ÉTICA A EUDEMO

 

 

 

Aristóteles

Aristóteles

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Introdução e Objetivo do Estudo

 

 

 

A Aristóteles (Estagira, 384 a.C. – Atenas, 322 a.C.) são atribuídas três grandes obras sobre Ética, que integram seus escritos morais e políticos: 1ª) Ética a Eudemo (EE) – assim nomeada por causa de Eudemus de Rodes (370 a.C. – 300 a.C.), discípulo de Aristóteles que participou de sua edição; 2ª) Ética a Nicômaco (EN) – a principal obra de Aristóteles sobre Ética; e 3ª) a Magna Moralia ou Grande Moral (MM). Nesta oportunidade, ofereço para reflexão alguns fragmentos (editados e com alguns acréscimos, quando convenientes e necessários) da Ética a Eudemo (obra aristotélica pouco conhecida), sendo considerada uma primeira versão da Ética a Nicômaco.

 

Como explica Ramiro Marques no trabalho O Livro das Virtudes de Sempre, quer a Ética a Nicômaco quer a Ética a Eudemo procuram definir e caracterizar o Bem. Em ambas, surge a noção de que 'o Bem do homem consiste no bom exercício da atividade humana. E qual é, então, esta atividade? O que distingue o homem dos outros seres vivos é a sua alma racional. Será, portanto, numa certa forma de atividade desta razão que residirá o Bem. Deste modo, o Bem, para o homem, consiste em uma atividade da alma, e, no caso de pluralidade de virtudes, de acordo com a mais excelente e a mais perfeita delas todas.' Na ética aristotélica, continua Ramiro Marques, a felicidade é o maior dos bens. Contudo, a felicidade não é o mesmo que 'boa vida', mas, sim, 'vida boa'. Mas, o filósofo não opõe 'boa vida' à 'vida boa'. Pelo contrário: uma pessoa com uma vida digna está no caminho certo para ter uma vida bem satisfeita. Assim sendo, a felicidade pode ser definida como um 'agir bem', isto é, de acordo com a virtude. Não é a sorte ou a riqueza que asseguram a felicidade, mas, sim, os atos virtuosos. Enfim, em Aristóteles, toda racionalidade prática é teleológica, quer dizer, orientada para um fim (ou um bem, como está no texto). À Ética cabe determinar qual a finalidade suprema (o summum bonum) que preside e justifica todas as demais e qual a maneira de alcançá-la.

 

A Ética a Eudemo contém oito livros. No livro I, Aristóteles cuida do objeto e do método da Ética e investiga as condições da felicidade humana, ou seja, do Eudemonismo – doutrina que considera a busca de uma vida feliz, seja individualmente, seja em âmbito coletivo, o princípio e fundamento dos valores morais, julgando eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade. O livro II centra-se no problema da felicidade e trata da virtude em geral. No livro III, Aristóteles ocupa-se de algumas virtudes singulares, cuja exposição prossegue nos livros IV a VI. O livro VII gira em torno da amizade e das suas formas. Finalmente, o livro VIII contém observações sobre as virtudes e realça, sobretudo, a beleza moral ou a perfeita honestidade. Nesta obra, por exemplo, escreveu Aristóteles: O homem magnânimo deseja ocupar-se de poucas coisas, e estas têm de ser verdadeiramente grandes aos seus próprios olhos, e não porque outros assim pensem. Para o homem dotado de uma grande alma, a opinião solitária de um único homem bom conta mais do que a opinião de uma multidão.

 

Bem, quando divulguei o estudo A Metafísica de Aristóteles, prometi que seria o último estudo que eu publicaria sobre o pensamento do Estagirita. Como vocês podem ver, até eu não cumpro o que prometo, o que, neste caso, por um lado, é uma lástima, e, por outro, claro que não é! Bem, eu sugiro que você vá consultando as notas de rodapé à medida que elas aparecerem no texto; evite deixar para lê-las no final do estudo porque, assim, elas não terão o impacto educativo que deverão ter no momento em que são propostas.

 

 

 

Ética a Eudemo
(Fragmentos Garimpados)

 

 

 

Em política, não é possível coisa alguma sem se estar dotado de certas qualidades, quero dizer: sem ser um homem de bem. Entretanto, ser um homem de bem equivale a ter virtudes, e, portanto, se em política se quer fazer algo bom, é necessariamente preciso ser moralmente virtuoso.

