INTRODUÇÃO
AO
ESTUDO DO POSITIVISMO
—
Parte II —
Rodolfo
Domenico Pizzinga
Música
de fundo: La Marseillaise
(Claude-Joseph Rouget de L'Isle)
Fonte:
http://www.bergoiata.org/mid/
Sistema
de Política Positiva
Para
Lins, o Tratado de Sociologia ou Sistema
de Política Positiva constitui a obra maior de Comte.
Nesse Tratado, Comte condena a política colonial das nações
ocidentais e considera urgente a necessidade de ser Gibraltar
espontaneamente restituído pela Inglaterra à Espanha,
e definitivamente emancipadas a Índia, a Argélia, o
Marrocos e demais colônias européias. Para muitos,
ainda, como também o foi para Pierre Arnaud, o Positivismo
é, de todos, o sistema menos utópico. É de Pierre
Arnaud a seguinte afirmação: Esse Comte, que saiu
de moda sem nunca estar na moda, esse enterrado vivo, é nosso
contemporâneo [...] e não é mais possível
deixá-lo numa existência subterrânea, que foi a
sua, em mais de um século. O Positivismo, para muitos,
é, também, o mais realista dos sistemas, pois, como
salientou Anatole France, ninguém amou mais a Humanidade do
que Auguste Comte. É admitido também que poucos trabalharam
como ele pela felicidade do ser humano com tamanho ardor, e ostentasse
de modo tão completo tão altas faculdades ao traçar
o plano da mansão ideal, da casa de poesia e de amor.
Eu
realmente concordo com Anatole. Comte foi um gigante do pensamento
humano, mas conforme já tive oportunidade de comentar na Parte
I desta despretensiosa e superficial revisitação, em
alguns aspectos, um gigante contraditório. Como muitos de nós.
Não se combatem a Metafísica e os sistemas teológicos
criando uma religião, e, muito menos, não se melhoram
as condições globais da Humanidade pela via de uma ditadura
positivista ou de outra qualquer. Isso é o máximo da
contradição ou, em termos de lógica, uma relação
de incompatibilidade incompatível! Na verdade, a Religião
da Humanidade é uma incoerência gigantesca do pensamento
comtiano (e dos seus seguidores), mas a sua idéia de uma ditadura
republicana – francamente aceita nos meios castrense e civil
brasileiros do final do século XIX até meados do século
XX (Executivo forte e assembléia meramente consultiva) –
para resolver os problemas políticos de sua época, foi
o seu maior absurdo político-filosófico. Essa ditadura
republicana, garantida pelo Exército, proposta por Comte, é
baseada em três princípios: 1) governo republicano e
não monárquico; 2) república presidencialista
ditatorial e não parlamentarista; e 3) presidencialismo temporal
e não espiritual.
Bem,
no meu entendimento, ditadura é ditadura. E permanece inadmissível
mesmo a falaz idéia de uma ditadura positivista mitigada como
pensava e pregava Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891),
que seguia a orientação do francês Pierre Laffitte
(1823-1903). Ditadura, nunca; nem dura, nem mitigada. E é preciso
que se compreenda que há uma distância abissal entre
a autêntica espiritualidade e o uso indiscriminado e abusivo
da teologia para tentar dar solução a todos os tipos
de problemas, inclusive políticos, ou seja: teologismo. Por
isso, misturar religião com Estado nunca deu certo, principalmente
as religiões disponíveis com os sistemas políticos
vigentes. Como poderia dar certo, por exemplo, Democracia com Islamismo
e Ditadura com Budismo? Por outro lado, parece que, em muitos pontos,
Monarquia Absolutista com Catolicismo (nomeadamente o inquisitorial)
simbioticamente deu certo, porque são regimes que se completam
e ambos são beneficiados: um se baseava na coerção
política e social, o outro na coerção religiosa,
e os dois tiravam proveito dessa associação (consortismo).
As teocracias ainda vigentes são mais ou menos assim, com exceção,
talvez, do Lamaísmo (Budismo Mahayana do Tibete e da Mongólia
caracterizado por uma hierarquia monástica que tem em seu topo
o Dalai-Lama – oceano de sabedoria), porque Sua Santidade o
Dalai-Lama (Tenzin Gyatso, que desde 1937 é o décimo
quarto líder espiritual do Budismo Tibetano) encontra-se no
exílio e a religião (religião-estado) lamaísta,
smj, não configura uma teocracia ditatorial. De qualquer forma,
Sua Santidade o Dalai-Lama explica: Chamar o Budismo Tibetano
de Lamaísmo é errado porque ele não foi inventado
pelos lamas tibetanos. Quando nos deparamos com um ponto importante,
sempre citamos um confiável mestre indiano. Este método
de autenticação de um ponto ou questão em particular
pela citação de textos indianos como autoridade final
foi tão amplamente aceito que, em alguns casos, algumas visões
são recusadas por não se basearem em nenhum texto indiano
autêntico. Mas, o fato é que o autêntico Budismo
nem religião é, e muito menos está preocupado
se Deus existe ou se Deus não existe. Não o Deus das
teologias religiosas de consumo existentes. Eu não creio que
os Avatares que vieram a este Mundo tenham elaborado um plano para
ou tido a intenção de fundar ou criar religiões;
os homens, sim, inventaram diversas religiões em nome Deles.
