Este
ensaio (ligeiramente atualizado nesta oportunidade, incluindo, também,
algumas fotografias e animações) foi
escrito em fevereiro de 1990 especificamente
para um um ciclo de palestras para professores da antiga Escola Técnica
Federal de Química do Rio de Janeiro, da qual fui professor de
Química por alguns anos – uma adaptação de
um trabalho que apresentei na Universidade Gama Filho em uma das disciplinas
do Programa de Doutorado em Filosofia. Para poder ser didático
na exposição, evitei, naquela oportunidade, apresentar
o pensamento de Comte diretamente, preferindo elaborar o texto principalmente
com base nas reflexões de alguns comentadores e no meu próprio
razoável conhecimento da Doutrina. Para esta divulgação
interpus algumas apreciações críticas quando julguei
que eram convenientes e indispensáveis. Apesar de este não
ser um procedimento rigorosamente científico, pois é preferível
e recomendável que se usem sempre fontes primárias para
os textos em que elas estejam disponíveis, ainda assim penso
que seja interessante e útil divulgar este trabalho neste Website
desta forma, porque não são poucas as pessoas que se referem
ao Positivismo sem saber exatamente o que esta sedutora Doutrina propõe.
E não podemos esquecer (ou não saber) de que a não-gloriosa
Revolução de 64 no Brasil, com a sua execrável
hereditariedade sociocrática comtista, foi construída
em bases eminentemente positivistas que vinham de muito longe, antes
mesmo da Proclamação da República (com a quartelada
de Deodoro da Fonseca e dos positivistas brasileiros) em nosso País
com,
por exemplo, os apóstolos da Humanidade
Miguel Lemos (1854-1917) fundador da Igreja Positivista do Brasil e
Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927) autor da Bandeira Nacional Republicana
e um incansável verberador contra o 'egoísmo burguesocrático'.
Assim, o próprio dístico da bandeira brasileira é
positivista: Ordem e Progresso.
E
mais: nos tempos em que estamos vivendo em nosso País (julho/agosto/setembro
de 2005) há algumas cabeças coroadas com coroa de chumbo
(que acabam influindo as cabeças
sem coroa e sem raciocínio próprio) que
andam sentindo saudades daqueles recentes tempos plúmbico-sociocráticos
– que não deixaram nenhuma saudade. Deixaram, sim, marcas
difíceis de serem esquecidas. O próprio Presidente Getúlio
Dornelles Vargas (1882-1954) era positivista, mas segundo o positivista
ortodoxo Rubem Descartes de Garcia Paula, Getúlio renegou,
esqueceu-se do que sabia do Positivismo e das ligações
que tivera com a obra de Castilhos, sobretudo a partir de 1937, quando
assumiu a ditadura fascista-integralista (inverti, sem modificar,
a ordem da citação para se adaptar ao texto). E, um pouco
mais à frente, é fácil de se compreender, em parte,
a queda do Presidente Fernando Collor de Mello – o caçador
de marajás –
pois sua aversão confessada pelo Congesso Nacional
também vinha de longe, pois seu avô Lindolfo Collor (1890-1942)
–
primeiro Ministro do Trabalho do Governo Provisório
instalado após a Revolução de 1930 que promulgou
a legislação trabalhista de base, unificada depois na
CLT –
também era positivista. No sistema presidencialista,
presidente que resiste em cortejar o Congresso está frito. E
Collor foi politicamente fritado. O fato é que os positivistas
(e aqueles que simpatizam com esta Doutrina) simplesmente abominam a
Democracia e os poderes da República, do qual o Congesso é
um deles. Então? Retroceder? Nunca. Portanto, este texto se justifica
por si próprio.
A
bibliografia utilizada está apresentada no final do ensaio, e
para concluir esta introdução, deixo para reflexão
a seguinte pergunta: o que será pior e mais danoso para o povo
e para um Estado, uma ditadura (autoritária, totalitária,
republicana, religiosa etc.) ou a corrupção? Não
esqueçamos de que em regimes de força a imprensa sobrevive
(quando sobrevive)
amordaçada. E não há nada mais útil
e benéfico para a instalação e proliferação
da corrupção do que uma imprensa com mordaça. Mas
não se pode desqualificar in totum o Positivismo. Há
pontos de indiscutível valor que, infelizmente, estão
misturados em uma salada sem possibilidade de liga. A Religião
da Humanidade, proposta por Comte, é apenas um metafísico
exemplo da contradição positivista. E a força armada
para conquistar o poder é outro. Os tanques e os canhões!
