, para o
resto da vida é insubstituível.
A
Cultura Estética
O
estudo das belas-artes far-se-á através da poesia, da
música e do desenho. O aprendizado de outras línguas além
da própria, facilitará o contato com os mais seletos pensamentos
dos mais eruditos filósofos e espíritos do passado. Cultivar
a boa música – Mozart, Beethoven, Rossini, Chopin e outros
– e apreciar as belas artes – Miguel Ângelo, Portinari,
Rembrandt, Da Vinci e outros – só enriquecerá o
espírito e suavizará as paixões.
A
Cultura Científica, a Cultura Intelectual e a Cultura do Caráter
Deve
o homem esforçar-se para conhecer matemática, astronomia,
física, química e por intermédio da sociologia
e da biologia, conhecer o próprio homem.
Para
Comte, na observação de Lins, todo e qualquer ensinamento
científico que não começasse pelo estudo de matemática
pecava pela base, e acabava por malograr, caso não fosse completado
pela instrução da moral. Nesse sentido, todos os que se
entregam à cultura científica devem obrigatoriamente se
familiarizar com os preceitos e as discussões teórico-filosóficas
de todos os grandes pensados do passado desde Tales, Demócrito,
Sócrates, Platão, Aristóteles e Santo Agostinho
a Descartes, Kant, Hegel, Lavoisier, Einstein, Galileu, Bacon, Pasteur
e tantos outros.
Os
benefícios da cultura intelectual – que pode até
se constituir em um dos principais lazeres de cada um – consolidam
sentimentos generosos e altruísticos, evitando oscilações,
eis que, fundada em convicções indestrutíveis,
suplanta sentimentos inferiores e paixões de qualquer ordem.
Pela cultura o homem aspira e pode alcançar a perfeição,
ou, pelo menos, gradualmente, pode se aperfeiçoar ininterruptamente
ao longo da vida. A
cultura dá ao homem, progressivamente, coragem, prudência
e firmeza (confiança). No entender de Cunha Seixas, ao analisar
a questão da virtude, explica que esta dá lugar a quatro
espécies de virtudes fundamentais: prudência, temperança,
fortaleza e justiça. Estas virtudes só são
desenvolvidas pela aquisição sistemática da cultura
do caráter.
Quanto
às ponderações anteriores, deve-se considerar que,
assimilar todos os pormenores de uma única ciência, já
seria obra gigantesca; que dirá abarcar todo o campo do saber
atual. Tal é impossível, além do que, exigiria
excepcional memória. Por isso, propõe Lins estudar
de cada ciência apenas o indispensável para que
se faça a ponte entre todo o saber das ciências, coordenando-as
umas em relações a outras e cada qual em relação
ao conjunto. Isso não é, a meu juízo, inteiramente
correto, pois não é possível, por exemplo, alguém
ser engenheiro nuclear sem saber profundamente matemátuca, ou
ser um bom psiquiatra sem conhecer, pelo menos, toda a obra de Freud.
E também um químico que não tenha uma sólida
base de física jamais poderá ser um bom profissional.
Et cetera. No âmbito das religiões contemporâneas
o que mais se vê são padres e pastores culturalmente 'rasteirizados',
e exatamente por isso as besteiras que dizem arrombam os ouvidos de
quem tem alguma cultura. Isso sem considerar as barbaridades hipotético-salvíficas
que propõem.
Seguindo.
Lembra Lins que foi exatamente por falta de cultura do conjunto das
ciências, que povos inteiros têm se deixado envolver e empolgar
com doutrinas pueris e frágeis, como foi, recentemente, a aceitação
do povo alemão da teoria das raças, de que se valeram
os próceres nazistas para a expansão dos mais inconfessáveis
recalques. Em outras palavras, a aceitação e a admissão
de um povo ariano cuja superioridade racial só pôde ter
guarida, conforme afirmou-se, dada à completa falta de conhecimento,
no mínimo de história e de biologia. Tal teoria, já
frisava Alexandre Herculano, é tão perigosa quanto
absurda.
