Ao
longo da discussão da Doutrina das Idéias, Sócrates
golpeia pungentemente sofistas e naturalistas, pois considera que ambas
as correntes não estão interessadas realmente em obter a verdade
(ainda que sempre relativa). Hoje, vinte e cinco séculos depois,
isolando-se algumas correntes de pensamento filosófico existentes
e observando-se as pessoas de modo geral, a impressão que se tem
é que todos se acostumaram com suas convicções pessoais
da veracidade de suas teorias, e continuam a viver anestesiadas e mergulhadas
nas trevas em estado de ignorância, de superstição e
de vaidade, simplesmente por acreditarem possuir a compreensão daquilo
que, em verdade, jamais iniciaram a compreender. Pensam que sabem, mas nada
sabem; apenas dormem acordadas!
Eu durmo; mas quem não dorme?
Haverá
exemplo mais atual do que a confrontação surda entre alopatas
e homeopatas? E as disputas entre os que utilizam carne na dieta alimentar
e os vegetarianos? O veganismo é mais radical do que o vegetarianismo.
A própria macrobiótica se origina de uma vertente diferente.
E as teorias econômicas? Capitalismo criselefantino ou Socialismo
bolivariano? Budismo, Judaísmo, Muçulmanismo ou Cristianismo?
Enfim, há dissenso por toda parte. Se correr, o bicho pega; se ficar,
o bicho come. Tudo isto porque o homem, certamente, ainda não encontrou
o Caminho Illuminado,
e vivendo em desconformidade e se manifestando em desconcordância
com a imudável/mudável Atualidade Cósmica, baseia e
ancora suas teorias em convicções pessoais hipotéticas,
muitas (senão todas) originadas e fundamentadas no egoísmo,
na cupidez, no despotismo e na insensatez. Sócrates se horrorizava
com tudo isto, e sempre procurou orientar seus amigos e seus discípulos
no sentido de buscarem as respostas para as suas indagações
naquilo que concebia como Doutrina das Idéias. Sócrates afirmava
que costumava buscar
refúgio nas Idéias e nelas procurar a veridicidade das coisas.
Para Sócrates, há
um Belo-em-si,
um Bom-em-si
e um Grande-em-si. Segundo o Filósofo, as manifestações
ocorriam da seguinte forma: Tudo
o que é belo é belo em vitude do Belo-em-si. O que é
belo só pode ser belo por meio do Belo-em-si. O que é grande
é grande, e só pode ser grande, por meio da Grandeza-em-si;
o que é maior é maior, e só pode ser maior, por meio
do Maior; e o que é menor é menor, e só pode ser menor,
por meio do Menor. O próprio
Sócrates explica seu método: Assim, depois de haver
tomado como base, em cada caso, a Idéia – que
é, a meu juízo, a mais sólida – tudo aquilo que
lhe seja consoante eu o considero como sendo verdadeiro, quer se trate de
uma causa ou de outra qualquer coisa; e aquilo que não lhe é
consoante, eu o rejeito como erro.
O
método pretende encontrar a essência da verdade e a verdade
da essência para todas as causas e para todas as coisas, pois admite
a existência
real de cada uma das idéias, e igualmente aos objetos que delas participam,
delas também recebem suas denominações.
Há, por assim dizer, um antes akáshico para tudo.
Se
dúvidas existirem – e dúvidas existirão sempre
a acompanhar o ser-no-mundo onde ele estiver e aonde ele for –
elas funcionarão como verdadeiros catalisadores do pensamento, impulsionando
o pesquisador sempre para frente e sempre para cima. Viver é preciso!
Compreender é preciso! Libertar-se é preciso!
Já
foi estudado que é
das coisas contrárias que nascem as coisas que lhes são contrárias.