Mas, quando o homem não consegue, a Natureza se incumbe de pôr
fim aos impérios, porque, como tudo, eles nascem, mas acabam
morrendo! O Império Otomano durou quase seis séculos,
mas pode-se admitir que terminou quando o Egito se libertou da condição
de protetorado britânico em 1922. O Império Austro-húngaro,
que foi estabelecido em 1867, foi dividido em 1918; e o império
dos czares eclipsou-se em 1917.
DADOS
HISTÓRICOS E BIOGRÁFICOS
|
Auguste
Comte |
Isidore
Marie Auguste François Xavier Comte nasceu na Cidade de Montpellier,
sul da França, em 19 de Janeiro de 1798, e faleceu em Paris em
15 de Setembro de 1857. É considerado o fundador e o pai do Positivismo
e da Sociologia. O termo Positivismo foi possivelmente usado pela primeira
vez na escola de Claude Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon, (1760-1825)
– teórico do Socialismo Utópico – e que, segundo
Marcuse, na obra L'Uomo a Una Dimensione, de 1969, designa:
a) convalidação do pensamento cognitivo por meio da
experiência factual; 2) orientação do pensamento
cognitivo para as ciências físicas como modelos de certeza
e de exatidão; e c) persuasão de que o progresso do conhecimento
depende de tal orientação. O pensamento saint-simoniano
pode ser sintetizado no lema: A cada um segundo sua capacidade,
a cada capacidade segundo seu trabalho.
Marcuse,
na obra supracitada, resume que o Positivismo é uma luta
contra todas as metafísicas, contra todos os transcendentalismos
e idealismos, considerados modos de pensamento obscurantistas e regressivos.
Obviamente a metafísica e o pensamento místicos estão
incluídos nessa síntese, o que pessoalmente, me afasta
so Sistema Comtiano.
Entre
1818 e 1824, Comte – que recebeu influências de cientistas
de renome, como o físico Sadi Carnot (1796-1832), o matemático
Lagrange (1736-1813) e o astrônomo Pierre Simon Laplace (1749-1827)
– foi secretário e colaborador de Saint-Simon, mas acabou
por romper com seu inspirador para ministrar autonomamente seu primeiro
curso de Filosofia Positiva. Comte separou-se de Saint-Simon acusando-o
de ter furtado e publicado um escrito seu intitulado Planos de Trabalho
Científico Necessários à Reorganização
da Sociedade. Todavia, por ironia do destino(!), teve que viver
os últimos 34 anos de sua vida sob a proteção pecuniária
de seus simpatizantes, eis que perdeu seu posto de examinador de admissão
na Escola Politécnica e não conseguiu obter uma nomeação
oficial para ensinar matemática na mesma Escola. Chegou, inclusive,
a tentar o suicídio.
Em
outubro de 1844, Comte conheceu e se apaixonou platônica e perdidamente
por Clotilde de Vaux. Prometeu transformá-la em uma nova Beatriz
– a musa inspiradora de Dante Alighieri (1265-1321). Um ano depois,
Clotilde de Vaux morreu, e Comte acabou por se tornar o inspirador de
uma nova religião (a Religião da Humanidade), publicando
entre 1851 e 1854 a Política Positiva ou Tratado de Sociologia
Instituindo a Religião da Humanidade. Em 1852, publicou
O Catecismo Positivista ou Exposição Sumária
da Religião Universal.
O
Positivismo de Comte não pretendeu imediatamente estabelecer
uma nova filosofia nem alicerçar as ciências da época
sobre novas bases. Antes, tentou uma reforma da sociedade. Mora entende
que o sistema comtiano compreende basicamente três fatores, a
saber: em primeiro lugar, uma Filosofia da História que há
de mostrar porque a Filosofia Positiva é a que deverá
imperar em um futuro próximo; em segundo lugar, uma fundamentação
e uma classificação das ciências assentadas na Filosofia
Positiva; por último, uma Sociologia ou doutrina da sociedade
que, ao determinar a estrutura essencial da mesma, permita passar à
reforma prática e, finalmente, à reforma religiosa, à
Religião da Humanidade. A Filosofia Positiva de Comte não
se resume, por outro lado, apenas em uma mera organização
das ciências. Requer, fundamentalmente, uma ordem hierárquica
para poder ser implementada. A animação abaixo representa
esse pensamento.
