Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

A Doutrina das Idéias

 

 

 

Ao longo da discussão da Doutrina das Idéias, Sócrates golpeia pungentemente sofistas e naturalistas, pois considera que ambas as correntes não estão interessadas realmente em obter a verdade (ainda que sempre relativa). Hoje, vinte e cinco séculos depois, isolando-se algumas correntes de pensamento filosófico existentes e observando-se as pessoas de modo geral, a impressão que se tem é que todos se acostumaram com suas convicções pessoais da veracidade de suas teorias, e continuam a viver anestesiadas e mergulhadas nas trevas em estado de ignorância, de superstição e de vaidade, simplesmente por acreditarem possuir a compreensão daquilo que, em verdade, jamais iniciaram a compreender. Pensam que sabem, mas nada sabem; apenas dormem acordadas!

 

 

Eu durmo; mas quem não dorme?

 

 

Haverá exemplo mais atual do que a confrontação surda entre alopatas e homeopatas? E as disputas entre os que utilizam carne na dieta alimentar e os vegetarianos? O veganismo é mais radical do que o vegetarianismo. A própria macrobiótica se origina de uma vertente diferente. E as teorias econômicas? Capitalismo criselefantino ou Socialismo bolivariano? Budismo, Judaísmo, Muçulmanismo ou Cristianismo? Enfim, há dissenso por toda parte. Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come. Tudo isto porque o homem, certamente, ainda não encontrou o Caminho Illuminado, e vivendo em desconformidade e se manifestando em desconcordância com a imudável/mudável Atualidade Cósmica, baseia e ancora suas teorias em convicções pessoais hipotéticas, muitas (senão todas) originadas e fundamentadas no egoísmo, na cupidez, no despotismo e na insensatez. Sócrates se horrorizava com tudo isto, e sempre procurou orientar seus amigos e seus discípulos no sentido de buscarem as respostas para as suas indagações naquilo que concebia como Doutrina das Idéias. Sócrates afirmava que costumava buscar refúgio nas Idéias e nelas procurar a veridicidade das coisas. Para Sócrates, há um Belo-em-si, um Bom-em-si e um Grande-em-si. Segundo o Filósofo, as manifestações ocorriam da seguinte forma: Tudo o que é belo é belo em vitude do Belo-em-si. O que é belo só pode ser belo por meio do Belo-em-si. O que é grande é grande, e só pode ser grande, por meio da Grandeza-em-si; o que é maior é maior, e só pode ser maior, por meio do Maior; e o que é menor é menor, e só pode ser menor, por meio do Menor. O próprio Sócrates explica seu método: Assim, depois de haver tomado como base, em cada caso, a Idéia – que é, a meu juízo, a mais sólida – tudo aquilo que lhe seja consoante eu o considero como sendo verdadeiro, quer se trate de uma causa ou de outra qualquer coisa; e aquilo que não lhe é consoante, eu o rejeito como erro.

 

O método pretende encontrar a essência da verdade e a verdade da essência para todas as causas e para todas as coisas, pois admite a existência real de cada uma das idéias, e igualmente aos objetos que delas participam, delas também recebem suas denominações. Há, por assim dizer, um antes akáshico para tudo.

 

Se dúvidas existirem – e dúvidas existirão sempre a acompanhar o ser-no-mundo onde ele estiver e aonde ele for – elas funcionarão como verdadeiros catalisadores do pensamento, impulsionando o pesquisador sempre para frente e sempre para cima. Viver é preciso! Compreender é preciso! Libertar-se é preciso!

 

 

 

 

 

 

Os Contrários,
as Idéias
e a Imortalidade da Alma

 

 

 

Já foi estudado que é das coisas contrárias que nascem as coisas que lhes são contrárias. Entretanto, ao se conjugar a Teoria dos Contrários com a Teoria das Idéias, verifica-se que nenhuma coisa, enquanto coisa, é o seu contrário. Uma coisa não pode ser, ao mesmo tempo, quente e fria, alta e baixa, sólida e líquida. Da mesma forma, simultaneamente, em princípio, em uma mesma coisa não coexistem justiça e injustiça, beleza e fealdade, harmonia e desarmonia. Pode-se até admitir que os contrários residam em uma mesma coisa, mas, em um lapso de tempo, manifestam-se isoladamente. Assim, no homem, há de forma latente todos os contrários da Natureza. Cabe a ele dominar os contrários destrutivos e detrimentosos à sua própria evolução, e procurar dar expressão aos contrários que glorificam, enobrecem e dignificam sua existência. O demônio interior deve e precisa ser subjugado (eis que jamais será aniquilado) para que o Deus Interior possa ser construído e se manifestar. Assim, as idéias não permitem a aproximação de seus contrários, como também certas outras coisas não consentem que elas se aproximem.