Entretanto, ao se conjugar a Teoria dos Contrários com a Teoria das
Idéias, verifica-se que nenhuma coisa, enquanto coisa, é o
seu contrário. Uma coisa não pode ser, ao mesmo tempo, quente
e fria, alta e baixa, sólida e líquida. Da mesma forma, simultaneamente,
em princípio, em uma mesma coisa não coexistem justiça
e injustiça, beleza e fealdade, harmonia e desarmonia. Pode-se até
admitir que os contrários residam em uma mesma coisa, mas, em um
lapso de tempo, manifestam-se isoladamente. Assim, no homem, há de
forma latente todos os contrários da Natureza. Cabe a ele dominar
os contrários destrutivos e detrimentosos à sua própria
evolução, e procurar dar expressão aos contrários
que glorificam, enobrecem e dignificam sua existência. O demônio
interior deve e precisa ser subjugado (eis que jamais será aniquilado)
para que o Deus Interior possa ser construído e se manifestar. Assim,
as idéias
não permitem a aproximação de seus contrários,
como também certas outras coisas não consentem que elas se
aproximem.
Utilizando
magistralmente o diálogo, Platão descreve como Sócrates,
baseado nas premissas anteriormente aludidas, demonstrou a imortalidade
da alma. Abaixo, do Fédon, está reproduzido o diálogo
travado entre Sócrates e Cebes:
—
Compreendi suficientemente
—
respondeu Cebes.
Disse
Sócrates: — Então,
responde-me, se puderes: qual é a coisa que, entrando em um corpo,
o torna vivo?
—
A ama —
respondeu Cebes.
—
Mas é sempre
assim?
—
Como não?
—
Portanto, a alma,
empolgando uma coisa, sempre traz vida para esta coisa? —
insistiu Sócrates.
—
Sempre traz vida
—
reiterou Cebes.
—
Existe um contrário
da vida ou não?
—
Existe.
—
E qual é?
—
A morte.
—
Não é
verdade que a alma jamais aceitará o contrário do que ela
sempre traz consigo? —
aprofundou Sócrates.
—
Decididamente.
—
Ora pois; como chamávamos,
há pouco, ao que não aceita a idéia do par?
—
Ímpar.
—
E o que
não aceita o justo e não admite o harmônico?
—
Injusto e inarmônico
—
respondeu Cebes.
—
Bem, e ao que não
admite a morte, como chamaremos?
—
Imortal.
—
Não é
certo que alma não admite a morte?
—
É.
—
Logo, a alma é
imortal?
—
Sim,
a alma é imortal.
—
E então,
afirmaremos ou não que isto está provado? Que achas?
—
Parece-me que está
suficientemente provado, caro Sócrates —
concluiu
Cebes.
Portanto,
se a alma é imortal, é também indestrutível.
Logo, digamos assim, na morte, o corpo de barro morre, e, no tempo, acaba
por se decompor. Mas, como está escrito no Fédon,
a parte imortal
foge rápido, subsistindo sem ser destruída, escapando à
morte...
Mito
do Destino das Almas
Finalmente,
Sócrates põe-se a discutir o caminho que a alma percorrerá
depois da morte do corpo físico, e faz as seguintes observações:
...
se, verdadeiramente, a alma é imortal,
cumpre que zelemos por ela, não só no tempo atual –
isto a que chamamos viver – mas, também, pela totalidade
do tempo. Uma vez evidenciado que a alma é imortal, não
existirá para ela nenhuma fuga possível a seus males, nenhuma
salvação, a não ser se tornando melhor e mais sábia.
Depois
de passar por uma espécie de julgamento e de permanecer tão-só
como alma por algum tempo, a alma é reconduzida novamente para a
Terra, através
de muitos e demorados períodos de tempo, o que está
de acordo, conforme se viu anteriormente, com a Religião
dos Mistérios, e que hoje se conhece como Lei da Reencarnação.
