Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Introdução
e
Objetivo do Estudo

 

 

 

Fédon (transliteração de Phaídon) é uma obra filosófica escrita já na maturidade de Platão (Atenas, 428/427 – Atenas, 348/347 a.C.) que, através de diálogos, relata os últimos ensinamentos de Sócrates (Atenas, 469 – Atenas, 399 a.C.), o pai da maiêutica (parto das idéias), antes de tomar a cicuta (pois fora condenado à morte pelo Estado). Na ocasião da morte de Sócrates, segundo Fédon, estavam Apolodoro, Critobulo e seu pai, Hermógenes, Epígenes, Ésquines, Antístenes, Ctesipo, de Peânia, Menexeno, Símias, o Tebano, Cebes, Fedondes, Euclides e Terpsião, além de outros. Segundo Fédon, Platão se encontrava doente.

 

De acordo com a Apologia de Sócrates (por vezes simplesmente Apologia), de Platão – que narra o processo e a sua condenação à morte – Sócrates foi acusado por Meleto, Anitos e Licão de ser culpado de investigar, em excesso, os fenômenos subterrâneos e celestes, de fazer prevalecer sobre a melhor causa a pior e de ensinar aos outros esta doutrina. O texto da acusação, tal como se encontra descrito por Diógenes Laércio (200 – 250), é o seguinte: Esta acusação jurada é de Meleto, filho de Meleto, natural do demo piteu, contra Sócrates, filho de Sofronisco, natural do demo alopecense. Sócrates é culpado de não acreditar nos deuses em que acredita a cidade e de introduzir divindades novas; é ainda culpado de corromper a juventude. Pena pedida: a morte. Em resumo: em certo sentido, um precursor-anunciador dos princípios cristãos, Sócrates foi acusado de perverter os jovens atenienses, instilando-lhes o veneno inaceitável da Liberdade (que Liberta) nos Corações.

 

Este estudo – que, em um certo sentido, é uma complementação de outro que já divulguei – é uma reflexão mais completa, detalhada e comentada desta obra, escrita posteriormente ao julgamento de Sócrates, mas anterior à sua execução com a cicuta, na qual se admite que Platão estaria apenas usando Sócrates como personagem principal dos diálogos para divulgar seu entendimento iniciático do Mundo das Idéias – sua máxima Teoria – e seu próprio projeto filosófico. Não esqueçamos de que Platão esteve por um certo tempo no Egito, e lá foi devidamente Iniciado na Organização hoje conhecida como Grande Fraternidade Branca, que é uma Hierarquia harmonicamente estabelecida e composta de Discípulos, Adeptos e Altos Illuminados que atuam em silêncio na evolução (dos seres vivos) da Terra. É necessário que se entenda que os Membros desta Augusta Loja, em princípio, não podem ser contatados; mas, por mérito + necessidade, se for o caso, um de seus integrantes poderá estabelecer uma comunicação.

 

Devo finalmente informar, que, originariamente, esta monografia foi o trabalho final que apresentei no Seminário de História da Filosofia Antiga, em 1986, uma exigência acadêmica da disciplina que cursei no doutorado em Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Gama Filho, sob a orientação da professora e minha muito querida amiga Anna Maria Moog Rodrigues. Como, na época, a Anna Maria deve ter se enganado e meu deu nota 10 (dez) nesta monografia, respirei fundo, tomei coragem e resolvi, agora, com diversos acréscimos, modificações, ampliações e atualizações, divulgá-la para vocês, pois, entre outros ensinamentos relatados por Fédon, a pedido de Equécrates, Sócrates fala sobre a morte, a idéia e o destino da personalidade-alma, que, penso, sejam temas que interessem a todos nós. Mas, se você quiser ler a versão eletrônica do diálogo platônico Fédon, feita por Carlos Alberto Nunes, por favor, dirija-se a:

http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/cv000031.pdf

 

 

 

