Curiosamente,
vez por outra esta questão da eutanásia se torna atual,
com acalorados debates nos meios legislativos, jurídicos e leigos.
É o que está ocorrendo atualmente com a sua eventual regulamentação
em nosso País, e notícias sobre a situação
de Terri Schiavo, frente à possibilidade de a Suprema Corte dos
EUA determinar que sejam novamente 'ligados os tubos' para a mantença
da sua assim considerada 'vida', eis que há quinze anos, segundo
notícias da mídia, se manteria em estado vegetativo.
Há alguns anos, fui convidado a ministrar um curso para magistrados
em Mato Grosso, e nesta ocasião foi escolhido exatamente o tema
da eutanásia para nos debruçarmos sobre o tópico,
a envolver esta morte doce ou piedosa, hoje ainda considerada um homicídio
privilegiado, com apenação abrandada, em confronto com
o assim chamado 'Living Will' (em tradução livre, 'estamento
Vital'), que está se tornando usual nos EUA. Discutimos com os
colegas sobre a possibilidade de alguém, em sã consciência,
poder elaborar ou firmar um documento através do qual estabeleceria,
como 'programa de morte', um princípio indiscutível de
que, tendo vivido com dignidade, pretenderia morrer também com
dignidade, sem a interferência médica através de
métodos heróicos de sobrevivência, sabendo-se que
a sobrevida não teria mais nenhum sentido, por se encontrar o
paciente em estado terminal. O resultado deste verdadeiro trabalho em
grupo foi divulgado pela Associação dos Magistrados de
Mato Grosso, ao título 'Eutanásia – uma Questão
Polêmica', coletânea de textos escritos no Curso de pós-graduação
Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal.
Afigura-se evidente que esta questão, e que diz respeito à
sacralidade ou não da morte, deve ser objeto de apreciação
no contexto da Bioética, uma ciência biopsicossocial que
ainda não obteve no Brasil foros de ciência autônoma,
mas que no mundo todo tem sido estudada como tal. Aqui ainda não
houve a transposição do mero 'quid juris' para o 'quid
facti', ingressando no sentido mais íntimo do ser, em conceitos
como 'sofrimento', 'injustiça', 'dignidade' e 'autodeterminação'.
Em observação lateral, é significativo que sentimentos
como o amor, o dom chamado de supremo por São Paulo, não
são mencionados nas nossas leis penais.
Com relação à Bioética, teria ela surgido,
com esta denominação, nos anos 70, mais especificamente
quando o oncologista Van Rensselaer Potter, em 1971, publicou nos Estados
Unidos da América uma obra intitulada Bioethics: a Bridge to
the Future (Bioética: uma Ponte para o Futuro), na qual procurava
desenvolver uma ética das relações vitais, ou seja,
uma ética envolvendo os seres humanos entre si e com o ecossistema.
É certo que nesta obra o médico norte-americano buscava
uma saída para o progressivo desequilíbrio criado pela
superpopulação mundial, e pela ação do homem
em face da natureza. Não cuidava especificamente da morte do
homem em si, mas de suas relações com o planeta Terra,
cerne do seu projeto vital. A sua obra se difundiu rapidamente, e em
1979 Beauchamp e Childress publicaram, juntos, o livro The Principles
of Bioethics, que daria novo rumo a estes estudos, nos anos que se seguiram,
ampliando a idéia inicial. Fala-se hoje
em uma Bioética em caráter global, Homem/natureza, e uma
Bioética restrita, Homem/homem.
Maria Clara Bingemer, professora de teologia da PUC-Rio e coordenadora
do seu Centro Loyola, destaca que hodiernamente se admitem quatro princípios
básicos reitores da assim chamada Bioética, dois de ordem
deontológica, e dois de ordem teleológica. Os dois primeiros
seriam os da não-maleficência e da justiça, os derradeiros,
da beneficência e da autonomia. Estes princípios seriam
os norteadores de uma nova práxis nas relações
entre profissionais da saúde e seus pacientes. Afigura-se evidente
que com o passar do tempo, estes princípios originários
foram acrescidos e, no pensamento desta ilustre teóloga, deixaram
de ser exclusivamente principialistas passando a assumir, cada vez mais,
como centro de suas preocupações, as origens contextuais
que envolvem seus problemas.
Sem desejarmos nos aprofundar nestes princípios, que do contextualismo
inicial evoluíram para o naturalismo e o contratualismo, entre
outros, tem-se que o problema da morte piedosa
haverá que ser examinado de forma contextual, pois se trataria
de um problema sobretudo legal, eis que objeto de apreciação,
essencialmente, do ordenamento jurídico, espraiando-se pelo Direito
Civil mas, sobretudo, pelo Direito Penal.
Parece induvidoso que a eutanásia é um problema bioético.
Mas algumas observações se fazem importantes quanto ao
alcance desta conclusão. A uma, porque a Bioética, pode-se
afirmar, ainda não alcançou em nosso país um 'status'
de ciência, por não possuir um estatuto epistemológico
próprio. Procura-se insculpir os princípios bioéticos
no campo da Filosofia –
o que é a vida, quando começa, quando acaba, o que é
a morte, e como deve ela ser enfrentada pela norma positiva. Contudo,
não se pode limitar a Bioética a um mero capítulo
da Filosofia, pois suas preocupações transcendem o seu
ideário. Além disso, por possuir uma preocupação
de ordem particular, não se confunde a Bioética com a
ética, tão-somente, nem com a moral. Veja-se que se estas
cuidam do bem, a priori, de forma abstrata, a Bioética compreende
o bem a partir de uma autonomia determinada, um enfoque diverso, em
que a beneficência precede a deontologia.
Vale dizer: a Bioética é um estudo complexo, de características
inter e multidisciplinares, lidando com conceitos flexíveis,
de ordem epistemologicamente transdisciplinares. É, como o seu
nome mesmo o diz, uma ciência da vida -– vida esta que lida
com limites éticos, de natureza sacra. Vida
esta que é a dádiva maior do nosso Criador.
A duas, porque a eutanásia ainda não mereceu estudos mais
aprofundados, talvez pela formação essencialmente judaico-cristã
dos juristas brasileiros. A sua bibliografia ainda é restrita,
sem embargo de ser a eutanásia, ao lado da clonagem de seres
humanos, uma das mais transcendentais questões com que se defronta
o operador social. A concessão da vida pela clonagem, que tem
sido anunciada de forma plausível e bem próxima das possibilidades
do Homem, e a supressão piedosa dela, objeto
da eutanásia, parece aproximar o Homem de algo que não
se pode definir, mas que ingressa no campo da teologia, do conhecimento
atávico 'sagrado' – o fruto da árvore do conhecimento.
O problema da incriminação da eutanásia não
é novo. Pode-se mesmo dizer que tem a idade do homem,
único ser que tem a consciência de
que virá a morrer um dia. Mas fora seus aspectos históricos,
que melhor serão explicitados nos trabalhos que são publicados
neste volume, ganhou 'foros de cidadania' nos anos 60 quando se constituiu
nos Estados Unidos da América um conselho educacional com o significativo
nome 'Concern for Dying' (em tradução livre, 'Preocupação
com a Morte'), o qual elaborou um documento, hoje conhecido com o nome
de 'Testamento em Vida', ou 'Testamento Vital' – 'Living Will'
que passou a ser largamente divulgado entre pacientes que se internam
em hospitais para se submeterem a cirurgias.
Para apreciação dos estimados leitores,
esclareço que com base neste documento, pessoalmente, elaborei
um 'testamento' cujo texto transcrevo abaixo, o qual veio a ser
apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
juntamente com as demais peças processuais significativas. O
texto deste documento, firmado em 25 de julho de 1990, é o seguinte:
'DECLARAÇÃO DE VONTADE'.
Dirigida à minha Família – minha Esposa e meus Filhos,
a meu médico, a qualquer instituição médica
sob cujos cuidados eu esteja e a qualquer pessoa que possa chegar a
ser responsável pela minha saúde, meu bem-estar ou meus
assuntos pessoais.
Eu, Eduardo Mayr, brasileiro, casado, Magistrado, residente à
rua Lacerda Coutinho, 49 – 2º andar, nesta cidade do Rio
de Janeiro, de religião evangélica, filho de médico
e tendo um irmão e sobrinho médicos, estou convicto de
que a morte é algo tão natural quanto o nascimento, o
crescimento, a maturidade e a velhice, sendo a única certeza
da vida.
Ao chegar o momento em que já não possa tomar parte nas
decisões que digam respeito à minha pessoa e meu futuro,
solicito que a vontade ora exteriorizada se tenha por boa, firme e valiosa,
e que seja respeitada como uma clara e fiel expressão de meus
anseios e desejos, feitos em estado de completa lucidez e consciência.
Não temo a morte por si mesma; mas temo as misérias da
enfermidade, da dependência e da dor sem esperança. Temo
o prolongar fútil do processo inevitável da morte, e o
sofrimento desnecessário nas doenças terminais. Temo também
abusar involuntariamente do amor, da paciência e da abnegação
de meus Familiares, especialmente minha adorada esposa e Filhos, e meus
Amigos.
Como estou convicto de que decisões sobre o fenômeno da
morte são pessoais, e devem ser tomadas pelo indivíduo
dentro do seu contexto familiar, caso se apresente uma situação
em que já não haja esperança razoável de
recuperação, de enfermidade física ou mental, solicito
que não me mantenham vivo por meios artificiais ou 'medidas heróicas'
e que me administrem piedosamente toda medicação ou recursos
necessários para aliviar meus sofrimentos, ainda que com isto
se reduza minha limitada e eventual sobrevida.
Firmo a presente depois de cuidadosa reflexão e de acordo com
minhas mais profundas convicções e crença. Tenho
hoje 52 anos de idade, e posso afirmar que sempre vivi com dignidade
uma existência plena, feliz e realizada, e que quero morrer também
com dignidade, sem traqueotomias, tubos, operações e artificialismos
que considero degradantes, e, na media do possível, sem dor.