E em nome Deles cometeram e continuam a cometer as maiores absurdezas
absurdas coloridas de absurdidades. Então, eu pergunto: como
é possível misturar uma ditadura republicana com uma
Religião da Humanidade, mesmo que esta Religião seja
ou esteja dessacralizada? Venerar e adorar um santo isso ou um santo
aquilo ou um pensador ou um cientista do passado são exatamente
a mesma coisa. Culto de personalidade é culto de personalidade.
Não faz a menor diferença chamar alguém de santo
ou de doutor quando nisso estão embutidas veneração
e adoração subservientes.
Mas,
conforme propus em ensaio que escrevi há algum tempo, acredito
que está reservado para o futuro de nossa Humanidade um tipo
de sistema que denominei de Teocientificismo, no qual a idéia
de Deus que ainda prevalece desaparecerá — será
transmutada. Basicamente, será um tempo em que reinará
um modelo de Ateísmo Místico-Científico no qual
a Terra será regida por um Conselho de Filósofos com
formação místico-científica, e a ciência
e aquilo que se pode hoje entender como religião não
mais estarão voltadas para o interesse particular de grupos
isolados ou de comunidades, mas de toda a Humanidade. Essa é
a minha Utopia mística. A obra VRIL – The Power of
the Coming Race (A Raça Futura) de Edward George
Earle Bulwer Lytton dá uma excelente idéia do que penso
a esse respeito.
AUGUSTE
COMTE E A CIÊNCIA
O
Laissez Faire
Será
lícito ou não a intervenção do Estado
nas atividades econômicas? Gournay, ao perguntar a um negociante
qual seria a melhor forma de estimular o comércio, teria ouvido
a seguinte resposta-fisiocrata: Laissez faire, laissez passer,
le monde va de lui-même. A explicação
é a seguinte: laissez faire está vinculado
à liberdade da indústria e laissez passer refere-se
à liberdade do comércio, onde as barreiras alfandegárias
e internas tendem a asfixiar essas atividades. Portanto, para os fisiocratas,
le monde va de lui-même. Nesse sentido, tal princípio
advoga que o Estado – mal necessário – não
deve interferir nem perturbar a marcha autônoma dos fenômenos
econômicos. Não? Nunca?
Relativamente
à inércia governamental, já comentada na Parte
I deste trabalho, Comte desabafa, em 1838, no Curso de Filosofia
Positiva, onde protesta contra a ordem vigente, mostrando que:
...
o espírito geral da Economia Política levava,
em sua época, a erigir em dogma a ausência de qualquer
intervenção reguladora, como sendo o meio mais adequado
a secundar o surto espontâneo da sociedade. E assim, cada
situação grave que sucessivamente se apresentava,
não sabia a Economia Política responder às
exigências da prática senão com uma abstenção
sistemática. Por haver mais ou menos imperfeitamente verificado
– em alguns casos particulares de importância secundária
– a tendência das sociedades humanas para uma certa
ordem, concluía mui viciosamente essa pseudociência
a inutilidade de qualquer instituição especialmente
destinada a regularizar a coordenação espontânea
dos acontecimentos econômicos, em vez de vislumbrar aí
apenas a primeira fonte da possibilidade de se lhes dar uma direção
mais consentânea com os interesses sociais.
Vale
observar, ou melhor, tomar como exemplo, recorrendo a esse princípio
comtiano, a reforma monetária embutida no Plano de Estabilização
da Economia brasileira adotado no Governo Sarney. Seria, por acaso,
o Plano bem sucedido se as autoridades não congelassem os preços,
se não impusessem o tabelamento temporário de diversos
produtos e se não tomassem várias outras medidas restritivas
no sentido de viabilizarem o Plano? Isso nunca saberemos concretamente.
O fato saliente é que o princípio da não-interferência
do Estado na Economia deve prioritariamente considerar os aspectos
morais do comportamento da sociedade, na qual a miséria, o
desemprego e a fome não podem passar desapercebidos do Governo,
sob a alegação (ou hipótese) de que a Natureza,
oportunamente, fará as correções necessárias.