Recensão e Considerações
Sobre o Fédon, de Platão

 

 

Prolegômenos

 

 

 

 

 

 

O tema central deste diálogo – o mais famoso e o mais discutido de Platão – é a morte. No Fédon, é narrada a última conversa mantida por Sócrates com alguns amigos e discípulos mais próximos. A derradeira conversa do Mestre – melhor seria considerá-la sua última aula, seus últimos ensinamentos – é levada a efeito na própria prisão onde estava encarcerado Sócrates. A cidade é Atenas, o ano é 399 a.C. e o tempo é de injustiça. Mas Sócrates não desistiu da vida justa; na hora aprazada, bebeu, calma e dignamente, a cicuta!

 

Entretanto, preliminarmente, é necessário esclarecer o porquê de Sócrates estar injustamente detido, qual o delito que supostamente cometeu e quais as acusações infundadas que sobre ele pesavam.

 

Sócrates, controvertida figura, cultivou fama de destemido, adquirida nos tempos da guerra e reforçada por uma independência pessoal originada na negação à convivência com a sórdida trama política urdida pelos trinta Tiranos, que durante alguns anos haviam dominado Atenas.

 

Desinteressado dos bens temporais, a partir de um dado momento de sua vida, Sócrates se dedicou a dialogar com as pessoas, de modo a fazê-las tentar justificar os conhecimentos, as virtudes ou as habilidades que lhes eram atribuídas. A finalidade dos diálogos por ele conduzidos objetivava levar seu interlocutor a reconhecer a própria ignorância, ou seja, tornar patente a fragilidade das opiniões, a inconsistência dos argumentos e a obscuridade dos conceitos de cada uma das pessoas que participavam do diálogo. Para alguns, o método proporcionava um verdadeiro renascimento, não deixando de ser, de certa forma, um processo Iniciático – a Iniciação à Transrazão, a Iniciação ao Autoconhecimento Transracional. Para outros, lamentavelmente, era a pulverização do prestígio em plena praça pública.

 

O resultado de tantos anos tentando arrancar das trevas um povo quase incapaz de compreender sua mensagem, suas palavras, foi o de ter sido acusado, diante do tribunal popular, pelo poeta Meleto, pelo rico curtidor de peles e influente orador e político Anitos e por Licão, personagem de pouca importância, de corrupção dos jovens atenienses, corrupção esta que incluía não acreditar nos deuses em que acredita a cidade e de introduzir divindades novas. Para a época, isto era demais. Contudo, segundo Platão, durante sua defesa, em nenhum momento Sócrates fraqueja, em nenhum momento apela para a adulação, em nenhum momento pede perdão ou solicita misericórdia. Está convicto de que cumpria uma missão confiada pelo Deus Delfos, que o tornara um vagabundo loquaz: dialogar, conversar e ensinar as pessoas o caminho de um viver reto, virtuoso e puro. Em sua defesa, segundo Platão, afirmou: Dos haveres não vem a virtude para os homens; mas da virtude vêm os haveres e todos os outros bens particulares e públicos. Para Sócrates, a riqueza está na virtude.

 

Mas o tempo não era de justiça terrena. Os deuses atenienses entenderam de ensinar àquela gente estupidificada por caminhos tortuosos. E Sócrates foi condenado. O Filósofo, como era de praxe naquela época, foi convidado a escolher sua pena, em contraposição à pena de morte pedida por Mileto. Para a assembléia, teria sido um alívio a proposição por Sócrates de qualquer punição alternativa. Umas poucas moedas lhe teriam salvo a vida, contentado seus juízes e acalmado o estado de ânimo reinante. Mas Sócrates, como era de se esperar, não transige. Propor qualquer pena, no seu entender, era aceitar as acusações que lhe imputavam. E, por isto, altivo, enfrentou seus acusadores e juízes.