 

 

A Crueldade da Subserviência

 

 

Todo Conhecimento e toda faculdade exercida pelo homem tem um fim, e este fim é o Bem. Não há Conhecimento nem Vontade que tenham o mal por objeto. (As letras maiúsculas são minhas).

 

O Bem relativo ao tempo é um Bem comum a todas as ciências.

 

Em a Natureza nada acontece ou se faz em vão.

 

 

Nada acontece em vão!

 

 

Entendo por preciosos e dignos de estima os Bens que têm algo de divino e que são os melhores com relação aos demais, como a alma e o entendimento... E assim, a virtude é coisa muito preciosa quando, devido à ela, se faz um homem de bem, porque, então, o homem que a possui alcançou a dignidade e a consideração da virtude.

 

Em todos os casos, o fim (quando é) alcançado é sempre melhor do que as coisas por meio das quais se busca alcançar este fim. Por exemplo: a saúde vale mais do que quaisquer práticas salutíferas que se deva fazer para mantê-la ou para obtê-la. Em uma palavra: o objeto universal – em vista do qual se faz todo o resto – sempre fica em um plano superior ao de outras coisas que são feitas para que o possamos conquistar. E, entre os fins, o fim que é completo é melhor do que o fim incompleto. Por exemplo: mesmo que possuamos justiça, sempre temos necessidade de algo além dela; mas, tendo felicidade, sentimos que nada nos falta.

 

 

Luz, câmera, ação!

 

 

O Bem Supremo que buscamos é o fim último e completo; este fim último e completo é o Bem. Conclusivamente: o fim é o Bem Supremo. A felicidade e o Bem Supremo constituem o verdadeiro fim da vida.

 

Felicidade = realizar bem + conduzir-se bem.

 

Os Bens da alma se dividem em três classes: pensamento, virtude e prazer.

 

Viver bem é viver praticando a virtude. A felicidade consiste em viver segundo pedem as virtudes.

 

 

 

 

A felicidade é o Bem por excelência e constitui um fim em ato.1

 

Só vive, em realidade, aquele que vive em ato.

 

A felicidade constitui o ato da virtude completa.

 

A alma se divide em duas partes: uma racional e outra irracional. Na parte que está dotada de razão, se distinguem a prudência, a sagacidade, a sabedoria, a instrução, a memória e outras faculdades deste gênero. Na parte irracional, se encontra o que chamamos virtudes: a temperança, a justiça, o valor e todas as demais virtudes morais que são dignas de estima e de louvor.

 

Fingir ter mais do que se tem é próprio do fanfarrão2; fingir ter menos é próprio do homem dissimulado. Entre estes extremos, estão a franqueza e a verdade, que ocupam o termo médio.

 

Estar bem disposto significa não incorrer em excessos nem em deficiências.

 

Posto que a virtude ocupa o meio-termo entre as diversas paixões da alma – aflições ou prazeres – não há virtude sem tribulação ou júbilo. Seja como for, as coisas mais distantes do meio-termo parecem ser igualmente as mais contrárias. Agora, é necessário estabelecer simétrica e concertadamente o que é meio-termo! É por isto, por exemplo, que os audaciosos e os imprudentes consideram os valentes como covardes, e os tímidos e bem-avisados chamam os valentes de temerários e loucos. Conclusão: o ser-no-mundo que quiser adquirir, mediante sua moralidade, um verdadeiro equilíbrio, deverá, com empenho e cuidado, buscar o meio em cada uma das paixões. Lembre-se: se, de certo modo, é fácil a qualquer um traçar um círculo, é muito difícil encontrar o verdadeiro centro deste círculo, uma vez traçado. Enfim, aqui cabe o ditado: tudo o que é demais é moléstia. Por tudo isto, pode-se dizer que é tão rara a virtude. Seja do jeito que for, de nós, exclusivamente de nós, depende fazer o bem ou fazer o mal. De nós, exclusivamente de nós, depende a escolha da Senda Direita ou da Senda Esquerda. De nós, exclusivamente de nós, depende nossa evolução (reintegração) ou entropização. A vontade e o livre-alvedrio se aplicam igualmente ao vício e à virtude.

 

 

 

 

As Leis que regulam o funcionamento da Natureza são, em princípio, imutáveis. Pelo menos, neste Plano. Por exemplo: os três ângulos internos de um triângulo (trilátero) são iguais a dois retos (180º), e os ângulos de um quadrado (quadrilátero) são iguais a quatro retos (360º).