 

Utilizando magistralmente o diálogo, Platão descreve como Sócrates, baseado nas premissas anteriormente aludidas, demonstrou a imortalidade da alma. Abaixo, do Fédon, está reproduzido o diálogo travado entre Sócrates e Cebes:

Compreendi suficientemente respondeu Cebes.

Disse Sócrates: — Então, responde-me, se puderes: qual é a coisa que, entrando em um corpo, o torna vivo?

A ama respondeu Cebes.

Mas é sempre assim?

Como não?

Portanto, a alma, empolgando uma coisa, sempre traz vida para esta coisa? — insistiu Sócrates.

Sempre traz vida reiterou Cebes.

Existe um contrário da vida ou não?

Existe.

E qual é?

A morte.

Não é verdade que a alma jamais aceitará o contrário do que ela sempre traz consigo? aprofundou Sócrates.

Decididamente.

Ora pois; como chamávamos, há pouco, ao que não aceita a idéia do par?

Ímpar.

E o que não aceita o justo e não admite o harmônico?

Injusto e inarmônico — respondeu Cebes.

Bem, e ao que não admite a morte, como chamaremos?

Imortal.

Não é certo que alma não admite a morte?

É.

Logo, a alma é imortal?

Sim, a alma é imortal.

E então, afirmaremos ou não que isto está provado? Que achas?

Parece-me que está suficientemente provado, caro Sócrates concluiu Cebes.

 

Portanto, se a alma é imortal, é também indestrutível. Logo, digamos assim, na morte, o corpo de barro morre, e, no tempo, acaba por se decompor. Mas, como está escrito no Fédon, a parte imortal foge rápido, subsistindo sem ser destruída, escapando à morte...

 

 

 

Mito do Destino das Almas

 

 

 

Finalmente, Sócrates põe-se a discutir o caminho que a alma percorrerá depois da morte do corpo físico, e faz as seguintes observações:

 

... se, verdadeiramente, a alma é imortal, cumpre que zelemos por ela, não só no tempo atual – isto a que chamamos viver – mas, também, pela totalidade do tempo. Uma vez evidenciado que a alma é imortal, não existirá para ela nenhuma fuga possível a seus males, nenhuma salvação, a não ser se tornando melhor e mais sábia.

 

Depois de passar por uma espécie de julgamento e de permanecer tão-só como alma por algum tempo, a alma é reconduzida novamente para a Terra, através de muitos e demorados períodos de tempo, o que está de acordo, conforme se viu anteriormente, com a Religião dos Mistérios, e que hoje se conhece como Lei da Reencarnação.

 

Sócrates assevera ser a Terra muito grande, existindo ao seu redor um grande número de cavidades, e os homens, morando em apenas uma parte dela, habitam sem notar estas cavidades, ou seja, existindo e vivendo em um buraco na Terra acreditam estar na superfície. Sócrates declara haver uma outra Terra, acima desta, onde tudo se aproxima da perfeição, na verdade, um espetáculo especialmente feito para a contemplação dos bem-aventurados. E nomeia Lagoa Aquerúsia o lugar onde vão ter as almas dos mortos, ali permanecendo por mais ou menos tempo, antes de formarem novamente os seres vivos.

 

Sócrates fala das penas que os assassinos, os salteadores dos templos e os que cometeram faltas mais ou menos graves, como o uso da violência contra os pais, deverão padecer e purgar no Tártaro1, até obterem o perdão de suas vítimas. Quanto aos que, após sucessivos retornos à Terra, acabam por compreender o sentido da existência, levando uma vida reta e justa, terminam por se livrar do ciclo ou da roda das encarnações na Terceira Dimensão. Disse Sócrates:

 

Aqueles, enfim, cuja vida foi reconhecida como de grande piedade, são libertados, como de cárceres, destas regiões interiores da Terra, e levados para regiões puras, indo morar na superfície da verdadeira Terra. E, entre estes, aqueles que pela FoloSOPhIa se purificaram de modo suficiente, passam a viver absolutamente sem os seus corpos, durante o resto do tempo, e a residir em lugares ainda mais belos que os demais. Mas descrever estes lugares não é fácil nem possível, pois temos pouco tempo.