Ao
encerrar este capítulo, reproduz-se o pensamento conclusivo de
Lins:
Em
nenhuma outra época se apresentou, portanto, aos intelectuais
tarefa e tamanha envergadura e magnitude. Acha-se, hoje, na ordem
do dia, o estabelecimento de um sistema de cultura integral do homem,
baseado nas conclusões insofismáveis da ciência,
de modo a inaugurar-se, afinal, um regime de atividade plenamente
pacífica de congraçamento entre os povos.
AUGUSTO
COMTE
E A RELIGIÃO
No Positivismo, a palavra religião
seria equivalente a síntese. O regime objetivo é alcançar
a unidade, onde todos os atributos da humana existência sentimento,
inteligência e atividade – convirjam para um destino comum.
Para Diderot, a religião natural é aquela que
não existe em certas épocas e países, sendo de
todos os tempos e lugares.
Para
os positivistas, a religião só pode estar alicerçada
na ciência, uma vez que a unificação da sociedade
e sua orientação para um destino comum só serão
possíveis se estiverem fundamentadas no real conhecimento do
homem e do mundo. Concepções sobrenaturais, freqüentemente,
só têm trazido cizânia, ódio, discórdia
e fatalmente morte. Nos
períodos de exaltação e de luta, não é
raro vermos a democracia matando em nome da liberdade e a fé
religiosa trucidando em nome de Deus. (Discurso do Presidente Getúlio
Vargas, na Sessão da Câmara dos Deputados, de 8 de dezembro
de 1925, reproduzido nos Documentos Parlamentares, vol. III,
páginas 573 e 574).
Comte,
no que concerne ao caráter religioso do homem, que progride para
o estado de completa unidade, assegura que: ... os homens se tornam
progressivamente mais religiosos, e tanto mais quanto mais se projetarem
no futuro, de vez que o espetáculo histórico nos demonstra
apresentar a espécie humana dia a dia maior convergência
de sentimentos, idéias e atos.
Para
os positivistas, e para Lins em especial, dia virá em que o planeta
Terra tornar-se-á patrimônio universal abrigando uma só
Humanidade. Haverá, então, um estado de religiosidade
total, no qual a tônica predominante será a harmonia em
todos os campos; as divergências substantivas terão desaparecido
e o congraçamento alcançará um ponto tão
elevado que a tolerância recíproca e o entendimento superarão
todo e qualquer entrave ao contínuo progresso da Humanidade.
Foi pensando nessa religião do futuro que Comte propôs
o mais profundo e singelo lema: O Amor por princípio e a
Ordem por base; o Progresso por fim. Nesse
sentido, mais uma vez pode-se observar com exatidão o que ao
longo do presente estudo parece ter ficado patente: o Positivismo assume
uma forma eminentemente objetiva e empírica.
Para
encerrar este sintético estudo sobre o Positivismo, acrescenta-se,
a título de complementação, o pensamento de Soares
sobre a Religião da Humanidade, criada por Comte:
Como
conseqüência de toda a sua orientação sociológica,
proclamando a incompatibilidade do Catolicismo com o estado positivo,
conduzindo o espírito de conjunto ao princípio de 'viver
para outrem', Comte chegou à criação de uma religião.
Religião sem Deus, tendo por único objeto de veneração
o Grão Ser, isto é, a Humanidade como conjunto de todos
os homens futuros, presentes ou passados, que trabalharam, trabalham
ou trabalharão pelo bem comum. A revolução espiritual
de Comte, seu 'renascimento moral', que foi o fator predominante na
criação da religião, ele próprio atribuiu
à influência de Clothilde de Vaux.
_______
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A
presente recensão, pela forma minuciosa como foi elaborada e
dividida em quatro arquivos, talvez dispensasse a apresentação
de conclusões. Também estabelecer conclusões sobre
a obra de Comte, vindo particularmente da pena de um neófito
como eu, constituir-se-ia, certamente, em uma incomparável temeridade,
ainda que eu discorde inteiramente de muitas proposições
de Comte. Apresentar-se-á, assim, em substituição,
algumas considerações finais, recordando os pontos fundamentais
alcançados por esta monografia, e também, enriquecendo,
ainda, com algumas ponderações.
O
Positivismo antimetafísico fundado por Comte estabeleceu o que
se pode denominar de relativismo científico. A Metafísica
e o Absoluto são impossíveis, como são impossíveis
o Misticismo e a Iniciação. Os fenômenos futuros
podem ser previstos através da ciência, ou seja, através
do pleno conhecimento das leis que regem os fenômenos. Fora dessa
linha de ação, nada.
