Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

Arrebatamento

 

 

Andarilho da estrada reta,

confiante em seu acreditar,

lê na tropologia do exegeta

o entressonho de se salvar.

 

Refugiar-se na onipotência

de um deus manufaturado?

Crer no dedo da providência

 

Atenuação dos pecados?

Promessa de eterna vida?

144 x 103 contemplados?

 

Esperar o arrebatamento1

e, um dia, uma boa acolhida

é desprezar o inato talento.2

 

 

 

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Notas:

1. ... segundo a Palavra do Senhor, nós, os que estamos vivos, que fomos reservados para a vinda do Senhor... os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro... Depois nós, os que vivemos, os que ficamos, seremos arrebatados... sobre as nuvens, ao encontro de Cristo nos ares, e assim estaremos para sempre como o Senhor. (Negrito e sublinhado meus). (Bíblia, Primeira Epístola aos Tessalonicenses, IV, 12 - 17).

Thomas Ice e Timothy Demy acreditam que o Arrebatamento pré-tribulacional ensina que, antes do período de sete anos conhecido como Tribulação, todos os membros do corpo de Cristo (tanto os vivos quanto os mortos) serão arrebatados nos ares para o encontro com Jesus Cristo, e, depois, serão levados ao céu.

Já Luis Henrique L'Astorina admite que o arrebatamento demonstra que a Igreja vai ao encontro de Jesus (cf. I TESS. 4: 17), isto é, a vinda é exclusiva para o cristão, a Igreja. A volta, isto é, no segundo advento de Cristo, Ele vem com a Igreja e estabelece Seu Reino Messiânico (cf. ZAC. 14: 4, MAT. 24: 30 e APOC. 19: 11-14).

E Hal Lindsey (citado por Keith Sharp) diz que: Algum dia, um dia que apenas Deus sabe qual é, Jesus Cristo virá para levar embora aqueles que crêem Nele. Ele virá para encontrar os verdadeiros crentes no ar... Será o final vivo. Keith Sharp acaba admitindo que: A próxima vez que Jesus vier, dizem os pré-milenaristas [que ou quem acreditava que a segunda vinda de Cristo se daria ainda durante o primeiro milênio da era cristã], Ele secretamente 'arrebatará' ('apanhará') os verdadeiros crentes. Ele ressuscitará os justos mortos. Mas os descrentes e os mortos perdidos permanecerão.

A Doutrina do Arrebatamento pré-tribulacional, geralmente, está associada a, pelo menos, dois outros conceitos agasalhados pelos religiosos: a Doutrina da Iminência (ensino neotestamentário que ensina que Jesus, o Cristo, voltará a qualquer momento, sem advertências ou sinais prévios, para arrebatar Sua Igreja) e a Parúsia (segunda vinda de Jesus, o Cristo, à Terra). Este segundo conceito (a Parúsia) está alicerçado, principalmente, na Primeira Epístola aos Coríntios, XVI, 22, na qual o Apóstolo Paulo de Tarso adverte: Se alguém não ama a Nosso Senhor Jeus Cristo seja anátema, 'Marán Athá' ('Marán Athá' é uma expressão aramaica que aparece apenas uma vez na Bíblia e que significa o Senhor vem). Basicamente, creio já ter ficado claro, aqueles que admitem o Arrebatamento pré-tribulacional advogam que, antes do período de sete anos conhecido como Tribulação, todos os membros do corpo de Cristo (tanto os vivos quanto os mortos) serão arrebatados nos ares para o encontro com Jesus Cristo; depois serão levados ao céu.