Desejo que aqueles que vierem a cuidar de mim se sintam moralmente obrigados
a acatá-la. Reconheço que tal pode representar uma grande
responsabilidade, mas é precisamente com a finalidade de aliviá-los
eticamente, transferindo-a para mim mesmo, que assim procedo.
Rio de Janeiro, 25 de Julho de 1990. (Ass.) Eduardo Mayr – IFP/RJ
XXX Testemunhas: (Ass.) José Antônio Leal Pereira –
IFP/RJ XXX (Ass.) Edmo Garcia Campos – IFP XXX.
Este documento foi firmado quando era Juiz Titular da 33ª Vara
Criminal da comarca da Capital, Estado do Rio de Janeiro, e as testemunhas
eram, respectivamente, os dignos Promotor de Justiça e o Defensor
Público lá em exercício.
Apresentado para registro ao Cartório do 6º Ofício
de Registro de Títulos e Documentos, o seu ilustre oficial, o
Doutor Armando dos Prazeres Soares, a meu pedido, levantou dúvida
nos termos seguintes, dúvida esta regularmente encaminhada à
consideração do MM. Juiz de Direito da Vara de Registros
Públicos. Esta dúvida foi assim redigida:
Senhor Juiz:
Nos termos da Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015/73
– tenho a honra de dirigir-me a V. Edésia. Para suscitar
a dúvida quanto ao registro do documento anexo, pelas seguintes
razões: 1. Trata-se de uma 'Declaração de Vontade',
em que o declarante assume inteira responsabilidade pela prática,
que vier a ser empregada no futuro, dieta ou indiretamente, de procedimento
que pode, eventualmente, configurar eutanásia passiva. 2. Ocorre
que a matéria, sumamente discutida e controvertida, quer no campo
do direito, quer no campo da ciência médica, inclusive
do ético social, parece, salvo melhor juízo, há
que ser examinada, por quem de direito, para uma decisão consentânea
quanto aos procedimentos dos registros públicos. É de
se convir, finalmente, que o simples registro de um documento como esse,
ao chegar ao conhecimento público, pode gerar solicitação
de outros registros, idênticos ou similares, para uso indiscriminado
ou não conhecido, o que poderia, em tese, ser entendido como
uma violação das leis penais vigentes, bem como a doutrina
médico-social adotada pelos órgãos superiores de
fiscalização e controle dos serviços médicos
brasileiros.
Aproveito a oportunidade para renovar a V. Excia. os meus protestos
de estima e consideração. Rio de Janeiro, RJ, 25 de Julho
de 1990. (Ass.) Armando dos Prazeres Soares.
O processo de dúvida teve seguimento regular. Dada 'vista' para
impugnar, assim me manifestei junto à Vara de Registros Públicos:
Eduardo
Mayr, nos autos da dúvida argüida pelo Ilmo. Sr. Oficial
do 6º Ofício de Títulos e Documentos vem respeitosamente
oferecer sua impugnação, como se segue:
'O homem é o único ser na natureza
que tem consciência de que vai morrer. Por isto, e apenas
por isto, tenho um profundo respeito pela raça humana, e acredito
que seu futuro será muito melhor do que seu presente. Mesmo sabendo
que seus dias estão contados e tudo irá acabar quando
menos espera, ele faz da vida uma luta digna de um ser eterno. O que
as pessoas chamam de vaidade – deixar obras, filhos, fazer com
que seu nome não seja esquecido – eu considero a máxima
expressão da dignidade humana. Acontece que, criatura frágil,
ele sempre tenta ocultar de si mesmo a grande certeza da morte. Não
vê que ela é que o motiva a fazer as melhores coisas de
sua vida. Tem medo do passo no escuro. Do grande terror do desconhecido,
e sua única maneira de vencer este medo é esquecer que
seus dias estão contados. Não percebe que, com a consciência
da Morte, seria capaz de ousar muito mais, de ir muito mais longe nas
suas conquistas diárias – porque não tem nada a
perder, já que a Morte é inevitável'.(Paulo Coelho,
'O Diário de um Mago', 34ª ed., p. 133).
MM. Dr. Juiz;
1. O impugnante houve por bem apresentar para
registro, uma declaração de vontade entendendo que as
decisões sobre o fenômeno da morte são pessoais,
e devem ser tomadas pelo indivíduo dentro do contexto familiar,
caso se apresenta uma situação em que não haja
esperança razoável de recuperação, de enfermidade
física e mental. Assim, solicita o impugnante, in verbis, '...
que não me mantenham vivo por meios artificiais ou ‘medidas
heróicas’, e que me administrem piedosamente toda medicação
ou recursos necessários para aliviar meus sofrimentos, ainda
que com isto se reduza minha limitada e eventual sobrevida.'
2. Foi levantada dúvida sobre a liceidade de tal estipulação.
A mesma, contudo, é absolutamente improcedente.
3. PRELIMINARMENTE, o pedido de registro foi feito de conformidade com
o art. 127, VII da lei 6.015/73, e competiria ao Senhor Oficial ou quem
suas vezes fizesse, proceder à transcrição, não
lhe sendo possível questionar conteúdo do documento apresentado.
4. Inocorre qualquer das situações informadas no art.
156 e seu parágrafo único do mesmo diploma legal.
5. MÉRITO: É curial que a tecnologia médica pode
prolongar as funções mecânicas do corpo humano por
longo tempo, anos ás vezes. Em acidentes, moléstias com
paralisação das funções cerebrais, pode-se
manter o coração pulsando, os pulmões respirando
ou mesmo substituir tais funções por máquinas de
sofisticada tecnologia, e o que se indaga é que, se não
há esperança de recuperação, em doenças
terminais, haverá que ser o sofrimento prolongado por intervenções
médicas, ou se é possível ao paciente ou vitimado
morrer com dignidade. Em síntese, o dilema entre dignidade e
tecnologia.
6. A autodeterminação e o direito à privacidade
são dogmas constitucionais, e é certo que a recusa a tratamento
não importa em suicídio. Se sobrevier a morte, não
terá ela sido causada pela pessoa, mas pela situação
ou acidente.
7. No documento apresentado para registro, estabelece o impugnante previamente
suas determinações referentemente ao uso de aparelhagens
e procedimentos médicos. Aspira-se a uma morte natural, no seio
da família, cercado de pessoas a quem se quer bem, ou seja, a
uma morte com dignidade. Não uma internação compulsória
em uma UTI ou CTI, com tubos entrando pelo corpo, aparelhagens estranhas,
sem pessoas ao lado, inteiramente só com paredes nuas e impessoais,
com manifesta violentação da intimidade. O documento foi
firmado por pessoa capaz, e diz respeito a objeto lícito e com
forma adequada. Mutatis mutandis, é válido o princípio
adotado no direito pátrio, da actio libera in causa, através
o qual é protraído no tempo a explicitação
da vontade ou intenção.
8. O ordenamento jurídico brasileiro não pune suicídio.
Nem tampouco a autolesão, salvo quando inerente a uma fraude
para recebimento de seguro, ou para a não-prestação
do serviço militar. Assim, ainda que se admitisse que a recusa
consciente a tratamento pudesse importar na aceleração
da morte, não se cuidaria de eutanásia, como poderia defluir
do documento apresentado, mas de uma como que 'auto-eutanásia',
figura esta completamente alheia ao nosso ordenamento jurídico-penal.
9. Em linguagem coloquial, não de cuida de 'desligar o aparelho',
ou 'retirar os tubos' na pitoresca pantomima de Jô Soares. O que
o impugnante pretende, é que não lhe liguem aparelhos
sem necessidade, não lhe introduzam tubos afoitamente transformando
seu corpo, 'templo do Espírito Santo', em campo de testes e sofrimentos,
por deliberação, não de familiares ou de pessoas
que lhe querem bem, mas médicos por vezes ávidos de polpudos
honorários ou instituições hospitalares impessoais
a avaliar a situação econômica do paciente e sua
família para prolongar a agonia e dor.
10. No entender do impugnante, é a vontade conscientemente exteriorizada
pelo paciente que há de orientar seu tratamento, e se o mesmo
prefere não se submeter a inúteis, onerosas e por vezes
dolorosas intervenções ‘heróicas’,
preferindo uma morte natural, com dignidade, cabe ao paciente a palavra
final.
Requer, portanto ouvido o ilustre Doutor Curador, julgue V.EX. a improcedente
a dúvida, determinando o registro do documento que expressa uma
declaração de vontade legítima, como de direito
e justiça!
Rio de Janeiro, 7 de Agosto de 1990 (Ass.) Eduardo Mayr.
O parecer do digno representante do Ministério Público,
o Dr. Ronaldo Simão, na época 2º Curador de Registros,
teve o seguinte teor:
MM. Dr. Juiz,
1. Afirma o suscitado, em sua exteriorização de vontade,
que 'a morte é algo tão natural quanto o nascimento, o
crescimento, a maturidade, e a velhice, sendo a única certeza
da vida'.
2. Quanto a esta idéia final, que envolve a conceituação
do ‘mundo dos objetos’ a partir de contrastes, discutirei
mais alongadamente em seguida.
3. Já, contudo de sua essência de processo natural, não
se discutiria: trata-se da primeira lei da entropia, ‘todo
sistema organizado tende inexoravelmente ao caos’.
4. Lei universal que é, entretanto, não abole a evidência
de que o sistema organizado, no caso a vida biológica, dispõe
de seus próprios meios para postergar a morte, a terminação
do processo biológico conhecido como vida.
5. Nesta ótica, a proposta apresentada pelo suscitado é
a de que, nas hipóteses que aventa, lhe seja facilitado o caminho
da terminação do processo biológico: 'solicito
que não me mantenham vivo por meios artificiais ou medidas heróicas
e que me administrem piedosamente toda medicação ou recursos
necessários para aliviar meus sofrimentos, ainda que com isto
se reduza minha limitada e eventual sobrevida.