 

Enfim, condenado por obra e desgraça da intolerância e da incompreensão de uma sociedade ignorante e abastardada, após alguns dias recluso, morreu aquele foi uma verdadeira Luz em seu tempo, não sem antes fazer uma libação às Divindades e recomendar a Críton que oferecesse a Asclépio o sacrifício de um galo, pois desejava morrer o mais depressa possível, a fim de se ver livre do corpo.

 

 

 

Conclusões

 

 

 

Sócrates, Jesus, Buddha, Akenaton, Zoroastro e alguns outros Benditos parecem constituir um grupo de personalidaes-almas em tal grau de evolução/compreensão, que, por Amor, à Terra descem espontaneamente, com uma missão especial e preteritamente definida, sempre vinculada à Illuminação/Libertação da Humanidade.

 

Não se pode, todavia, comparar (ou mesmo qualitativamente igualar) Jesus com Sócrates ou Buddha com Akenaton. Seria um equívoco lastimável entender que cada um deles (e outros não mencionados, como, por exemplo, Kut Hu Mi) tenham nascido entre os homens para trilhar exatamente o mesmo caminho e realizar exatamente a mesma missão. Ainda que a Obra seja sempre a mesma, cada Illuminado a enfoca de maneira diferente. A coisa é mais ou menos como escreveu o místico Rosacruz, matemático, filósofo, cientista, diplomata e bibliotecário Gottfried Wilhelm Leibniz (Leipzig, 1646 – Hanôver, 1716) em sua Monadologia: sempre alguma coisa muda e outra permanece. Em outras palavras: o Universo, desde sempre, é o mesmo que sempre foi; mas, ainda que seja o mesmo que sempre foi, não é, agora, e não será, no futuro, o mesmo que sempre foi!

 

Por outro lado, admitir, também, que o Avatar que eventual e oportunamente possa vir a estar (ou que até já esteja) entre os homens, venha a falar do Hades2, de (re)encarnação em corpos de animais, e mesmo ser crucificado ou ter que tomar cicuta, é viver na irrealidade e na fantasia. Não se deve imaginar que tal Avatar apareceria descalço, barbas longas, em andrajos, transmitindo a quem o visse uma imagem de alienação, e afirmando ser uma espécie de redentor prometido por Deus (re)encarnado.

 

Sócrates e todos os Grandes Realizados sempre souberam que a Grande Obra só estará concluída quando todos os seres do Universo tiverem se transmutado internamente. Mas, como o Universo é ilimitado e ilimitadas são as criaturas, a Grande Obra, na realidade, jamais poderá ser concluída – sendo, isto sim, diuturna, permanente, ad semper.

 

Para concluir, recordarei Confúcio: Um homem que é perfeito e certo quanto ao seu futuro jamais procura salvar a própria vida com prejuízo de sua virtude. Há circunstâncias em que sacrifica a vida, e, assim, preenche sua virtude. (Analectos, Confúcio).

 

 

 

 

Rose Of Many Colours
Jonathan Jones

 

 

 

Minha Reflexão Final
(Afinal, queremos o quê?)

 

 

 

Sócrates disse: O corpo é uma coisa má.

Eu desatesto: — O corpo é meio que uma jangá.2

Sócrates disse: — O corpo é uma prisão.

 

 

Por que seremos escravos de um corpo?

Escravos somos, sim, dos pensamentos

 

 

Não é o corpo que devemos acoimar;3

mas, sim, nossa esdruxulice no pensar.

Cedemos a excessos, regalos e ilusões,

e cerceamos o Deus de nossos Corações!

 

 

 

Fim da 3ª parte.