 

O ato que provoca o desejo não é um ato necessário porque o prazer é o resultado do desejo, e o que se faz por prazer jamais nasce de uma necessidade inevitável. Ou seja: se quisermos fazer, faremos; se não quisermos fazer, não faremos. O homem costuma exercer uma ação com plena vontade, e não se pode negar que os homens injustos são injustos voluntariamente. Assim é que o homem corrompido é injusto e comete uma injustiça. Logo, o homem corrompido, que não é senhor de si mesmo, comete voluntariamente os atos de intemperança que executa.

 

 

 

 

Todo ato que se faz por preferência sempre é acompanhado de um pensamento. Considerando este conceito, o ato voluntário não é um ato de preferência, porém, o ato de preferência sempre é um ato voluntário. E se, depois de uma madura deliberação, preferimos fazer tal ou qual coisa, a fazemos com plena e inteira vontade.3

 

Temos de estar sempre atentos, pois, geralmente, os prazeres e os desejos nos arrastam a obrar mal, e as dores e as incertezas a fugir do dever de praticar o bem.

 

Haverá sempre um grau de indeterminação nas coisas feitas pelo homem. Nada é ou poderá ser absoluto; tudo é relativo.

 

 

Tudo é relativo!

 

 

A virtude contém o princípio de tudo. O verdadeiro fim da virtude é o Bem.

 

A temperança ocupa o meio-termo entre o desregramento e a insensibilidade em relação aos prazeres. A temperança, como em geral todas as virtudes, é uma excelente disposição moral, e uma excelente disposição só pode aspirar ao excelente.

 

A grandeza de alma é uma espécie de meio-termo entre a insolência e a baixeza.

 

A magnificência é o meio-termo entre a ostentação e a mesquinhez.

 

A justa indignação (em grego 'némesis') é o meio-termo entre a inveja, que se desconsola ao ver a felicidade alheia, e a alegria malévola, que se regozija com os males do outro. Ambos são sentimentos repreensíveis, e apenas o homem que se indigna com justa razão deve merecer elogio. A justa indignação é a dor que se experimenta ao ver a sorte de alguém que não a merece;4 e o coração que se indigna justamente é o que sente as dores deste gênero. Reciprocamente, se indigna também ao ver sofrer alguém por uma desgraça não merecida. É isto a justa indignação e a situação daquele que se indigna justamente. O invejoso é o oposto, porquanto está sempre pesaroso de ver a prosperidade de outro, quer a mereça ou não. Como o invejoso, o malévolo, que se regozija com o mal, se considera feliz ao ver as desgraças dos outros, sejam estas merecidas ou não. O homem que se indigna em nome da justiça não se parece em nada nem com um nem com outro, e situa-se no meio entre estes dois extremos.5

 

A modéstia é o meio-termo entre a imprudência, que não respeita nada, e a timidez, que ante tudo se detém.

 

A veracidade é o meio-termo entre a dissimulação e a arrogância.

 

Não é possível que alguém seja justo tão-só para si mesmo ou para alguém em particular. Quem é justo é equânime em qualquer circunstância. A justiça é um meio-termo entre o excesso e a deficiência, entre o demasiado e o demasiado pouco. O homem justo não quer nem mais nem menos do que a equanimidade. Entretanto, não se comete realmente injustiça, mesmo quando se pratique um ato injusto, quando se obra com completa ignorância e não se sabe nem a quem, nem como, nem por que se há causado um dano ou um prejuízo. Quando uma ação não é voluntária não é culpável. (Grifo meu).

 

A Sabedoria é composta de Ciência e de Entendimento, porque a Sabedoria, por sua vez, está em relação com os princípios e com as demonstrações, que derivam dos princípios e são o objeto próprio da Ciência. É por isto que a Sabedoria toca os princípios e participa do Entendimento. E como toca as coisas que são demonstráveis como conseqüências dos princípios, participa da Ciência. Logo, a Sabedoria se compõe de Ciência e de Entendimento, e se aplica às coisas às quais se aplicam igualmente ao Entendimento e à Ciência.