A
Matemática encontra-se na base da pirâmide pelo fato de,
desde tempos imemoriais, ter alcançado o estado positivo, ou
seja, pela simplicidade de seu conteúdo. A Astronomia,
a Física, a Química e a Biologia., por apresentarem uma
complicação intrínseca, obriga que, nelas, o Positivismo
demore mais a se manifestar. Finalmente, no ápice da pirâmide,
tem-se a Física Social, posteriormente denominada de Sociologia,
que é, segundo Comte, a ciência cujos conteúdos
são mais concretos, e, por isso, penetrará com mais
demora na esfera da Doutrina Positiva. Sobre a Sociologia, ouça-se
Mora: A inclusão da Sociologia neste domínio é
o que caracteriza, no fundo, o advento do estado positivo total, da
fase na qual a Sociologia como ciência do homem e da sociedade
poderá, finalmente, ser convertida, pelo método narutalista,
em uma estática e em uma dinâmica do social. O Positivismo
de Comte, enfim, tem sedutoramente por base o amor como princípio,
a ordem como base, o progresso como fim.
Em
resumo, Abbagnano apresenta como teses fundamentais do Positivismo:
1ª
- A ciência é o único conhecimento possível
e o método da ciência é o único válido.
Portanto, o recurso a causas ou a princípios que não
sejam acessíveis aos métodos da ciência não
dá origem a conhecimentos, e a metafísica, que justamente
recorre a tal método, não tem qualquer valor.
2ª
- O método científico é puramente descritivo
no sentido de que descreve os fatos e mostra aquelas relações
constantes entre os fatos, que são expressas pelas leis e consentem
a previsão dos mesmos fatos (Comte); ou no sentido que mostra
a gênese evolutiva dos fatos mais complexos a partir dos mais
simples (Spencer).
3ª
- O método científico, enquanto é o único
válido, deve ser estendido a todos os campos da indagação
e da atividade humanas; a vida humana inteira, individual ou associada,
deve ser guiada por ele.
AUGUSTE
COMTE E A CIÊNCIA
Nenhum
filósofo agasalhou e demonstrou um entusiasmo tão exuberante
pela ciência quanto Auguste Comte. Nela depositou todas as suas
esperanças, e acreditou que, pelo pleno domínio de todas
as variantes do saber, o homem, um dia, haveria de se tornar mais desprendido
de sua animalidade natural, ou seja, mais enérgico, mais
inteligente e mais bondoso. Ora, disto ninguém pode discordar.
Com 21 anos, Comte afirmou: É preciso fundar, fora da Teologia,
uma ciência positiva, como a Astronomia, a Química e a
Fisiologia, cujas concepções sejam suscetíveis
de verificação. Nesse sentido, para Comte, a nova
ciência deveria vir depurada de toda e qualquer metafísica,
tornando-a coerente e homogênea por intermédio do método
científico. Assim, em 1830, na presença de vários
cientistas da época, após doze anos de ininterrupta pesquisa,
professou o seu Curso de Filosofia Positiva. Neste ponto também
concordo com Comte, pois nada pode ser mais atrasador para a Humanidade
do que essa quantidade interminável de religiões existentes,
que só apocopam, iludem e estimulam sentimentos preconceituosos.
Pior é quando alguns de seus confrades entendem de matar em nome
dos deuses.
Todo
o trabalho de Comte apoiava-se no estudo e no domínio do que
o filósofo denominou de ciências fundamentais, isto é,
aquelas que constam da pirâmide anteriormente apresentada. Tudo
se resume em ver para poder prever, e nos campos social e político
o espírito positivo acabaria por passar o poder espiritual para
o controle dos cientistas.
A
Lei dos Três Estados
O
que levou Comte a desenvolver a Lei dos Três Estados
foram os trabalhos do filósofo Condorcet, nos quais baseou todos
os seus escritos a partir de 1818. Segundo Codorcet, a civilização
se move de forma progressiva segundo leis naturais, e a observação
filosófica do passado pode prever e determinar cada época.
