Objetivo
do Estudo
Este trabalho procurou, primordialmente e
quando foi possível, buscar em Santo Agostinho o filósofo,
não o teólogo, ainda que as duas coisas andassem de mãos
dadas em seu pensamento. Para esta pesquisa, a obra escolhida foi As
Confissões. Nesta obra, entre várias grandes interrogações,
o Santo discute acerca da natureza do tempo, e, em dado momento, exclama:
Amanhã. Amanhã? Por que não há de ser agora?
Porque o termo das minhas torpezas não há de vir já,
nesta hora? Mas, antes, havia pedido: Dai-me a castidade e a continência;
mas não ma deis já. Era o medo de se santificar 'antes
da hora' e de se curar da concupiscência sem antes tê-la aproveitado
em toda a sua ignomínia. Era o lobo vencendo o anjo. A vontade de
servir a Deus era ainda tíbia. A luxúria vencia ainda a castidade.
Caos interior. Caos interior que acabou sendo vencido. Bem-aventurado Santo
Agostinho.
Dados
Históricos e Biográficos
urelius
Augustinus (Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho) nasceu em 13 de novembro
de 354, em Tagaste, hoje denominada Souk-Ahrás, atual Argélia,
na África do Norte. Mas
foi em 386 que Santo Agostinho, então com 32 anos de idade, teve,
pode-se dizer, sua primeira iluminação. A cidade: Milão;
o mês: agosto; o cenário: os jardins de sua casa. O filósofo,
como todo filósofo, chegara a uma encruzilhada: a depressão
e a angústia haviam tomado todo o seu ser. Para ele, tudo era dúvida,
e sua mente clamava por uma resposta definitiva que lhe desse sentido
para a vida. Foi quando seu desespero se acalmou pelo som de uma voz
infantil que cantava: Toma e lê, toma e lê. Recuperando-se
do impacto inicial provocado pela clariaudiência, viu um livro sobre
uma mesa do jardim. Tomou o livro e abriu-o ao acaso. Estava escrito:
Não caminheis em glutonarias
e embriaguez; não nos prazeres impuros do leito e em leviandades;
não em contendas e emulações. Mas revesti-vos de Nosso
Senhor Jesus Cristo e não cuideis da carne com demasiados desejos.
Isso
bastou. Seu coração foi inundado de Paz e sua mente de Luz.
As trevas da ignorância começavam a se dissipar. Mas
até que o início da Illuminação se
operasse, um longo caminho foi percorrido. Iniciou
seus estudos em sua cidade natal e completou-os em Cartago. Sua primeira
educação foi estritamente humanística, feita de gramática
e retórica. Parece não ter sido um bom aluno e não
conseguiu aprender o grego. Ao que tudo indica, preliminarmente, só
teria aprendido o cartaginês e o latim. Mais tarde, esforçou-se
para superar essa falha em sua educação, para poder se aprofundar
na exegese e na teologia.
Em
Cartago (atual Tunísia), apaixonou-se por uma mulher humilde, mas
os padrões morais da época não permitiram que se casasse.
Entretanto, a ela foi fiel e com ela teve um filho, Adeodato, que foi seu
discípulo predileto e cuja morte prematura (aos 18 anos) causou-lhe
profunda dor.
A
leitura do Hortensius, de Cícero, uma introdução
à filosofia, (hoje perdido) impressionou-o profundamente. Passou
a ensinar retórica em Cartago, mas a indisciplina de alguns de seus
alunos e o desejo de fama levaram-no a se transferir para Roma. Deixa Cartago
em 383. Limitado
pela impossibilidade de estudar em Atenas e em Alexandria (os melhores centros
da época) por desconhecer grego, deixa-se envolver e seduzir pelos
escritos de Mani (século III), doutrina segundo a qual o Universo foi
criado e é dominado por dois princípios: um do bem ou princípio
da luz, o outro do mal ou princípio das trevas. Esses dois princípios,
essas duas forças antagônicas e irredutíveis, no homem,
constituem-se, segundo o Maniqueísmo, por duas almas:
Uma
corpórea, que é a do mal; a outra luminosa, que é a
do bem. Pode-se alcançar a prevalência da alma luminosa através
de uma ascese particular que consiste de um tríplice sigilo: abster-se
do alimento animal e das conversas impuras (‘signaculum oris’);
abster-se da propriedade e do trabalho (‘signaculum manus’);
abster-se do matrimônio e do concubinato (‘signaculum sinus’).
Um
posterior encontro com Fausto, um dos chefes da seita maniqueísta,
decepcionou-o profundamente; pouco tempo depois, abandonou o Maniqueísmo.
O grande passo na vida do filósofo aconteceu como decorrência
de seu contato com os discípulos de Plotino, mas na sua versão
mística. Assim, passa a neoplatônico, fascinado com os ensinamentos
sobre a incorporeidade de Deus e a imortalidade da alma.
O
tempo passa e os iluminadores contatos com Ambrósio, bispo de Milão,
e a leitura de São Paulo reorientaram Santo Agostinho em sua busca
para o mistério da vida. Foi assim que mergulhou no estudo dos evangelhos
de Jesus Cristo sendo recebido na Igreja em 387 e batizado por Ambrósio.
É ordenado sacerdote em Hipona em 391 e quatro anos mais tarde torna-se
bispo de mesma cidade. Sua atividade episcopal caracterizou-se fundamentalmente
em preservar a pureza do Cristianismo e, nesse sentido, combateu os maniqueus,
os donatistas e os pelagianos. Mondin relata o empenho do filósofo:
Os
maniqueus porque admitiam a existência de dois princípios
supremos, um bom e outro mau; os donatistas porque negavam a validade
dos sacramentos administrados por ministros indignos; os pelagianos porque
negavam o pecado original e, conseqüentemente, a necessidade de Redenção.1
Santo
Agostinho é considerado o último dos pensadores antigos e
o primeiro dos medievais (o primeiro grande filósofo cristão,
e como afirma Julián Marías, o primeiro criador filosófico
dentro do Cristianismo), pois suas reflexões espirituais influenciaram
profundamente os rumos que tomaria o pensamento medieval em seus primeiros
séculos (durante oito séculos, Santo Agostinho foi a maior
figura dominadora do pensamento cristão). Suas principais obras são:
Contra
os Acadêmicos (386), Solilóquios (387), Do
Livre-Arbítrio (388-395), De Magistro (389), Da
Doutrina Cristã (397-426), Confissões (400),
Espírito e Letra (412), Da Trindade (400-416),
A Cidade de Deus (413-426) e Retratações
(413-426). Em
suas obras, quando foi possível conciliar a filosofia grega com os
dogmas cristãos, Santo Agostinho conciliou; quando não, optou
pela fé na palavra revelada. Para o Santo, o problema da vida só
teria explicação coerente e solução integral
através do Cristianismo. Por isso, acabou por combater veementemente
o Maniqueísmo, embora se perceba nitidamente em suas obras uma concepção
dualista que o acompanhou por toda a vida.
O
problema gnosiológico é profundamente sentido por Santo Agostinho,
que o resolve superando o ceticismo acadêmico mediante o iluminismo
platônico. Inicialmente, ele conquista uma certeza: a certeza da própria
existência espiritual. Daí tira uma verdade superior, imutável,
condição e origem de toda verdade particular. Embora desvalorizando,
platonicamente, o conhecimento sensível em relação
ao conhecimento intelectual, admite Santo Agostinho que os sentidos, como
o intelecto, são fontes de conhecimento. E como para a visão
sensível – além do olho e da coisa – é
necessária a luz física, do mesmo modo, para o conhecimento
intelectual, seria necessária uma Luz Espiritual. Esta vem de Deus,
é a Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas
as idéias platônicas. No Verbo de Deus existem as verdades
eternas, as idéias, as espécies, os princípios formais
das coisas, e são os modelos dos seres criados; e conhecemos as verdades
eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz intelectual
a nós participada pelo Verbo de Deus. Como se vê, é
a transformação do inatismo, da reminiscência platônica,
em sentido teísta e cristão. Permanece, porém, a característica
fundamental que distingue a gnosiologia platônica da aristotélica
e tomista, pois, segundo a gnosiologia platônico-agostiniana, não
bastam, para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças
naturais do espírito, mas é mister uma particular e direta
iluminação de Deus.
Tomás
de Aquino bebeu muito em Agostinho para criar sua própria síntese
do pensamento grego e cristão. Dois teólogos posteriores que
admitiram influência especial de Agostinho foram João Calvino
e Cornelius Jansen. O Calvinismo se desenvolveu como parte da teologia da
Reforma, enquanto que o Jansenismo foi um movimento dentro da Igreja Católica;
alguns jansenistas entraram em divisão e formaram sua própria
igreja.
Santo
Agostinho, legou à Humanidade a célebre doutrina das duas
cidades: a cidade de Deus (a Igreja) e a cidade terrena (o Estado). A primeira
fundada no amor de Deus e a segunda no amor de si e na egolatria. Entre
as duas o confronto é irreconciliável. Triunfará a
cidade de Deus.
Santo
Agostinho – que viveu segundo o lema Deum et animam scire cupio
(Quero conhecer a Deus e à alma) nihil aliud, nada mais,
absolutamente nada mais – morreu em 28 de agosto de 430, aos setenta
e cinco anos de idade, durante o cerco de Hipona pelos vândalos. Diz-se
que ele encorajou seus cidadãos a resistirem aos ataques, principalmente
porque os vândalos haviam aderido ao Arianismo, que o Santo considerava
uma heresia. Agostinho foi canonizado e reconhecido como um doutor da Igreja.
As
Confissões de Santo Agostinho
Primeira
Parte: Desatinos de outrora, conversão e batismo.
Os
cinco primeiros capítulos da obra em análise constituem-se
de uma verdadeira oração panegirical e de uma seqüência
de apelos a Deus. Quando Santo Agostinho afirma que os que o buscam,
encontrá-Lo-ão, sustenta essa convicção
na fé que lhe foi comunicada e inspirada (e a todos os homens de
fé) pela presença e pelo ministério de Jesus na Terra.
Para
Santo Agostinho, tudo o que existe tem que existir – e existe! –
pela vontade de Deus, estando todas as coisas Nele contidas, e Ele presente
em todas as manifestações da Natureza. O homem, como suprema
concepção de Deus, O contém e Nele está contido.
Entretanto, apesar de Deus estar em toda a parte (ubiqüidade), nenhuma
coisa O contém totalmente. Talvez um símbolo para se
meditar neste momento seja o de um círculo com um ponto em seu centro.
O círculo representando Deus Infinito, na verdade in Corde;
o ponto, o homem particulazinha da criação, segundo
Santo Agostinho.
Sem
pretender oferecer uma definição de Deus, no capítulo
IV, o Santo sintetiza sua teodicéia, e, elaborando um verdadeiro
conjunto de paradoxos, aspira com isso sustentar Sua oniparência e
onipotência: ... tão oculto e tão presente... imutável
e tudo mudando... sempre em ação e sempre em repouso...
No entendimento dos tradutores das Confissões usado nesta
pesquisa, J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina, em Santo Agostinho
Deus surge-lhe como sumo valor e como ‘delícia’.
No
capítulo 5 o Santo demonstrou um entendimento antropomórfico
de Deus, conceito aprendido com os maniqueístas e que o torturará
por muito tempo. Ao perguntar Que sou eu aos Vossos olhos para que me
ordeneis que Vos ame, irando-Vos comigo, fica cabalmente demonstrada
uma inclinação para antropomorfizar Deus. Tal conceito fica
reforçado no mesmo parágrafo quando o Santo insiste que caso
não ame Deus, Ele o punirá com tremendos castigos.
Em livros posteriores Santo Agostinho confessará essa tendência
e falará dessa grande dificuldade, qual seja, a de visualizar Deus
(in)adequadamente.