A
espinha dorsal do sistema de Comte, segundo Stuart Mill, baseia-se na
Lei Três Estados, ou seja, as manifestações intelectuais
passam, separadamente e em momentos distintos, pelos estados teológico,
metafísico e positivo. Entretanto, a caminhada da sociedade –
que é sempre ascendente – não se opera, sempre,
de forma constante, oscilando em espaços de tempo variáveis.
Por
outro lado, Comte teve a sensibilidade de perceber que os fatos psicológicos
estão vinculados ao social, e que para um indivíduo isolado
apenas prevalecem as opiniões, não havendo mentira ou
verdade. Nesse sentido, a objetividade do conhecimento que a Humanidade
adquiriu acha-se valorizada basilarmente no aspecto coletivo, global,
vale dizer social. Assim, por exemplo, no Positivismo, o laissez-faire1
constituía-se na maior aberração com que a sociedade
poderia ser penalizada. No que aparentemente este exemplo possa não
se adequar à questão psicológica, subjacentemente,
muito, ou tudo, tem de fundamental no que concerne às expectativas
e anseios de uma coletividade oprimida. A época de Comte mostrou
isso.
Entretanto,
se Comte sempre esteve mais à esquerda no que tange ao social
e ao econômico, seu pensamento não pode ser confundido
com Socialismo ou com Comunismo, e muito menos com Liberalismo. Sempre
preferiu a evolução à revolução (e
nisso se assemelhou a Louis-Claude de Saint-Martin), e acreditava que
toda e qualquer mudança deve ser acompanhada de reestruturações
morais e intelectuais.
No
que concerne à Democracia, Comte, no sentido estrito do termo,
não foi um democrata. Referiu-se à igualdade como mentira
moral e o exercício da soberania pelo povo era, para ele,
uma mistificação opressiva. A preocupação
de Comte era de que charlatães alcançassem o poder, às
expensas de promessas vãs, e piorassem a situação
do povo. Por isso, não propôs um sistema único,
exclusivo, de governo. Cada povo, de acordo com sua cultura, tradição
e momento histórico, deveria escolher a melhor forma para o governo.
No
campo educacional, Comte pregou a educação integral do
homem, aspirando para toda a Humanidade uma mente sã em um corpo
são.
No
que toca à religião, criou Comte uma religião sem
Deus, na qual o objeto maior de veneração era o Grão
Ser, ou seja, a Humanidade. Em um certo sentido, isto está de
acordo como Ateísmo Místico que professo e que venho expressando
em diversos textos publicados no Website
Pax Profundis.
Enfim,
talvez não seja usual já nas conclusões buscar
opiniões de outros pensadores, mas, fugir às regras pré-estabelecidas,
algumas vezes, torna-se proveitoso e elucidativo. De Soares pode-se
aduzir algumas informações úteis:
1.
O 'pai espiritual' – dito pelo próprio Comte –
do filósofo não é Saint-Simon, mas Condorcet,
a quem atribui profunda influência em sua formação.
2. Comte assemelha-se a Kant em dois pontos particulares: negação
da Metafísica e relatividade do conhecimento.
3. A cisão com Saint-Simon parece estar apoiada em dois fatos:
Saint-Simon privilegiava os industriais à frente da sociedade,
enquanto Comte reservava tal lugar aos sábios; e, por outro
lado, Comte, ateu, combatia toda e qualquer inclinação
religiosa de sentido deísta, enquanto Saint-Simon tolerava
a religiosidade.
Soares
ressalta alguns erros de Comte, que se considera oportuno transcrever:
Comte
considerava que as descobertas científicas, alcançando
certo grau de generalidade (como, por exemplo, a lei de Mariotte),
não devem ser alteradas. Temia que processos de aperfeiçoamento,
sem objetivo imediatamente definido e útil, sacrificassem a
boa ordem do saber já disciplinado. Era o que ele chamava 'curiosidade
sempre vã e perturbadora'.