Sócrates
assevera ser a Terra muito grande, existindo ao seu redor um
grande número de cavidades, e os homens, morando em apenas
uma parte dela, habitam
sem notar estas cavidades, ou seja, existindo e vivendo em um
buraco na Terra acreditam estar na superfície. Sócrates declara
haver uma outra Terra, acima desta, onde tudo se aproxima da perfeição,
na verdade, um
espetáculo especialmente feito para a contemplação
dos bem-aventurados. E nomeia Lagoa
Aquerúsia o lugar onde vão ter as almas dos mortos,
ali permanecendo por mais ou menos tempo, antes
de formarem novamente os seres vivos.
Sócrates
fala das penas que os assassinos, os salteadores dos templos e os que cometeram
faltas mais ou menos graves, como o uso da violência contra os pais,
deverão padecer e purgar no Tártaro1,
até obterem o perdão de suas vítimas. Quanto aos que,
após sucessivos retornos à Terra, acabam por compreender o
sentido da existência, levando uma vida reta e justa, terminam por
se livrar do ciclo ou da roda das encarnações na Terceira
Dimensão. Disse Sócrates:
Aqueles,
enfim, cuja vida foi reconhecida como de grande piedade, são libertados,
como de cárceres, destas regiões interiores da Terra, e
levados para regiões puras, indo morar na superfície da
verdadeira Terra. E, entre estes, aqueles que pela FoloSOPhIa
se purificaram de modo suficiente, passam a viver absolutamente sem os
seus corpos, durante o resto do tempo, e a residir em lugares ainda mais
belos que os demais. Mas descrever estes lugares não é fácil
nem possível, pois temos pouco tempo.
Enfim,
condenado por obra e desgraça da intolerância e da incompreensão
de uma sociedade ignorante e abastardada, após alguns dias recluso,
morreu aquele foi uma verdadeira Luz em seu tempo, não sem antes
fazer uma libação às Divindades e recomendar a Críton
que oferecesse a Asclépio o sacrifício de um galo, pois
desejava morrer o mais depressa possível, a fim de se ver livre do
corpo.
Conclusões
Sócrates,
Jesus, Buddha, Akenaton, Zoroastro e alguns outros Benditos parecem constituir
um grupo de personalidaes-almas em tal grau de evolução/compreensão,
que, por Amor, à Terra descem espontaneamente, com uma missão
especial e preteritamente definida, sempre vinculada à Illuminação/Libertação
da Humanidade.
Não
se pode, todavia, comparar (ou mesmo qualitativamente igualar) Jesus com
Sócrates ou Buddha com Akenaton. Seria um equívoco lastimável
entender que cada um deles (e outros não mencionados, como, por exemplo,
Kut Hu Mi) tenham nascido entre os homens para trilhar exatamente o mesmo
caminho e realizar exatamente a mesma missão. Ainda que a Obra seja
sempre a mesma, cada Illuminado
a enfoca de maneira diferente. A coisa é mais ou menos como escreveu
o místico Rosacruz, matemático, filósofo, cientista,
diplomata e bibliotecário Gottfried Wilhelm Leibniz (Leipzig, 1646
– Hanôver, 1716) em sua Monadologia: sempre
alguma coisa muda e outra permanece. Em outras palavras: o Universo,
desde sempre, é o mesmo que sempre foi; mas, ainda que seja o mesmo
que sempre foi, não é, agora, e não será, no
futuro, o mesmo que sempre foi!
Por
outro lado, admitir, também, que o Avatar que eventual e oportunamente
possa vir a estar (ou que até já esteja) entre os homens,
venha a falar do Hades2,
de (re)encarnação em corpos de animais, e mesmo ser crucificado
ou ter que tomar cicuta, é viver na irrealidade e na fantasia. Não
se deve imaginar que tal Avatar apareceria descalço, barbas longas,
em andrajos, transmitindo a quem o visse uma imagem de alienação,
e afirmando ser uma espécie de redentor prometido por Deus (re)encarnado.