A
idéia de um Deus antropomórfico, com sentimentos humanos,
parece ter sido difundida como decorrência de um equívoco propagado
em cadeia e como princípio educacional religioso. No primeiro caso,
o engano ocorreu em virtude das limitações sensoriais do próprio
homem. Como Deus, em termos criacionistas estritamente teológicos,
só pode ser sentido, compreendido, em decorrência de Sua infinitude,
o homem para melhor adorá-Lo, tendeu para o grave erro da antropomorfização
da divindade, limitando-a. Acresce-se a isso o fato de, por não admitir
nada que O supere (com exceção do próprio Deus), quer
em forma, quer em outra qualquer qualidade (geralmente humana), a forma
concebida pelo homem para o Deus de sua compreensão é a dele
próprio, ou seja, humana, com gostos e paixões humanas. No
segundo caso, ao serem atribuídos a Deus sentimentos humanos, impõem-se
ao homem limitações de conduta, o que se por certos aspectos
circunscrevem-no a algumas regras e normas etológicas, por outros,
impedem-no de evoluir em toda a sua plenitude. Como conceber um Deus irado
e punindo as criaturas por ele criadas, e que, segundo os conceitos religiosos
ocidentais, o foram para sua glória e satisfação? Como
conceber um Deus vingativo pronto a infligir cruciante agonia a seres humanos,
limitados por suas próprias naturezas, e por isso basicamente falíveis
e suscetíveis a toda sorte de equívocos? Ora, se Deus criou
o homem com todas essas mazelas, as próprias mazelas humanas são
responsabilidade de Deus, posto que Ele não poderia criar umas coisas
e deixar de criar outras. Honestamente, eu não consigo enxergar nada
de glorioso e de satisfatório nisso.
Esses
conceitos antigos (e outros piores) sustentados em épocas remotas,
parecem, em alguma medida, ter-se diluído no tempo; mas tais idéias,
lamentavelmente, ainda encontram seguidores nos tempos que correm. Só
o próprio tempo fará o homem compreender, que a busca de deus
fora jamais alcançará êxito. Fora é
a ilusão, a dor, o descaminho. É a (in)compreensão
do deus que odeia, que pune e que se vinga. Fora são os deuses coletivos,
criados coletivamente pelas mais diversas coletividades para fins tanto
individuais como coletivos. Dentro é a luz, a harmonia, a compreensão,
a verdade (relativa). É o Deus impessoal. Nem bom nem mau;, nem justo
nem injusto; nem isso nem aquilo. É o Deus que é. É,
e nada mais. É como sempre foi e será. É. Só
que precisa ser sentido, construído e realizado individualmente.
Logo, não pode haver um único Deus, ainda que todos os Deuses
sejam UM.
No
capítulo 6, o Filósofo místico, humildemente, declarou
sua ignorância a respeito de sua origem; considerou-se num dilema
quanto à sua existência, pois não soube como denominá-la,
se vida mortal ou morte vital, e passou a descrever os anos verdes
de sua vida. O
Santo permanentemente demonstrou uma insatisfação quanto ao
seu desconhecimento a respeito de sua origem pretérita. E pergunta:
E antes deste tempo, que era eu, minha doçura, meu Deus? Existi,
porventura, em qualquer parte, ou era acaso alguém? Aqui se
manifesta a grande dúvida de todo o ser consciente de suas limitações
e de sua relação para com a inexistência do tempo e
a ilimitabilidade do cosmos: quem é, de onde vem, para onde vai?
Esta tríade de dúvidas acompanha, acompanhou e, provavelmente,
acompanhará o homem enquanto homem. Talvez, apenas, por sua própria
elevação, possa ele ter acesso à resposta que tanto
o crucifica e que tão doridamente o fere em sua pequeneza mortal
e falível. Entretanto, não serão tais dúvidas
os cravos da evolução própria do homem? Não
terá o homem que vencer e se superar para merecer o encontro com
o Deus de sua compreensão? Sua própria permanência na
malha da temporalidade não fará parte do aprendizado que conduz
à intemporalidade? Não é o próprio Deus intemporal,
e não será, teologicamente, Seu propósito permitir
ao homem manifestar-se Nele e com Ele na intemporalidade, no Tav
da humana experiência?
No
capítulo 10, Santo Agostinho deu uma tocante demonstração
de caridade, amor e fraternidade quando solicitou ao criador: Examinai,
Senhor, estas fraquezas com um olhar de compaixão. Socorrei-nos,
nós que já Vos invocamos, e socorrei também os que
ainda Vos não invocam, a fim de que eles também Vos invoquem
e sejam libertados. O
Filósofo não quer Deus só para si, e, por isso, mui
justamente, teve seu nome inscrito no cânon dos santos católicos.
O ciúme e o egoísmo são, pois, coisas que não
moram no coração daqueles que procuram padronizar sua vida
segundo aquilo que acreditam ser a senda para a Luz. Santo Agostinho, ao
escrever as Confissões, certamente já tinha expungido
(se algum dia chegou a tê-las) essas imperfeições. A
humildade em Santo Agostinho é uma constante presença, quer
confessando seus erros, quer considerando-se o mais iníquo dos homens:
Digo e confesso, diante de Vós, meu Deus, estas fraquezas... Que
coisa houve mais corrupta aos vossos olhos do que eu?
Enfim,
no Magnificat, o Santo, depois de confessar muitos dos seus pecadilhos
da infância, declara-se ... sensível à amizade...
(fugindo) à dor, à objeção, à ignorância...
e, realista consigo próprio, depois de uma auto-análise e
de uma reflexão profundas, mais uma vez, humilde, defere ao Criador
a posse de todas as suas qualidades, afirmando: Tudo eram dons do meu
Deus... Graças Vos sejam dadas pelos dons que me concedestes. Conservai-mos.
Livro
II: Os Pecados da Adolescência
Neste
livro, o Santo filósofo recorda suas torpezas passadas... as
depravações carnais e os descaminhos de sua adolescência
onde prevalecem, em muitas ocasiões, o prazer de praticar o mal.
O prazer pelo prazer. Segundo
os tradutores da obra, as lembranças e as reminiscências (não
no sentido platônico) ora relatadas, passaram-se quando Santo Agostinho
estudava em Madaura (atual Argélia). O relato traduz e exemplifica
a crise de identidade pela qual passam, mais ou menos intensamente, todos
os adolescentes. Os tradutores referidos, acertadamente, observam ser um
período de ofuscamento da razão e dos valores espirituais,
substituídos pelo despertar impetuoso dos instintos. É,
por assim dizer, uma quadra em que se alternam sombras e trevas. É,
para muitos, um período difícil de ser ultrapassado, pois
os apelos do corpo, que sugam praticamente toda a energia vital disponível,
enfraquecem a vontade e anestesiam a inteligência. O próprio
Santo pergunta: Que coisa me deleitava senão amar e ser amado?
E, mais adiante, confessa:
Arrojava-me,
derramava-me, espalhava-me e fervia em minhas devassidões... Fervia...
seguindo o ímpeto da minha torrente... e transgredia todos os mandamentos.
Ignorante, precipitava-me tão cegamente que, entre os companheiros
de minha idade, me envergonhava de ser menos infame do que eles.2
No
capítulo 4, acredita-se que Santo Agostinho foi duro demais consigo
dando ênfase ao roubo de umas poucas pêras. Apesar de declarar
que as furtou pelo prazer de furtar, pois possuía aqueles frutos
em maior quantidade e em melhor qualidade, este é um ato menor se
comparado a outros anteriormente relatados. Fará, por exemplo, muito
maior maldade o que retirar uma simples agulha de uma costureira que vive
do seu trabalho. Pêras? Mas, aquele que é misticamente tocado
pelos raios gloriosos da Luz do Altíssimo, como foi o entendimento
de Santo Agostinho, torna-se severo consigo. E o que é banalidade
para tantos passa a ser uma mácula na alma santificada. Observa-se
tal comportamento ao longo das Confissões de Santo Agostinho.
Santo
Agostinho acreditou que a causa do crime, do pecado, origina-se no
desejo de serem alcançados alguns bens a que chamamos ínfimos,
ou o medo de os perder, e diz que nem mesmo Catilina amou seus crimes,
mas aquilo por cujo fim os cometia. É a ilusão do homem que,
ao canalizar suas forças para o acúmulo de tesouros terrenos,
confunde seus sentimentos e acaba por, muitas vezes, (in)voluntariamente,
levando-o a praticar atos de vandalismo, de incúria, de injustiça
e outros piores. Assim, valorizando o que não tem valor e, ao contrário,
não dando valor ao que é puro e eterno, vai o homem, de crime
em crime, caminhando pela noite de sua ignorância. E foi certamente
para que todos que viessem a ler suas Confissões acordassem
desse sonho inverossímil e impudente que o Bispo Hiponense as concebeu.
Haverá maior humildade do que essa?
Ao
discutir a alegria do mal, o Santo faz algumas advertências profundas
que merecem ser reproduzidas: A
ignorância e estultícia se encobrem sob o nome de simplicidade
e de inocência. À preguiça parece apetecer apenas o
descanso. A luxúria deseja apelidar-se saciedade e abundância.
A prodigalidade cobre-se com a sombra da liberalidade. A avareza quer possuir
muito. A inveja litiga acerca da ‘excelência’. A ira procura
a vingança. O temor, enquanto vigia pela segurança das coisas
que ama, detesta os acontecimentos insólitos e inesperados que lhes
sejam adversos. A tristeza definha-se com a perda dos bens em que a cobiça
se deleita.
Essas
são algumas maneiras de pecar da alma no entender do filósofo.
Obviamente há outras, e até piores. Sempre
que o ser escolhe voluntária ou involuntariamente o caminho das trevas,
o faz por uma necessidade de auto-afirmação, de independência,
desejando superestimar e satisfazer os apelos do ego. Na transgressão
dos preceitos religiosos o homem tenta imitar a atividade do Criador. O
pecado é, por assim dizer, uma deturpação da via virtuosa,
desarmonizando e incompatibilizando o transgressor com a Consciência
Universal. O pecado assemelha-se à tentativa malograda de se pretender
unir dois pólos semelhantes de um corpo ferromagnético. Uma
e outra nada produzem de efetivo, de útil, de harmônico, e
que sirva de base a algo de concreto. A repulsão dos pólos
semelhantes de dois imãs exemplifica o mesmo estado em que se encontra
a alma do pecador perante Deus. O homem para aproximar-se do Deus de seu
Coração tem que primeiro se purificar de suas faltas e compreender
que na vida disssoluta só há ilusões, dor, doença,
tristeza. A ausência da Luz produz um vácuo no ser que nem
com todas as lágrimas derramadas será preenchido. Fora de
Deus in Corde, nada. Com Deus e em Deus in Corde, tudo!
Por
isso, é fundamental a quem aspira se manter ou participar da vida
virtuosa, cuidar das companhias e dos lugares que freqüenta. Muitos
atos sórdidos não seriam praticados pelos homens se não
tivessem sido catalisados pela sociedade, pelos falsos amigos, pelos programas
de televisão de baixo nível moral, pelos filmes abjetos, pela
literatura imunda que atualmente circula livremente, pelo exemplo degradante
que políticos, empresários, autoridades e Governo dão
ao povo; enfim, muita desgraça e infâmia seria evitada se o
homem se voltasse para seu interior, e lá buscasse encontrar o mundo
de Luz – o céu – de que falou Jesus, o Cristo. Santo
Agostinho reconhece também que se estivesse absolutamente só
não teria cometido o furto das pêras anteriormente aludido.
O
que se pode concluir dos dois primeiros livros das Confissões
é o delineamento do auto-retrato de Santo Agostinho narrado com extrema
beleza e emoção, onde se observa, como ele próprio
relata, um dos mais renhidos episódios de luta de conversão.