 

 

 

A morte de Sócrates (1787)
Jacques-Louis David (1748 – 1825)

 

 

Na Defesa de Sócrates, Platão descreve a pena que Sócrates considerava merecer:

 

Ora, o homem propõe a sentença de morte. Bem, e eu que pena vos hei de propor em troca, atenienses? A que mereço, não é claro? Qual será? Que sentença corporal ou pecuniária mereço, eu que entendi de não levar uma vida quieta? Eu que, negligenciando o de que cuida toda a gente riquezas, negócios, postos militares, tribunas e funções públicas, conchavos e lutas que ocorrem na política, coisa em que me considero de fato por demais pundonoroso para me imiscuir sem me perder – não me dedique àquilo a que, se me dedicasse, haveria de ser completamente inútil para vós e para mim? Eu que me entreguei à procura de cada um de vós em particular, a fim de proporcionar o que declaro o maior dos benefícios, tentando persuadir cada um de vós a cuidar menos do que é seu do que de si próprio, para vir a ser quanto melhor e mais sensato, menos dos interesses do povo que do próprio povo, adotado o mesmo princípio nos demais cuidados? Que sentença mereço por ser assim? Algo de bom, atenienses, se há de ser a sentença verdadeiramente proporcionada ao mérito; não só, mas algo de bom adequado à minha pessoa. O que é adequado a um benfeitor pobre, que precisa de lazeres para vos viver exortando? Nada tão adequado a tal homem, atenienses, como ser sustentado no Pritaneu;1 muito mais do que a um de vós que haja vencido, nas Olimpíadas, uma corrida de cavalos, de bigas ou de quadrigas. Esse vos dá a impressão da felicidade; eu, a felicidade; ele não carece de sustento, eu careço. Se, pois, cumpre que me sentenciem com justiça e em proporção ao mérito, eu proponho o sustento no Pritaneu.

 

O pouco caso de Sócrates ante a possibilidade de morrer, sua grandeza ante os acusadores, a nobreza durante o julgamento e a proposta de ser alimentado no Pritaneu enquanto fosse vivo tornaram impossível desfazer a condenação. Para não abrir mão dos princípios que sempre nortearam sua consciência, Sócrates optou nobremente pela morte. E assim se fez. E assim se cumpriu. De um só gole, calmamente, tomou a cicuta que lhe foi oferecida pelo carcereiro.

 

Os momentos finais da vida de Sócrates, extraídos do Fédon e transcritos abaixo, demonstram a serenidade do Filósofo perante a morte e a injustiça:

 

Sócrates pôs-se a dar umas voltas no quarto, até que declarou sentir as pernas pesadas. Deitou-se, então, de costas, assim como lhe havia recomendado o homem. Ao mesmo tempo, este, aplicando as mãos aos pés e às pernas de Sócrates, examinava-os por intervalos. Em seguida, tendo apertado fortemente o pé, perguntou a Sócrates se o sentia. Sócrates respondeu que não. Depois disto, recomeçou no tornozelo, e subindo aos poucos, nos fez ver que Sócrates começava a ficar frio e a se enrijecer. Continuando a apalpá-lo, declarou-nos que quando aquilo chegasse ao coração, Sócrates ir-se-ia. Sócrates já se havia tornado rijo e frio em quase toda a região inferior do ventre, quando disse estas palavras, as derradeiras que pronunciou:

'Críton, devemos um galo a Asclépio; não te esqueças de pagar esta dívida.'

'Assim farei' — respondeu Críton. 'Mas vê se não tens mais nada para nos dizer.'

O pedido de Críton ficou sem resposta. Ao cabo de um instante, Sócrates fez um movimento. O homem, então, o descobriu. O olhar de Sócrates estava fixo. Vendo isto, Críton lhe cerrou a boca e os olhos.

'Tal foi, Equécrates, o fim do nosso companheiro – o homem de quem podemos bendizer que, entre todos os do seu tempo que nos foi dado conhecer, era o melhor, o mais sábio e o mais justo — lamentou Fédon.'