Estabilizar para não quebrar é simplesmente e apenas
sacanear. E os messianismos (movimento ou sistema ideológico
que prega a salvação da Humanidade através da
entronização de um messias que pode ser um indivíduo,
uma classe ou uma idéia) também nunca deram certo. O
que, portanto, parece ser indubitável é que o Liberalismo
tem sido um (doloroso) instrumento de aprendizado dos homens. Mas
quando esse aprendizado estiver concluído, ele sumirá
da face da Terra. Muitos liberais dirão como o seu Obturado
(um tipo curioso criado por Chico Anysio e que encontrou em Walter
D'Ávila um intérprete perfeito): — Entendi,
mas não compreendi! Mas é simples: as coisas podres
existem porque o homem as cria; e ele passa a ser temporariamente
beneficiário e em seguida pesadamente escravo dessas mesmas
coisas. A impunidade é apenas aparente e um dia a casa cai!
E o lucro é uma dessas impunidades. Por isso, vou dizer de
novo: para alguém ganhar, alguém precisa perder. Não
existe abiogênese de dinheiro. Ponto final. Agora, uma propriedade
ou um bem qualquer conquistados licitamente com o suor do rosto são
coisas diferentes, ainda que eu admita que ninguém seja, em
última instância, dono de nada.
Comte
nunca concordou com essa teoria absurda do Naturismo Econômico
(valorização extrema e exclusiva dos agentes da Natureza),
que acreditava que a Natureza escreve certo por linhas tortas. Bem,
que escreve, escreve, mas cabe ao homem lutar para dignamente ser
senhor do seu destino(?!) e escrever ele próprio e
conscientemente essas linhas. Assim, se por um lado, a interferência
do braço do Estado pode configurar aparentemente uma manifestação
autoritária – e mesmo impositiva – nesse regime
liberal que impera no Mundo, o poder do Governo tem que se fazer presente
e consertar as distorções quando a Economia estiver
intoxicada ou em vias de ficar intoxicada. Em tudo isso, contudo,
a educação do povo como um todo é fundamental
para o sucesso e o desenvolvimento de qualquer nação,
principalmente para a viabilização de qualquer programa
de governo. Qualquer que seja, enfim, a análise que se faça
desses movimentos, de uma coisa estou convencido: até 2034
o nosso Planeta sofrerá transformações até
então nunca vistas. Ou será que alguém, por exemplo,
pode achar normal que um político, durante anos, possa assaltar
os cofres públicos, e chegar a acumular no exterior uma fortuna
da ordem de 200 milhões de dólares? Mas há coisas
piores, como por exemplo o genocídio. O que é incontestável
é que a Natureza está saturada de tanta violência
e de tanta safadeza. O pote está já a transbordar e
ela anda cobrando de forma cada vez mais avassaladora todos esses
desmandos! Ou, por outro lado e por exemplo, será possível
que o homem aqueça a Terra indiscriminadamente e não
queira que a Natureza reaja? A cada décimo de grau que aumenta
a temperatura do nosso Planeta, mais violentos serão os cataclismos
naturais. O aquecimento global da Terra é o mais grave problema
que as gerações presentes (e as futuras) terão
que enfrentar neste Terceiro Milênio, porque as tempestades
e os furacões serão cada vez mais devastadores. Tudo
vive; tudo está vivo; tudo interage; tudo reage. O triângulo
maldito ignorância-cobiça-avareza sempre provocou, provoca
e provocará ajustes dolorosíssimos.
O
conhecimento profundo de Comte, varrendo campos completamente distintos,
entretanto com profundidade insuperável para os padrões
da época, permitiu-lhe a seguinte observação:
Mais
os fenômenos se complicam especializando-se, mais... as imperfeições
se agravam e se multiplicam. Sob esse aspecto, os fenômenos
biológicos são, sobretudo, inferiores ao do mundo
inorgânico, e os sociais, em conseqüência de sua
maior complexidade, são, de todos, os mais desordenados,
ao mesmo tempo em que são também os mais modificáveis
— o que está longe, todavia, de constituir uma compensação.
O
certo é que intervir cegamente nos fenômenos que regulam
o campo econômico (e em outros campos fenomênicos) poderá
causar danos irreparáveis (a curto e médio prazos).