 

Há virtudes inatas que são devidas à nossa natureza como seres-no-mundo. São uma espécie de forças instintivas, que sem a intervenção da razão arrastam o ser-no-mundo a atos de valor, de justiça e a outros relativos às demais virtudes. Estas virtudes se formam também sob a influência do hábito e da vontade. Porém, só as virtudes adquiridas e as que estão unidas à razão são por completo virtudes e, portanto, as únicas dignas de estimação.


Homem eqüitativo
—› Discernimento. A eqüidade, que distingue exatamente as coisas, não pode existir sem moderação.

 

Dar a cada um segundo seu mérito parece ser absolutamente uma obrigação do homem justo que quer se conduzir como é devido.

 

 

'De cada um segundo sua capacidade;
a cada um segundo sua necessidade.'
6

 

 

Se a virtude perfeita não é possível sem o instinto natural do Bem, muito menos pode suceder que uma virtude seja contrária à outra virtude. Não há virtude que seja incompatível ou antagônica à outra virtude.

 

Na alma, as três qualidades que podemos chamar de más são: o vício, a intemperança e a brutalidade – que é o vício levado ao último grau. A virtude oposta à brutalidade não tem um nome particular; é divina e supera as forças do homem.7

 

Ninguém faz o mal com conhecimento de causa. (Sócrates, apud Aristóteles).8

 

O homem prudente jamais será intemperante.9

 

Sem prazer não há (ou haverá) felicidade possível. O prazer é um bem. Longe de o prazer ser um obstáculo à ação, é, pelo contrário, uma excitação a obrar, e, em geral, uma ação não poderá ser produzida sem prazer, que é sua conseqüência direta e seu resultado particular.

 

O entusiasmo prazeroso – conveniente e bem organizado e mais do que a simples razão – acabará por nos conduzir à virtude.

 

O Homem é também uma alma.

 

Obrar segundo a reta razão é obrar de maneira que a parte irracional da alma não impeça a parte racional de realizar os atos que são próprios de sua natureza.

 

 

 

 

O corpo está sempre em bom estado quando não é um obstáculo para a manifestação da alma.

 

Aquelas coisas que se assemelham são aproximadas por um Deus.

 

O bem individual está, de certa maneira, ligado ao Bem Absoluto, da mesma forma que o objeto amado está ligado a quem o ama. Assim, o resultado e a conseqüência do Bem são o agradável e o útil.

 

O que é mau sempre busca o que é mau.10

 

Todos os vícios turvam igualmente o Coração do homem, e sempre são seus primeiros adversários e seus mais próximos inimigos.

 

É egoísta também quem guarda exclusivamente para si os atos de virtude. Já o homem mau é puramente egoísta, e não tem motivo sequer para se amar a si mesmo.

 

É uma impiedade absurda crer que possa haver no Universo algo superior a Deus.

 

Viver com outros seres semelhantes é, ao mesmo tempo, um prazer e uma necessidade.

 

O justo é o mais belo. A saúde é o melhor. Obter o que se ama é o que há de mais grato ao Coração. (Versos escritos sobre o pórtico do Templo de Latona, apud Aristóteles).

 

Assim como a virtude, a prudência e o prazer são os três maiores Bens para o homem, assim também há três gêneros de vida: a vida política, a vida filosófica e a vida do prazer e do gozo.

 

A ação acabará por se tornar perfeita apenas, quando, ao refletir, separa-se o raciocínio que intenta demonstrar a causa da coisa mesma que se demonstra.

 

A felicidade é o maior e o mais precioso dos bens a que pode aspirar o homem. A felicidade é a coisa mais excelente que é dado ao homem poder obter. A felicidade é o ato de uma vida virtuosa.

 

O Bem Supremo – o melhor de todos os bens – é o Bem mesmo, é o Bem-em-si. E ao Bem-em-si se atribuem estas duas condições: a de ser o Bem Primordial, o primeiro de todos os bens, e a de ser, mediante Sua presença, Causa de que todas as outras coisas, como Ele, se façam também boas. Esta é a Idéia de Bem, o primeiro de todos os bens e a Causa de que as demais coisas sejam bens em diferentes graus.

A obra produzida vale mais do que a faculdade que a produz, porque um fim concretizado é o melhor que existe.

 

O objeto principal da política consiste, certamente, em criar o afeto e a amizade entre os membros da sociedade. E assim, a justiça e a amizade são, até certo ponto, idênticas ou, pelo menos, muito próximas.

 

A mudança é sempre o que mais agrada.