 

Os diálogos do Fédon originaram-se da necessidade de Platão informar às gerações futuras o que se passou naquela cela que acolheu Sócrates nos últimos dias de sua vida. A primeira informação importante contida no Fédon é a de que, apesar de sentenciado, Sócrates transmitia felicidade, tal era a nobreza que havia no seu fim. Isto reforça a idéia de que a morte nada mais é do que um aspecto da Vida – a Vida Eterna. E Sócrates sabia isto muito bem. Preparar-se para morte, em vida, é preparar-se para a Vida Eterna. Para aquele, como Sócrates, que levou vida reta, digna e que procurou seguir os ditames de sua consciência, a morte é a completação, o remate imediato do ciclo da existência. A morte é como que o fim de um curso em que o estudante se habilita à diplomação. É o momento em que, rompido o Cordão de Prata, inicia-se, se houver mérito, uma nova fase do processo existencial em um plano vibratório mais elevado, em um nível de consciência mais refinado. Como, então, temer a morte? Como se horrorizar com esta insuperável inevitabilidade? Como, enfim, não aceitá-la serenamente? Sócrates era sabedor de tudo isto, e demonstrou este conhecimento efetiva e cabalmente nos momentos terminais de sua vida. Honrou o que sabia. É tão-só o desconhecimento e a ignorância que geram a dúvida, a angústia e o medo, quando não o inconformismo e o desespero. Sócrates não! Pelo que se pode inferir dos escritos de Platão e de Xenofonte, era um intuitivo nato. Acreditava, inclusive, ter sido distinguido pelos deuses para uma missão especial. Assim, na medida em que tinha acesso a um Conhecimento Esotérico, vedado aos profanos, e, possivelmente, aos seus próprios discípulos, distinguia-se dos demais; e liderava naturalmente pelos conceitos insólitos que emitia. Admito que sua fonte de inspiração fosse seu próprio interior, em uma espécie de Comunhão Cósmica, que ele, pelos padrões da época, admitia (ou queria que admitissem) ser o deus de Delfos. A época exigia que fosse assim. Deste modo, portanto, determinava a prudência, que, no caso de Sócrates, acabou pouco valendo.

 

É com sua força interior, com a certeza absoluta em um porvir na LLuz em paz e de inefável Beleza, que Sócrates, quando todos estão em trevas, desesperados ante a iminente possibilidade de o perder, ainda encontra serenidade para chamá-los à ordem: — 'Acalmai-vos, vamos! Dominai-vos'! É a força do Iniciado ante a ignorância reinante. É a certeza que sobrepuja a descompostura e a paúra.

 



O Prazer e a Dor

 

 

 

Tanto o prazer como a dor não são simultâneos no homem. O prazer poderá provocar a dor, e vice-versa, mas a concomitância inexiste. A dor, que muitas vezes por ser intensa, manifestando-se no homem das mais variadas formas (física, emocional, moral etc.), poderá levar aquele que sofre a cometer suicídio. Para Sócrates, tal ato é abominável. Leiamos o que disse Sócrates sobre este tema:

 

Para todos os homens, há uma absoluta necessidade de viver, necessidade invariável mesmo para aqueles para os quais a morte seja preferível à vida... O corpo, segundo os Adeptos dos Mistérios, é uma espécie de prisão... Mas é um dever não libertar ninguém nem permitir que alguém seja dali levado.

 

Meditando sobre esta matéria, estou convencido de que o processo evolutivo-reintegrador do ser-no-mundo, a ascensão de sua consciência e o progressivo alcançamento da liberdade, operam-se, nesta dimensão, obrigatoriamente, pela encarnação da personalidade-alma em um corpo físico. Em outras dimensões isto pode ser diferente. Nesta dimensão, neste plano, a coisa parece se dar assim: a personalidade-alma, provavelmente, não evolui enquanto tal; precisa, portanto, encarnar para evoluir. Assim, fazem sentido as afirmações anteriores. A supressão da vida cancela, ato contínuo, o processo evolucionista, e o suicida, particularmente, não alcançará um plano vibratório mais elevado nem um nível de consciência mais refinado, coisa que poderia acontecer se a vida tivesse sido vivida de fio a pavio. Há um corte no processo mencionado; e se há um corte no processo mencionado, a pena capital, por exemplo, é, no mínimo, um equívoco. Assassinar (com ou sem amparo legal) é suicidar-se; suicidar-se é assassinar.