É considerada uma obra-prima do Cristianismo, verdadeira fonte
de inspiração para todos que a lerem, sejam ou não
cristãos.
Neste
livro, o Bispo de Hipona descreve sua vida em Cartago e sua passagem pelo
Maniqueísmo. Confessa suas desvergonhas e delas se envergonha. Fala
de seus amores, de sua vida dissoluta, luxuriosa, de seu gosto pelos espetáculos
teatrais e faz uma análise do gosto mórbido do homem em assistir
a cenas que, geralmente não admite suportá-las na vida real.
Tal identificação do homem com essas coisas dá-se pelo
estado inflamatório e doentio de sua alma. A alma sã jamais
é atraída para esse tipo de espetáculo. Por isso, é
incomensuravelmente louvável e bela a luta do homem Agostinho, contra
toda a torpeza, imundície e podridão em que estava mergulhado.
Foi, depreende-se, uma luta encarniçada, cujo prêmio pela vitória
foi a Illuminação de sua alma. O anjo venceu o lobo
interior.
No
capítulo 4, Santo Agostinho relata que ao estudar eloqüência,
entrou em contato com o livro Hortensius, de Cícero, que contém
uma exortação ao estudo da Filosofia, sob a forma de
diálogos. Chegaram aos nossos dias apenas fragmentos dessa obra.
Tal livro causou profunda impressão no jovem Agostinho que à
época contava dezenove anos. Eis seu relato:
Ele
[Hortensius] mudou o alvo das minhas afeições, e
encaminhou para Vós, Senhor, as minhas preces, transformando as minhas
aspirações e desejos. Imediatamente se tornaram vis, a meus
olhos, as vãs esperanças. Já ambicionava, com incrível
ardor do Coração, a Sabedoria imortal. Principiava a levantar-me
para voltar para Vós.3
Do
Hortensius, decidiu Santo Agostinho estudar a Sagrada Escritura,
e acabou por considerar seu estilo indigno, [se comparado]
à elegância ciceroniana. E é seduzido pela doutrina
maniqueísta, que virá também a lamentar: Ai! Ai
de mim! Acreditei nos erros dos maniqueístas.
No
final da análise do Livro II afirmou-se: Fora de Deus in Corde,
nada. Com Deus e em Deus in Corde, tudo! No capítulo 7 do
Livro III, objeto da presente análise, Santo Agostinho escreveu:
O mal é apenas a privação do bem, privação
cujo último termo é o nada. Tanto um como outro pensamento
refletem o mesmo princípio, que ainda, por outras palavras, sustenta
que as trevas nada mais são do que a ausência da Luz, ainda
que tenham existência real e produzam o mal. Evidentemente, tal princípio,
profundamente místico, filosófico e até esotérico,
não teria sido compreendido por Agostinho maniqueísta que
chegou a confessar: Se algum esfomeado, que não fosse maniqueísta,
me pedisse de comer, o dar-lhe algumas migalhas quase me parecia merecer
a pena capital. Portanto, Santo Agostinho tornou-se mais um exemplo
de que, longe da Luz todos os atos e todos os conceitos são obscuros,
deformados e parciais. E tornou-se um exemplo também, de que, quando
há sinceridade de propósitos, a Luz brota e enche o Coração
do buscador. O carro, no entanto, não passa jamais à frente
da parelha de bois. Há tempo para tudo; e o tempo era ainda de fé
em Maniqueu.
O
Bispo Hiponense continua sua confissão. Foram nove anos de ilusões,
de erros e de escuridão. Nessa época era ele professor de
retórica, e também por essa época vivia em companhia
de uma mulher que não havia sido reconhecida em matrimônio,
mas como ele próprio afirmou, era-lhe fiel e só a ela dedicava
seu amor.
Apesar
de ainda palmilhar um caminho tortuoso, Santo Agostinho, pelas suas declarações,
buscou sempre a estrada da sabedoria e da perfeição. Nisso
assemelhou-se a Confúcio, que ensinou: Um homem perfeito põe
em primeiro lugar o que é mais difícil, isto é, a vitória
sobre suas paixões.
Também
no episódio do feiticeiro que mandou lhe perguntar que estipêndio
lhe pagava para fazê-lo vencedor (a expensas do sacrifício
de animais) do concurso de poesia dramática e veementemente repelida
pelo Santo, observa-se uma profunda repulsa pela oferta, pois sabia que:
as riquezas e as honrarias obtidas por meios escusos parecem... ser
como nuvens que flutuam no ar.
Sua
alma, contudo, continuava dilacerada e não havia sossego e paz em
seu coração. Sobre essa fase ele revela: Não descansava
nos bosques amenos, nem nos jogos e cânticos, nem em lugares suavemente
perfumados, nem em banquetes faustosos, nem no prazer da alcova e do leito,
nem finalmente nos livros e versos.
O
homem, nessas circunstâncias, sente-se desamparado e só. Nada
o conforta; nada o alegra. É um sentimento de vazio que parece não
ter fim. Tudo são trevas. É noite. É a noite mais longa
da humana existência. É a Noite Mística da Alma. Santo
Agostinho não se refere especificamente à Noite Negra, mas
já a esta altura das suas Confissões são vislumbradas
e percebidas indicações de que o Santo relatava (antonianamente)
seu conticinium, eis que tudo o horrorizava, até a própria
luz.
Neste
livro, o Hiponense recorda o tratado De Pulchro et Apto (Do Belo
e do Conveniente) escrito por volta de 380 e hoje perdido. No seu entendimento,
o homem só consegue amar o que é belo. Beleza e amor estão
um para outro, assim como o perfume está para a flor. Em uma palavra,
o belo foi por ele definido como o que agrada por si mesmo; e o
conveniente, o que agrada pela sua acomodação a alguma
coisa. O tratado em referência foi dedicado a Hiério,
nascido na Síria, mas admirável orador na língua latina.
Finalmente,
neste Livro, no Capítulo 16, recorda as Dez Categorias de Aristóteles,
Præedicamenta para os latinos de então, por representarem
os predicados que se atribuem ou podem atribuir-se a um sujeito, e
dá um exemplo para cada uma delas: Substância (o homem); Qualidade
(qual é a sua figura); Relação (parentesco de quem
é irmão); Quantidade ou Estatura (quantos pés mede);
Ação (se faz alguma coisa); Paixão (se padece); Lugar
(onde se acha); Tempo (quando nasceu); Estado (se está de pé
ou sentado); e Hábito (se está calçado ou armado).
Acabou
por concluir que a leitura e o entendimento de as Dez Categorias não
lhe serviram de nada, pois mesmo a perfeita compreensão dessa obra
e de outras tantas que estudou não o impediu de errar na Ciência
da Religião com sacrílegas e deformantes torpezas.
O que Santo Agostinho acaba por inferir, é que o amor a Deus é
fundamental e o caminho do retorno não cobra diplomas universitários
ou habilidades especiais. A cultura de cada um e a especialização
que possa ter só servem se utilizadas dinamicamente em prol do bem
e da sociedade. O homem só encontrará paz, luz e verdade (relativa)
quando e se voltar sua face para o Deus de seu Coração. A
reintegração só pode ser operada nessa base, e tendo
por premissa, como disse o Santo, a caridade e a fé.
Livro
V: Em Roma e em Milão
Santo
Agostinho inicia este livro oferecendo suas Confissões a
Deus. Textualmente escreveu: Recebei o sacrifício das ‘Confissões'.
Entretanto, não há sacrifício mais purificador e gratificante
para o homem consciente do que se confessar a si mesmo e ao Deus de sua
compreensão, pois é nesse instante que, tomado de total lucidez,
ele reconhece sua fragilidade, suas faltas e sua podridão. Confessar-se
é reconhecer-se menor, humilde, em débito. Confessar-se é
desejar voltar. É arrepender-se sinceramente. É estabelecer
o firme propósito de não reincidir nas faltas cometidas no
passado. Confessar-se é desejar voltar para Deus, viver em Deus e
para o Deus de seu Coração. Confessar-se é estar com
Deus no Coração. Confessar-se é reconhecer-se um pequeno
grão de areia. É um sacrifício que lava a alma nas
lágrimas do arrependimento. Confessar-se é renascer em Deus
criado alquimicamente no Sanctum
Cordis.
No
capítulo 3, o Santo volta-se contra o Maniqueísmo e afirma:
... dizem-se sábios [os maniqueístas] e atribuem
a si próprios o que é Vosso. Por isso desejam, com tão
perversa cegueira, atribuir-Vos as suas mentiras, a Vós, que sois
a Verdade, e mudar a ‘glória de um Deus incorrupto na imagem
e semelhança do homem corruptível, na das aves, quadrúpedes
e serpentes’. Convertem a vossa verdade em mentira... São
as primeiras desilusões do Santo com a seita de Maniqueu. É
o início da volta.
Observa
que Maniqueu foi surpreendido ao falar erroneamente sobre o céu,
os astros e os movimentos do Sol e da Lua, fato que isoladamente não
é importante, mas que passa a ser gravíssimo quando atribuído
a Deus, pois tentou fazer crer que o Espírito... habitava pessoalmente
dentro dele, com toda a plenitude do seu poder. Tal fato demonstra
que quando o homem se deixa alcançar pela vaidade, esta, embalada
pela ignorância, projeta o homem no ridículo, comprometendo-o
perante a sociedade. Se, por um lado, isso é um mal, no caso do Hiponense
foi um bem, pois, de desilusão em desilusão, fê-lo crescer,
meditar e reavaliar seu relacionamento com o Maniqueísmo. Quem ganhou
foi a Humanidade ao herdar o pensamento agostiniano, pérola da filosofia
medieval. Há males que vêm para bem... Talvez
o ápice da desilusão de Santo Agostinho com o Maniqueísmo
tenha se dado a partir de seu encontro com Fausto, um dos próceres
da seita, que se demonstrou totalmente incapaz de elucidá-lo em suas
dúvidas e problemas.
Assim,
desiludido e triste, parte para Roma, em busca de sossego para estudar e
lecionar retórica. Em Cartago isso não era possível
devido à completa falta de educação e sem-cerimônia
da juventude da época. A capital do império romano também
oferecia maiores possibilidades de lucro e conferia maior dignidade, razões
que também moviam o espírito do Hiponense.
Na
análise do Livro I abordou-se rapidamente a questão do conceito
antropomórfico de Deus. Essa involuntária dificuldade agasalhada
por Santo Agostinho aparece clara no segundo trecho do capítulo:
Parecia-me
muito vergonhoso acreditar que tínheis uma figura de carne humana
e que éreis contornados pelos traços corporais dos nossos
membros. Porém, o principal e quase único motivo do meu erro
inevitável era quando desejava pensar no meu Deus, não poder
formar uma idéia Dele se não Lhe atribuísse um corpo,
visto parecer-me impossível que houvesse alguma coisa que não
fosse material.4
Essa
aflição continua nos dias de hoje e atormenta a mente dos
mais diversos e sinceros buscadores da Luz Divina. A visualização
de um Deus criado à imagem e semelhança do próprio
homem parece facilitar a oração e o contato com o Deus infinito
que cada homem deseja e pretende, à sua maneira, encontrar e alcançar.
E tal qual Santo Agostinho, passam muitos um bom pedaço da existência,
cativo[s] e sufocado[s] por imagens materiais.
De
Roma segue para Milão. Corria o ano 384. Em Milão conhece
Santo Ambrósio e depois de ouvi-lo inúmeras vezes pregar ao
povo, abandona o Maniqueísmo e faz-se catecúmeno na Igreja
Católica.
Logo
no primeiro parágrafo, o Santo revela uma aguçada sensibilidade
quando declara que ao caminhar por trevas e resvaladouros [procurava
Deus] fora de mim, sem descobrir o Deus do meu Coração.