6. Trata-se de ótica personalíssima – embora não
original, como terei oportunidade de comentar adiante, porém
significativamente diversa da esposada por alguns doentes ‘terminais’
ouvidos pelo signatário, que poderia ser condensada na fórmula
adotada pelo sociólogo Herbert Daniel, segundo quem se pode afirmar
que toda arte é uma vitória contra a morte: prolatar sentenças
que envolvem os destinos, desejos e anseios dos cidadãos, parece-me,
também é uma arte.
7. Esta, que poderia ser uma primeira ressalva ao conteúdo do
documento, também constitui o primeiro mote que abriria o caminho
ao atendimento da pretensão do suscitado: a certeza da necessidade
de respeito às óticas individuais e às decisões
que delas advêm, nos limites das individualidades que as manifestam.
8. Também: que é da consciência da morte que advém
a dignificação dos talentos do homem.
9. Surge aqui a questão das conceituações das categorias
do conhecimento humano pela via dos contrastes.
10. Pretendo discuti-la, por mais que tal possa implicar um comportamento
questionador de toda a poesia que tal contraste (vida x morte) possa
encerrar.
11. Esta forma de estabelecer categorias no ‘mundo dos objetos’
se dá em todos os ramos do conhecimento humano, na antropologia,
na sociologia, na lingüística, e não só nas
humanidades, mas também nas matemáticas e nas próprias
ramificações da tecnologia: trata-se de mecanismo primário
do conhecimento humano, no estágio em que se encontra.
12. Desta forma, tanto quanto, por exemplo, o conceito de liberdade
se estabelece por contraste e diferenciação com o de escravidão,
o conceito de vogal com o de consoante, assim também o próprio
conceito da vida só seria bem compreendido em contraste com o
da morte.
13. Com efeito, assim é, ou seja, é
pelas diferenças e mesmo pelas oposições que se
estabelecem as categorias e as classificações das mais
diversas ramificações do conhecimento humano – do
antropológico ao tecnológico.
14. Ocorre, contudo, que já antes se suspeitara de que o conhecimento
calcado nos contrastes não passa de uma espécie de pré-história
da ciência, motivada pela dificuldade da inteligência em
absorver a essência mais profunda das categorias e classificações
das ‘coisas’ do mundo.
15. Assim, num exercício futurístico sobre o conhecimento,
poderíamos, com relativa segurança, asseverar que, desenvolvendo-se
suficientemente a inteligência humana e tendo possibilidade, por
essa via, de apreender a essência mais profunda da estrutura de
uma vogal (para exemplificar com a lingüística estruturalista),
estaria abandonado o conceito ‘antigo’ de que esta estrutura
surge, e se compreende na medida em que difere e contrasta com a estrutura
consonântica.
16. Ainda nesta hipótese, estaria o homem diante de completas
novas possibilidades, como ser efetivamente inteligente, desagrilhoado
desta necessidade de observar diferenças para estabelecer conceituações.
17. E seria, então, inteiramente capaz de compreender as essências
de todos os conceitos do mundo, até mesmo os da vida e da morte.
18. Estaria ele liberto, afinal, destas algemas do conhecimento, esta
verdadeira condenação cósmica, que é
a via da apreensão pelas observações das diferenças,
estágio atual do conhecimento como um todo.
19. Fácil é notar que pretendi, com o alongamento de tais
considerações, demonstrar a tibieza de toda a poética
de vida e morte em que se inspira o suscitado, para, afinal, manifestar
a sua vontade no documento em discussão.
20. Tal visão, embora decorrente da limitação da
inteligência humana no estágio em que se encontra, visão
limitada do cosmos, é, entretanto, a disponível, daí
a necessidade de sua aceitação.
21. Assim, esta que poderia constituir uma Segunda ressalva ao conteúdo
do documento, finda por insistir sendo uma Segunda razão para
sua aceitação, nos limites, igualmente, do individual
de seu subscritor.
22. Na essência de seu pedido, diz o suscitado: “Como estou
convencido de que decisões sobre o fenômeno da morte são
pessoais e devem ser tomadas pelo indivíduo dentro do seu contexto
familiar, caso se apresente uma situação em que já
não haja esperança razoável de recuperação,
de enfermidade física ou mental, solicito que não me mantenham
vivo por meios artificiais ou ‘medidas heróicas’,
e que me administrem piedosamente toda mediação ou recursos
necessários para aliviar meus sofrimentos, ainda que com isto
se reduza minha limitada e eventual sobrevida.
23. Ressalta aí o aspecto principal da questão, que é
a soberania da vontade individual manifestada.
24. Proponho que esta vontade exteriorizada, independentemente de seu
conteúdo, seja respeitada, nos estritos limites do individual
de seu subscritor.
25. Sem prejuízo, entretanto, das questões já levantadas,
ocorre-me aperfeiçoar a reverência que proponho à
soberania da vontade, mediante a remoção de três
ordens de dificuldades, implícitas no próprio texto apresentado
a registro.
26. A primeira seria a eventual conduta aos familiares do suscitado,
considerando a certeza por ele manifestada de que tais decisões,
assumidas pelo indivíduo, o seriam ‘dentro de seu contexto
familiar’.
27. A segunda, formularei em indagação: a quem incumbiria
avaliar a mencionada ‘esperança razoável de recuperação
de enfermidade física ou mental?
28. A terceira se refere à enfermidade física ou mental
hipoteticamente aduzida pelo suscitado: a questão que se põe
é a da eventual avaliação der tais condições
neste próprio momento da exteriorização da vontade.
29. Reconheço, entretanto, que posso estar sendo exageradamente
acautelatório, e, se tal for também a convicção
do MM. Juízo, continuará restando intocável a questão
do respeito à vontade manifestada, nos limites do individual
de seu subscritor.
30. Desejo tecer considerações sobre este aspecto dos
limites do individual.
31. Ora, a vontade manifestada pelo suscitado envolve uma eventual contrapartida
de terceiros, envolvidos, ocasionalmente, em seu cumprimento.
32. Se deferido o registro do documento – que é o que ora
proponho, em nome da soberania da vontade individual – estaria
o médico que atendesse o suscitado em grave acidente obrigado
a cumprir a vontade manifestada?
33. A questão é intrincada e, ainda que não me
caiba respondê-la nesta instância, vale observar que o profissional
que lhe desse cumprimento estaria praticando orto-eutanásia,
eventualmente tipificando conduta delituosa, matéria que o suscitado,
na condição de juiz criminal conhece melhor do que o signatário.
34. Vê-se, pois, que a questão transcende os limites da
pura e simples eutanásia passiva – como designada pelo
suscitante, ou ‘auto-eutanásia’, na expressão
do suscitado.
35. Esta só se configuraria no caso de pretender o suscitado
– ele mesmo – pôr fim à sua existência
que, eventualmente, considerasse terminal, esta sim que seria a conduta
criminalmente não punível, como por ele aduzido em sua
petição de fls...
36. Sabido que o registro no caso vertente não impõe a
obrigação de cumprimento do conteúdo do documento,
esgotando-se nos lindes da publicidade e geral conhecimento da vontade
manifestada, tem-se que a eventual iliceidade do comportamento de quem
se disponha a dar-lhe cumprimento, perde a força como fator obstativo
do pretendido registro.
37. Outra questão que emerge desta discussão e que também
não me cabe deslindar nesta instância, seria a legitimidade
da cobrança de honorários médicos, em caso de,
ainda que ciente da determinação, decida o profissional
não acatá-la.
38. O próprio suscitado, aliás, tem consciência
dos limites leais e éticos impostos à vontade que manifestou,
tanto que afirmou desejar ‘que aqueles que vierem a cuidar de
mim se sintam moralmente obrigados a acatá-la’.
39. O documento, pelo que se vê, estabelece uma vontade individual
calcada em convicções personalíssimas – características
que, de forma alguma, lhe dilui a responsabilidade – mas cujo
vínculo e repercussão além dos limites do individual
de seu autor estarão inevitavelmente condicionados à avaliação
dos fatores restritivos, como os postos em discussão nesta cota.
40. O vínculo ético-subjetivo, contudo, este está
iniludivelmente criado, pelo que neste plano a repercussão da
vontade manifestada se evidencia.
41. Ressalta aqui, ainda mais, que o registro do documento, se deferido
na forma aqui preconizada, inevitavelmente terá condão
de mote, veículo, para a profunda reflexão sobre a extensão
do discutido vínculo.
42. Para finalizar, e voltando ao tema das preocupações
do suscitado na questão da morte com dignidade, citarei MAX SCHUR,
e a descrição que faz dos derradeiros momentos da existência
de Sigmund Freud: “No dia seguinte, 21 de Setembro, quando eu
me achava sentado no canto de sua cama, Freud tomou minha mão
e me disse: “Lieber Schur, Sie errinern sich Wohl an unser erstes
Gespraech. Sie haben mir damals gesprochen mich nicht im Stiche zu lassen,
wenn es so weit ist. Das ist jetzt nur noch Quaelerei und hat keinen
Sinn mehr” (‘Meu prezado Schur, certamente você se
lembra de nossa primeira conversa. Você me prometeu, então,
que não me abandonaria, quando chegasse a minha hora. Agora tudo
não passa de tortura e não faz mais nenhum sentido’).
‘Dei-lhe a entender que não havia esquecido da minha promessa.
Ele respirou aliviado, tomou a minha mão mais demoradamente e
disse: ‘Ich danke Ihnen' (‘Eu lhe agradeço’),
e depois de um momento de hesitação, acrescentou: “Sagen
Sie es der Anna’ (‘Informe Anna sobre isto’). Tudo
isto foi dito sem um traço sequer de pieguice e de autocomiseração,
e com plena consciência da realidade. Informe Ana sobre a nossa
conversa, tal como Freud havia-me pedido. Quando ele entrou em agonia,
dei-lhe uma injeção de dois centigramas de morfina. Logo
se sentiu aliviado e caiu num sono tranqüilo. A expressão
de dor e de sofrimento havia desaparecido. Repeti esta dose depois de
12 horas. Freud, obviamente, estava tão próximo do fim
de suas reservas que se afundou num coma e não mais voltou. Morreu
às 3 horas da madrugada do dia 23 de Setembro de 1939.”