 

No curso da vida, o maior ou menor inferno que cada ser-no-mundo possa eventualmente experimentar – porque o produziu – é incomparável com o inferno que experimentará naquilo que se conhece como o cone de sombra da Terra. Não o cone de sombra projetado no espaço derivado de um eclipse da Lua, pelo fato de ela entrar no cone de sombra da Terra. O cone de sombra do desespero rememorativo – ainda que, geralmente, temporário (não o cone, mas a estada no cone) – não provém de um fenômeno físico; é de outra natureza.

 

 

Não é isto; mas, pictoricamente, é mais ou menos isto.

 

No cone de sombra do desespero rememorativo habitam temporariamente aquelas personalidades-alma que, extremamente materializadas e que cometeram delitos – como, por exemplo, o suicídio – passam pela dolorosa experiência de rever seus atos em toda a intensidade em que foram praticados, sublinhados, agora, pela convicção íntima de que oportunamente deverão ser compensados. Mas, normalmente, este estágio não é definitivo; o amor impessoal, a tolerância irrestrita e a misericórdia sem julgamento dos que misericordiam imparcialmente agirão, no devido tempo, em favor do transgressor das Leis Universais. Logo, a idéia de punição é errônea; e, se não há punição, a permanência no cone não é irrevogável. O Cósmico não galardoa nem pune; é o nosso livre-arbítrio que nos conduz por um céu de brigadeiro ou por um mar emborrascado. Não há fortuitidade; em tudo e para tudo há uma causalidade acionadora inconsciente (porque se houvesse consciência, haveria julgamento, e se julgamento houvesse, teria havido preteritamente uma escolha entre isto ou aquilo, entre cominar ou laurear, entre relevar ou acriminar). As coisas acontecem porque uma ou várias causas concorreram para que ela acontecesse. Não há de araque; em tudo e para tudo há uma razão de ser assim, assado, frito, gratinado, refogado ou ensopado – há sempre um motivo gerador e movimentador. Logo, penso que seja inacontecível um tsunami no miolo do Deserto do Saara, tanto quanto é improbabilíssimo que ocorra uma tempestade de areia no meio do Oceano Pacífico. Mutatis mutandis, isto é mais ou menos como bala perdida. Ora, não existe bala perdida; existe bala com endereço bem certinho. E Coragyps atratus não caga na cabeça de ninguém por acaso. Agora, a sacanagem das sacanagens é dar de presente um PlayStation para um ceguinho!

 

 

 

 

 

 

A Morte como
Libertação do Pensamento

 

 

 

Em um outro passo deste ensaio comentei que se preparar para morte, em vida, é preparar-se para a Vida Eterna. Preparar-se para a Vida Eterna é buscar e perseguir o Sumo Bem e navegar rumo à Illuminação; mas, como afirma o Frater Velado na obra, Meus Últimos Dias (Diálogos com o Mestre), só se atinge a Illuminação através da Via do Amor, que é alcançada pelo caminho das Boas Obras. Assim, a mortificação pura e simples leva apenas à exaustão do corpo físico. Mas, como deve um homem se preparar para estar em condições de realizar as Boas Obras? Primeiro, deve estar limpo por dentro. Ele não pode ter dentro de si outros sentimentos conflitantes com o amor, como, por exemplo, o ódio, a cobiça, a ira, a luxúria, o medo, a insegurança, a inveja, a vaidade, a ambição, a leviandade, a avareza e a falsidade. Depois, ele deve estar limpo por fora, para que a aura, proveniente do interior, possa se manifestar. Limpo por fora é o homem que pode se olhar no espelho e dizer, fitando seus olhos: — Eu não minto. Sócrates, por outras palavras, diz no Fédon: o homem que consagrou sua vida à Filosofia2 é senhor de legítima convicção no momento da morte, pois possui a esperança de ir encontrar para si, para além, excelentes bens quando estiver morto... Quando uma pessoa se dedica à Filosofia sua única ocupação consiste em se preparar para morrer e em estar morto.