Baseando-se
no pensamento de Condorcet, Comte formulou a Lei dos Três Estados,
que é a espinha dorsal do seu sistema. Segundo Comte, pela
própria natureza do espírito humano, cada ramo de nossos
conhecimentos é necessariamente sujeito, em sua marcha, a pasar,
sucessivamente, por três estados teóricos diferentes:
o estado teológico ou fictício; o estado metafísico
ou abstrato; e, por fim, o estado científico ou positivo. No
primeiro, os fatos observados são explicados pelo sobrenatural,
ou seja, as idéias baseadas no sobrenatural são usadas
como ciência. Ainda nesta fase, a sociedade se encontra em uma
estrutura militar fundamentada na propriedade e na exploração
do solo. No segundo, já se encontram as idéias naturais,
mas ainda há a presença do sobrenatural nas ciências.
A indústria já se expandiu mas não totalmente,
e a sociedade já não é francamente militar. Pode-se
dizer que este estado serve apenas de estágio intermediário
entre o primeiro e o terceiro. No terceiro, ocorre o apogeu do que os
dois anteriores prepararam progressivamente. Neste, os fatos são
explicados segundo leis gerais de ordem inteiramente positiva. A indústria
torna-se preponderante tendo como atividade única e permanente
a produção.
Entretanto,
não se deve pensar que os três estados representem etapas
nítidas e delimitadas pelas quais a Humanidade tenha percorrido.
O sentido desta Lei, segundo o próprio Comte, é o de que
são as diversas manifestações intelectuais
que passam por essas três etapas, separadamente, e em momentos
diversos para cada uma delas. A própria evolução
que caracteriza a caminhada ascendente da Humanidade não se faz
por uma linha reta. Compõe-se, segundo o Filósofo de Montpellier,
de uma série de oscilações progressivas comparáveis
às que apresenta o mecanismo de locomoção. Assim,
no estado ou época religiosa o homem procura dar explicações
para os fenômenos recorrendo a causas sobrenaturais; metafisicamente
explica os mesmos fenômenos recorrendo a princípios recônditos
incomprovados; e apenas no estado positivo ou científico se esforça
para explicar os mesmos fenômenos por meio das leis naturais que,
por si só, são auto-explicáveis. O próprio
Comte perguntou: Quem de nós não recorda, refletindo
em sua própria história, que foi sucessivamente,
com respeito às noções mais importantes, 'teólogo'
na infância, 'metafísico' na juventude e 'físico'
na idade adulta? Bem, não posso deixar de discordar de Comte
quanto a este exemplo. Há uma imensa massa de pessoas que alcançam
a idade adulta (e até provecta), cientistas inclusive, que continuam
a viver naquilo que o filósofo categorizou de estado teológico.
Alguns chegam até a matar (e/ou mandar matar) em nome de um presumido
e suposto deus, na esperança de serem recompensados por esses
atos. E quanto ao estado metafísico, é preciso que se
faça uma substantiva distinção. Há dois
tipos básicos de Metafísica: um de cariz eminentemente
religioso; outro estritamente místico e iniciático. Se
assim é, os estados teológico e metafísico-teológico
são variações de um mesmo estado caractarizado
pela ignorância e pelos sentimentos desfavoráveis formados
a priori, isto é, pelo preconceito obliterante. E por
que apenas três estados na peregrinação humana rumo
à consciência autoconsciente da Consciência
Cósmica (que dorme nos entes que Dela
ainda não tomaram consciência)? Já tive oportunidade
de apresentar meu entendimento sobre essa matéria, e penso que
a reintegração dos seres está se fazendo (como
sempre se sefez) e se fará ad semper e ilimitadamente.
Finalizar em um estado qualquer (paradisíaco, límbico
ou infernal) seria estagnar, e não existe estagnação
no Universo.