(In Freud: Vida e Agonia – Max Schur – Vol. 3 – 645)”.
43. Encerro este parecer, opinando seja concedido o pleiteado registro,
improcedente, pois, a dúvida, superado que ficou o entendimento
do suscitante de que se poderia entender a vontade como violação
das leis penais vigentes, em face dos limites ressaltados no próprio
corpo do parecer, e com a adoção das salvaguardas indicadas.
44. Alerto, contudo, ao MM. Juiz da conveniência, qualquer que
venha a ser a decisão prolatada, da interposição
de recurso, para o fim de devolver o conhecimento de tal relevante questão
ao Egrégio Órgão Superior da Justiça. O
órgão do Ministério Público se propõe
a oferecê-lo.
Sub censura.
Rio de Janeiro, 18 de Setembro de 1990 (Ass.) Ronaldo Simão –
2º Curador de Registros.”
A sentença foi prolatada pelo ínclito Juiz de Direito
Celso Ferreira Filho, em dez dias, tendo o mesmo me confidenciado posteriormente
sua preocupação e angústia em dar uma solução
jurídica à pretensão. É sentença
que o dignifica por seu descortino e coração bem formado.
Assim foi prestada a jurisdição:
“Vistos etc.
Trata-se de dúvida levantada pelo Sr. Oficial do 6º Ofício
de Registro de Títulos e Documentos quanto à viabilidade
do registro do documento de fls. 3, pelo qual EDUARDO MAYR expressa
sua vontade no sentido de autorizar que lhe administrem piedosamente
toda medicação ou recursos necessários para aliviar
seu sofrimento na ocasião em que estiver em estado terminal,
submetido à dor sem esperança, mesmo que esse procedimento
importe na redução de sua sobrevida; sustenta o Sr. Oficial
suscitante que a vontade externada pelo declarante pode configurar a
prática de eutanásia passiva, ‘matéria sumamente
discutida e controvertida, quer no campo do Direito, quer no campo da
ciência médica, inclusive do ético-social’,
sustentando ainda que o eventual registro do documento poderia ‘gerar
a solicitação de outros registros idênticos ou similares,
para uso indiscriminado ou não conhecido, o que poderia, em tese,
ser entendido como uma violação das leis penais vigentes’;
a impugnação foi oferecida às Fls. 5/7, onde se
argúi como preliminar a impossibilidade de o Senhor Oficial questionar
o conteúdo do documento, de vez que o mesmo não se enquadra
em qualquer das hipóteses previstas no artigo 156 da Lei de Registros
Públicos, encontrando-se, ao revés, em perfeita consonância
com o art. 127, n. º VII do mencionado diploma legal; no mérito,
sustenta ser direito de todo indivíduo aspirar por uma morte
tranqüila, com dignidade, sem internação compulsória;
alega, ainda, que mesmo se a recusa ao tratamento importasse na aceleração
da morte, não se configuraria em eutanásia e, sim, em
auto-eutanásia, não passível de punição,
tal como ocorre com o suicídio e autolesão; o ilustre
membro do Ministério Público opinou às fls. 9/18,
através de substancioso parecer, onde defende a improcedência
da dúvida e alvitra que se esclareça três pontos
capazes de causar dificuldades no momento de se cumprir a vontade, assim
como suscita indagações sobre a relação
jurídica médico-paciente quanto à prestação
de serviço ofertada.
É o relatório.
Examinados, decido:
A primeira e fundamental questão a ser apreciada diz respeito
à natureza jurídica do registro pleiteado.
A pretensão deduzida tem por embasamento o inciso VII do artigo
127 da Lei de Registros Públicos.
Cuida-se especificamente no inciso VII de transcrição
desvestida dos efeitos previstos para hipótese de documentos
obrigatórios.
No mencionado inciso abre-se uma ampla possibilidade do Registro de
todo e qualquer documento, mas com eficácia restrita, tanto assim
que o legislação se valeu ‘in fine’ da expressão
‘para sua conservação’.
Macedo Santos, ao comentar o inciso VII, fê-lo com muita clareza
e precisão técnica, ou ‘in verbis’:
‘Este registro constituirá um elemento a mais e de ordem
eficiente para reconstituir o documento original na hipótese
de extravio ou de perda, sem falar-se que seu valor como prova será
equivalente, em igualdade de condições ao original’.
(Comentários á Lei de Registros Públicos, vol.
2, Segunda edição, p.115).
Verifica-se, pois, que o registro postulado não tem efeito vinculativo,
mas apenas e tão-somente, a eficácia restrita de conservar
e materializar, com força probante, a vontade externada no documento
de fls. 3.
Como decorrência lógica da premissa acima assentada, temos
que, em princípio, é sempre possível o registro
facultativo de documentos, excetuando-se as hipóteses em que
haja afronta ao direito, em cujo conceito estão sempre ínsitas
as noções de moral, ética e bons costumes.
Indubitavelmente o documento levado a registro encerra tema dos mais
controvertidos, por isso que se rejeita, desde logo, a preliminar de
impugnação onde se propugna pelo descabimento da dúvida
por não ser dado ao Senhor Oficial questionar o conteúdo
do documento apresentado.
A publicidade que decorre do registro impunha, como de fato impõe,
ao Senhor Oficial o dever de consultar o Judiciário quanto à
viabilidade do registro de atos que envolvam situações
polêmicas quanto às circunstâncias relacionadas no
artigo 115 da Lei de Registros Públicos.
O impugnante sustenta em suas razões que o procedimento a ser
adotado no momento de sua agonia, estaria a configurar a hipótese
de auto-eutanásia e por isso atípica em face do nosso
ordenamento jurídico vigente.
‘Data venia', ainda que se considere engenhosa a criação
dessa figura jurídica, difícil será não
confundi-la com o suicídio propriamente dito. A eutanásia
não se desnatura em havendo consentimento da vítima, pois
esse elemento, ao revés, integra a sua conceituação,
na fórmula clara apresentada por Nelson Hungria, nos seguintes
termos:
‘Segundo um conceito generalizado, o homicídio eutanásico
deve ser entendido como aquele que é praticado para abreviar
piedosamente o irremediável sofrimento da vítima, e a
pedido ou com o assentimento desta’. (Comentários ao Código
Penal, volume V, p. 115 – Edição ano 1942).
Trata-se,
pois, é de eutanásia mesmo, e é sob esta ótica
que deve ser examinado o aspecto polêmico já referido.
É ainda o mesmo Nelson Hungria – sem dúvida o nosso
mais consagrado penalista – aquele que intransigentemente combateu
a prática da eutanásia, ousando, inclusive, afirmar que:
‘Defender a eutanásia é, sem
mais nem menos, fazer a apologia de um crime... Uma existência
humana embora irreversivelmente empolgada pela dor e socialmente inútil,
é sagrada. A
vida de cada homem, até o seu último momento, é
uma contribuição para a harmonia suprema do Universo,
e nenhum artifício humano, por isto mesmo, deve truncá-la.
Não nos acumpliciemos com a morte’.
(Obra citada, p. 120).
A
autoridade de Nelson Hungria por si só, justifica a dúvida
do Senhor Oficial, mas de forma alguma nos inibe em adotar ponto de
vista diametralmente oposto ao seu.
Frise-se que, no caso presente, não cabe ao Julgador fazer considerações
profundas na dogmática do Direito Penal, tais como sobre a ausência
de antijuridicidade na eutanásia, sua descriminalização
etc.
Ao Juiz da Vara de Registros Públicos cumpre verificar apenas
se o conteúdo do documento se contrapõe ao Direito. Nesse
particular, não hesito em afirmar que o documento se harmoniza
com o Direito Positivo, na medida em que seu subscritor se limita a
dispor de sua vida livremente, não havendo em nossa legislação
qualquer norma a vedar tal conduta. É o direito de morrer proclamado
pela Escola Positiva através do seu mais ilustre representante
que foi Ferri. O Direito respeita a soberana vontade
do indivíduo, quando este dispõe da sua vida e de seu
corpo.
Seria até mesmo justo questionar-se a consistência jurídica
de uma vontade concebida em momento de dor, quando o espírito
está dominado pela emoção e pela angústia.
No caso concreto dos autos, porém, isto não ocorre de
modo algum. O postulante do registro, ao manifestar sua vontade, fê-lo
de forma lúcida, serena e com a mesma ponderação
que lhe é inerente. Sua vontade não vem contaminada de
vícios, ao revés é fruto consciente de quem se
caracteriza como um dos mais doutos Magistrados do nosso Fórum,
e de reconhecido apego à doutrina cristã. Sua vontade
foi emitida sem que estivesse sob qualquer atmosfera de dor, aflição
ou sofrimento.
O documento cujo registro se pleiteia reflete intenções
altruísticas de seu signatário, superando o instintivo
medo da morte para não permitir o sofrimento de familiares e
entes queridos.
Ao tempo em que Nelson Hungria lançou sua doutrina repelindo
a eutanásia por questões morais, ainda não havíamos
sido invadidos pelo progresso tecnológico da Medicina, onde se
inventam a cada dia aparelhos e tubos que muitas vezes salvam vidas,
mas em outras tantas prolongam-nas em vão, agravando o sofrimento
dos familiares.