(Grifo meu.) Essa
talvez seja a maior verdade e a mais profunda demonstração
de humildade que um místico pode oferecer. Santo Agostinho a ofereceu.
Quando o postulante alcança a compreensão do verdadeiro significado
da expressão Deus do meu coração é
certo que vive em humildade, tolerância e fraternidade.
Cada
homem, em cada parte do mundo – independente de raça, credo,
cor, posição sócio-econômica etc. – dentro
de suas limitações de cultura, lugar de nascimento e outras
variáveis, visualiza Deus de uma forma particular e peculiar. A padronização
e uniformização são impossíveis. É como
se desejar que uma criança tenha a compreensão da política,
das relações norte-sul e leste-oeste, dos problemas sociais
de um Estado, igual a de um adulto. É como, enfim, desejar que uma
criança compreenda Deus como um adulto, ainda que seja perfeitamente
possível que uma criança compreenda Deus de uma maneira mais
concertada do que um adulto. A compreensão e a realização
de Deus evolui no homem. O conceito de Deus não é estático;
ao contrário, é dinâmico. Da mesma forma, a compreensão
de Deus de 2000 anos atrás não era a mesma de hoje. O que
não mudou foi a antropomorfização de Deus. Seja como
for, a busca não pode ser dirigida ao Deus do amigo querido, nem
da religião dominante. Ela tem que se orientar para o Deus interior
que habita no Céu individual de cada homem. E, quando cada um tiver
construído e realizado seu Deus interior, não haverá
mais um Deus em cada Coração, pois deixará de existir
multiplicidade na compreensão da Unidade. Terá, então,
sido concluída a Obra, ainda que não possa existir jamais
uma conclusão definitiva para nada, pois a Espiral é ilimitada,
e, assim sendo, não tem fim (como nunca teve começo). Contudo,
nessa etapa, os homens estarão todos integrados e haverá um
único Deus e um só Coração. Esta é, em
certo sentido, uma possível explicação para o conceito
de que somos todos um.
Acredita-se
que um outro fato singular na vida de Santo Agostinho tenha sido sua permanente
confissão de dúvida, em tudo à maneira dos Acadêmicos,
e que ele, no entender deste estudante, erradamente, em função
disso, julgava impossível encontrar o caminho da vida. Foi
exatamente a dúvida que o afastou da vida dissoluta. Foi exatamente
a dúvida que o afastou do Maniqueísmo. Foi pela dúvida
torturante que se santificou e consagrou sua vida à busca da Verdade
(relativa) e que acabou por encontrá-la em seu Coração.
Dúvida é inconformismo. Inconformismo é busca. Busca
é pesquisa, é luta, é consagração a um
ideal. E, por tudo isso, pela perseverança, é que as portas
vão se abrindo e a Luz, brilhando mais intensamente no Coração
do aspirante. Em Santo Agostinho ela brilhou completamente, e ele foi contemplado,
pelo esforço e pelo mérito, com a plena Iluminação.
A
essa altura das Confissões, o Santo começa a demonstrar
que o conceito antropomórfico de Deus, mantido até então,
começa a se desvanecer e a dar lugar a um entendimento menos material
e mais espiritual, apesar de ainda não compreender exatamente como
é que o homem poderia ser imagem [de Deus]. Ele mesmo
declarou: Rejubilava por não existir entre a Sua doutrina tão
sã o erro de Vos circunscrever, ó Criador de tudo, sob a figura
dos membros humanos, a um espaço que, apesar de sumo e amplo, seria,
contudo, limitado.
O
véu começava a ser removido, e o Santo principiava a adentrar
nos mistérios pela leitura dos antigos escritos da Lei e dos
Profetas.
Uma
observação profundamente interessante é feita no capítulo
11: Adiava de dia para dia o viver em Vós. Desejando a vida
feliz, temia buscá-la na sua morada. Essa parece ser uma atitude
muito comum e corriqueira, eis que as pessoas, geralmente, não têm
a força suficiente para se afastar da ilusão que os sentidos
proporcionam. São as ilusões dos alimentos apetitosos; são
as ilusões dos espetáculos anestesiantes da mente e indutores
de sentimentos vis; são as ilusões do sexo desregrado e obsceno
que oferecem prazer apenas no instante orgástico; são as ilusões
do poder que conduzem às mais variadas formas de autoritarismo; são
as ilusões impostas pela sociedade, obrigando ao consumo estéril
e desnecessário; são as ilusões dos reality shows,
do tipo Big Brother Brasil (que já está na sétima
edição!) e congenéricos; enfim, são as ilusões
de toda sorte que encontram guarida na mente fraca daqueles que, ainda embriagados
no e pelo dia-a-dia da existência, não encontram força
para vencer suas paixões, suas fraquezas e suas misérias.
Santo Agostinho confessou algumas dessas ilusões, mas venceu e se
tornou modelo de perseverança e força interior, pois, a exemplo
de Sócrates (que foi obrigado pelos tiranos da época a beber
cicuta), acabou por se abster de toda a ação ímpia,
injusta e reprovável, não só em presença dos
homens como também na sociedade.
|
Sócrates
no Leito de Morte
(Jacques-Louis David, 1787) |
Livro
VII: A Caminho de Deus
O
Santo de Hipona inicia este livro confessando, novamente,
sua dificuldade em conceber e entender a manifestação do Deus
Infindo de sua humana compreensão. Apesar de afirmar sempre ter fugido
à concepção de Deus sob a forma de um corpo humano,
necessitava, contudo, de ... imaginá-[Lo] como sendo
alguma coisa corpórea. Na verdade, Santo Agostinho não
conseguia imaginar Deus de outro modo. Desejava livrar-se do conceito antropomórfico,
mas não conseguia. Provavelmente, o Santo, naquela ocasião,
ainda não tivesse se apercebido e também vivenciado, que Deus
– o Deus de cada Coração a que ele mesmo se referiu
– não está fora, mas dentro de cada um. É, portanto,
antes de qualquer especulação, um estado próprio que
cada consciência individual alcança, experimenta e registra.
A permanência nesse estado depende de cada um, da sinceridade e do
mérito de cada ser-no-mundo. A senda é estreita,
tortuosa e longa. O prêmio, a conquista definitiva, é a reintegração,
ainda que a própria idéia de prêmio seja hipoteticamente
errônea e inverossímil. Assim, apesar de ter se referido ao
Deus do seu Coração, faltava-lhe perceber, talvez, que cada
criatura concebe um Deus de acordo com sua cultura e sua própria
consciência de Deus, ou seja: de acordo com seu grau de compreensão
de toda essa especulação metafísica. A própria
existência do Deus de todos os Corações, de todo o cosmos,
não era, não é e não será afetada por
isso. Todos, porém, no devir da existência estão caminhando
para a regeneração e para a reintegração com
e em seus Deuses. Certamente, Santo Agostinho acabou por compreender isso.
Outro
aspecto interessantíssimo desta obra é o que aborda a fraqueza
da Humanidade – na pessoa do Santo – e a consciência em
transigir com o opróbrio. Nesse sentido, ouça-se o Hiponense:
Quanto ao que fazia contra a vontade, notava que isso era antes padecer
[o mal] do que praticá-lo. Quantas e quantas vezes
o homem está a praticar determinada ação sabendo que
é má e abjeta, como categoria meramente humana, se continua
a praticá-la? O saber que é abjeto não é, como
diz o Santo, uma espécie de punição? Ou será,
talvez, a prisão do homem nos tentáculos de sua própria
e negra ignorância? O que será realmente? Ora, precisamos compreender
que todas as categorias vinculadas ao bem e ao mal (e todas as outras) são
construções do intelecto que têm a finalidade de explicar
o inexplicável por meio de explicações racionais e
objetivas, e de bussolar o ente (que busca o Bem e a Beleza) em direção
àquilo que ele entende como o Bem e a Beleza universais.
Quando
há a prática do erro concomitantemente com a consciência
plena do erro e com um sentimento de dor, desonra, vergonha e verdadeiro
desespero pelo ato cometido, associado, ainda, à vontade de continuar
a cometê-lo, num verdadeiro tumulto da alma... Então é
noite! Noite Negra, Noite Tenebrosa, Noite Obscura, Noite Caliginosa. Tudo
é treva. A Luz não brilha. Ultrapassar a Noite é preciso.
Vencê-la é imperativo. A consciência desse episódio
na experiência da humana existência facilitará a batalha
interior que cada um, oportunamente, terá que empreender. Terá
o homem também que compreender que o mal só existe em seus
atos, em sua ignorância a respeito das leis universais como práticas
equivocadas. O mal não tem existência na atualidade cósmica;
é, antes, no palco das humanas realidades, a ausência do bem,
ou a ausência da manifestação ou da percepção
da harmonia existente e presente em todo Universo. O verdadeiro Prazer,
por assim dizer, só é alcançado no Orgasmo Cósmico
com a alma em estado de androginia. O resto é ilusão. E é
por causa dessa ilusão (já comentada anteriormente) que o
homem, afastado de seu Deus interior, quer encontrá-Lo lá
e acolá, quando Ele está tão próximo. Mas, tropeçando
aqui e ali, vai o homem crescendo e se tornando iluminado. Assim, tropicando
ali e aqui, o Hiponense foi se aproximando do seu Deus. E a Illuminação
vai propiciando pérolas de conhecimento que só uma vida santificada
pode colher e oferecer. Eis alguns fragmentos dessa Illuminação:
Com a vista da minha alma, vi, acima dos meus olhos interiores e acima
do meu espírito, a Luz Imutável... Quem conhece a Verdade
conhece a Luz Imutável, e quem a conhece, conhece a Eternidade...
Em absoluto, o mal não existe... A criação, em conjunto,
vale mais que os elementos superiores tomados isoladamente... Não
há saúde naqueles a quem desagrada alguma parte da Vossa criação...
Descobri a imutável e verdadeira Eternidade por cima da minha inteligência
sujeita a mudança...
Experimentei a certeza de que existíeis e éreis infinito,
sem contudo Vos estenderdes pelos espaços finitos e infinitos. Sabia
que éreis verdadeiramente Aquele que sempre permanece o mesmo, sem
Vos transformardes em outro, quer parcialmente e com algum movimento, quer
de qualquer outro modo.
Reconhece-se
nas conclusões acima alcançadas por Santo Agostinho a Luz
brotando em um homem que percorreu e experimentou tudo o que o mundo podia
oferecer. Roubo (ainda que meninil), luxúria, sedução
da astrologia, ambição de honras e riquezas, vaidade, soberba,
futilidade de glória, paixão pelos jogos, orgulho das vitórias
etc. Que
força interior deve ter possuído o homem Agostinho para ter
conseguido vencer todas as suas fraquezas! Quanto desprendimento ao confessar
seus desregramentos à Humanidade para, servindo de exemplo, estimular
e impulsionar aqueles que estão afastados de Deus, que O busquem,
ainda que lentamente, ainda que tenuemente! Que suma beleza sua vitória
sobre os apelos inferiores do corpo e sua posterior Illuminação!
O
que se pode depreender até o presente, é que as Confissões
de Santo Agostinho acabem por retratar um pouco (ou muito) de cada um de
quem as lê. E, se a hora chegou, pela leitura de cada um dos livros
que compõem a obra, um certo tipo de conversão de operará,
não necessariamente a uma religião específica, mas
representará, de certa maneira, para o ser em aflição,
o início de um retorno a uma vida mais pura, mais reta, e, conseqüentemente,
mais saudável, mais harmônica e mais espiritualizada. A volta,
geralmente, não é abrupta ou imediata; o maior exemplo foi
o próprio Hiponense.
A
conversão de Santo Agostinho não foi, então, abrupta.
Ao contrário, foi lenta, dolorida e arrastou consigo uma chuva
torrencial de lágrimas.