 

Ah!, cesse a discórdia entre os deuses e entre os homens! (Heráclito, apud Aristóteles).

 

Ninguém é um verdadeiro amante, se não ama sempre.

 

Para conhecer os Corações necessitamos mais de um dia. (Theognis, apud Aristóteles).

 

A amizade é uma igualdade. Os amigos verdadeiros não têm mais do que una alma.

 

O homem de bem é conforme a Natureza, enquanto o mau é um ser contra a Natureza.

 

Toda associação só se sustém mediante a justiça. É na família onde se encontra o princípio e a origem do amor, do Estado e da justiça.

 

Necessariamente, o homem muito virtuoso tem poucos amigos, e cada vez terá menos.

 

A melhor maneira de ser moral é a que subsiste no meio em cada caso, e, por conseguinte, é igualmente claro que todas as virtudes, ou pelo menos algumas delas, não são mais do que meios reconhecidos pela razão.

 

Tudo o que resulta de coisas necessárias é necessário como elas.

 

O homem é causa responsável de todas as coisas que dependem dele fazer ou não fazer, e só dele dependem as coisas de que é causa.

 

 

Um ato, ao que tudo indica, só pode ter uma destas três disposições: ou procede do desejo, ou provém da reflexão, ou deriva da razão. É voluntário quando está em conformidade com uma destas três coisas; é involuntário quando é contrário a uma delas.

 

Todo ato necessário é um ato penoso. (Eveno, apud Aristóteles). Se uma coisa é penosa, é porque é forçada; e se é forçada, é penosa.11

 

É difícil resistir à ira que acaricia o coração, o qual goza com ela. (Heráclito, apud Aristóteles).

 

Os meios constituem as virtudes, e estas só dependem de nossa intenção.

 

A razão nunca manda suportar e enfrentar os grandes perigos – os perigos de morte – se não for uma questão de honra fazê-lo.12

 

A grandeza de alma parece ser a conseqüência natural de todas as demais virtudes. Todas as virtudes são uma conseqüência direta da magnanimidade ou a magnanimidade é a conseqüência de todas as virtudes.

 

Quando se nasceu entre homens livres, ser liberal é uma espécie de dever.13

 

O meio-termo entre dois sentimentos é o caráter que sente uma justa indignação – chamada pelos antigos de 'némesis' – ou indignação virtuosa, que consiste em se afligir com os bens ou com as desgraças alheias quando não são merecidos, e se regozijar com os que o são. E assim, não é estranho que de 'Némesis' se tenha feito uma deusa.

 

Não há nada mais forte do que a prudência. (Sócrates, apud Aristóteles).

 

A prudência não é irracional, e sabe sempre razão do que faz.14

 

A magnanimidade é aquela virtude da alma que nos ensina a suportar, quando convém, a boa e a adversa fortuna.15

 

A desrazão é o vício da parte racional da alma, e é a causa da desgraça dos homens. A irascibilidade é o vício da parte fanática que se deixa levar, sem fazer a menor resistência, pela cólera. A covardia é o vício desta mesma parte que nos torna vulneráveis ao terror – sobretudo o terror que produz a morte. A incontinência é o vício da parte concupiscível que nos arrasta aos prazeres culpáveis. A intemperança é o vício da parte cobiçosa que nos obriga a ceder contra a razão, isto é, ao desejo cego de gozar os prazeres repreensíveis. A injustiça é o vício da alma que faz com que os homens pretendam mais do que lhes é devido. A irreflexão imoderada é o vício da alma que nos leva a procurar lucro e riqueza, quaisquer que sejam as suas origens. Enfim, a pequenez de alma ou pusilanimidade é o vício que nos torna incapazes de suportar o que convém a boa ou a má fortuna, as honras ou a obscuridade.