 

Assim, de um modo geral, os Filósofos se ocupam com a morte e para ela se preparam, dando pouca ou nenhuma importância às posses materiais, considerando-as tão-somente na justa medida de sua utilidade, para delas se servirem para poder viver. As (pre)ocupações dos Filósofos, portanto, não se dirigem, de modo geral, para o que diz respeito ao corpo; é para a alma que estão voltadas. O corpo, segundo Sócrates, é um entrave à Sabedoria (SOPhIa), e sempre engana radical e ilusoriamente a alma em suas investigações, em sua busca, em seu aprimoramento.

 

 

 

 

 

O corpo, para Sócrates, é uma coisa má, um estorvo à plena expressão da personalidade-alma. O corpo, com suas paixões próprias, com suas concupiscências, faz dos homens pobres e míseros escravos, impedindo, até mesmo quando se encontram em paz e em tranqüilidade, pela desorganização mental que muitas vezes provoca, o conhecimento de uma verdade ascensionária, que se eleva, que se dirige para cima, que vai progredindo, aumentando, ainda que sempre relativa. Neste sentido, e se assim é, a morte libera da demência do corpo, e o pensamento, também livre, pode conhecer, relativamente, tudo o que é.

 

Todavia, é preciso que se entenda que cada ser-no-mundo ao passar pela Iniciação maior da vida – que é a morte ou transição – atuará psiquicamente no nível de compreensão que possuía em vida. Nada é acrescentado. Não seria, pois, injusto ou mesmo absurdo, cosmicamente raciocinando, que todos os entes, daqui e dali, depois de mortos, passassem a se manifestar no mesmo céu, no mesmo inferno ou no mesmo sei-lá-onde, passando por experiências insólitas e adquirindo conhecimentos imerecidos? Por acaso, suas vidas na Terra teriam sido rigorosamente iguais ou inflexivelmente equivalentes? Por isto, repito: poderemos, depois, conhecer, relativamente e só relativamente, tudo o que é. Por este motivo, o tudo só será absoluto se e quando se fizer o .

 

Seja como for, como o Universo é um perene vir-a-ser, todos os entes têm, por mérito, a possibilidade de progredir, pela encarnação, e de se reintegrar no , que representou e simbolizou, enquanto vivos, o Deus de seus Corações, o Deus de sua compreensão. Mas, no de todas as experiências individualizadas, e aí já não mais como individualidades, mas, por assim dizer, como uma espécie de conjunto unitário, o será percebido, compreendido e sintetizado como Deus de uma única compreensão e de um só Coração. Portanto, enquanto houver o , o , o etc., não haverá o . Só se fará o quando houver unicidade. E assim, enquanto houver um único ser afastado da LLuz, esta mesma LLuz não brilhará em toda a sua intensidade. É neste sentido que todos nós somos irmãos e que o maior mandamento é o da fraternidade. Por isto, pode-se escrever:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fim da 1ª parte.

2ª parte: http://paxprofundis.org/livros/fedd/on1.htm

3ª parte: http://paxprofundis.org/livros/feddd/on1.htm

 

 

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Notas:

1. Pritaneu (Prytaneium ou Prytaneum) era o nome dado pelos antigos gregos ao edifício-coração da cada cidade, que era representado por um fogo eterno que queimava em um altar, tal qual queimava um fogo nas casas privadas em um altar doméstico, no pátio interior. Na cidade, nada havia de mais sagrado do que este altar, sobre o qual ardia ininterruptamente um fogo sagrado. Para os gregos, o Pritaneu era o centro da vida pública e a terra sagrada da pátria.

