IMITAÇÃO DE CRISTO II
Tomás de Kempis, 1380 - 1471
(Fragmentos escolhidos retirados do Livro II)
Uma colaboração de
Rodolfo Domenico Pizzinga
Música
de fundo: Offertorium
Fonte:
http://www.bertelmusic.be/Choral.htm
CONVITE
Leia o volume I
http://paxprofundis.org/livros/imitacao/cristo.html
Aprende
a desprezar as cousas exteriores, entrega-te às interiores e verás
o reino de Deus vir a ti. Para o homem interior tem Ele visitas freqüentes,
doces colóquios, suaves consolações, grande paz e familiaridade
verdadeiramente inefável.
Quem
ama a Jesus e a verdade, quem é verdadeiramente interior e livre de
toda a afeição desregrada, pode aproximar-se sem obstáculos
de Deus...
Quem
estima as cousas pelo que são, e não pelo que delas dizem ou
julgam os homens, é verdadeiramente sábio, instruído
mais por Deus do que pelas criaturas. Quem sabe viver recolhido dentro de
si e pouco se inquieta com as coisas exteriores não precisa escolher
lugar nem aguardar tempo para seus exercícios de devoção.
O homem interior bem depressa se recolhe porque nunca se espalha de todo nas
cousas externas. Não o estorva o trabalho material nem a ocupação
às vezes necessária; acomoda-se às cousas como ocorrem.
A quem está bem disposto e ordenado no seu interior pouco se lhe dá
dos feitos famosos ou perversos dos homens. O homem não é embaraçado
e distraído pelas cousas senão na medida em que a elas se apega.
Muitas
cousas te desagradam e perturbam freqüentemente porque ainda não
estás de todo morto a ti mesmo nem desapegado das cousas da terra.
Nada contamina e embaraça tanto o coração do homem como
o amor impuro das criaturas.
Não
dês grande importância em saber quem está por ti ou contra
ti... Para melhor conservar a humildade muito convém algumas vezes
que os outros conheçam os nossos defeitos e no-los lancem em rosto.
Quando
um homem se humilha pelas suas faltas, aplaca facilmente os outros Não
julgues ter feito algum progresso enquanto não te tiveres por inferior
a todos.
Começa
por te conservares em paz; depois, poderás pacificar os outros... O
homem bom e de paz tudo converte em bem... Quem está em paz não
suspeita de ninguém... Sê, pois, antes de tudo zeloso contigo,
depois, poderás com justiça zelar pelo teu próximo.
Se queres que te suportem, suporta os outros. Vê quão longe estás ainda da verdadeira caridade e humildade...
Toda
a nossa paz... mais consiste em sofrer com humildade do que em não
sentir contrariedades. Quem melhor souber sofrer, maior paz terá, e
será vencedor de si e senhor do mundo, amigo de Cristo e herdeiro do
céu.
A simplicidade
e a pureza são as duas asas com que se eleva o homem acima da Terra.
A simplicidade está na intenção, a pureza, no afeto...
Nenhuma ação boa te será difícil, se interiormente
estiveres livre de toda afeição desordenada.
Se fosses interiormente
bom e puro, tudo verias bem e compreenderias sem dificuldade. Cada qual julga
das coisas exteriores conforme as suas disposições internas.
Se há alegria no mundo, o coração puro a possui; e se,
em algum lugar há tribulações e angústias, é
a má consciência quem melhor as conhece. Assim como o ferro posto
no fogo perde a ferrugem e se torna todo candente, assim quem se converte
inteiramente para Deus sacode o torpor e transmuda-se em novo homem.
Quando o homem começa
a entibiar, receia o menor trabalho e procura avidamente as consolações
externas. Mas quando começa a vencer-se perfeitamente e a caminhar
com coragem nos caminhos de Deus, logo tem por insignificante o que antes
lhe parecia pesado.
Censuramos nos outros pequenas faltas e exculpamos as nossas,
mais graves. Bem depressa sentimos e ponderamos o que dos outros sofremos,
mas não advertimos no que de nós sofrem os outros. Quem examinasse
sinceramente as próprias ações não julgaria com
severidade as alheias.
Quem olha para si
com diligência abstém-se facilmente de falar dos outros. Nunca
serás homem interior e devoto se não guardares silêncio
das coisas alheias e não te ocupares especialmente de ti. Se voltares
toda a tua atenção para ti e para Deus pouco te impressionará
o que perceberes em roda de ti. Onde estás quando não estás
presente a ti mesmo? De que te aproveita haver percorrido tudo se te descuidaste
de ti? Se queres ter paz e verdadeira união com Deus despreza tudo
o mais afim de só olhares para a tua alma.
Muito progresso farás
se te desembaraçares dos negócios temporais; muito afrouxarás,
pelo contrário, se lhes deres importância. Tem por vã
toda consolação que te vier das criaturas.