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Na Metafísica aristotélica, todas as coisas são em potência e em ato. Uma coisa em potência é uma coisa que tende a ser outra, como uma semente (uma árvore em potência). Uma coisa em ato é algo que já está realizado, como uma árvore (uma semente em ato). É interessante notar que todas as coisas, mesmo em ato, também são em potência (pois uma árvore – uma semente em ato – também é uma folha de papel ou uma mesa em potência). A única coisa totalmente em ato é o Ato Puro, que Aristóteles o identifica com o Sumo Bem. Este Ato não é nada em potência nem é a realização de potência alguma. Ele é sempre igual a si mesmo, e não é um antecedente de coisa alguma. Deste conceito, Tomás de Aquino (1225 – 1274) derivou sua noção de Deus, em que Deus seria Ato Puro. Um ser em potência só poderá se tornar um ser em ato mediante algum movimento. O movimento vai sempre da potência ao ato, da privação à posse. É por isto que o movimento pode ser definido como ato de um ser em potência enquanto está em potência. O ato é, portanto, a realização da potência, e esta realização pode ocorrer através da ação (gerada pela potência ativa) e pela perfeição (gerada pela potência passiva). Todavia, o movimento não cessa nunca, sendo inerente tanto à potência quanto ao ato.

Nota editada da fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3t
eles#Pot.C3.AAncia.2C_ato_e_movimento

 

 

2. A fanfarronice poderá estar associada, por exemplo, a pacientes com bipolaridade (transtorno bipolar ou distúrbio bipolar), que é uma forma de transtorno de humor caracterizado pela variação extrema do humor entre uma fase maníaca ou hipomaníaca (hiperatividade física e mental) e uma fase depressiva (inibição, lentidão para conceber e realizar idéias e ansiedade ou tristeza). Na fase maníaca, por exemplo, alguns dos seguintes sintomas persistem por pelo menos uma semana: auto-estima inflada ou sentimento de grandiosidade (o que poderá levar a fanfarronices exageradas e temerárias), necessidade de sono diminuída, mais eloqüência do que o habitual ou pressão descontrolada por falar, fuga de idéias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão muito acelerados, distratibilidade (desvio da atenção com excessiva facilidade para estímulos externos insignificantes ou irrelevantes), aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) e agitação psicomotora e envolvimento excessivo em atividades prazerosas com um alto potencial para conseqüências dolorosas (por exemplo: surtos incontidos de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros tolos). Particularmente, eu conheço uma senhora bipolar de 78 anos que, quando está na fase maníaca (também conhecida como fase eufórica), apresenta todos estes sintomas, chegando, inclusive, a se endividar; e quando está na fase depressiva fica tão jururu, que nem sequer usa maquilagem. No passado, esta muito querida amiga (que conheço há mais ou menos sessenta anos) tentou suicídio uma vez. Bem, acrescentei esta nota porque penso que a fanfarronice não seja apenas pretensão de coragem ou reivindicação de grandes méritos e conquistas de quem é dado a bravatas. No fundo, a fanfarronice é um desequilíbrio, e, como todos os desequilíbrios, é uma desarmonia, e, como todas as desarmonias, é uma doença. Por outro lado, devemos ter sempre em mente que, pelo fato de estarmos encarnados e de ainda necessitarmos da encarnação nesta dimensão para evoluir, somos todos, em maior ou menor grau, doentes e lelés da cuca. Portanto, tratar um doente bipolar (ou qualquer doente) com desprezo e/ou chacotice é uma mistura de incompreensão com desfraternidade. Enfim, como disse Aristóteles e com justa razão, a Natureza não nos dotou de um corpo perfeitamente belo e perfeitamente são. Mas, chegaremos lá!

Nota editada da fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Transtorno_bipolar#Caracter.C3.ADstica

 

3. Este fragmento, talvez, explique definitivamente o porquê de sermos responsáveis por tudo, mesmo daquilo que pensamos não ser responsáveis.

 

 

4. Se você tem acompanhado o que tenho escrito, sabe que não há sorte de alguém que não a merece nem desgraça não merecida. A coisa toda funciona meio que um edifício de dez andares: o que acontece no primeiro andar não acontecerá no segundo; o que ocorre no sétimo não ocorre no décimo. E por aí vai, pois cada andar tem suas experiências/vivências específicas, sejam dolorosas, sejam prazerosas. Não há bala perdida. Ao frigir dos ovos, tudo é bom, tudo é experiência, tudo é aprendizado. Enfim, como somos ignorantes, costumamos separar as coisas em boas e más, quando tudo, sem exceção, é relativo.

5. Enfim, por isto, quando escrevi o texto E Gaddafi Morreu, adverti: Primavera Árabe? Sim./Inverno consciencial? Não./Festejar a liberdade? Sim./Comemorar a morte? Não.