Estou certo de que Nelson Hungria teria hoje uma visão diversa
do problema, em que, para tanto, invoco suas próprias palavras
quando cita Maggiore:
‘Se o Direito é feito para o homem e não o homem
para o Direito, o espírito que vivifica a lei deve fazer dela
um instrumento dócil e pronto a satisfazer no seu evoluir, as
necessidades humanas. No estado atual da civilização jurídica,
ninguém pode negar ao Juiz a faculdade de afeiçoar a rigidez
da lei ao progressivo espírito da sociedade, ou de imprimir ao
texto legal a possível elasticidade, a fim de atenuar os contrastes
que acaso surjam entre eles e a cambiante realidade’. (Comentários
ao Código Penal – vol. I p. 204).
O documento a ser registrado não tem o condão de gerar
obrigação no sentido jurídico, mas faz nascer para
os que amam o signatário um dever moral de acatar a sua vontade,
ou melhor, dizendo, ficariam desobrigados moralmente de prolongar em
vão uma vida vegetativa e estariam moralmente livres para consolidar
o desejo do paciente que não é outro senão o de
deixar que a vida flua normalmente para o seu destino final.
Exatamente por não geral qualquer obrigação ‘stricto
sensu’, é que me parece desnecessário que o documento
regule relações jurídicas supervenientes, como
sugeriu o ilustre Membro do Ministério Público, pois estas
serão sempre um desdobramento lógico e sujeitas a serem
apreciadas com prudência á luz do Direito aplicável
no momento próprio.
Por estas razões, julgo improcedente a dúvida, para determinar
que se lavre o registro.
Custas ‘ex-lege’.
P.R.I. Rio de janeiro, 28 de Setembro de 1990 (Ass.) Celso Ferreira
Filho – Juiz de Direito.
O recurso, firmado pelo mesmo representante do Ministério Público
signatário do parecer monocrático, foi assim formulado:
“Egrégio Tribunal.
1. Têm origem estes autos na declaração de vontade
formulada por EDUARDO MAYR e por ele pretendida levar a registro, estabelecendo
que ‘caso se apresente uma situação em que já
não haja esperança razoável de recuperação
de enfermidade física ou mental, solicito que não me mantenham
vivo por meios artificiais, ou ‘medidas heróicas’,
e que me administrem piedosamente toda medicação ou recursos
necessários para aliviar meus sofrimentos, ainda que com isto
se reduza minha limitada e eventual sobrevida.’
2. Tendo dúvida em proceder ao pretendido registro do documento,
o Oficial do Registro de Títulos e Documentos formulou o procedimento
junto à Vara de Registros Públicos, solicitando o pronunciamento
judiciário, ‘para uma decisão consentânea
quanto aos procedimentos dos registros públicos.’
3. No Juízo singular, o Órgão do Ministério
Público, por este seu representante, ofereceu parecer de fls.
9/18, cujos termos ora ratifica e pede sejam tidos como parte integrante
destas razões.
4. Aduzindo, então, o órgão do M.P., essencialmente,
devesse o pleiteado registro ser deferido, considerando as questões
do respeito à soberania da vontade individual, bem como a abrangência
do registro pretendido.
5. Sem pretender por qualquer conclusão nas intrincadas questões
paralelas, trazidas á baila pelo teor do documento formulado
pelo suscitado, e suas repercussões nos campos ético,
jurídico, social e médico, não se furtou, contudo,
o Ministério Público de oferecer subsídio ao inevitável
debate, em vista de se tratar de proposta explícita de eutanásia,
orto-tanásia para maior precisão, a que a r. sentença
apelanda se referiu, de forma muito direta, como ‘eutanásia
mesmo’.
6. A r. sentença apelanda houve por bem de determinar a lavratura
do registro, fazendo-o, entretanto, de forma diversa da pleiteada pelo
M.P., cujo pleito pretendia que se condicionasse o deferimento do registro
às providências sugeridas nos itens 26, 27 e 28 às
fls. 14, o que se deu com o declarado objetivo de ‘aperfeiçoar
a reverência proposta à soberania da vontade’.
7. Tratando-se de condições essenciais ao acerto da decisão
adotada, pretende o M.P. levá-las ao conhecimento do egrégio
Tribunal superior, para sua veneranda apreciação, decorrente
deste recurso.
8. Para tanto, mais não aditará o órgão
do M.P. ao que já foi debatido às fls. 9/18, a que se
reporta realçando, contudo, a evidente timidez dos termos da
cota na abordagem do aspecto de apologia de crime, atribuível
ao conteúdo do documento, que, ao contrário, a r. sentença
do 1º grau abordou de forma erudita no pensamento de Nelson Hungria,
fls. 23.
9. Quer-se, assim, o pronunciamento do Egrégio Tribunal, especialmente
no que se refere às salvaguardas propostas para o deferimento
da pretensão do registro, embora antes mesmo da prolação
da decisão, o M.P. já alvitrara a conveniência do
recurso em face da relevância da questão do conteúdo
do documento.
(Ass.) Ronaldo Simão – Curador de Registros.
Por força do recurso interposto, foi o feito encaminhado à
Segunda Instância, em grau de apelação, sendo distribuído
à 8ª Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, onde tomou o número 4.355/90. O
digno Procurador de Justiça com atribuição junto
àquele órgão fracionário assim se manifestou,
em parecer devidamente ementado:
Egrégia Câmara,
Tema regulado pelo artigo 57 da lei nº 3.369, de 30.09.57, sendo
que a prática da eutanásia ou distanásia deve obedecer,
em casos concretos, à lei, aos artigos 20 e seguintes do mesmo
diploma. Procedência da dúvida.
1. Refletindo o brilho da sua inteligência, o autor requereu,
no registro de Títulos e Documentos, o registro da sua declaração
de vontade, representada pela cópia de fls. 3, que na hipótese
de ser atingido pelas misérias da doença, chegando ao
momento em que não possa mais tomar decisões com relação
à sua pessoa e ao seu futuro, não deverá a sua
vida, ser atingida por doenças com efeitos terminais, Ter prolongamento,
evitando-se o processo inevitável da morte por meios artificiais
ou medidas heróicas, não sendo no seu corpo feito traqueotomia,
aplicados tubos, operações artificialismo que o requerente
considera degradante, desejando que aqueles que dele cuidarem se pautem
pela sua declaração de vontade.
2. O titular do Registro de Títulos e Documentos levantou a dúvida
de fls. 2, alegando que o procedimento configuraria uma eutanásia
passiva, sendo que, em tese, configuraria uma violação
das leis penais vigentes, bem como a doutrina da ética adotada
pelos órgãos superiores de fiscalização
dos serviços médicos brasileiros.
3. O Dr. Curador apresentou o estupendo parecer de fls. 09/18, salientando
partes da declaração e do requerimento do autor ao juiz
de Direito da Vara de Registros Públicos, destacando o seguinte:
“Solicito que não me mantenham vivo por meios artificiais
ou ‘medidas heróicas’, e me administrem piedosamente
toda medicação ou recursos necessários para aliviar
meus sofrimentos, ainda que com isto se reduza minha limitada e eventual
sobrevida”.
Após brilhante argumentação, o Doutor Curador opinou
que o registro fosse deferido, adotando-se as salvaguardas indicadas.
4. Foi, então, proferida a sentença de fls. 21/16, julgando
a dúvida improcedente, determinando que se lavrasse o registro
da declaração, vindo a apelação de fls.
28/30, da qual não houve contra-razões.
5. Dentro do critério conceituado pelo Direito Romano, a declaração
é em abstrato, visando acontecimento incerto e de data incerta.
6. A matéria estudada, sob ângulo do direito comparado
de outras nações, observa-se que os casos apresentados
são quase todos de casos concretos, isto é, casos de doenças
já em pleno desenvolvimento. Em 1988, foram registrados na Holanda
186 pedidos de eutanásia, mas, de um modo geral, a média
oficiosa varia de 3.000 a 12.000 eutanásias por ano em um País
com uma população pequena, sendo que na estimativa estão
incluídos os casos de eutanásia passiva, oportunidades
em que os médicos suspendem os tratamentos que se limitam a adiar
a morte dos doentes. Como conseqüência das distanásias
oficiosas, os políticos daquele pequeno País aplicam-se
em ajustar as leis ao problema. A Holanda, que tem a reputação
de ser uma nação onde é possível ter uma
morte suave e não dolorosa, terá a missão de refletir
para os poderes legislativos de outros países a sua experiência.
7. Neste ano, nos Estados Unidos existem 10.000 casos de pessoas doentes
sem esperanças de recuperação. Nancy Cruzan, com
32 anos, está em coma há sete anos, aguardando a decisão
da Suprema Corte do seu País, autorizando que seja desligado
o tubo por meio do qual ela é alimentada, permitindo que ela
venha a morrer, via inanição. O pai dela, Pete Busalacchi
pensa em indagar dos juizes: vocês desejariam viver assim? O caso
de Karen Ann Quinlan foi o mais noticiado, havendo o Tribunal de Justiça
de New Jersey autorizado que o aparelho que a mantinha viva fosse desligado,
mas mesmo depois de desligado, Karen ainda viveu mais nove meses em
estado de coma. Depois deste caso, diversos tribunais americanos, cerca
de 50, decidiram sobre a retirada dos aparelhos em casos considerados
pelos médicos como irrecuperável. Um outro caso famoso
foi o de uma senhora com o nome de Jackie, vítima de um violento
acidente vascular cerebral, geralmente fatal. Mas, Jackie resistiu,
ficando em estado de coma. O marido dela, Harry Cole, pastor protestante,
depois de consultar os filhos, vendo a esposa e mãe em pleno
estado vegetativo, recorreu à Justiça, pedindo ao Juiz
John Carrol Barnes que autorizasse a retirada do respirador artificial
do corpo da doente. O Juiz Barnes demorou, prolongando a sua decisão,
sendo que seis dias após a sua família haver requerido
a eutanásia passiva ao Juiz, Jackie se recuperou. O médico
que funcionou no caso chama-se Tad Pula. A Senhora Jackie, atualmente,
ainda dá entrevistas na televisão, não culpa o
seu marido, o pastor Cole, de haver pedido ao Juiz que autorizasse a
retirada do aparelho, senão que, por sua vez, o Pastor se defende,
dizendo que foi Jackie que o havia pedido, antes, que assim procedesse.