Parece
ser no choro incontido, oriundo da incontida tortura das lembranças
das faltas praticadas, das dúvidas, dos remorsos, da vergonha de
ter sido o que foi e da vergonha de não ainda ser o que deveria ter
sido, que o ser em confissão e já próximo da Illuminação
encontra algum alívio e algum conforto. O Santo passou por tudo isso
intensamente. Preso ainda às suas iniqüidades pretéritas,
onde se sentia ainda coagido a entregar-se à vida conjugal,
desesperado, retira-se para debaixo de uma figueira e clama: Amanhã.
Amanhã? Por que não há de ser agora? Porque o termo
das minhas torpezas não há de vir já, nesta hora?
O apelo de Santo Agostinho era certamente em função de todos
os erros praticados. Contudo, parece que o que mais o atormentou, pois talvez
tenha sido o que mais o teria dominado, foi a luxúria. Em várias
passagens das Confissões a ela se reporta confessando estar,
ainda, ferreamente acorrentado aos prazeres da carne. É o que o Santo
entendeu como a luta das vontades.5 Abaixo
se transcrevem alguns excertos dessa luta empreendida por ele:
Ora,
a luxúria provém da vontade perversa; enquanto se serve
a luxúria, contrai-se o hábito; e se não resiste
a um hábito, origina-se uma necessidade.
A
vontade... de Vos honrar... ainda não se achava apta para superar
a outra vontade, fortificada pela concupiscência.
Assim,
duas vontades, uma concupiscente... outra espiritual, batalhavam mutuamente
em mim. Discordando, dilaceravam-me a alma.
Essa
luta interior, que se travou em Santo Agostinho, ficou definitivamente exemplificada
na frase: Dai-me a castidade e a continência; mas não ma
deis já. Era o medo de se santificar 'antes da hora' e de se
curar da concupiscência sem antes tê-la aproveitado em toda
a sua ignomínia. Era o lobo vencendo o anjo. A vontade de servir
a Deus era ainda tíbia. A luxúria vencia ainda a castidade.
Caos interior.
E
a luta espiritual que Santo Agostinho travava nos seus trinta
e um anos acabou por se tornar violentíssima. A superação
dos desejos inferiores e os apelos da vida carnal estavam a ser vencidos,
expelidos e completamente expurgados. O lobo estava sendo dominado e o anjo
principiava a se fazer e ouvir. A meia-noite já havia passado e a
aurora lançava os primeiros raios de sol. E o sol interior começava
a brilhar no íntimo de Santo Agostinho. O Deus do seu Coração
principiava a se rejubilar. O filho, que já havia tomado o caminho
de casa, acelerava o passo e começava a correr. O tempo, para o Santo,
urgia, e o que era trevas, agora já se iluminava. A batalha final
para romper os últimos elos que o atavam à vida mundana estava
por se manifestar. O Santo dizia interiormente: Vai ser agora, agora
mesmo. Faltava muito pouco e o passo final parecia ser o maior. Hesitava
o Santo em morrer na morte ou viver na vida. Suas antigas amigas
de farra murmuram tentando-o: Então despede-nos... Nunca mais
estaremos contigo... Nunca mais será lícito fazer isto e aquilo.
Por outro lado a castidade argumentava: Sê surdo às
tentações imundas dos teus membros na Terra, para os mortificares.
Narram-te deleites, mas estes não são segundo a lei do Senhor
teu Deus. Estava,
enfim, como descrito anteriormente, o Santo sob a sombra de uma figueira,
no auge da dor e do desespero, travando a derradeira luta com o seu eu inferior,
quando ouviu uma voz vinda da casa próxima, cantando e repetindo:
Toma e lê; toma e lê. Não
identificava se era de menina ou de menino, mas intuiu que deveria abrir
o códice, e ler o primeiro capítulo que encontrasse.
Assim
fez o Santo imediatamente. Tomou as Epístolas de São
Paulo e leu em silêncio o primeiro capítulo que aleatoriamente
encontrou: Não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em
desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas; mas
revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação
da carne com seus apetites. Foi
o suficiente! Era o empurrão que faltava. E Santo Agostinho, que
um momento atrás se encontrava fraco em sua fé, agora tinha
se tornado forte para a eternidade. O desassossego terminara e já
não procurava esposa, nem esperança alguma do século...
A conversão definitiva tinha sido operada. Glória a Deus em
todos os recônditos lugares do Universo, pois mais um filho houvera
por bem se regenerar e acabara por se reintegrar ao rebanho dos filhos da
Luz. O Sol interior brilhou. As trevas foram dissipadas.
A
primeira conseqüência da conversão do Santo africano foi
o pedido de demissão da cátedra em Milão. Acreditava
que já não poderia mais se sentar uma hora na cadeira
da mentira. Ao
se retirar para Cassicíaco, hoje Cassago de Brianza, encravado nos
montes milaneses, meditou muito, e como bom e dedicado buscador chegou a
mais algumas lúcidas conclusões. Escolheu-se uma passagem
da obra, como símbolo de sua compreensão nova, que estava,
cada vez mais, a iluminá-lo na nova vida: Nos fantasmas que eu
tivera como verdade, só havia vaidade e mentira.
Até
quando viverão os homens em mentira e em vanglória? Até
quando, mortos, pensarão que vivem?
Chegou,
então, a época do filho de Santa Mônica inscrever-se
entre os catecúmenos. 387 era o ano; o mês, março. E
o que mais preocupava o Hiponense – sua vida desregrada e libidinosa
– desapareceu com o batismo. Ao ser simbolicamente abluído
por meio da água, seu ser foi purificado em todos os sentidos, segundo
os ritos da Igreja Católica, e, a partir desse instante, abandonou...
a preocupação da vida passada. Nascera, assim, definitivamente,
em Deus; no Deus de sua humana compreensão. Bendita seja tal compreensão,
que levou Santo Agostinho – como leva todo aspirante sincero –
ao supremo encontro com o Deus interno que habita no âmago de cada
criatura, em todos os quadrantes do Universo. Sua idade era 33 anos!
Deve
ser ressaltado também, agora já ao final da primeira parte
que, conforme o próprio Santo admite, por causa de sua pressa muitas
coisas [foram passadas] em silêncio. Ou seja, apesar
de a obra Confissões ser extensa e profunda, muitos aspectos
da vida do autor perpassaram rapidamente, enquanto outros não puderam
ser considerados.
Para
melhor servir a causa de Deus, e da Igreja que abraçara integralmente,
o Santo volta à África com sua mãe e alguns amigos.
Mas, na foz do Tibre, em Óstia, falece Santa Mônica a mãe,
a esposa modelar, a cristã de corpo inteiro. Como seu bendito filho
a enalteceu! Como a recordou! Como a amou! Em
Óstia também ocorreu um êxtase. Mãe e filho,
juntos, para além da ilusão dos sentidos e onde o tempo inexiste,
atingiram a sabedoria momentaneamente em um ímpeto completo dos
seus corações. Alcançaram, segundo descrição
do próprio Santo (110) o é, já que o ter
sido e o haver de ser não são próprios do Ser eterno.
Tudo isso antes do falecimento de Mônica.
De
certa maneira, explica-se tal fenômeno que filho e mãe vivenciaram
juntos. Mônica havia perdido o prazer e gosto pela vida. O mundo já
não a atraía. Seu desejo estava satisfeito: ver Agostinho
católico antes de morrer. Convertido o Santo, qual a vantagem
de permanecer viva, pensava Mônica. O êxtase, assim, explica-se,
quer sob o aspecto psicológico, quer sob o aspecto místico.
Foi, por assim dizer, uma despedida. Mãe e filho, como que conscientes,
uma do dever cumprido, outro de sua nova e definitiva missão, comungaram
de um estado superior de consciência só alcançado em
condições especiais por aqueles que consagraram sua vida e
toda a sua humana existência à santificação de
suas almas. A
morte, assim, passa a ser a suprema e última experiência, a
diplomação de toda uma vida dedicada à libertação
dos desejos do mundo inferior, para que possa ocorrer o místico Illuminar-se.
Nesse sentido, a morte então não existe. Mônica, talvez
intuitivamente, compreendesse isso. Talvez pressentisse que morrer é
nascer no seio do Deus de seu Coração. Talvez, então,
por isso, ansiasse por esse encontro. Pouco tempo depois o desenlace ocorreria.
Posteriormente haveria de receber da Igreja o título de Santa: Santa
Mônica.
Acalmado
o Coração pela morte prematura de Mônica (que faleceu
aos cinqüenta e seis anos), Santo Agostinho ora por sua mãe,
a mãe que tanto o amou e a quem ele tanto venerou.
Segunda
Parte: Confissão da Vida como Bispo de Hipona e Louvor a Deus
Livro
X: O Encontro de Deus
Na
segunda parte das Confissões, o Santo Hiponense não
mais se reporta aos desatinos de outrora; refere-se à vida que levava
presentemente ao elaborar a obra. Neste livro, o Santo analisa as funções
da memória ao mesmo tempo em que discute as seduções
da gula, da boa música, dos bons perfumes e das belezas naturais.
Em uma das notas, o tradutor das Confissões explica, em
função do primeiro apelo desta segunda parte – Fazei
que eu Vos conheça como de Vós sou conhecido –
ser esta a filosofia de Santo Agostinho: Que me conheça a mim,
que Te conheça a Ti, Deus, expressão retirada de Solilóquios,
Livro II, capítulo 1.
Na
medida em que o homem se conhece mais acuradamente a si mesmo – reconhecendo
suas fraquezas, suas misérias, suas covardias, suas transigências
– na medida em que procede a uma sincera auto-análise, acaba
por penetrar no santuário de sua alma, e, ali, passa a compreender,
a sentir e a participar de uma relação mais íntima
com o Deus de sua compreensão. Quer dizer, o autoconhecimento aproxima-o
da Verdade sempiterna.
O
Santo afirma neste livro que seus males passados estão perdoados,
eis que, por suas confissões, Deus esqueceu seus desregramentos de
antanho. Por isso, diz ter a alma transformada com o ... sacramento
[de Deus]. Nesta altura das Confissões, o Bispo de
Hipona revela a finalidade que as Confissões passa agora
a ter: O fruto das minhas ‘Confissões’ é ver
não o que fui, mas o que sou. ... Revelarei, pois, àqueles
a quem me mandais servir, não o que fui, mas o que já sou
e o que ainda sou. Quer,
humildemente, servir de exemplo aos homens. Exemplo nas ações
más, para que sejam evitadas; exemplo nos bons atos, para que sirvam
de conforto e estímulo.
No
capítulo VI, Santo Agostinho analisa e pergunta sobre a identidade
de Deus, que, pelo estilo literário estético, acabou por se
constituir em um dos mais importantes e famosos passos das Confissões.
Alguns excertos vão apresentados abaixo:
Quem
é Deus? Perguntei à Terra, que me disse: ‘Eu não
sou’... Interroguei o mar, os abismos, os répteis animados
e vivos, e responderam-me: ‘Não somos o teu Deus; busca-O acima
de nós.’ Perguntei aos ventos que sopram; e o ar, com os seus
habitantes, respondeu-me: ‘Anaxímenes está enganado;
eu não sou o teu Deus.’ Interroguei o céu, o Sol, a
Lua, as estrelas e disseram-me: ‘Nós também não
somos o Deus que procuras.’ Disse, então, a todos os seres
que me rodeiam as portas da carne: ‘Já que não sois
o meu Deus, falai-me do meu Deus, dizei-me, ao menos, alguma coisa d’Ele’.