6. Credo comunista: de cada um segundo sua capacidade; a cada um segundo sua necessidade. Credo capitalista: que cada um dê segundo sua ingenuidade; que cada um receba segundo sua cobiça. Tomás de Aquino (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 1274): a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido. Credo do Rodolfo: Dar (por dar) não adianta lhufas; só atrapalha, barafundeia e amolece. Cada qual, por mérito, deverá conquistar.

7. Aristóteles não quis nominar a virtude que se opõe à brutalidade (ou crueldade), mas eu vou arriscar e denominá-la de Summum Bonum.

8. Eu concordo inteiramente com Sócrates, pois a progressiva compreensão, que vai conduzindo à libertação, vai impedindo, pouco a pouco, que os vícios tenham curso. Só apoiamos e praticamos aquilo que consensualmente é denominado de mal porque somos ignorantes. À medida que nos ilustramos, vamos tomando ojeriza ao mal. Mas Aristóteles contrapôs o pensamento de Sócrates argumentando exaustivamente contra o entendimento que ninguém faz o mal com conhecimento de causa. Aristóteles chega a controverter nos seguintes termos: o intemperante pode cometer uma falta, porque ainda que tenha a ciência geral de que algumas coisas são más e danosas, não sabe, no caso particular, claramente que tais coisas sejam más e danosas. E assim se enganará, pois, apesar de ter a ciência, tem a ciência geral e não a ciência particular. No intemperante, a paixão que o domina impõe silêncio à razão; porém, quando a paixão cessa, como quando cessa a embriaguez, o intemperante volta ao que era antes de ceder à ela. Já o temperante, da mesma forma que o intemperante, não é aquele a quem engana sua razão; é o homem que tem a razão reta e sã, e que julga mediante ela o que á mau e o que é bom; todavia, se faz intemperante quando desobedece a esta razão, e temperante quando se submete à ela, sem se deixar levar pelas paixões que sente. Bem, eu concordo que no intemperante, a paixão que o domina impõe silêncio à razão. Mas, primeiro, que razão? Se há intemperança, como poderá haver razão? E em que diferem, efetivamente, a razão pura da razão prática? Segundo, em que diferem a ciência geral da ciência particular? A ciência geral não pode estar em desacordo com a ciência particular. Triângulo (também aceito como trilátero) é a figura geométrica que ocupa o espaço interno limitado por três linhas retas que concorrem, duas a duas, em três pontos diferentes, formando três lados e três ângulos internos que somam 180°, qualquer que seja o triângulo. Ora, já uma pessoa que se embriaga só cede ao desejo de se embriagar porque desconhece inteiramente, por assim dizer, no plano da razão pura, as conseqüências espirituais da embriaguez. E por aí vai. Então, vou repetir: só a progressiva compreensão vai lentamente conduzindo à libertação, e vai impedindo, pouco a pouco, que os desejos cobiças e paixões tenham curso. Só apoiamos e praticamos aquilo que consensualmente é denominado de mal porque somos mais ou menos ignorantes. À medida que nos ilustramos, vamos tomando ojeriza ao mal. E mais uma vez insistirei: só a Iniciação libertará.

9. Eu não sei se isto é exatamente assim. Conheço muitas pessoas prudentes, cautelosas, sensatas e ajuizadas (e eu mesmo penso que posso me incluir neste grupo) que, às vezes, são intemperantes, e, aqui e ali, ocasionalmente, passam um pouco da conta. Acho que, no fundo, meio irresponsavelmente, todos nós nos achamos super-homens sem (ainda) sê-lo. Mas, o fato é que, quando formos Super-homens de verdade, não seremos intemperantes.

10. Também não creio que isto seja invariável e inexoravelmente assim. Se assim fosse, o mau que só gera o mal inevitavelmente acabaria por ser entropizado. Mas, não é isto que acontece, pois a tendência conatural do ser-no-mundo, mesmo que, muitas vezes, embotada e anestesiada, é de se aproximar magneticamente do Bem. A grande questão é se existe e o que é realmente o mal. Se as trevas são a ausência da LLuz, o mal em ato, na maioria dos casos, é um bem ainda inconsciente de que é um Bem em potência. Muammar al-Gaddafi (1942 – 2011), segundo informou o patologista-chefe da Líbia, Othman al-Zintani, foi executado com um tiro na cabeça. Antes de ser executado, Gaddafi pediu clemência. Não deram. Tenho a mais convicta certeza de que seus executores, um dia, compreenderão a inexatidão deste justiçamento. Todavia, este dia poderá levar milênios antes que aconteça, porque certas convicções são muito difíceis de ser ultrapassadas. Mesmo depois da morte ou de várias encarnações.