Sócrates
e todos os Grandes Realizados sempre souberam que a Grande Obra só
estará concluída quando todos os seres do Universo tiverem
se transmutado internamente. Mas, como o Universo é ilimitado e ilimitadas
são as criaturas, a Grande Obra, na realidade, jamais poderá
ser concluída – sendo, isto sim, diuturna, permanente, ad
semper.
Para
concluir, recordarei Confúcio:
Um homem que é perfeito e certo quanto ao seu futuro jamais procura
salvar a própria vida com prejuízo de sua virtude. Há
circunstâncias em que sacrifica a vida, e, assim, preenche sua virtude.
(Analectos, Confúcio).
Rose
Of Many Colours
Jonathan Jones
______
Notas:
1. O
Tártaro é personificado por um dos deuses primordiais, nascidos
a partir do Caos. Suas relações com Gaia (a Deusa da Terra,
a Mãe Terra) geraram as mais terríveis bestas da mitologia
grega, entre elas o poderoso Tifão. Assim como Gaia era a personificação
da Terra e Urano a personificação do Céu, Tártaro
era a personificação do Mundo Inferior. Nele estavam as cavernas
e as grutas mais profundas e os cantos mais terríveis do reino de
Hades, o mundo dos mortos, para onde todos os inimigos do Olimpo eram enviados
e onde eram castigados por seus crimes. Lá os Titãs foram
aprisionados por Zeus (Júpiter), Hades (Plutão) e Poseidon
(Neptuno) após a Titanomaquia – guerra entre os Titãs,
liderados por Cronos, e os Deuses Olímpicos, liderados por Zeus,
que definiria o domínio do Universo. Nesta guerra, Zeus conseguiu
vencer Cronos após resgatar seus irmãos depois de uma luta
que durou dez anos.
Queda
dos Titãs
(Museu Nacional de Arte da Dinamarca)
Cornelis van Haarlem (1562 – 1638)
2.
Hades, na mitologia grega, é o deus do Mundo
Inferior e dos mortos. Equivalente ao deus romano Plutão, que significa
o rico e que era também um dos seus epítetos gregos, seu nome
era usado freqüentemente para designar tanto o deus quanto o reino
que governa, nos subterrâneos da Terra.
Hades
Bibliografia:
BORNHEIM,
Gerd A. (org). Os
filósofos pré-socráticos. Cultrix: São
Paulo, 1999.
CABALLERO,
Alexandre. A filosofia
através dos textos. 2ª edição. Cultrix:
São Paulo, 1972.
CONFÚCIO.
Os analectos.
Tradução de Múcio Porphyrio Ferreira. São Paulo:
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GARAUDY,
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o pensamento de Hegel. Tradução de Suely Bastos.
Porto Alegre: LPM Editores, 1983.
LEWIS,
H. Spencer. Manual
rosacruz. Curitiba: Grande Loja do Brasil, AMORC, 1964.
MONDIN,
Battista. Curso
de filosofia. 2ª edição. Tradução
de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1981.
MORA,
José Ferrater. Diccionário
de filosofia. 5ª edição. Volume I. Buenos
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PLATÃO.
Defesa de Sócrates/Platão.
Ditos e feitos
memoráveis de Sócrates; Apologia de Sócrates/Xenofonte.
As nuvens/Aristófanes.
3ª edição. Seleção de textos de José
Américo Motta Pessanha. Tradução de Jaime Bruna, Líbero
Rangel de Andrade e Gilda Maria Reale Starznski. São Paulo: Abril,
1985.
_____.
Diálogos
II. Fédon; Sofista; Político. Tradução
de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. Rio de janeiro: Tecnoprint,
s.d.
SEMAT,
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download/texto/cv000031.pdf
http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9don
Fundo
musical:
Zorba
the Greek (Mikis Theodorakis)
Fonte:
http://www.faliraki-info.com/greek-midi-music/
Observação:
Se
você quiser ver o Anthony Quinn dançando Zorbas com Alan Bates,
por favor, dirija-se a:
http://www.youtube.com/watch?
v=jeNsr_nQEfE&feature=related