8. A preliminar – a preliminar de fls. 6 é o próprio
mérito do pedido.
9. O tema é regulado pelo artigo 57 da lei n. º 3.369 de
30.09.57, sendo que a prática da eutanásia e distanásia
deve obedecer, em casos concretos, à lei, aos artigos 20 e seguintes
do mesmo diploma. Assim, a dúvida deverá ser considerada
como procedente.
Rio de Janeiro, 10 de Dezembro de 1990 (Ass.) Albenzio Pinheiro Rangel
– Procurador de Justiça“.
O relatório da apelação cível, distribuída
ao culto e probo Desembargador Carpena Amorim, foi vazado nestes termos:
Relatório:
O Ministério Público, ocasionalmente representado pela
Curadoria de Registros Públicos, insurge-se com a decisão
de fls. 20, que julgou improcedente dúvida suscitada elo Senhor
Oficial do 6º Ofício do Registro de Títulos e Documentos,
autorizando o registro de uma declaração de vontade, em
que o seu ilustre subscritor denuncia, na presença de duas testemunhas,
o seu desejo de que, na contingência de ser acometido por grave
enfermidade, quando já não haja esperança razoável
de recuperação, de enfermidade física ou mental,
não seja mantido vivo por meios artificiais ou ‘medidas
heróicas’, e ‘que me administrem piedosamente toda
medicação ou recursos necessários para aliviar
meus sofrimentos, ainda que com isto se reduza a minha limitada e eventual
sobrevida’.
A sentença atacada, da lavra do eminente e culto juiz Dr. Celso
Ferreira Filho, está sintetizada no seguinte trecho:
‘O documento a ser registrado não tem o condão de
gerar obrigação no sentido jurídico, mas faz nascer
para os que amam o signatário um dever moral de acatar a sua
vontade, ou melhor dizendo, ficariam desobrigados moralmente de prolongar
em vão uma vida vegetativa e estariam moralmente livres para
consolidar o desejo do paciente, que não é outro senão
o de deixar que a vida flua normalmente para o seu destino final’
(fls. 25).
Recorre o órgão do Ministério Público, insistindo
naquilo que classifica de salvaguardas do deferimento do registro do
documento:
a) eventual consulta aos familiares do suscitado, considerando a certeza
por ele manifestada de que tais decisões, assumidas pelo indivíduo,
o seriam dentro do seu contexto familiar;
b) a quem incumbiria avaliar a mencionada ‘esperança razoável
de recuperação, de enfermidade física ou mental?’
c) eventual avaliação de tais condições
neste próprio momento de exteriorização da vontade.
Rio de Janeiro, 26 de Abril de 1991 (Ass.) Carpena Amorim – Relator.
Os ilustres Desembargadores que compuseram a 8ª Câmara Cível
não conheceram do recurso interposto. Pelo voto condutor de seu
então Presidente, também Relator da mencionada apelação
cível n. º 4335/90, o ínclito Desembargador Carpena
Amorim, assim foi decidido o feito:
Interesse recursal. Recurso interposto pelo Ministério Público
em processo administrativo de dúvida, em que oficiou no sentido
da decisão recorrida. Matéria que não se insere
dentre aquelas que o legislador processual submeteu ao duplo grau obrigatório
de jurisdição.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação
Cível n. º 4335/90, em que é apelante Ministério
Público, ACORDAM os desembargadores que compõem a Oitava
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, à unanimidade, não conhecer do recurso.
Relatório às fls. 41.
Não vou conhecer do recurso por falta de interesse recursal do
M.P. que oficiou no feito pelo indeferimento da dúvida (fls.
18).
As ressalvas formuladas no seu opinamento não justificam a convocação
do 2º grau de Jurisdição.
A primeira, porque dependeria de deferimento do Juiz antes da prolação
da Sentença.
As demais, porque são distorções surgidas com a
natureza insólita da declaração a serem enfrentadas
no momento azado.
A outra razão invocada, a relevância da questão,
data vênia, não tem respaldo na Lei processual que não
a incluiu entre as causa de duplo grau de Jurisdição.
No mais, só me resta desejar ao Juiz Mayr que continue vivendo
plenamente uma vida tão pródiga de virtudes e tão
importante para a nossa comunidade, pela forma digna como desempenha
a sua função, e pelas lições de vida que
tem oferecido através das suas sentenças.
Rio de Janeiro, 21 de Maio de 1991. (Ass.) Des. Carpena Amorim –
Presidente e Relator.
Este
é o retrato de um processo, que pessoalmente acredito interessante.
Os pacientes leitores, com os subsídios apresentados, certamente
chegarão a alguma conclusão sobre este espectro
que acompanha o Homem desde o seu nascimento, a qual é o
seu fatal destino: a morte. Todos nós amamos a vida, amamos
o amor. Todos estamos plenamente realizados com o que fazemos, mas
a decisão de morrer com dignidade, cercado de familiares, parentes
ou amigos, ou ter o seu corpo transformado em campo de testes e sofrimentos,
violentado, ultrajado, vilipendiado, para um prolongamento inútil,
uma sobrevida muitas vezes em estado de absoluta inconsciência,
é uma decisão pessoal.
COMENTÁRIOS
Há
mais de quarenta anos – portanto eu ainda nem era Rosa+Cruz –
o tema da eutanásia povoa meus pensamentos. Vira-e-mexe penso
nisso. E geralmente com uma profunda tristeza no coração.
Acho que ninguém pode fazer uma justa idéia do que é
passar cinco, dez, vinte anos preso a uma cama em estado de coma. Isso
é realmente muito triste, apesar de não ser um absurdo
cósmico e de ter uma explicação mística.
Aliás, obviamente, para tudo há uma explicação
e nada acontece por acaso. Quando desconhecemos a lei ou o princípio
que está por detrás de algum episódio, temos o
cacoete ignorante de colocar a culpa em alguém (ou em alguma
coisa) ou o classificamos como 'milagre'. No Universo não
existe fortuitidade e nem existe milagre. Ponto final.
Hoje
recebi em um e-mail o texto acima transcrito de autoria do
Desembaragador Dr. Eduardo Mayr (que não tenho o prazer de conhecer),
e, comovido, resolvi escrever o que penso sobre o assunto, mas de forma
indireta, porque a forma direta seria inócua
e não alteraria qualquer posição que alguém
possa ter sobre essa matéria. Não estou dizendo com isso
que eu pretenda alterar a maneira de pensar de ninguém, pois
esta atitude seria um ilógico ato de onipotência totalmente
incompatível com a trajetória da minha vida e com os Princípios
Rosacruzes que tanto me empenho em defender. O que pretendo com as especulações
que apresentarei a seguir, é propor uma reflexão não
muito usual fora dos círculos místicos, ocultistas e iniciáticos
sobre essa questão da eutanásia, ou seja, morte sem sofrimento.
Na verdade, dissertarei muito pouco sobre a eutanásia em si;
enfocarei mais determinadas leis que subjazem à essa e outras
questões similares. Só isso e mais nada.
Por outro lado, este brevíssimo e condensado ensaio não
tem o propósito de criticar ou de contraditar o pensamento do
jurista e as demarches processuais transcritas no Documento acima reproduzido,
nem, muito menos e por outro lado, de endossá-los, até
porque, singularmente, creio que o Desembargador não precise
do endosso de ninguém, nem também haveria de se preocupar
se eu concordo ou se não concordo com o seu pensamento.
Contudo, independentemente dessas explicações preliminares,
como tenho diversos textos publicados neste website e na Ordem
de Maat, e uma responsabilidade mística da qual
não arredo o pé por nada, resolvi, preliminar e cautelarmente,
como pôde ser observado na leitura do pensamento do Dr. Mayr e
na transcrição dos autos, grifar em azul as passagens
e as citações das quais mantenho outra linha de pensamento,
apenas para deixar implícito ou ressaltar este outro entendimento,
que está espalhado nos diversos textos divulgados neste website
e na supracitada Ordem de Maat. Assim, repetindo, o que apresentarei
abaixo para ponderação, não é uma crítica
ou uma espécie de réplica ao ensaio do jurista. Não
estou interessado em réplicas, tréplicas, contra-réplicas
à tréplica etc. É, tão-só o que eu
penso hoje aos 58 anos de vida. Amanhã posso mudar de idéia,
pois meu pensamento não aceita qualquer tipo de coisificação.1
Isto significa, em bom português, que não me sinto obrigado
ou constrangido a manter minhas idéias ad semper. Não
tenho vocação límbica: sou um desobediente nato.
E também não me cabe fazer qualquer juízo acerca
do pensamento de quem quer que seja, a menos que o tema seja tratado
em termos especulativos – místicos ou filosóficos.
E é só isso, por dever, que estou disposto a fazer a partir
de agora.
A
dita morte nada mais é do que um um aspecto da vida – manifestação
consciente da Vida
Eterna nos
entes por processões,
que em cada ser (e em todos, sem exceção) funciona como
se fora uma centelha. Se o homem descobriu que massa e energia são
equivalentes (E = mc2) descobrirá
um dia que, em um outro sentido,
Vida e vida também se equivalem, sendo o fator
progressivo processional de conversão e percepção,
possivelmente, a autoconsciência. Ou como resumiu Tales de Mileto
(624 a.C.-547 a.C.): O
Cosmos é Um. É
Um
— mas não é panteísta. Por
isso, como ensina meu Irmão +Vicente
Velado, a Energia não é em
si mesma a Instância Superior. É ela uma expressão
da Força, e esta, por sua vez, é um atributo da Luz
Eterna, que apesar de toda a sua grandiosidade
e magnificência, não é a Instância Superior
– que está 'mais acima', e que eu, neste ensaio, estou
denominando de Vida.
|
Então,
se a Vida
é Eterna,
não pode existir morte, sendo o próprio vocábulo
uma afronta às Leis Universais que regulam a manifestação
da Vida
(e da vida) neste Plano.