E exclamaram com alarido: ‘Foi Ele quem nos criou.’6
Ora,
a verdade diz-me: ‘O teu Deus não é o céu, nem
a Terra, nem corpo algum.’ E a natureza deles exclama: ‘Repara
que a matéria é menor na parte que no todo.’ Por isso
te digo, ó minha alma, que és superior ao corpo, porque vivificas
a matéria do teu corpo, dando-lhe vida, o que nenhum corpo pode fazer
a outro corpo. Além disso, o teu Deus é também, para
ti, vida da tua vida.7
Vê-se
por essas conclusões a que o Santo chegou, que, conforme se disse
em outra parte desta monografia, que a antropomorfia de Deus já tinha
sido ultrapassada, e o Filósofo já entrara em outro nível
de compreensão e de realização do Deus infindo.
Com
o capítulo VIII, inicia-se uma série dedicada ao estudo da
memória. Abaixo estão transcritos alguns trechos que foram
considerados fundamentais na composição da obra.
É
lá [no palácio da memória] que me encontro
a mim mesmo, e recordo as ações que fiz... A memória
é como o ventre da alma... São quatro as ‘perturbações’
da alma: o desejo, a alegria, o medo e a tristeza... Quero alcançar-Vos
[ó Deus meu] por onde podeis ser atingido, e prender-me
a Vós por onde for possível... Passarei, então, para
além da memória, para Vos encontrar... A vida feliz consiste
em nos alegrarmos em Vós, de Vós e por Vós. Eis a vida
feliz, e não há outra. Os que julgam que existe outra, apegam-se
a uma alegria que não é verdadeira... A vida feliz é
a alegria que provém da verdade... [A alma] será
feliz quando, liberta de todas as moléstias, se alegrar somente na
Verdade, origem de tudo o que é verdadeiro... Onde encontrei a verdade,
aí encontrei o meu Deus, a mesma Verdade... Eis
que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos
como Ser Transcendente.
Já
foram feitas algumas referências à essa sublime compreensão
que levanta e Illumina o religioso que, por moto-próprio,
rompendo com todos os grilhões e lançando fora a canga da
ignorância, torna-se cósmica, religiosa e teologicamente uno
com a Mente que ele admite que o gerou, a Mente Suprema que ele acaba por
identificar dentro de si próprio. O que a Humanidade precisará
compreender, para que possa experimentar tal estado de consciência,
é que isso não é pré-determinado e destinado
a uns poucos escolhidos, mas direito de todo e qualquer existente humano
que, um dia, por mérito individual e exclusivo, terá, ou melhor,
poderá ter o Privilégio de desfrutar. Nesta altura, fazendo
um breve parêntese, é preciso ficar especialmente claro que
os caminhos da Illuminação interna de um Religioso
e de um Místico são parecidos, mas não são rigorosamente
iguais. Mas, isso importa? Penso que o que importe seja a sinceridade de
propósito, como foi, por exemplo, consabidamente, a sinceridade dos
padres do deserto – homens embriagados de Deus – grupo influente
de eremitas e cenobitas que se estabeleceram por volta do século
IV no deserto egípcio, e deram origem ao monaquismo oriental. Como
disse Santo Antão do Egito, o grande, o protótipo do recluso
e do herói religioso para a Igreja oriental: Não mais
temo a Deus, mas O amo.
Outro
ponto que merece uma observação sucinta, é o que se
refere à afirmação do Santo
que diz que a vida feliz provém do conhecimento da Verdade. Não
se pode olvidar que a Verdade, antes, a cada um e à Sociedade, aparece
como verdade, ou seja, relativa, fragmentada e limitada. Cabe, portanto,
a cada um e a todos, o dever de tolerar aqueles que ainda não se
aperceberam das presumidas Verdades por eles vivenciadas. Até porque,
outrossim, pode suceder que aqueles que são considerados hereges,
pagãos ou ímpios, podem, talvez, estar na posse de Verdades
mais abrangentes, mais transparentes e mais próximas da perpétua
e inalcançável Verdade Universal. Nesse sentido, tolerar é
preciso; com todos aprender, imperativo e sinal de inteligência. A
busca e o Grande Encontro com Deus (de cada Coração) passa,
inexoravelmente, pelas virtudes teologais, como também, pela humildade,
pela tolerância e pela fraternidade; superlativamente passa pela justiça,
e indubitável e obrigatoriamente pelo amor.
Um
exemplo marcante de que a Verdade, mesmo em Santo Agostinho, ainda quando
as Confissões estavam sendo escritas, não tinha sido plenamente
realizada, aparece na afirmação: Nos reveses, anseio pela
prosperidade, e nas coisas prósperas, temo a adversidade. Enquanto
o homem viver na tentação das ilusões deste mundo,
não viverá em Verdade, nem conhecerá a Verdade. E assim
ocorre, na luxúria, na gula, na embriaguez, na sedução
do perfume e dos olhos, na curiosidade, no orgulho, na paixão da
vingança, na tentação do louvor, na vanglória,
no amor-próprio e em tantas outras formas de tentação
tão bem analisadas pelo Santo Doutor de Tagaste. O insuperável,
o belíssimo, o digníssimo, o verdadeiro, o nobre e meritório
gesto de Santo Agostinho em dar divulgação formal e por escrito
às fraquezas e às misérias que por tanto tempo agasalhou,
e que tanto o afligiram e contra as quais tanto lutou, repete-se uma, duas
e mil vezes, só pode partir de um ser realmente puro digno e possuidor
de um férreo desejo de servir de exemplo por amor à raça
humana. É um desprendimento tal que, no mínimo, fará
ao mais insensível meditar sobre a vida que tem levado. Aos que já
se puseram em caminho e que compreenderam que devem resistir às
seduções dos olhos para que os pés... não fiquem
presos, a leitura das Confissões é o maior dos
incentivos e o mais vivo dos exemplos.
Finalizando
este Livro, Santo Agostinho refere-se a Jesus como verdadeiro Mediador,
enviado aos homens por Deus como intermediário entre os mortais
pecadores e o Justo Imortal.
Livro
XI: O Homem e o Tempo
Este
livro, basicamente, trata do Gênesis e analisa filosoficamente a essência
do tempo.
No
capítulo I, o Santo argumenta que, apesar de Deus tudo conhecer,
as Confissões têm por finalidade demonstrar e excitar
seu afeto para com o Criador e o daqueles que lêem estas páginas,
afim de todos exclamarmos: ‘Deus é grande e digno de todo o
louvor’. Mais
uma vez ficam patentes a inquietação e a preocupação
de Santo Agostinho para com os homens, como também – e ele
o declara – seu ardente desejo de amar Deus.
A
seguir, em outro ponto deste Livro, o Doutor de Hipona inicia a explanação
de seu entendimento do Gênesis, ou seja, de como, no princípio,
céu e terra foram criados. Para o Santo, todas as coisas existem
porque foram criadas, e nenhuma tinha existência pretérita.
Na teoria agostiniana, todas as criaturas, num dado instante, foram, por
Deus, tiradas do nada, passando, assim, a ter existência. E tudo ocorreu
pela Palavra criadora de Deus. No princípio, então,
a mente de Deus elaborou e permitiu que o Sagrado Som repicasse pelo Universo,
produzindo, criando... continuando a produzir e a criar. Se assim não
fosse, já haveria tempo e mudança, e não verdadeira
eternidade e verdadeira imortalidade. O Verbo de Deus, Sua Palavra
Sagrada, é, por assim dizer, o Princípio de tudo, quer sejam
coisas já viventes, quer ainda não.
Tal
Verbo, na concepção filosófica e mística de
Santo Agostinho, entretanto, neste caso particular, mais mística
do que filosófica, deve ser buscado dentro de cada homem –
que por Ele tendo sido criado, O contém – onde cada um aprenderá
com o bom e único Mestre, a todos ensinando, a todos amando,
a todos auxiliando.
Quanto
ao que Deus fazia antes da criação do Universo, o filósofo
doutor enfaticamente responde: Não sei.
Como qualquer elucubração nesse sentido é estéril,
fica-se, religiosa e teologicamente, com a humildade do Santo: não
se sabe. Entretanto,
pode-se, talvez, imaginar e especular que, se houve realmente um antes,
este tempo, provavelmente, constituiu-se de uma gestação,
uma elaboração minuciosa e detalhada, que, ao fim e ao cabo
produziu ordem, harmonia e múltiplo entrosamento. Acaso e improvisação
não se coadunam com perfeição, perenidade e organização
harmônica. Bem, isso em termos teológicos.
Parêntese:
Antes de se prosseguir com a análise das Confissões,
questiona-se a teoria agostiniana no ponto relativo à criação
a partir do nada. Fica a pergunta: Como o nada pode produzir alguma coisa?
Nada é nada, inexistência. A não ser que se argumente
que, por se admitir o nada, este já seja, então, algo em potencial,
o que, no fim, é um sofisma. A criação, o princípio,
é, de certa forma, um grande mistério. Pode-se, meditando,
intuindo e, num processo iluminante, conhecer-se apenas pequena parcela
do processo cósmico, eis que o homem enquanto homem, é falível
em sua percepção do particular, que dirá, na compreensão
do todo. Em certa medida, Xenófanes de Cólofon estava certo
quando disse: A opinião reina em tudo. Assim,
quando se questiona a teoria agostiniana da criação, não
se pretende desmontá-la ou demoli-la, porque apesar de se discordar
de como o Santo entendeu a origem das coisas, não se discorda de
como foi deflagrado o processo – caso este tenha se dado, caso, ciclicamente,
tenha havido um antes. Indubitavelmente, no princípio a
Palavra estava com Deus e era a própria Mente Cósmica. E ainda
é assim! Mas,
para haver outra opção é preciso oferecer-se uma hipótese
alternativa. Sucintamente, pode-se admitir que a energia universal tenha
sido constante desde o princípio. E, no princípio,
a Mente Cósmica, se considerada como transcendente, ordenou essa
energia primeva e fundamental. Tal ordenação harmônica
encaixa-se perfeitamente na doutrina agostiniana. Logo, a questão
do nada (que não existe e, por isso, nada pode gerar), sob esse ângulo,
desaparece, e o próprio processo da criação torna-se
teologicamente mais compreensível e aceitável. Reafirma-se,
entretanto, que esta é uma alternativa, esboçada de forma
sucinta, com a pretensão de ser tão-somente uma alternativa
para meditação e ponderação. Aceitá-la,
aprimorá-la, rejeitá-la ou qualquer outro posicionamento,
é prerrogativa de cada filósofo. Eu, particularmente, tenho
um entendimento completamente diverso de Santo Agostinho, já esboçado
em trabalhos anteriores.
Recordando
um pouco a Teoria da Relatividade de Albert Einstein (1879-1955), começo
perguntando: Afinal, o que é energia? Confesso que eu não
sei lá muito bem o seja. Mas, duas coisas parecem ser certas: 1ª)
A energia universal total não se altera um 'ésimo' ao longo
do tempo que não é tempo (Lei da Conservação
da Energia = A Energia Total do Universo Macro é permanentemente
igual a UM, ainda que ninguém possa saber o quanto dessa Energia
está condensada sob as mais variadas formas de matéria em
todas as dimensões de todos os Universos); 2ª) ao abrir uma
janela, a energia que 'surge' para que ela se abra é exatamente a
mesma que é removida do braço (músculos) de quem a
abre (este é um exemplo simples do Princípio de Conservação).
É claro, entretanto, que a energia envolvida em um ato de amor não
pode ser a mesma (não pode ter a mesma qualidade vibratória)
do que aquela veiculada em um ato de horror/terror. Abrir uma janela com
delicadeza é uma coisa; abri-la com violência é outra
bem diferente. E terrorizar... Bem, terrorizar é um terror! A coisa
toda – o incipiente princípio das lucubrações
relativísticas einsteinianas – começou em 1905 (o annus
mirabilis para Einstein). Segundo Sumaia Vieira et alii, em
1905, Einstein publicou um artigo sobre a Teoria da Relatividade Especial,
no qual, basicamente, estabeleceu os seguintes postulados: 1º - Todos
os sistemas de referência inerciais em movimento de translação
uniforme, uns em relação aos outros, são equivalentes
(Princípio da Relatividade); 2º - A velocidade da luz é
independente do movimento da fonte emissora. A partir desses postulados,
uma série de conseqüências novas na Física foram
deduzidas. Uma dessas conseqüências – a famigerada equação
E = mc2 – foi apresentada por Einstein também em
1905 em um artigo publicado na revista alemã Annalen der Physik
(Anais da Física), com o seguinte título: A Inércia
de um Corpo Será Dependente do seu Conteúdo Energético?