Concorreram para a atitude
do Filósofo sua paixão pela ordem como base do progresso
e a preponderância que o sentimento religioso tomava em seu
espírito. Depois de haver sistematizado o quadro de seus conhecimentos,
Comte aboliu qualquer novo estudo. Não tomou conhecimento da
revolução matemática que o século XIX
vinha preparando, considerando a matemática disciplina já
constituída, que não podia ser modificada. Os protestos
que levantou contra os abusos das investigações microscópicas
parecem inspirados em Bacon com relação ao telescópio.
A crítica de Comte a Fresnel é um aspecto dessa oposição
ao aperfeiçoamento dos aparelhos de óptica, oposição
responsável também por sua incredulidade à análise
química dos astros.
O próprio Comte, que
formulou interdição ao mais amplo desenvolvimento da
ciência, procurando restringir sua liberdade ('Não é
tolerável que qualquer homem, competente ou não, ponha
todos os dias em questão as próprias bases da sociedade'),
admitia a utilidade da ciência num futuro imprevisível;
o marinheiro de hoje, que procede a determinações astronômicas
para assegurar o curso da viagem, está aproveitando descobertas
matemáticas sobre os cones, descobertas gregas, feitas há
mais de dois mil anos. Entretanto, no 'Système', I-510, chega
a restringir a astronomia ao sistema solar e desdenhou da descoberta
de Leverrier. Há contradição entre o princípio
comtiano, que procura limites para as investigações
científicas, e a insistência de Comte, 'Cours', VI-471,
na necessidade da hipótese, considerando o empirismo absoluto
'não somente inteiramente estéril, como também
radicalmente impossível à nossa inteligência'.
Finalizando
este trabalho, alude-se à opinião de Mill, esboçada
na obra On Liberty sobre o sistema de Política Positiva,
obviamente uma flagrante contradição com a opinião
agasalhada por Lins sobre o Comtismo e sua doutrina.
Augusto
Comte, (...) cujo sistema social, conforme apresentado no
'Système de Politique Positive', tem em vista estabelecer (embora
lançado mão de meios morais ao invés de legais)
um despotismo da sociedade sobre o indivíduo que ultrapassa
tudo quanto pretendia o ideal político do disciplinador mais
rígido entre os antigos filósofos.
Para
concluir, eu penso que Auguste Comte tenha sido um homem de bem –
um Filósofo bem-intencionado – mas que sucumbiu ao seu
autoritarismo, que particularmente no século XX (nomeadamente
no Brasil) encontrou adeptos das mais variadas inclinações,
que nunca retrocederam um milésimo em aniquilar seus oponentes
para dar curso às suas idéias políticas. Olga Benario
Prestes foi uma mártir da sanha autoritária positivista
da ditadura Vargas, e como escreveu Graziela Salomão, é
um exemplo de coragem, determinação e convicções
políticas. Defendeu seus ideais e mostrou força em um
momento histórico fragilizado pelas duas Grandes Guerras Mundiais
e pelo Nazismo de Hitler. Getúlio Vargas, como ato de vingança
pessoal a Luiz Carlos Prestes – o Cavaleiro da Esperança
– e na tentativa de conseguir uma aproximação com
o regime nazista, decidiu deportar Olga para a Alemanha, que, na época,
estava grávida de Anita Leocádia. Em fevereiro de
1942, Olga foi executada junto com outras 200 prisioneiras na câmara
de gás de Bernburg. A notícia de sua morte veio através
de um bilhete escondido na barra da saia de uma presa.
Coisas
como essas me causam tamanha indignação, que, por uma
fração de segundo, eu chego até a considerá-las
imperdoáveis. Apesar de estar plenamente consciente de que não
tenho o direito de julgar nada nem ninguém, penso que o Doutor
Getúlio passou dos limites no caso Olga. Mas, misticamente,
tudo faz sentido, tudo acaba sendo bom.
Rio
de Janeiro, 21 de julho de 2006.
_____
Nota:
1.
O laissez-faire é a atitude que consiste em não
intervir, ou seja, é o ato de manter a neutralidade. No âmbito
da Economia Política, é a doutrina que preconiza a liberdade
absoluta de produção e de comercialização
de mercadorias. Foi o lema da fisiocracia francesa do século
XVIII, depois defendido radicalmente pela Inglaterra, que lutava por
mercados para os seus produtos. O laissez-faire, com o desenvolvimento
do Capitalismo, evoluiu para o Liberalismo Econômico.
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