1ª parte: http://paxprofundis.org/livros/fed/on.htm

2ª parte: http://paxprofundis.org/livros/fedd/on1.htm

 

 

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Notas:

1. O Tártaro é personificado por um dos deuses primordiais, nascidos a partir do Caos. Suas relações com Gaia (a Deusa da Terra, a Mãe Terra) geraram as mais terríveis bestas da mitologia grega, entre elas o poderoso Tifão. Assim como Gaia era a personificação da Terra e Urano a personificação do Céu, Tártaro era a personificação do Mundo Inferior. Nele estavam as cavernas e as grutas mais profundas e os cantos mais terríveis do reino de Hades, o mundo dos mortos, para onde todos os inimigos do Olimpo eram enviados e onde eram castigados por seus crimes. Lá os Titãs foram aprisionados por Zeus (Júpiter), Hades (Plutão) e Poseidon (Neptuno) após a Titanomaquia – guerra entre os Titãs, liderados por Cronos, e os Deuses Olímpicos, liderados por Zeus, que definiria o domínio do Universo. Nesta guerra, Zeus conseguiu vencer Cronos após resgatar seus irmãos depois de uma luta que durou dez anos.

 

 

Queda dos Titãs

Queda dos Titãs
(Museu Nacional de Arte da Dinamarca)
Cornelis van Haarlem (1562 – 1638)

 

 

2. Hades, na mitologia grega, é o deus do Mundo Inferior e dos mortos. Equivalente ao deus romano Plutão, que significa o rico e que era também um dos seus epítetos gregos, seu nome era usado freqüentemente para designar tanto o deus quanto o reino que governa, nos subterrâneos da Terra.

 

 

Hades

Hades

 

 

Bibliografia:

BORNHEIM, Gerd A. (org). Os filósofos pré-socráticos. Cultrix: São Paulo, 1999.

CABALLERO, Alexandre. A filosofia através dos textos. 2ª edição. Cultrix: São Paulo, 1972.

CONFÚCIO. Os analectos. Tradução de Múcio Porphyrio Ferreira. São Paulo: Pensamento, s.d.

GARAUDY, Roger. Para conhecer o pensamento de Hegel. Tradução de Suely Bastos. Porto Alegre: LPM Editores, 1983.

LEWIS, H. Spencer. Manual rosacruz. Curitiba: Grande Loja do Brasil, AMORC, 1964.

MONDIN, Battista. Curso de filosofia. 2ª edição. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1981.

MORA, José Ferrater. Diccionário de filosofia. 5ª edição. Volume I. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1965.

PLATÃO. Defesa de Sócrates/Platão. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates; Apologia de Sócrates/Xenofonte. As nuvens/Aristófanes. 3ª edição. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Jaime Bruna, Líbero Rangel de Andrade e Gilda Maria Reale Starznski. São Paulo: Abril, 1985.

_____. Diálogos II. Fédon; Sofista; Político. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. Rio de janeiro: Tecnoprint, s.d.

SEMAT, Henry. Física atomica y nuclear. 4ª edição. Tradução de José Miro Nicolau e Luis Bravo Gala. Madri: Aguilar, 1966.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.smashingapps.com

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hades

http://pt.wikipedia.org/wiki/Titanomaquia

http://www.mises.org.br/
ArticlePrint.aspx?id=425

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anax%C3
%A1goras_de_Claz%C3%B4menas

http://commons.wikimedia.org/
wiki/File:Animated_D-T_fusion.gif

http://www.tcetoday.com/tcetoday/
NewsDetail.aspx?nid=12697

http://pt.wikipedia.org/wiki/Proje%C3%
A7%C3%A3o_da_consci%C3%AAncia

http://aluzvioleta.wordpress.com/
2010/02/20/codigo-da-purificacao/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sophia
_(gnosticismo)#Pistis_Sophia

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pistis_Sophia

http://svmmvmbonvm.org/ultimos/

http://media.photobucket.com/image/%252522
tsunami.gif%252522/d3stroy3r/Tsunami2.gif

http://books.google.com.br/

http://pt.wikilingue.com/ca/Pritaneu

http://www.cefetsp.br/edu/eso
/filosofia/comentarioapologia.html

http://filosofiapraticasoniarodrigues.blogspot.com/

http://www.homeoesp.org/meditacao_
espiritualidade/022%20-%20SOCRATES.pdf

http://www.mundodosfilosofos.com.br/
socrates1.htm

http://www.guia.heu.nom.br/grecia.htm

http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/
israel_textos/introducao_a_platao.htm

http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/cv000031.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9don

 

Fundo musical:

Zorba the Greek (Mikis Theodorakis)

Fonte:

http://www.faliraki-info.com/greek-midi-music/

 

Observação:

Se você quiser ver o Anthony Quinn dançando Zorbas com Alan Bates, por favor, dirija-se a:

http://www.youtube.com/watch?
v=jeNsr_nQEfE&feature=related