E se, presumidamente e por outro ângulo, a Vida
Eterna é inconsciente de sua própria Vida
- como de fato parece ser — vertente especulativa que certamente
embrulhará o estômago de muitos religiosos, pois os dogmas
teológicos impedem a admissibilidade da Lei Cósmica -
investigada desde a Antigüidade - Ex nihilo nihil fit
(do nada nada vem, concepção
metafísica antiga do nada no sentido de não-ente),
ou seja, em oposição à esta Lei não
há possibilidade de que seja concebida a existência de
um ente fora de um pensamento criacionista de natureza divina (dando
origem, por conveniência e autoritarismo, à deturpação
Ex nihilo fit – ens creatum), sendo
Deus o summum ens increatum, necessarium et infinitum,
isto para toda e qualquer teologia, com exceção da teologia
exotérica
budista, mas particularmente a católica) — nos seres (todos
e quaisquer seres) essa Vida
assume contornos variados de consciência consciente em distintos
graus de autoconsciência, configurando-se, desta forma e nesse
sentido, em uma unidade autônoma de consciência animada
(como adverte Velado). No âmbito desta difícil entranha
da Metafísica, o máximo que eu consigo aturar é
a famosa frase de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831): O puro
ser e o puro nada são, portanto, o mesmo. Contudo, isso
foi dito primeiro por Demócrito de Abdera (460 a.C-370 a.C.):
O nada existe tanto quanto o 'alguma coisa'. Como
no filme Antes da Chuva do diretor Milcho Manchevski, volta-se
a Tales: O
Cosmos é Um. Eu estou inteiramente convencido de
que os pré-socráticos alcançaram um nível
de conhecimento (realmente uma Sabedoria – ShOPhIa)
que foi perdido ou ocultado. Penso que ninguém 'perderá
tempo' em estudar um pouco esses pensadores. Depois, examinar a
obra platônica será um bálsamo para o espírito
faminto. Há algum tempo escrevi um ensaio sobre o sétimo
Livro de A República, de Platão. O link
direto para consultá-lo é:
http://paxprofundis.org/livros/caverna/caverna.htmL
Então,
a partir do inexistente ponto-instante no espaço
atemporal (espaço sem tempo) e no tempo inespacial (tempo sem
espaço) em que a Inconsciência
se torna manifesta como Consciência,
esta Consciência
passa a ter consciência de sua consciência como ser individualizado
e autônomo. Assim, um grão de areia tem consciência
de grão de areia, tanto quanto o homem tem consciência
de que é homem. Sem dúvida, em níveis de percepção
diferentes. Reconheço que esta afirmação pode parecer
uma heresia, mas é assim mesmo que as coisas se passam no Plano
das Realidades. Ninguém, contudo, terá que aceitar isto,
como de fato não deve aceitar nada apenas porque leu em algum
lugar ou ouviu falar. Só in corde essas coisas poderão
ser desveladas. Mas, não disse Tales que o Cosmos
é Um?
Em
decorrência deste fato, se ele for autêntico, acreditar
que o mais alto grau de autoconsciência (ou de Inconsciência
manifesta como Consciência)
resida no próprio homem, é simplesmente permitir e autorizar
que a estupidez e a vaidade sejam as condutoras dos arremedos racionais,
teológicos e/ou metafísicos inibitórios da liberdade
e da própria manifestação da Consciência
– derivada por processão da Inconsciência
– nas consciências autoconscientes. Há (m + n)z
universos, e a própria Terra é cruzada por uma infindável
gama de vibrações que objetivamente não podemos
conhecer. Por isso, é um ledo equívoco admitir que tão-só
o homem seja consciente de sua autoconsciência (parece pleonasmo,
mas não é). Por isso também, de certa forma, esta
admissibilidade é, no mínimo, uma atitude autoritária
e intolerante, para não dizer completamente egoísta e
isolatória. Esclarecendo melhor: minérios, minerais, vegetais
e animais têm todos, respectivamente, consciência de minérios,
de minerais, de vegetais e de animais. E o homem de homem. Emerge daí
uma questão: por que se configura a autoconsciência? Antes
de rapidamente discutir essa questão, apresento uma animação
incompleta que por si só se explica.
A
autoconsciência (de maneira incipiente) tem início exatamente
no instante alquímico no qual a Inconsciência
se transmuta em Consciência,
em um processo peregrinante não-teleológico ad
infinitum, ainda que não possa existir o infinito
como realidade, e ainda que a dissolução (não-fixação)
também faça parte desse processo entrópico e neguentrópico
incessante. Esta coisa é semelhante a um espectro de luz, não
havendo nessa dilatação (ou propagação)
'buracos' ou 'soluços'. O verbo que melhor
explica esse fenômeno é fluir.
Penso
que as fotografias digitais e as duas animações abaixo
expressam o que entendo por aquilo que se poderia denominar de permanente
processo de tomada de consciência ou autoconsciência progressiva
(ou não).
O
grande problema é que se faz uma confusão muito grande
entre categorias parecidas mas absolutamente distintas. Isto porque
se usa a razão para dar sentido às coisas, quando a vera
illuminação
só poderá advir de um processo transracional, vale dizer,
interior, solitário e iniciático. Por esse motivo (e só
por esse) a razão é inteiramente limitada, e fé
pela fé é inútil – quando não é
retrogressiva. Se a razão é limitada, como pode (ou poderá)
conceber e definir o que possa ser limitado e finito e ilimitado e infinito,
categorias estreitamente vinculadas com essa polêmica questão
da eutanásia e com todas as outras interrogadoras do espírito
humano? Estabelecer leis, princípios, normas e dogmas a partir
dos efeitos conhecidos é meramente chover no molhado ou brincar
no carrossel.
De qualquer sorte, penso que o Universo – conjunto de todos os
universos – seja energeticamente finito, porém vibratoriamente
ilimitado. Não há, não houve nem poderá
haver criação de energia neste Universo macro (conjunto
de todos os universos), porque, simplesmente, de um lado, do nada, nada
– ex
nihilo nihil fit – e, de outro, se alguma
coisa fosse criada, esta coisa só poderia ser criada de alguma
coisa preexistente. Este é um dos aspectos do apotegma TUDO
É UM = TOTUM
UNIVERSALIS.
As
teologias, fazendo coro com a razão, só explicam esses
processos de maneira integralmente dogmática, e, por isso, como
já tive oportunidade de referir em outros ensaios, não
há a menor diferença entre razão e fé, ainda
que a razão, para uns, pareça ser mais nobre do que a
fé, e, para outros, seja exatamente o contrário. Eu acho
que seria interessante dar uma paradinha aqui antes de continuar, fechar
os olhos e, de alguma forma, tentar visualizar os conceitos que foram
especulados um pouco mais acima. Talvez a animação abaixo
(em adição às outras que já foram vistas)
ajude um pouquinho.
Bem,
se um dia se aceitar que tudo é UM, aceitar-se-á ipso
facto que todos somos UM. Isto significa que qualquer coisa que
seja operada do lado de lá da ponte afetará o lado de
cá. E vice-versa. Pode parecer pueril, mas o fato inelutável
é que ao tamborilarmos os dedos sobre uma mesa todo(s) o(s) Universo(s)
é(são) afetado(s). Então, quando alguém
é assassinado, quando alguém se suicida e quando alguém
desiste da vida (ou quando alguém toma a decisão de desistir
da vida por alguém), todos os seres do Universo (ou dos universos)
sofrem um microabalo, isto é, são de alguma forma afetados.
A própria morte 'natural' de qualquer ser afeta a todos
nós. Ou seja: qualquer coisa (e todas as coisas) afeta todas
as coisas e tudo. Não existe indiferença ou imunidade
no Universo. Por isso tenho dito (o que não é nenhuma
novidade) que precisamos ter muito cuidado com nossos pensamentos. Prioritariamente.
Portanto, o simplíssimo ato de cortarmos o cabelo produz uma
microdesarmonia em nosso organismo (e no todo). Daí a lenda de
Sansão e Dalila.
Em
acrésimo preciso dizer que a Vida Universal sendo uma espécie
de fluxo ininterrupto, incriado, inconsciente e interminável,
os chamados Reinos da Natureza (os conhecidos e os desconhecidos) estão
interligados, porque são seqüenciais e partes de Vida,
tendo todos o mesmo grau de importância na Teia
Cósmica da Vida. Por isso, uma bactéria
ou um vírus são tão importantes quanto uma galáxia.
Vou reapresentar uma fotografia digital para sublinhar este conceito,
e acrescentar, como auxílio para a compreensão, uma animação
simbólica da Lei do Fractal que achei no Google em um website
que saiu do ar.
|
Lei
do Fractal |
Pelo
que foi exposto, creio ser fácil de compreender que um vegetal,
assim, possa ter consciência – além do vegetal que
é (enquanto ainda for um vegetal) – de um minério
ou de um mineral, mas não pode ter de um animal, simplesmente
porque já transitou por aquele Reino e ainda não por este.
Da mesma forma, um animal pode 'sentir' os Reinos que o precedem,
mas não os que o sucedem. Só o homem pode misticamente
realizar todos os reinos que o antecedem, porque já foi pedra,
já foi planta e já foi animal. Uma gestação
humana mostra claramente estas fases. Quanto às oitavas que estão
vibratoriamente acima no Teclado Cósmico, o homem pode fazer
contatos psíquicos e de alguma forma interagir, mas não
tem condição de saber exatamente
como funcionam ou se manifestam. Entretanto, se for originário
de um desses Planos... Por último, parece desnecessário
enfatizar que os minérios e os minerais só podem sentir
e perceber suas próprias faixas vibratórias. Mas, nada
disso é original ou extraordinário. Acho apenas que estou
bem acompanhado nestas reflexões, porque há alguns milênios,
por volta de 450 a.C, Empédocles de Agrigento confessou: Eu
já fui moço e já fui moça, e planta, e pássaro,
e um mudo peixe no mar. (Paradinha para refletir).