Auguste
Comte e a Psicologia
Comte
entendeu que todos os fatos de ordem psicológica, em última
instância, decorrem do movimento daquilo que denominou de Física
Social. Edmond Goblot (1858-1935), professor de História e das
Ciências da Universidade de Lion assim explicou:
Comte
teve o mérito de haver sido o primeiro a compreender que todos
os fatos psicológicos decorrem da Sociologia, o que não
é mais contestado. Foi também o primeiro a reconhecer
que, para o indivíduo isolado, não haveria nem verdade
nem mentira, mas, apenas, opiniões, sendo a verdade um fato
social. Também foi Comte quem primeiro observou que a objetividade
do conhecimento, sem a qual não há verdade nem ciência,
se acha no caráter coletivo do conhecimento – em seu
valor interpessoal – logo social. Ainda foi Comte o primeiro
a salientar que, na ordem dos fenômenos afetivos, com exclusão
de algumas inclinações intrapessoais – que são
tendências inteiramente rudimentares e instintivas da vida animal
– todos os nossos sentimentos, mesmo egoísticos, são
inclinações interpessoais, e, conseqüentemente,
fatos sociais, cujo estudo é impossível fora da Sociologia.
Para
analisar este parágrafo de Goblot seria necessário um
texto completo. Vou apenas acrescentar, discordando do historiador,
que a verdade não é 'um fato social'. Se houver
uma Verdade Absoluta, esta jamais poderá ser alcançada
ou compreendida pelo homem (enquanto homem). A sociedade, geralmente,
gesta verdades(?) que lhe convêm (normalmente para
manutenção do poder que ela mesma pariu para se manter
ad æternum – enquanto puder –
montada nesse abominável poder), e muitas pessoas engolem essas
verdades(?) porque são incapazes de praticar um mínimo
de dialética, isto é, ainda estão inabilitadas
para refletir sobre as verdades relativas mais elevadas da escada
ilimitada da inalcançável e presumida Verdade
Absoluta(?), através da qual a personalidade-alma
se eleva, suposta e gradativamente, das aparências sensíveis,
ilusórias e objetivas às Atualidades Inteligíveis
ou Plano das Idéias Eternas. Se isto for possível
e contiver um mínimo de relativa verdade, a progressão
na percepção daquilo que se possa presumir ou admitir
como Verdade Absoluta (e repito: se existir), só
poderá se dar solitária e individualmente. In
Corde. Ad infinitum. Mas, o que poderá ser o
infinito? Como o infinito parece dar uma idéia de geração
ininterrupta, e como o que é, e como, ainda, nada pode aparecer
do nada, ser gerado do nada e sumir no nada – pois o nada ou
não existe ou é, sempre foi e será alguma coisa
– é aqui e agora que cada ente deverá se esforçar
para transmutar suas deficiências. Depois? Depois poderá
ou não existir. Dependerá de muitas coisas. Assim, se
há um caráter coletivo do conhecimento, ele
não é também mais do que relativo, e tão-só
um Caminho Peregrinante desbastará paulatinamente
os absurdos e as perplexidades dessa relatividade: In Corde. É
mais ou menos assim: Conhecimento —› Sabedoria (ShOPhIa).
E isto em nada se aproxima do egoísmo; pelo contrário:
faz contraponto com o voluntariado, com a solidariedade e com a fraternidade,
cujo pilares são a humildade e a renúncia. Estes comentários
estão em consonância com um texto que escrevi há
algum tempo A Caverna (Um Encontro Insólito com Platão),
que, oportunamente, poderá ser lido em:
http://paxprofundis.org/livros/caverna/caverna.htmL
A
Relatividade dos Conhecimentos Humanos
Aos
dezenove anos, em 1817, Comte propôs um aforismo verdadeiro (que
curiosamente contrasta em muitos pontos com sua doutrina) no qual pretendeu
repousar toda a epistemologia (estudo dos postulados, conclusões
e métodos dos diferentes ramos do saber científico, ou
das teorias e práticas em geral, avaliadas em sua validade cognitiva,
ou descritas em suas trajetórias evolutivas, seus paradigmas
estruturais ou suas relações com a sociedade e a história)
comtiana, qual seja: Tudo é relativo — eis o único
príncipio absoluto. Ao homem é possível somente
ter acesso ou obter conhecimento relativos, ou seja, fatos relacionados
a outros fatos, fenômenos em relação a outros fenômenos,
e assim por diante. Ravaisson, citado por Lins, comenta: Pela palavra
'positivo' Auguste Comte entendeu os fatos que conhecemos através
da experiência; e esses fatos são, afinal, a seus olhos,
coisas relativas. A Metafísica, ao contrário, propõe-se
a conhecer as coisas que existem por si mesmas, independentemente de
quaisquer relações, isto é, que existem de modo
absoluto, sendo, por conseguinte, uma ciência ilusória.