E a não-interferência é outro desastre. Basta
recordar novamente o que o Governo Sarney produziu na Economia
brasileira e o que, por exemplo, está ocorrendo com a economia
africana. Em outra direção, lembro os desastres cubano,
tibetano, palestino e iraquiano. Disso, parece ficar evidente que
condenar in limine a intervernção político-estatal
no campo econômico, como confiá-la a incompetentes, aventureiros
e comprometidos é uma deturpação das finalidades
e da ação de bem governar. O exemplo mais recente que
se assiste hoje (2005) no Brasil são as mensalãozadas
PT-brasilienses. A cada dia que passa o cordão corruptos aumenta
mais! E de todos os partidos políticos! O último foi
o senhor Severino Cavalcante, nada menos do que o Presidente da Câmara
dos Deputados — o terceiro na linha sucessória da Presidência
da República — que para tentar escapar das acusações
de corrupção botou a culpa no filho morto, que obviamente
não pode refutar tais acusações. Logo, cruzar
pizzaiolamente os braços ante a possibilidade de interferir
— quando essa interferência for necessária para
corrigir (quaisquer) rumos — é algo que a sociedade jamais
esquecerá e jamais perdoará.
Voltando à Economia, Positivismo e Fisiocracia propõem
soluções diametralmente opostas. Ouça-se Lins:
A Economia Política, inspirada nos princípios da
Fisiocracia, levava naturalmente ao abstencionismo [atitude de
espírito que tende à abstenção ou à
neutralidade em qualquer assunto ou atividade], sob a alegação
de que as leis naturais não devem ser perturbadas. O Positivismo,
ao contrário, conclui, da própria existência das
leis naturais, a possibilidade e a necessidade de intervir e dirigir
os acontecimentos, sejam cosmológicos, sejam sociais.
A
Economia Política Liberal e a Grande Indústria
Para
Comte (que abordou essa matéria no sexto volume da sua Filosofia
Positiva) os economistas da sua época tratavam a questão
das máquinas com muita frivolidade. A introdução
das máquinas nas indústrias (já naquela época)
acabava por privar do trabalho grande contingente de trabalhadores,
atirando-os inesperada e subitamente ao desemprego. Quando não,
colocava o capitalista em posição altamente privilegiada,
pois, em função do excesso de braços, impunha
à massa operária os salários mais sórdidos
e incompatíveis com um mínimo de dignidade e necessidade
humans. Paralelamente os robotizava a todos.
Sem
atinarem para o fato de que as pendências humanas acabam por
se reduzir a uma questão de tempo, os insensíveis economistas
da época de Comte (mais ou menos como hoje) entendiam (de forma
egoísta) que as dificuldades que as classes trabalhadoras pudessem
estar sofrendo, acabariam por se transformar em melhoria real e perene.
No que possa conter de verdadeiro esse conceito (porque as condições
de vida melhoraram mesmo), ela esbarra no fato de que a vida humana,
em uma dada encarnação, não é indefinida,
e, tal teoria, no que concerne ao social, além de inefetiva,
é profundamente injusta. Essa preocupação, Comte
expôs no quarto volume da Filosofia Positiva, quando
considerou sumamente perigosa a tendência dissolvente da
Economia Política no sentido de impedir a instituição
de qualquer disciplina industrial. Não se conformava,
pois, com a miséria evidente dos operários, sustentando
que o homem tem obrigação de intervir nos acontecimentos
sociais. Mas essa intervenção, evidentemente, não
pode ser, digo eu, para favorecer determinados blocos em detrimento
de outros. Intervir no Iraque para surrupiar petróleo é
apenas um exemplo. Intervir no Tibet, e não intressa porquê,
é outro crime contra a Humanidade. Isolar Cuba é mais
um crime. E os valeriodutos e os propinodutos são o quê?
A
mecanização das indústrias fez o próprio
Adam Smith reconhecer que os patrões sempre levavam vantagem
na discussão salarial. Enfim, para Auguste Comte a situação
reinante, oriunda de um egoísmo plutocrático (ploutokratía
é o governo ou dominação dos ricos), acabaria
por levar ao esmagamento dos fracos pelos fortes, dos pobres pelos
ricos. Por isso acreditava que o Governo deveria intervir fixando
horas de trabalho, estabelecendo impostos, regulando empréstimos,
impondo salários, descanso semanal e outras providências
básicas, como no caso dos alimentos de primeira necessidade.
Sob
esses aspectos é indubitável que, ainda que assimetricamente,
o Mundo melhorou. Mas ainda falta muito, porque a o abismo entre ricos
e pobres cada vez aumenta mais. Nada mudará enquanto as leis
forem promulgadas para subterranamente favorecer o poder e as classes
dominantes. Mas não será com qualquer ditadura que as
coisas serão ajustadas.
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Cena
de Modern Times
de Charles Chaplin |
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