2. Filosofia no sentido gnóstico de Filo-SOPhIa. SOPhIa é aquilo que detém o Sábio. Na tradição gnóstica, SOPhIa é uma figura feminina, análoga à alma humana e simultaneamente um dos aspectos femininos de Deus. Os gnósticos afirmam que SOPhIa é a Sizígia de Jesus (ou seja, a Noiva Alquímica do Cristo) e o Espírito Santo da Trindade. Nos textos da Biblioteca de Nag Hammadi, SOPhIa é considerada o mais baixo dos Aeons ou a expressão antrópica da emanação da LLuz de Deus. Pistis Sophia é um texto Gnóstico que relata os ensinamentos Gnóstico-iniciáticos do Jesus transfigurado aos seus Apóstolos (incluindo Maria Madalena, Maria, mãe de Jesus, e Marta), quando o Cristo ressucitado havia passado onze anos falando com seus discípulos. Na obra, as estruturas complexas e as hierarquias celestes familiares nos ensinamentos Gnósticos são reveladas.

 

Bibliografia:

BORNHEIM, Gerd A. (org). Os filósofos pré-socráticos. Cultrix: São Paulo, 1999.

CABALLERO, Alexandre. A filosofia através dos textos. 2ª edição. Cultrix: São Paulo, 1972.

CONFÚCIO. Os analectos. Tradução de Múcio Porphyrio Ferreira. São Paulo: Pensamento, s.d.

GARAUDY, Roger. Para conhecer o pensamento de Hegel. Tradução de Suely Bastos. Porto Alegre: LPM Editores, 1983.

LEWIS, H. Spencer. Manual rosacruz. Curitiba: Grande Loja do Brasil, AMORC, 1964.

MONDIN, Battista. Curso de filosofia. 2ª edição. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1981.

MORA, José Ferrater. Diccionário de filosofia. 5ª edição. Volume I. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1965.

PLATÃO. Defesa de Sócrates/Platão. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates; Apologia de Sócrates/Xenofonte. As nuvens/Aristófanes. 3ª edição. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Jaime Bruna, Líbero Rangel de Andrade e Gilda Maria Reale Starznski. São Paulo: Abril, 1985.

_____. Diálogos II. Fédon; Sofista; Político. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. Rio de janeiro: Tecnoprint, s.d.

SEMAT, Henry. Física atomica y nuclear. 4ª edição. Tradução de José Miro Nicolau e Luis Bravo Gala. Madri: Aguilar, 1966.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sophia
_(gnosticismo)#Pistis_Sophia

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pistis_Sophia

http://svmmvmbonvm.org/ultimos/

http://media.photobucket.com/image/%252522
tsunami.gif%252522/d3stroy3r/Tsunami2.gif

http://books.google.com.br/

http://pt.wikilingue.com/ca/Pritaneu

http://www.cefetsp.br/edu/eso
/filosofia/comentarioapologia.html

http://filosofiapraticasoniarodrigues.blogspot.com/

http://www.homeoesp.org/meditacao_
espiritualidade/022%20-%20SOCRATES.pdf

http://www.mundodosfilosofos.com.br/
socrates1.htm

http://www.guia.heu.nom.br/grecia.htm

http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/
israel_textos/introducao_a_platao.htm

http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/cv000031.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9don

 

Fundo musical:

Zorba the Greek (Mikis Theodorakis)

Fonte:

http://www.faliraki-info.com/greek-midi-music/

 

Observação:

Se você quiser ver o Anthony Quinn dançando Zorbas com Alan Bates, por favor, dirija-se a:

http://www.youtube.com/watch?
v=jeNsr_nQEfE&feature=related