Respeitando esses pensamentos teologais, mas polidamente discordando in totum de todos, penso que só possa, efetivamente, haver um único Ar–re–ba–ta–men–to, e, por isso, eu separei as sílabas do vocábulo, negritei, italiquei, sublinhei e o grafei com a letra A inicial maiúscula; se eu pudesse acrescentar um outro destaque ou realce marcante ou ostensivo, eu o teria acrescentado. Por quê? Porque estou convencido de que só possa haver um arrebatamento: o místico Ar–re–ba–ta–men–to individual, pessoal, por merecimento, in Corde. Por isso, devo explicar detalhadamente esta convicção: para começar, no meu caso pessoal, Ateísta Místico consciente, não quero e não vou ser arrebatado pelo, de todos nós queridíssimo, Mestre Jesus ou por quem quer que seja, até porque isto é física, cósmica e misticamente impossível, e, se possível fosse, eu, no uso do meu livre-arbítrio, recusaria todo e qualquer tipo de arrebatamento privilegiador, hipotético e excludente, isto para não acrescentar mais adjetivos que cabem muito bem nessa idéia fanático-esquizofrênica, que já é um outro duplo adjetivo aplicável ao caso. Em segundo lugar, penso que não haja onipoderosidade, por mais onipoderosa que possa ser, que, espasmodicamente e por capricho, possa contrariar as Leis Universais. Um onipoder que assim agisse estaria mais representando o lado esquerdo do que outra coisa. Então, nesta vida, ou eu aprendo a meritocraticamente conquistar as coisas que puder ou aprenderei futuramente se e quando puder, se e quando merecer, mesmo porque não se apreende tudo em uma única vida, e jamais – dure o tempo que durar (tempo que é tempo e que não é tempo) – será possível que se apreenda tudo, de tudo, do ilimitado Todo. Repito, para que fique bem claro: dure o (inexistente e ilusório) tempo que durar; mesmo porque o Cristo Cósmico só poderá ser realizado em um Coração puro (Corde Purus), e o meu longe está de ser puro. Enquanto isso, por outro lado, o cavalo precisa ser tirado da chuva ou vai ficar resfriado: Jesus não virá fisicamente como querem os católicos. Vou insistir: a Parúsia ou Segundo Advento (descrito especialmente pelo Apóstolo Paulo) e a realização do Cristo Cósmico só poderão se dar em um Corde Purus. Partialis, não dá; tem que ser em um Corde Purus et spiritualis in totum.

Tudo que Jesus tinha que ensinar, foi ensinado há dois mil anos. Tudo que tinha que ser dito, já foi dito e repetido à saciedade; tudo que tinha que ser escrito, já foi escrito e reescrito à saciedade. Jesus e todos os outros os Avatares não costumam ficar repetindo como eu. Sopa de letrinhas só mesmo eu. E, se alguma coisa ficou faltando, cabe a nós descobrir o que é, pois a base foi ensinada. Aliás, tudo se resume em duas palavras: Amai-vos! Caso Jesus apenas tivesse dito isto, teria cumprido sua Santa Missão. Logo, precisamos compreender e nos esforçar, para que possamos admitir e realizar que Marán Athá, por exemplo, só será possível individualmente por esforço e mérito pessoais. Nessas matérias examinadas, não pode prosperar o coletivo e não há milagre, quebra-galho e jeitinho tropical-tupiniquim, indo-europeu, indo-britânico, indo-chinês, indo-iraniano, indo-malaio, indo-português ou indo-não-sei-o-quê. E mais: quanto a mim, pensando como penso, como eu poderia ser arrebatado sabendo que outros (poucos ou muitos, indo-isto ou indo-aquilo) não foram arrebatados? Isto tudo, na minha cachimônia, é 'pioríssimo' do que qualquer filme de horror e 10miríade 'pioríssimo' do que as gigantescas e assustadoras unhas curvas do Zé do Caixão.

Seguindo: essa coisa egoístico-religiosa de irem ou de se salvarem alguns, de uns tantos serem privilegiados, arrebatados, ou o que valha, e outros não, pelos motivos que forem, em qualquer dos casos, é uma hipotética absurdeza teológico-religiosa sem paralelo e sem qualquer justificativa mística ou filosófica, beirando a insensatez histérico-fanático-ultramontana. Mais um pouco: por um hipotético bom comportamento, como prêmio, não quero absolutamente nada, até porque, mas não por isso, já disse diversas vezes: não há prêmio ou punição no Cósmico, ainda que muitos insistam em acreditar que sim e em viver em função dessas coisas incomprovadas. La Divina Commedia de Dante Degli Alighieri (1265 - 1321) é meramente simbólica. Logo, os simbólicos e alegóricos purgatório de baldeação, paraíso de fruição, inferno de torrefação e limbo de não-sei-não (que Dante não mencionou) são, entre tantas outras, ilusões ensinadas, fermentadas, manipuladas e, por medo ou por conveniência, infantilmente aceitadas, mastigadas e papadas. Em outro sentido, esses [des]conceitos são meras e inconsistentes transferências psicológicas de irracionalidades e de fantasmagorias humanas para o que é desconhecido, todos ancorados na arrogante presunção de conhecer. E quem crê nessas fantasias acaba sendo manobrado pelos encostões de sempre, e desde sempre, que, a cada dia, acumulam mais poder (material) e estão cada vez mais ricos às custas dos óbolos (obolões e obolinhos) dos crédulos bem-intencionados que se recusam a fazer uso da razão para estabelecer relações entre coisas e fatos, e a se libertar. Quosque tandem? Quosque tandem? Entretanto, quando esses bem-intencionados resolvem raciocinar e começam a se libertar, querem o dinheiro de volta; aí, é tarde demais. Os cofres de todos esses Tios Patinhas aproveitadores e descarados estão abarrotados e fechados a sete chaves. Quem faz negócios com deus e pensa que pode comprar um lugar no céu, além de não ver a cor do raio da escritura, não recebe a grana de volta. E não adianta dar uma de choramingas no balcão do PROCON. Comprou? Perdeu.