Tenha boa consciência e sempre terás alegria. Muitas coisas
pode suportar uma boa consciência e, ainda nas adversidades, conservar-se
alegre. A má consciência anda sempre receosa e inquieta. Descansarás
tranqüilamente se de nada te repreender o coração. Não
te alegres senão quando houveres praticado o bem. Os maus nunca têm
verdadeira alegria nem experimentam paz interior; porque, "para os ímpios
não haverá paz", diz o Senhor (Is. LVII, 21).
A glória dos
bons está na própria consciência e não nos lábios
dos homens. Quem deseja a glória verdadeira e eterna, não cuida
da temporal; e quem procura a temporal ou não a despreza de coração
bem mostra que ama pouco a eterna. Grande tranqüilidade de coração
goza aquele que se não preocupa com louvores ou vitupérios.
Facilmente viverá
em paz e contente quem tiver a consciência pura.
Queiras ou não,
de todas as coisas, terás que separar-te um dia.
Muitas vezes te enganarás
se julgares os homens só pela aparência. Se neles procurares
vantagens e consolações o mais das vezes só experimentarás
detrimento. Se em todas as coisas buscares a Jesus, a Jesus encontrarás.
Não desejes
nunca uma preferência singular na estima e no amor dos homens... não
queiras que alguém se ocupe contigo em seu coração nem
te ocupes tu com o amor dos outros, mas Jesus reine em ti e em todo o homem
de boa vontade.
Sê interiormente
puro e livre, sem apego a criatura alguma... porque ao inverno sucede o verão;
à noite, o dia; e à tempestade, grande bonança.
Não te aflijas
demasiadamente se te abandona algum amigo, lembrando-te que um dia nos havemos
todos de separar uns dos outros.
O homem que confia
em si facilmente desliza para as consolações humanas.
Não te desvaneças, não te regozijes em excesso e nem
presumas vãmente de ti...
Não há então melhor remédio que a
paciência e a renúncia...
Nunca encontrei homem
tão perfeito e piedoso que, de quando em quando, não experimentasse
subtração da graça e diminuição do fervor.
Nenhum santo houve, tão altamente arrebatado e iluminado, que, cedo
ou tarde, não fosse tentado!
Por que procuras
descanso, tu que nasceste para o trabalho? Dispõe-te mais à
paciência do que à consolação, a levar a cruz mais
que a ter alegria. Que homem mundano não aceitaria de bom grado as
consolações e alegrias espirituais se delas pudera sempre gozar?
Na verdade as consolações espirituais sobrelevam todas as delícias
do mundo e os prazeres da carne, porque as delícias mundanas ou são
vãs ou são torpes; só as espirituais são agradáveis
e honestas, geradas pela virtude e infundidas por Deus nas almas puras. Mas
destas consolações divinas, ninguém pode fruir à
medida dos seus desejos, porque as tentações não nos
dão trégua por muito tempo.
Não quero
consolação que me tire a compunção, nem desejo
uma contemplação que me leve ao orgulho. Nem tudo que é
elevado é santo; nem tudo o que é doce é bom; nem todo
o desejo é puro; nem tudo o que nos agrada a Deus agrada.
Põe-te sempre
no último lugar e ser-te-á dado o primeiro porque não
haverá primeiro lugar senão para quem se coloca no último.
Tem por grandes os
menores dons e por dádiva singular o que os homens julgam desprezível.
Ninguém, todavia,
é mais rico, mais poderoso, mais livre do que aquele que soube deixar
a si mesmo e a todas as coisas e colocar-se no último lugar.
Tudo, pois, se encerra
na Cruz e se resume em morrer nela. E não há outro caminho que
leve à vida e à verdadeira paz interior senão o caminho
da santa Cruz e da mortificação cotidiana.
A Cruz, portanto, está sempre preparada e em todo lugar
te espera. Não poderás fugir onde quer que te refugies, porque
aonde quer que fores te levarás contigo e te encontrarás a ti.
Volta-te para cima ou para baixo, volta-te para fora ou para dentro, sempre
acharás a Cruz...
Se de bom grade levares
a Cruz ela te levará a ti e te conduzirá ao fim que desejas,
onde já não terás que sofrer; mas não será
neste mundo. Se de má vontade a levares, aumentar-lhes-ás o
peso e agravarás a tua carga, e, ainda assim, é forçoso
que a suportes. Se rejeitares uma Cruz, outra encontrarás com certeza
e talvez mais pesada.
Se estiveres armado com fé e com o sinal da cruz de Cristo
nem o mesmo inimigo infernal temerás.
Quando chegares a
ponto de saborear e achar doces as tribulações, por amor de
Cristo, dá-te por feliz, porque encontraste o paraíso na Terra.
Mas, enquanto te pesa ainda o sofrimento e procuras evitá-lo, ir-te-á
mal e a tribulação que foges seguir-te-á em toda a parte.
Se... te dispões...
a morrer logo... acharás a paz.
Tem por certo que
a tua vida deve ser uma morte contínua; quanto mais cada um morre a
si mesmo tanto melhor começa a viver para Deus.
Se para a salvação
do homem, alguma coisa houvera de melhor e mais útil que o sofrimento,
Cristo, sem dúvida, no-lo houvera ensinado com suas palavras e exemplos.