Nós,
em um sentido absolutamente
místico não somos donos de nossa vida
como muitos admitem, porque pura e simplesmente a vida – parte
inalienável da Vida
– não tem Dono ou Senhor. Haveremos de alcançar
o Plano no
qual seremos
uma só mente, quando, então, acredito,
compreenderemos mais concertadamente essa questão.
Assim,
desistir da vida ou determinar que a vida seja desistida de nós
(ou dos outros) em virtude do que quer que seja é, em princípio,
um ato de egoísmo, porquanto a Vida
não desiste de viver e de existir. A Vida
é. O foi e o será são ilusões da mente objetiva
e da razão finita do homem. Nelson Hungria estava mais certo
do que, talvez, ele mesmo soubesse ou concebesse. De Nelson: A
vida de cada homem, até o seu último momento, é
uma contribuição para a harmonia suprema do Universo,
e nenhum artifício humano, por isto mesmo, deve truncá-la.
(Grifo meu). Não tenciono
corrigir
Nelson Hungria,
mas eu teria escrito (talvez
embutindo uma certa contradição e uma relativa dose de
autoritarismo) ... pode truncá-la,
ainda que eu esteja convicto de que todos os entes possam tudo.
Mas, dever e poder não são equivalentes.
O conceito de liberdade impõe paralelamente
responsabilidades e restrições.
Finalmente,
só há uma hipótese efetiva
(eficaz + eficiente) em que a vida possa ser dada como
encerrada. É o caso ultra-especial da Transição
Consciente e Volitiva da vida para a Vida com a finalidade
de ser dada seqüência à vida consciente (autoconsciente)
em um Plano
mais sutil e mais elevado do Teclado
Universal. Isto se configura em um Processo
Iniciático Volitivo altamente secreto, no qual,
entre outras virtudes categóricas, prevalecem no INICIADO
a RENÚNCIA
e o SERVIÇO
INCÓGNITO. E isto que acabei de enunciar, ainda
que de difícil ou impossível compreensão para um
não-Iniciado, está longe de ser tido ou concebido como
eutanásia.
A
eutanásia2 é um equívoco
da razão discursiva (dianoia), assim como também
são equívocos o terrorismo, o estupro, a tortura, o aborto3,
a pena capital, o desenvolvimento não-sustentado,
a vivissecção, as sobrevalias, a clonagem humana e de
animais com fins reprodutivos, as guerras e outras misérias negras
que conspurcam todos
os Reinos da Natureza e a própria Terra, como ser vivente que
é. Encontrar razões (políticas, teológicas,
particulares etc.) para praticar esses atos, é equivalente a
torturar e matar em nome de qualquer ideologia, de qualquer fé
ou de qualquer Deus, como aconteceu, por exemplo, durante a Idade Média
via Inquisição, ou como acontece hoje pelos mais variados
canais e pelos mais diversos motivos em todos os quadrantes do nosso
Planeta Azul. Somos nós, seres humanos (ir)racionais,
que projetamos e fabricamos os mais variados infernos nos quais acabamos
tendo que viver (ou sobreviver). Vou invocar agora mais um pré-socrático
– Pitágoras (450 a.C.) – que disse: Todos
os seres animados estão unidos por laços de parentesco.
Estou confiante que aprenderemos um dia a assumir nossa
vida como uma Missão
Cósmica com pleno conhecimento de causa (parafraseei
esta frase do meu Irmão +Vicente
Velado, FRC
e Abade Especial da Ordo
Svmmvm Bonvm para o Terceiro Mundo) e que realizaremos
in corde
— o Svmmvm
Sanctvm Sanctorvm — que:
CONVITE:
Penso que a leitura do texto Excertos
Escolhidos do Pensamento de Mestre Apis complementaria
o presente estudo. Esta Santa Iniciada devotou sua vida ao Bem, e no
final de sua existência terrena sofreu fisicamente o que poucos
teriam condições de suportar. Mas, a dignidade, a confiança
e a bondade de seu Coração... Bem, eu recomendo a leitura
do texto, que foi uma recensão que tive o prazer de concluir
há pouco tempo. Este e-book está disponibilizado
em dois locais, e os links diretos para lê-lo são:
http://svmmvmbonvm.org/mestreapis/
http://paxprofundis.org/livros/mestreapis/mestreapis.htmL
REFERÊNCIAS
1.
Sant’Ana Dionísio na Introdução às
Obras de Leonardo Coimbra assim resumiu o VÍCIO
OU PECADO COUSISTA: ...
tendência funesta e irreprimível do homem ... para considerar
como estático e definitivo, como realidade concluída e
firme de uma vez para sempre, para não dizer como coisa feita,
as próprias realidades espirituais, as idéias, os símbolos,
as estratificações jurídicas, os transitórios
preconceitos políticos ou sociais, as convenções
históricas tidas como sagradas ou invioláveis, os princípios
ou dogmas de ordem religiosa, múltiplas idéias-crenças,
tidas como inalteráveis, de ordem científica.
Ou como ainda
escreveu o próprio Leonardo em A Luta Pela Imortalidade
(Obras Completas de Leonardo Coimbra, vol. II): Tudo o
que se pretende encontrar isoladamente do lado do sujeito ou do lado
do objeto é esquecimento da unidade fundamental sujeito-objeto.
2.
Há exceções. Meu pai, por exemplo, teve o crânio
trepanado para que fosse retirada uma significativa parte do cérebro,
cuja finalidade foi aliviar a pressão intracraniana causada por
um tumor maligno. Não recobraria mais a consciência sob
nenhuma hipótese. Contudo, não houve necessidade de ser
praticada a eutanásia porque ele faleceu em menos de doze horas.
Em um caso como esse, se o paciente não falece ou demora a falecer
(o que é incomum), a eutanásia é aceitável,
porque não há possibilidade de reversão no quadro
clínico e qualquer sobrevida seria inútil. Entretanto,
há comas e comas. Isto eu não vou comentar, mas a medicina
acabará por concluir que em certos estados de coma há
consciência e aprendizado. E em certos comas tidos como irreversíveis,
quando menos se espera, o paciente recobra a consciência. Quem
pode dizer com absoluta certeza que alguém está em estado
terminal? Por isso, como regra, a eutanásia é um equívoco.
3.
Também há excessões, como por exemplo a anencefalia
(ausência total ou parcial do encéfalo). Já, por
exemplo, no caso da Drepanocitose, ou Anemia Falciforme, o aborto não
se justifica sob nenhuma alegação. A Anemia Falciforme
(AF) é uma doença genética, hereditária,
mais comum nas populações africanas – mas ocorre
também na etnia branca – que resulta da substituição
de um único aminoácido na cadeia beta (ácido glutâmico
por valina) da hemoglobina. Curiosamente, o Plasmodium –
protozoário responsável pela Malária (doença
parasitária que mais mata no mundo) – é transmitido
pelo mosquito do gênero Anopheles, um agente, por assim
dizer, inteligente: só afeta indivíduos com glóbulos
vermelhos normais, redondos. Os indivíduos cujos glóbulos
vermelhos são em forma de foice (AF) não
contraem Malária. As principais espécies de Plasmodium
que parasitam o homem são: Plasmodium vivax, Plasmodium falciparum,
Plasmodium malarie e Plasmodium ovale. Para
que a AF se manifeste, é necessário que o filho tenha
herdado um gene da doença de cada um dos pais. Quando herda apenas
o gene do pai ou da mãe, torna-se portador do 'traço'
falciforme, isto é, não apresenta sinais da anemia, mas
pode transmitir esse gene aos seus filhos. Diante disso, quando existe
algum caso de anemia falciforme na família, é necessário
que o casal procure um especialista em aconselhamento genético,
com o objetivo de avaliar possíveis riscos. Exames de sangue
permitem determinar se há perigo e são úteis para
auxiliar na decisão a ser tomada. Após a concepção,
a doença pode ser diagnosticada no bebê por amniocentese
(retirada de líquido amniótico do abdome materno para
fins de análise), no segundo trimestre da gestação.
Abortar por saber que o feto é portador de AF é um crime
contra a Vida.
Estes
comentários são válidos também para a Síndrome
de Down (SD). Cada uma de nossas células possui 46 cromossomos
dentro de cada célula. Um desses pares de cromossomos, chamado
de par número 21, está alterado na SD. A criança
com SD possui um cromossomo 21 a mais, ou seja, ela têm três
cromossomos 21 em todas as suas células, ao invés de ter
dois. É o que é denominado de trissomia 21. Portanto,
a causa da SD é a trissomia do cromossomo 21. Tenho que repetir:
abortar por saber que o feto é portador de SD (ou AF) é
um crime contra a Vida.
Abaixo a Anemia Falciforme – AF (observe os glóbulos vermelhos
em forma de foice) e a Síndrome de Down – SD com três
cromossomos 21.
Mais
abaixo flores para todos os doentes do mundo.
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AF |
SD
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AF |
SD
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WEBSITES
CONSULTADOS
http://www.mundodemalabares.net/lista_3pelotas.html
http://www.observatorio.ufmg.br/pas39.htm
http://www.inf.ufsc.br/~veronez/
http://www.ateus.net/artigos/filosofia/que_e_metafisica.html
http://www.supervirtual.com.br/
http://www.femininoplural.com.br/terra/jardim/
http://www.winterthur.be/content/ned/2d/2d.htm
http://www.academia.org.mx/Consultas/Frecuentes.htm
http://www.brazcubas.br/professores/sdamy/mubc02.html
http://www.acampe.com.br/anemia/
http://www.downmadrid.org/
http://www.lincx.com.br/lincx/
saude_a_z/outras_doencas/anemia_falciforme.asp
http://www.ufrgs.br/para-site/Imagensatlas/Protozoa/Plasmodium.htm
http://www.fortunecity.com/campus/biology/752/parsito6.htm
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