De um modo mais geral, podemos escrever a seguinte equação
para a energia de uma partícula livre: E = K + mc2, sendo
E a energia relativística, K a energia cinética da partícula,
m a sua massa de repouso e c a velocidade da luz no vácuo. Enfim,
o ponto crucial dessa equação é que, mesmo em repouso,
qualquer partícula possui energia E = mc2, a qual está
associada uma determinada massa. Assim, temos que substituir as leis clássicas
de conservação por uma única lei de conservação
da energia relativística total: a energia relativística total
de um sistema isolado permanece constante. Contudo, existe um engano largamente
difundido sobre a interpretação da famosa fórmula de
Einstein E = mc2. O Grupo de Ensino de Física da Universidade
Federal de Santa Maria oferece uma explicação muito interessante
sobre essa matéria. Transcrevo: Esta fórmula é freqüentemente
interpretada como significando que massa e energia podem ser convertidas
uma na outra, ou seja, que uma parte da massa de um corpo pode desaparecer
se no processo surgir uma certa quantidade de energia. Então, massa
e energia seriam grandezas não conservadas. Isto não é
verdade. Massa é a medida da inércia de um corpo. Energia
é a capacidade de realizar trabalho. O que Einstein mostrou na sua
Teoria Especial da Relatividade – e que é plenamente aceito
por todos os físicos e testado com grande precisão por um
sem-número de experimentos – é que se um corpo ganha
uma certa quantidade de energia E, sua inércia aumenta de uma quantidade
equivalente a E/c2 (onde c é a velocidade da luz no vácuo).
E inversamente, se um corpo perde uma certa quantidade de energia E, sua
inércia fica diminuída de uma quantidade equivalente a E/c2.
Neste sentido, e apenas neste sentido, é usual dizer que massa e
energia estão uma associada com a outra ou que existe uma equivalência
entre massa e energia. A noção incorreta de que massa pode
ser transformada em energia tem origem, provavelmente, nas descrições
populares dos processos de fissão nuclear, onde é colocada
ênfase no fato de que os fragmentos da fissão de um átomo
de urânio têm massa total menor do que a massa do átomo
de urânio original, enquanto que uma considerável quantidade
de energia parece ter surgido do nada (como energia cinética dos
fragmentos, energia da radiação eletromagnética etc.).
Considerando, assim, a existência de um Deus transcendente, as coisas
não se explicam e não se encaixam. Incontestável é
que Ex nihilo, nihil. Nada provém do nada. E nihil novi
sub Sole. Não há nada de novo debaixo do Sol. Logo, uma
criação divina tirada do nada é uma impossibilidade
cósmica, ainda que, teologicamente, se considere Deus como onipotente.
Voltando
a Santo Agostinho, quanto ao binômio Deus versus Tempo, o
Santo filósofo ensina que o passado e o futuro não existem
para a Mente Universal. É um hoje perpétuo, um eterno presente;
o hoje, em Deus, é a eternidade. O passado e o futuro são
produtos da consciência objetiva do homem; pois se o homem não
sobrevivesse, não haveria futuro, e se não tivesse existido,
o passado não existiria. O tempo é, na realidade, um todo
contínuo, indivisível. A divisibilidade do tempo é
operada pela consciência humana, que, por ser limitada, fraciona-o
em três partes, de tal sorte a que este possa ser melhor compreendido.
E Santo Agostinho, referindo-se às três divisões do
tempo usualmente procedida pelo homem, rechaça passado e futuro dizendo:
O passado ‘já não existe’ e o futuro 'ainda
não existe.’ Entretanto,
sobre o futuro – compreensão que o Santo diz estar acima de
sua inteligência – complementa: ...as coisas futuras ainda
não existem; e se ainda não existem, não existem presentemente.
De modo algum podem ser vistas, se não existem. Mas podem ser prognosticadas
pelas coisas presentes que já existem e se deixam observar. Por
tudo o que foi dito sobre o tempo, pode-se, então, a ele aplicar
uma terminologia diferente, sendo, por isso, impróprio falar em passado,
presente e futuro. Tal terminologia, proposta pelo filósofo, relativa
aos tempos é: presente das coisas passadas, presente das presentes
e presente das futuras.
O
Santo prossegue nas suas lucubrações a respeito do tempo,
e, talvez, possa-se ainda enriquecer a sucinta análise deste Livro,
pinçando um pensamento do capítulo 30 que diz: ... nenhum
tempo pode existir sem a criação... Entretanto, conforme
se afirmou anteriormente, o tempo só admite divisibilidade na consciência
do homem. É, por assim dizer, um tempo psicológico, produto
da necessidade do homem em entender sua existência no mundo e relacioná-la
com o que está à sua volta. O passado, o presente e o futuro
existem para o homem apenas e tão-somente enquanto homem. Portanto,
assim como o som que só existe como som quando há um órgão
biológico que decodifica suas vibrações como som, o
tempo também só apresenta divisibilidade na mente humana,
em sua mente objetiva.
Finalizando
o estudo do Livro XI, deseja-se citar Eric Temple Bell, referenciado no
livro O Despertar dos Mágicos, de Pauwels e Bergier: Não
se deve acreditar que o tempo decorrido regressa ao nada: o tempo é
uno e eterno, o passado, o presente e o futuro não passam de aspectos
diferentes – gravuras diferentes se se preferir – de um registro
contínuo e invariável da existência perpétua...
Passado, presente e futuro ‘são’. Talvez seja apenas
a consciência que se desloca.
Livro
XII: A Criação Agostiniana
Este
livro, fundamentalmente e simultaneamente, aborda a questão da origem
do mundo, discute a interpretação alegórica da Bíblia
e questiona a existência da matéria-prima de Aristóteles.
Santo
Agostinho entende que Deus, conforme anteriormente mencionado, ao criar,
o faz, criando as coisas do nada. Assim, na concepção
do filósofo, céu e Terra foram criados de algo que é
nada, sem ser da própria substância de Deus, e, por isso, de
modo nenhum seria justo que fossem iguais a Deus. Não se discutirá
aqui tal pensamento, pois já foi analisado anteriormente. Retomou-se
o tema como ponto de partida para a análise do penúltimo livro
que compõe as Confissões, uma vez que a origem do
mundo é dele parte basilar. Assim, na doutrina agostiniana, céu
e Terra foram feitos do nada: um céu grande e uma Terra pequena.
Diz
ainda Santo Agostinho: Criastes, portanto, Senhor, o mundo, da matéria
informe. Criaste do nada este quase-nada, donde, depois, fizestes as grandes
coisas, que nós, os filhos dos homens, admiramos. O
Santo, neste Livro, reconhece novamente suas fraquezas passadas. Mas, agora,
de forma mais mística, em um nível espiritual mais elevado,
já distante da Noite Negra que havia superado. Assim, faz a seguinte
invocação:
Agora,
ardente e anelante volto à Tua frente. Ah! Ninguém me impeça;
beberei, e assim viverei. Oxalá eu não seja a minha própria
vida! Por minha culpa, mal vivi; causei-me a morte. Em Vós revivo.
Falai, conversai comigo.
Outro
ponto interessante do pensamento agostiniano, é a aceitação
literal das palavras da Bíblia, no que se refere à
criação do mundo. O Santo aceita, e em várias passagens
faz referência aos ensinamentos bíblicos, admitindo que na
criação... tudo foi feito em dias sucessivos. Nesta oportunidade,
uma vez mais, questiona-se a compreensão do Filósofo sobre
a criação. Assim, teologicamente pondera-se: por que a Mente
Cósmica, ao ordenar e harmonizar a energia universal na programação
para o infinito, não o teria feito em eras, ao invés de apenas
em dias? Em outras palavras: não teria a criação, ou
melhor a manifestação da energia universal como hoje a concebemos,
sido elaborada, organizada e transmutada em várias eras (espaços
de inexistentes tempos imensamente grandes), ao invés de, apenas,
em poucos dias? Não é incompatível a idéia de
rapidez com o que a própria Natureza demonstra, a cada instante,
nos processos de criação? E por que acreditar que Deus haveria
de criar o Universo todo em apenas poucos dias? Por que a rapidez? Estaria
Deus sentindo-se só? Triste? Precisando de companhia? Entediado?
Ou a criação do mundo é um processo cíclico
que a própria mente humana é incapaz de conceber, quanto mais
de entender e de adequadamente visualizar? Ou a criação do
mundo, conforme está descrita na Bíblia, é
uma alegoria que a religião católica ainda não decifrou,
e se decifrou não divulga porque não interessa divulgar? Mânvântâra...
Prâlâya...
Desta
forma, este é mais um ponto para meditação, onde o
dogma é pura e simplesmente inaceitável, por ser limitativo,
autoritário e sentencioso. Este é um dos pontos onde a fé
se contrapõe à razão, onde a humana compreensão
só poderá encontrar algum alívio para suas dúvidas
meditando e interiorizando sua consciência, a fim de, por si e em
harmonia com o Deus de seu Coração, intuitivamente, ter acesso
à resposta. Como ensinou o inesquecível Krishnamurti, é
preciso, é fundamental, é necessário deixar de lado
‘toda e qualquer autoridade' para que cada um descubra
por 'si mesmo'!
No
que concerne à interpretação bíblica da criação
do céu e da Terra, é necessário acrescentar que, para
o Santo, o céu deve ser entendido como o lugar acima do nosso
céu (céu do céu) onde habitam os Santos Espíritos,
os seres espirituais que têm o privilégio de gozar da vida
de Deus, onde a inteligência conhece simultaneamente não
por partes, nem por enigmas ou como um espelho, mas inteiramente com toda
a clareza, face a face. Por Terra, entende ser a matéria desorganizada
e privada de forma e de onde vieram todos os seres manifestos em corpos
distintos e de várias formas.
Mas,
já quase ao término desta magnífica e imorredoura obra,
com satisfação exalto a já observada personalidade
tolerante e liberal do Santo filósofo. Tudo em decorrência
do que atrás foi comentado, como do que consta, principalmente, dos
capítulos 16, 17 e 18 deste Livro, nos quais Santo Agostinho não
condena, e portanto tolera e aceita, outros modos verdadeiros de interpretar
o Gênesis. Três excertos sublinham e enfatizam a presente
convicção:
A
todos aqueles que não têm como falsas estas
verdade... e que, não obstante, nos contradizem em alguns pontos,
dirijo estas palavras: ó meu Deus, sede Vós o árbitro
entre as minhas confissões e as suas contradições.
...
que me interessa que se dêem sentidos diferentes àquelas
palavras, se todos são verdadeiros?
...
que me interessa que outro tenha uma opinião diferente da minha,
se julga ser esse o verdadeiro pensamento do Escritor?
Nesse
sentido, cabe, portanto, um grande louvor e reconhecimento ao Doutor da
Igreja Católica Aurelius Augustinus, que, pela via devocional, alcançou
o Deus de seu Coração, não desprezando, entretanto,
outras vias de acesso, como a mística e a científica, entre
tantas. Aliás, o verdadeiro Illuminado compreende que todos
os caminhos levam à realização do Deus interior. Só
a mente intolerante nega outras correntes de pensamento e, autoritariamente,
crê ser privilégio exclusivo seu e de sua confraria o conhecimento
do que ela entende ser a verdade, verdade que, geralmente, pouco tem a ver
com qualquer fragmento da Verdade (relativa) sempiterna. Assim, entende-se
que a Illuminação interior é um conjunto de
muitas virtudes, dentre as quais destaca-se superlativamente a tolerância.