 

 

 

 

Recentinho, apóstatas – como eu – iam para a fogueira ou eram massacrados, como foi o caso, por exemplo, do Massacre da Noite de São Bartolomeu, episódio sangrento na repressão dos protestantes, na França, pelos reis franceses, católicos e sanguinários. As matanças, orquestradas pela casa real francesa com apoio festejado e explícito do Vaticano, começaram em 24 de agosto de 1572 e duraram alguns meses, inicialmente em Paris e depois em outras cidades francesas, vitimando entre 70.000 e 100.000 protestantes franceses (chamados huguenotes). Relatos da época dão conta de cadáveres boiando nos rios durante meses, de modo que ninguém comia peixe. Bom para os peixes! O papa Gregório XIII, nascido Ugo Buoncompagni (1502 - 1585) – que de Buoncompagni não tinha nada, mas que foi o responsável, em outubro de 1582, pela mudança e introdução do calendário atual (calendário gregoriano) por reforma do antigo calendário juliano – ficou muito feliz com a notícia da matança, e comemorou o Massacre de São Bartolomeu com um bom vinho italiano, uma missa Te Deum e uma medalhinha papal comemorativa. Seja como for, esse não foi o último pogrom contra os protestantes franceses; outros se seguiriam. Hoje, apóstatas e acréus (quase) já não são mais torrados nem massacrados; são excluídos. Meno male!

Continuando estas reflexões: se Deus existe – como querem os religiosos de todas as religiões, e da forma como querem e como parece que vão continuar a querer por muito tempo – por que Ele haveria de criar ou de permitir que fossem criados os infidelíssimos, os abestalhadíssimos, os apostatíssimos, os defeituosíssimos, os crudelíssimos, os incredulíssimos e, às avessas do que se poderia esperar de Deus, outros íssimos? Para, no frigir dos ovos, 'purgatoriar', se e quando for o caso, e, depois, infernar todos eles? Por que Deus haveria de criar seres melhores e seres piores? Direitos e tortos? Aborígenes e bem-nascidos? Alfabetizados, cultos e bem-postos de primeira classe e analfabetos, mal-educados e mocorongos de enésima classe? Não me acenem com o livre-arbítrio porque ele não cabe aqui. Se você pudesse escolher, nasceria no Haiti ou na República Democrática do Congo? Em uma favela? Em uma palafita? No meio da rua? Imaginar que Deus faça essas escolhas e que escreva certo por linhas tortas, para mim, é inaceitável! Eis a Lei: In Corde loquitur nostro Vox Dei. Em nosso Coração fala a Voz de Deus. Eu poderia ficar argumentando e dissertando sobre este assunto sete anos, sete dias e sete horas sem parar, mas este arquivo já está com 325 kb e já está ficando meio pesado. A animação em flash que abre este ensaio, pictoricamente, resume e representa a minha compreensão relativa, hoje, 23 de julho de 2007, sobre esta matéria. Logicamente, ela está longe de se aparentar, seja no sentido de mostrar aparência, seja no sentido de estabelecer parentesco, com qualquer dogma teológico.

 

 

 

 

 

 

Todavia, ainda, devo confessar, às vezes me desespero, eventualmente choro e de quando em quando fico meio atordoado com a crença de certas pessoas em um hipotético salvador que as arrebatará (com ou sem o consentimento delas) para um paraíso de delícias ad æternum. Elas acreditam que serão arrebatadas, e ponto final. Depois, torrificante, tribulacional e apocalíptico Armagedão para o restolho que não foi arrebatado! Ora, se somos todos Um, se somos todos irmãos em Cristo, não poderemos ser todos Um menos alguns que não gostamos. Cosmicamente, não existe essa conta de subtração. Na realidade, não há adição, subtração, divisão ou multiplicação no Kosmos; o Todo-Um não se modifica. Sei que isto é muito difícil de ser compreendido, mas Jesus não ensinou que deveríamos amar alguns e outros não, até porque haveremos de compreender que uns tantos são instrumentos de aprendizado para outros tantos. Enfim, no mínimo, se as pessoas pensassem um catiquinho concluiriam que ad æternum – no sentido teologal que emprestam à esta locução adverbial – é sinônimo de estaticidade; e, entre várias coisas que não cabem no(s) universo(s), uma delas é a ausência de movimento, isto é, imobilidade e permanência ad semper em uma oitava do Teclado Universal, seja como um microdemônio sem rumo em um buraco negro ou um hiperaltair sorridente em uma estrela de primeira grandeza. A propósito, pergunto: uma pessoa de boa índole, devota e temente a Deus, mas ignorante e parvajola – que não pediu para nascer assim – que tenha sido salva ou arrebatada, permaneceria, ad infinitum, nessa condição ignorante e parvajola a dançar nas nuvens ou no raio que a parta? Esse entendimento, de imediato, contraria o bom senso e as Leis Cósmicas elementares. Em termos teológicos e religiosos, não poderia deixar de patentear uma mistura de indiferença, incompetência, ciúmes, inveja et cetera e tal da parte de Deus para com os seres por Ele criados, o que seria uma total absurdidade em termos de um criacionismo divino admitido. Será isto tão difícil de ser compreendido? Movimento! Movimento! Movimento! Eppur si Muove! Ou seja, 'contudo, ela se move', como disse Galileu Galilei (1564–1642), referindo-se à Terra, há mais ou menos quinhentos anos. Mas Galileu sabia: niente dorme; tutto si Muove!