Ora, como explicar a Religião da Humanidade proposta por
Comte? Tudo isso é uma grande contradição. Comte,
sem sabê-lo ou sem tê-lo admitido, foi um dos maiores metafísicos
que a nossa Humanidade já produziu. Para ele, metafísicos
eram os outros. A sua Religião da Humanidade, da qual Comte,
desde 1847, autoproclamou-se Grande Sacerdote, apenas retirou do altar
os santos católicos e sacralizou no Calendário Positivista
– 13 meses iguais de 28 dias, com um ano bissexto, quando houvesse
necessidade de ajuste, tendo o ano 1 começado em 1/1/1789, ano
da queda da Bastilha e símbolo da Revolução Francesa
– os pensadores, líderes religiosos e cientistas de todos
os tempos [(1)Moisés, (2)Homero, (3)Aristóteles, (4)Arquimedes,
(5)César, (6)São Paulo, (7)Carlos Magno, (8)Dante, (9)Gutenberg,
(10)Shakespeare, (11)Descartes, (12)Frederico II e (13)Bichat)], fazendo
os mortos ensinarem os vivos, porém através de suas obras.
A liturgia positivista foi toda baseada no catolicismo romano e estabelecida
posteriormente na obra O Catecismo Positivista ou Exposição
Sumária da Religião Universal, de 1852. Usando o
raciocínio positivista, a coisa se passou mais ou menos como
se Comte tivesse migrado (retrocedendo) de um raciocínio aristotélico
para um fideísmo paulino. Émile Maximilien Paul Littré
(1801-1881), o líder máximo dos heterodoxos, considerou
o período religioso de Comte como um atraso para o Positivismo.
Mutatis mutandis, é como se um Iniciado se desligasse
de sua Ordem para se filiar a uma religião qualquer, ou alguém
que, já na idade adulta, passasse a acreditar em mula-sem-cabeça
(antiga lenda dos povos da Península Ibérica que, por
crendice, admitiam que as concubinas dos padres, por punição
e geralmente depois de mortas, metamorfoseadas em mula, saíam,
certas noites, cumprindo os seus fadários, a correr desabaladamente,
ao fúnebre tilintar de cadeias que arrastam, amedrontando os
supersticiosos). Concubina? Que palavra mais démodé!
Não sei porquê isso me lembra deflorar (retirar ou perder
as flores)! Flores?
Para
Comte todos os conhecimentos que o homem possui e catalogou são
relativos, de um lado ao meio como sendo suscetível de atuar
sobre ele, e de outro ao seu próprio organismo enquanto sensível
a essa ação. É mais ou menos como disse o filósofo
e sociólogo francês Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939):
Se a nossa espécie fosse cega, a astronomia deixaria de existir
para ela. Portanto, provavelmente, se a constituição
do nosso corpo físico fosse diferente, nosso conhecimento a respeito
do(s) Universo(s) certamente seria outro. O Positivismo –
conforme afirma Mora – é uma teoria do saber que se
nega a admitir outra realidade que não sejam os fatos, e a investigar
outra coisa que não sejam as relações entre os
fatos. Daí a aversão positivista pela Metafísica.
Nesse
sentido, portanto, as leis científicas não possuem valor
absoluto e sua incontestabilidade se verifica tão-só relativamente
aos tipos abstratos aos quais fazem referência. A relatividade
das leis científicas fica patente, por exemplo, na Lei da Gravitação
Universal de Newton, Na Lei da Conservação da Massa de
Lavoisier, na Mecânica Ondulatória de De Broglie, na Economia,
na política etc. No campo do misticismo, que o Positivismo abomina,
esta relatividade também é válida, pois o maior
ou menor sucesso de um estudante depende fundamentalmente de seu mérito
e do seu esforço leal nesse âmbito.
Comte
e a Evolução Científica
O
comtismo inquestionavelmente teve papel de relevo nos progressos científicos
a partir do século XIX, isto devido à sistematização
instituída por Comte. O Curso de Filosofia Positiva revolucionou
espíritos e inspirou numerosas reformas universitárias.