Um outro aspecto da acuidade interior
que desenvolveu Santo Agostinho e fundada, conforme já se afirmou
preteritamente, entre outras virtudes, na tolerância, aparece quando
afirma que Cada um pode haurir a parte da verdade que é capaz,
uns de uma maneira, outros de outra... Por
esse motivo, a liberdade de expressão só não é
tolerada por aquelas mentes mesquinhas, que acreditam estar a verdade exclusivamente
a seu serviço, já que elas pretendem-na possuir por um método
e um processo a que só elas podem ter acesso. Por isso, muitos confundem
Privilégio com privilégio e Direito com direito, fazendo uso
mental dos dois vocábulos (privilégio e direito) da mesma
forma, permanecendo, às custas da vaidade, invariavelmente no mesmo
lugar.
Finalizando
a análise deste Livro, ressalta-se e louva-se o apelo de Santo Agostinho,
que é deste estudante também: Senhor, inspirai-me! Só
pela Illuminação desaparecem a ilusão e as
convicções errôneas dela decorrentes. Só pela
Illuminação será alcançada a paz, a
verdadeira Paz Profunda.
Este
é o último Livro que compõe as Confissões,
no qual o Santo demonstra, através de uma profunda exaltação
lírica, seu intocável e inabalável sentimento religioso,
tendo a convicção interior e a esperança fundada do
repouso no Criador.
No
início deste Livro, no capítulo I, o Santo acredita e ensina
que a vida deve ser vivida para servir e honrar ao Criador. Assim diz: Devo
servir-Vos e honrar-Vos para que a felicidade me venha até mim de
Vós, de quem recebi a existência e a aptidão para gozar
do bem.
O
Santo afirma que os seres espirituais têm mais valor do que o mais organizado
dos corpos materiais, e que, por sua vez, vale mais que o puro nada. Como
já se fez referência à questão do nada, comentar-se-á
apenas o primeiro degrau da afirmação.
Se
se admitir, especulativaemente, a progressão dos três reinos
conhecidos, mineral, vegetal e animal – com o homem fazendo parte
do reino animal ou constituindo um reino à parte, o que é
mais correto – e a seguir o mundo ou plano espiritual, o que representa
uma simplificação incorreta do conteúdo do Universo
em manifestação, a concepção agostiniana está
correta. Mas, se se admitem outros planos de manifestação
para a energia universal, a precedência ensinada pelo filósofo
sofre restrições. E, se se aceita que exista um processo evolutivo
(ou reintegrador) na manifestação da energia universal onde
nada é, mas tudo está, onde, segundo Hegel, o vir-a-ser, o
devir, está incorporado e indissoluvelmente amalgamado ao processo
de existência e de manifestação de tudo, a restrição
ao conceito ora discutido cresce e se torna mais evidente. Em
um lapso do tempo que não é tempo, algo pode ser melhor e
mais valioso, mas se se compreende que o ilusório tempo é
uno, que tudo muda, e que há uma permanente convergência para
o Todo, não há em verdade, melhor nem pior; há, ao
contrário, mais ou menos harmonia relativamente ao que se possa considerar
como o ponto final – que não existe como tal –
do propósito divino – que não tem propósito algum
e apenas é divino porque o qualificamos com tal. Nesse sentido, outrossim,
a teoria do nada, é insustentável, conforme já se teve
oportunidade de a ela fazer referência.
No
capítulo 5, o Hiponense mostra seu entendimento sobre a Divina Trindade
e afirma: E, como eu acreditasse que o meu Deus é Trino... Eis
a Vossa Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Eis o Criador de toda
criatura.
Já
no capítulo VIII, numa profunda exaltação, Santo Agostinho
diz: ... tudo me corre mal fora de Vós, e não só
à volta de mim, mas até em mim. E continua: Toda
a abundância que não é o meu Deus, é para mim
indigência. A singeleza deste pensamento faz lembrar a conversação
que Sócrates teve com o sofista Antifão, relatada por Xenofonte.
Provocado por Antifão, com o intuito de tomar a Sócrates seus
discípulos, entendeu de criticar a vida simples e a alimentação
frugal que praticava o filósofo, Sócrates ensinou a Antifão,
entre outros, o seguinte princípio: ... Quanto menos necessidades
se tenha, mais nos aproximamos... da divindade. E como a divindade é
a própria perfeição, quem mais se avizinhar da divindade,
mais próximo estará da perfeição.
Depreende-se
que Santo Agostinho e Sócrates – este no relato de Xenofonte
– acreditavam que a vida deve ser vivida e voltada para o Deus que
o homem compreende no íntimo de seu Coração. Fora desse
contexto é a ilusão. Ilusão da falsa felicidade. Ilusão
dos alimentos impróprios que lentamente destroem a saúde.
Ilusão das vestimentas sofisticadas. Ilusão da posse dos bens
materiais. Ilusão, enfim de estar vivendo, quando, segundo os conceitos
socrático e agostiniano, em verdade, quem assim vive, não
vive, podendo, entretanto, até parcial e infimamente viver, sem contudo
jamais Viver. Só na boa vontade de Deus os homens encontrarão
a paz, pensamento que permite digressionar até Kant e afirmar
que, também, só com boa vontade a Paz Perpétua será
efetivamente alcançada. Boa vontade é amor. Boa vontade é
caridade. Boa vontade é humildade, aceitação, compreensão,
tolerância e também um profundo sentimento de justiça
e de moralidade. Entretanto, conceber estas coisas, só é possível
com paz interior, a paz que foi rapidamente referida ao final da análise
do penúltimo Livro das Confissões. Essa paz interior
– a verdadeira Paz Profunda – é que, no entender do Santo
Doutor, permite contemplar Deus no seu aspecto trino, isto é, realizar
o sonho de a Deus se unir no TaV de todas as experiências,
no TaV onde tudo é harmonia, beleza, amor e perfeição.
É a mais desejada realização de todo místico
e certamente foi a meta que norteou Santo Agostinho após sua conversão.
Na
doutrina agostiniana, a verdadeira ciência está com e em Deus.
Somente com e em Deus. Justifica tal conceito pelo fato de Deus ser imutável
em existência, em sabedoria e em vontade. Nesse sentido, adverte que
a essência de Deus sabe e quer imutavelmente... é e quer
imutavelmente... é e sabe.
No
capítulo 18, o Santo Doutor fala da caridade e adverte que o
socorro ao próximo não deve ficar restrito apenas às
coisas fáceis... mas também obsequiá-lo com uma proteção
forte e vigorosa. E, mais adiante, no capítulo 26, como que
complementando seu entendimento a respeito das obras caritativas, diz:
Até mesmo nos que dão esmola, o ‘fruto’ não
é o que eles dão, mas o espírito com que a oferecem.
É exatamente como lembra Gibran em O Profeta: pouco
se dá quando se dá das próprias posses. A dádiva,
a verdadeira caridade aparece e se faz patente quando o homem dá
de si próprio, se empenha, se compromete, se envolve e, tangenciando
o amor universal, entrega-se sem limites. A caridade quando assim praticada
faz do homem real instrumento da Consciência Cósmica, e o confunde
com a autenticidade do universo.
No
capítulo 19, o filósofo ensina como os justos devem proceder
para que a terra enxuta (Alma que pratica o bem) se manifeste:
Aprendei
a praticar o bem, prestai a justiça ao órfão, mantende
os direitos da viúva... Se quiser conseguir a Vida, guarde os mandamentos
e aparte de si a amargura da malícia e da iniqüidade; que não
mate, não cometa adultério, não roube, não pronuncie
falsos testemunhos, para que apareça a ‘terra enxuta’
e germine o respeito ao pai e à mãe, e o amor ao próximo...
Arranca os silvados densos da avareza, vende quanto possuÍs, enche
a tua alma de frutos, dando tudo aos pobres, e terás um tesouro no
céu...9
Analisando o conjunto da criação,
assunto do capítulo 32, Santo Agostinho, que no capítulo 24
já afirmara eu diria, meu Deus, que nos criastes à Vossa
imagem, explica seu conceito:
Vemos
o homem, criado à Vossa imagem e semelhança, constituído
em dignidade acima de todos os viventes irracionais, por causa de Vossa
mesma imagem e semelhança, isto é, por virtude da razão
e da inteligência. E assim, como na sua alma há uma parte que
impera pela reflexão e outra que se submete para obedecer, assim
também a mulher foi criada, quanto ao corpo, para o homem. Ela, possuindo,
sem dúvida, uma alma de igual natureza racional e de igual inteligência,
está, quanto ao sexo, dependente do sexo masculino, assim como o
apetite, de que nasce o ato, se subordina à inteligência para
conceber da razão a facilidade em ordem ao bom procedimento.10
No
que tange à síntese da evolução do Universo,
ou seja, as obras criadas por Deus, estas têm princípio
e fim no tempo. Tudo que começa, que se manifesta, tende ao
entardecer. Há um ciclo a ser cumprido: nascimento, manifestação,
progresso, decadência e desaparecimento. E, quanto ao simbolismo da
criação, o Santo entende que, no conjunto as obras de Deus
são mais belas do que isoladamente. Cada elo, assim, é importante
para a existência da corrente. E, por serem todas as obras de Deus,
foi que, na parte primeira das Confissões, o Santo adverte
que é um erro lamentável lançar impropérios
contra a Natureza e contra os seres criados por Deus. A compreensão
ou o julgamento de fatos isolados, leva ao erro. Um exemplo típico
é a chamada morte. A teimosia das pessoas em olhá-la isoladamente
é que gera a dor lancinante, quando da perda de um ente querido.
Mas, quando se compreende que o ciclo vital só se completa com a
morte – transição no estado da consciência –
a dor pela ausência se torna mais suportável e o fardo mais
suave. Assim, nada mais exato na doutrina agostiniana do que olhar e conceber
o Universo como um todo, como uma gigante célula, onde o que aparece
isolado, aparece isolado pelas limitações e pela ignorância
do homem.
Reflexão
Final
Já
ao final das Confissões, o Santo requesta a Deus pela paz,
a paz do sábado que não entardece. É, talvez,
o mais ardente desejo do místico em sua caminhada pela senda: o desejo
de estar, consigo e com todos, em Paz Profunda. A paz do silêncio.
A paz da tolerância, da compreensão e da fraternidade. A paz
de viver em justiça. A paz da ausência de desejos, da ausência
de impaciência, da ausência de querer. A paz da virtude e da
beleza inefáveis, onde o homem comunga com o Deus de seu Coração.
Tudo é tranqüilidade, tudo é ordem, tudo é harmonia.
Essa
foi a busca de Santo Agostinho. De maniqueísta a Santo; de ladrão
a Bispo de Hipona; de pecador a exemplo de virtude. Santo Agostinho, exemplo
vivo de pertinácia em busca de Luz, alcança a compreensão
dos mistérios da vida e da Vida pela via devocional, onde se observa
um insuperável amor ao Deus de sua compreensão, e que o conduziu
à realização maior da vida de todo buscador: a Revelação
pela Illuminação interior.
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de Benôni Lemos; revisão de João Bosco de Lavor Medeiros.
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Notas:
1.
MONDIN (1983), v. 1, p. 136.
2.
AGOSTINHO, (1984), pp. 29, 30 e 31.
3.
_____, (1984), pp. 43 e 44.
4.
_____, (1984), p. 82 e 83.
5.
_____, (1984), p. 134 e 135.
6.
____, (1984), pp. 174 e 175.
7.
____, (1984), p. 175.
8.
____, (1984), p. 239.
9. ____,
(1984), p. 272.
10.
____, (1984), pp. 285 e 286.