11. Se você fizer uma rápida retrospecção das diversas fases de sua vida (infância, adolescência, maturidade etc.), observará que esta afirmação aristotélica está rigorosamente correta. Até de um dia para o outro as coisas poderão mudar radicalmente. Só uma coisa poderá aliviar o sofrimento: o ajustamento compreensivo. Revoltar-se só piora as coisas.

12. Aqui está um tema que daria um trabalho inteiro, mas procurarei ser breve nesta nota. E, para ser breve, apenas citarei oito exemplos nos quais a mania de honra e a presumida razão cometeram juntas despautérios, desarmonias e atrocidades, e, com isto, se habilitaram a compensações futuras mais ou menos educativo-dolorosas. 1º) Getúlio Dorneles Vargas (São Borja, 19 de abril de 1882 – Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1954: suicídio; 2º) Saddam Hussein (Tikrit, 28 de abril de 1937 – Bagdad, 30 de dezembro de 2006): execução por enforcamento; 3º) Dom Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orléans, Conde d'Eu (Neuilly-sur-Seine, 28 de abril de 1842 – Oceano Atlântico, 28 de agosto de 1922): atrocidades e crimes de guerra cometidos na Guerra do Paraguai; 4º) Militares brasileiros: golpe de Estado de 1964 que instituiu uma ditadura militar que durou até 1985; 5º) Vendetta (vingança) mafiosa: premeditação delinqüencial que seqüestra e assassina com crueldade sem dó nem piedade; 6º) Slobodan Miloševic (Požarevac, 20 de agosto de 1941 – Haia, 11 de março de 2006): guerras na Croácia, Bósnia e Kosovo = crimes contra a Humanidade, violação das leis e dos costumes de guerra, violações graves às Convenções de Genebra e genocídio; 7º) Segunda Guerra Mundial: bombas nucleares lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima (6 de agosto de 1945 = 250 mil mortos e feridos) e Nagasaki (9 de agosto de 19 = 70 mil pessoas morreram e outras 70 mil foram feridas no ataque); 8º) Legítima defesa da honra (ato sob violenta emoção): argumento que, como Myrciaria cauliflora, só existe no Brasil. A idéia de que o homem pode matar a mulher porque ela feriu sua honra não faz qualquer sentido, nem se fosse aceito o absurdo pressuposto de que a mulher é mera propriedade.

Vale a pena consultar esta Página:

http://revistaepoca.globo.com/
Epoca/0,6993,EPT673863-1664.html

13. E quando não se nasceu também.

14. Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas. (Evangelho de Mateus, X: XVI).

15. Neste fragmento, eu retiraria o quando convém.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://s439.photobucket.com/
albums/qq112/camferine/?start=all

http://www.arthurs-clipart.org/
occupations/occupations/page_01.htm

http://media.photobucket.com/
image/%22war.gif%22+/pikalego8/War.gif

http://port.pravda.ru/mundo/
18-05-2010/29609-noam_chomsky-0/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
revista/Rev_48/artigos/ART_LUIS.htm

http://www.blogdoalon.com/ftp/cotas_va.pdf

http://pichaus.com/+cat+tom+jerry/

http://restolhando.blogspot.com/2009/11/
aristoteles-inveja-alegria-malevola-e.html

http://www.physics.usyd.edu.au/
~helenj/LivesoftheStars.html

http://www.mytinyphone.com/wallpaper/59246/

http://www.fg-a.com/flowers9.shtml

http://www.gif-picture.com/
N/nature/index.php?np=2

http://www.fotosantesedepois.com/
2011/03/22/planeta-terra/

http://www.humorpolitico.com.br/index.php/2011/
09/19/eua-prometem-barrar-estado-palestino/

http://www.4shared.com/get/JrICOzVw/
ARISTTELES_Moral_a_Eudemo.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/%C3%89tica_a_Nic%C3%B4maco

http://www.eses.pt/usr/
ramiro/docs/etica_pedagogia/

http://www.citador.pt/textos/
o-homem-magnanimo-aristoteles

 

Música de fundo:

Aighaio

Fonte:

http://www.navis.gr/midi/midi.htm#Greek