Lins afirma que, entre tantos outros cientistas de renome, a própria
Marie Sklodowska Curie (1867-1934) – Prémio Nobel de Física
de 1911 pelas suas descobertas no campo da radioatividade – teve
sua formação intelectual infuenciada pela metodologia
comtiana.
O
Positivismo, ao proclamar um determinismo rigoroso, onde as modificações
são limitadas em cada caso à maior ou menor intensidade
dos fenômenos correspondentes, recusa o Princípio de Indeterminação
de Werner Heisenberg (1901-1976) – o descobridor da Mecânica
Quântica que teve como um dos pontos de partida de sua pesquisa
a leitura do Timeu, de Platão – que admite a impossibilidade
de se determinar simultaneamente a posição e a velocidade
de uma partícula com precisão.
De
Broglie, com apoio de Einstein, entendia que: as incertezas de Heisenberg
são apenas incertezas de previsão e não acarretam,
de nenhum modo, verdadeira indeterminação na posição
e no estado de movimento do corpúsculo.
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Princípio
da Incerteza
René Magritte - 1944
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Quanto
à Astronomia, afirmou Comte: A Astronomia é, até
hoje, o único ramo da filosofia natural em que o espírito
humano se haja por fim rigorosamente libertado de todas as influências
teológica e metafísica, o que particularmente lhe realça
o verdadeiro caráter filosófico. Por ser a Astronomia
fecundo exemplo do Positivismo, Comte, durante anos, ofereceu cursos
gratuitos dessa ciência, que posteriormente foram publicados em
um tratado especial sobre o assunto.
A
contribuição de Comte no campo da Biologia, segundo seus
biógrafos, foi inestimável, levando-se em conta que, na
época em que viveu, a teoria celular inexistia, ao ponto de biologistas
e fisiologistas famosos reconhecerem no pai do Positivismo uma autoridade
no assunto, e de se obrigarem a seguir minudenciosamente seus passos
para melhor proveito tirarem de seus ensinamentos e os aplicarem às
suas respectivas pesquisas.
Da
Economia Política, sabe-se que Comte se irritava profundamente
pelo fato de que, no seu tempo, esta, a seu juízo, era uma
teoria odiosa pelo seu otimismo de encomenda e pela sua indiferença
perante as desordens sociais e sofrimentos dos operários. Apesar
de a ciência econômica vigente afirmar que o Estado não
deveria intervir e que as perturbações sociais acabariam
por se ajustar – considerando que a sociedade é harmônica
por excelência – o que Comte via, e com isso se desesperava,
era a miséria do operariado, o desemprego e a fome do povo. Comte
lutou enquanto pôde para integrar o trabalhador na sociedade.
Comte
e a História das Ciências
Comte,
realmente, também pode ser considerado o fundador da história
das ciências. Seu Curso de Filosofia Positiva, publicado
entre 1830 e 1842, apresenta três idéias centrais até
hoje irrefutadas (segundo George Alfred Leon Sarton 1884-1956): 1º
- Nenhum trabalho sintético pode ser elaborado sem que constantemente
se recorra à história das ciências; 2º - Para
se compreender o desenvolvimento do espírito humano e a história
da Humanidade é preciso estudar a evolução das
diversas ciências; e 3º - Não basta estudar a história
de uma ou de várias ciências particulares; deve-se estudar
a história de todas as ciências consideradas em seu conjunto.
Sistema
de Política Positiva
Continua
na Parte II
Websites
Consultados
http://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte
http://pt.wikipedia.org/wiki/Conde_de_Saint-Simon
http://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte#A_Lei_dos_Tr.C3.AAs_Estados
http://www.felipex.com.br/cal_positivista.htm
http://www.unificado.com.br/calendario/07/bastilha.htm
http://www.atractor.pt/simetria/matematica/docs/SimCubo3.htm
http://www.fflch.usp.br/dh/heros/antigosmodernos/seculoxx/heisenberg/
http://www.espacoacademico.com.br/016/16col_rromano.htm
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392001000300007
http://membres.lycos.fr/clotilde/contacts/arthur/pseudo.htm
http://membres.lycos.fr/clotilde/clotilde.htm