 

 

Poetar a Beleza, sim. Poetar o Bem, sim. Poetar sentar-se à direita, ad æternum, não. Ad æternum é o movimento; ad æternum é a evolução; ad æternum é a ascensão; ad æternum é o relativo ad æternum que não se sabe bem lá como é, mas que não poderá ser ad æternum à direita ou ad æternum à esquerda, nem do Pai, nem de ninguém, nem de nada. Enfim, por que se preocupar com esse tal de ad æternum? Se a palavra preocupação couber, ela deve ser aplicada à nossa vida presente, aqui, agora, hoje, que deve incluir uma dialética relativa à própria morte – da qual ninguém poderá escapar. Pedir penico ou libera me a malo no momento final e estertorante não adiantará nada, até porque há certos 'alguéns' fedorentérrimos que precisarão de 10011001 + 1 penicos nessa hora.

Mesmo a Paz Profunda dos Rosa+Cruzes é relativa; se fosse tida e havida como definitiva seria a pior das desgraças. E por que seria uma desgraça? Porque se um Místico ou um Iniciado (de qualquer Ordem ou Fraternidade e qualquer que seja o grau que tenha alcançado) acreditasse que alcançou o limite de sua compreensão, o ápice de sua evolução, o cume de sua ascensão, o extremo superior do que quer que seja, estaria perdido em um deserto glacial, sem pão e sem água. A primeira coisa que internalizei em meus estudos Rosacruzes na AMORC foi que o Rosa+Cruz é um ponto de interrogação permanente. Daí o porquê de a vaidade ser o maior empecilho da Via Mística. Não há mesmo limite para a compreensão, para a evolução e para a ascensão. Com a consciência tranqüila, depois da próxima nota, encerrarei este rascunho; penso que tenha explicado meu pensamento direitinho. Se eu verificar que faltou alguma coisa, volto ao assunto em um outro texto. Morrerei sendo um Rosa+Cruz sopa de letrinhas. Paz Profunda.

 

 

2. Temos, todos nós, em nosso interior, todas as ferramentas necessárias para conquistarmos nossa alforria e o Bem que, por mérito, desejamos. Ao invés de ficarmos esperando milagres inexplicáveis pelas Leis Universais, escolhas divino-extranaturais, exclusividades e privilégios anacrônicos, prêmios inconceptíveis e arrebatamentos improváveis por que não usarmos já, aqui e agora, nosso natural talento? Até quando dependeremos de amas-de-leite e de clérigos em geral para nos dizerem o que fazer, para nos abençoarem, para nos perdoarem de nossos escorregões e para, em nosso nome, fazerem intercessões? Mais do que ajoelhar, pedir, querer ou esperar precisamos aprender a Caminhar, Dar, Orar e Trabalhar, exatamente como o nosso irmão Peregrino aí embaixo.

 

 

 

 

 

Rio de Janeiro, 27 de julho de 2007.

 

 

 

 

 

 

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.jesussite.com.br/
acervo.asp?Id=847

http://www.baptistlink.com/solascriptura/EscatologiaE
Dispensacoes/ArrebatamentoPretribulacional-LHenrique.htm

http://www.anunciandosalvador.com.br/
estudo.php

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Papa_Greg%C3%B3rio_XIII

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Massacre_da_noite_de_S%C3%A3o_Bartolomeu

http://www.estudosdabiblia.net/
2004216.htm

http://www.baptistlink.com/solascriptura/
EscatologiaEDispensacoes/index.htm

http://www.chamada.com.br/
mensagens/verdade_arrebatamento.html

 

Fundo musical:

Ave Verum Corpus (Wolfgang Amadeus Mozart)

Fonte:

http://www.heartflyer.com/mozart.htm