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Notinha
meio longa:
1. O
que é impudicícia? O que é pudicícia? Quem é
pudicíssimo? Quem foi ou é inteiramente casto, pudico,
honesto, honrado, virtuoso e recatado? Eu ainda estou bem longe de subscrever
qualquer um desses adjetivos–sinônimos. Fiz coisas do arco-da-velha
e namorei
mais meninas do que consigo contar quantas foram.
E daí? Fiz outras coisas inconfessáveis das quais não
me orgulho e, realmente, namorei muito; hoje não faço e estou
muito bem-comportado. O Frank Sinatra (1915-1998) namorou muito mais do
que eu e fez coisas que eu não fiz! E daí? Uns fazem umas
coisas; outros fazem outras. A vantagem – se vantagem há –
é que pessoas como eu, Sinatra e Sanctus Augustinus aprendem
com seus erros. Como Sanctus Aurelius Augustinus (354-430), eu
pensava: Dai-me a castidade e a continência; mas não ma
deis já. Como o Santo católico, eu, que já havia
sido admitido na AMORC,
mas que longe estava de compreender o Rosacrucianismo e muito menos de poder
dizer que era Rosa+Cruz, tinha um certo medo de me santificar antes
da hora e de me curar da deliciosa concupiscência sem antes de
tê-la aproveitado em toda a sua ignomínia.
O fato
incontestado é que, gostem os pudicos ou não gostem os pudicos,
os velhos moralistas–de–salão, patologicamente ou desfaçadamente,
em geral, costumam, fingindo santidade, ser os reis da impudicícia.
Impudicícia na moita e pelas caladas, claro! Santidade de araque
em público e para os tolos circunjacentes, claro! E como vêem
seus reflexos nos hipoteticamente impudicos, ficam desesperados e, se puderem,
os destroem. Reflexo é mesmo uma verdadeira bosta. Quem gosta? Ver
em si a suposta bosta que supostamente está refletida no outro é
uma
Friedrich Nietzsche (1844-1900) estava absolutamente certo: Nunca
odiamos aos que desprezamos. Odiamos aos que nos parecem iguais ou superiores
a nós. E, entre outras possibilidades, odiamos os que nos metem
medo, odiamos os que são mais livres do que nós e odiamos
principalmente os que, de alguma forma, podem nos ameaçar e nos comprometer,
acrescento eu, sem esgotar a lista dos ódios humanos. E, em um certo
sentido, também cabe lembrar o historiador, poeta, diplomata e músico
italiano do Renascimento Niccolò di Bernardo Machiavelli (1469-1527):
Os fins justificam os meios. Não para mim; mas para os impudicos,
que, se puderem, esfolam para eliminar seus supositícios reflexos.
Impudico,
desonrado, desavergonhado, indigno, atrevido e insolente é o pastor
que ridicularizou e chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, ao vivo
e a cores, na televisão, no exato dia da Padroeira do Brasil. Atrevido,
insolente, malcriado e, talvez, cleptomaníaco, foi o rabino descuidista
que, recentemente, descuidou four beautiful ties (não
confundir com tie break ou com black-tie) na Gucci, na
Giorgio's e na Louis Vuitton, em Palm Beach, nos Estados Unidos. Impudicos
e criminosos são aqueles que matam em nome de Deus. Impudicos e criminosos
são os que corrompem e os que se deixam corromper. Impudicidade asquerosa,
repugnante, sórdida, ignóbil, nauseabunda, nojenta, revoltante
e repulsiva é a do padre pedófilo que tem o 'patopedof–ilógico'
descaramento de consagrar e de transubstanciar a hóstia e o vinho
no santo corpo e no santo sangue com as mesmas mãos que... Não
sei como as mãos desses camaradas não queimam durante a consagração!
Aliás, sei: suas mãos pedófilas não pegam fogo
porque nunca consagraram nada e nunca transubstanciaram nada, simplesmente
porque jamais se consagraram efetivamente e porque jamais se transubstanciaram
interiormente a si próprios. Ainda bem que são minoria. Eu,
quando cometo um deslize durante o dia, de noite, tenho enorme dificuldade
em dar boa-noite aos meus Irmãos. Às vezes, o que é
raro, a vergonha é tanta, que vou dormir sem Deles me despedir. Basta,
por exemplo, dizer algo impensado ou fazer uma crítica inútil.
Hoje, esses são os meus maiores pecados. Se eu fosse católico,
isso bastaria para me impedir de receber a Santa Comunhão, quanto
mais de pôr as mãos em uma hóstia consagrada. Paz e
compreensão a esses padres desviados que não sabem o que fazem!
Paz a todos os impudicos que não sabem o que fazem!
Contudo,
doença é doença, sacanagem é sacanagem; ainda
que sacanagem seja mesmo uma forma sacana de doença. Que o sujeito
seja patologicamente um impudico cleptomaníaco ou um pedófilo
impudico, eu misticamente compreendo, fico profundamente penalizado e não
entro em uma de açodadadamente o julgar ou de maldosamente o crucifixar;
mas tenho, com certeza, total dificuldade em compreender e de levar a sério
pregações e discursos teológico-moralistas nos intervalos
dos pontapés, das pedofilias e das cleptomanias, entre outras impudicas,
estranhas e esquisitas deformações. Tudo isso (e o resto que
não estou comentando nesta oportunidade, mas que já discuti
em outros trabalhos) é uma mistura fedorenta de impudica falsidade
com dissimulação impudica, e é, positivamente, uma
impudica pilulona difícil de engolir. Esses desvios, como todos os
outros, precisam de um tratamento especializado, que não pode ser
encontrado nem na Bíblia, nem na Torah, nem nas igrejas,
nem nas sinagogas. O difícil é a criatura compreender e aceitar
que é ou que está enferma – primeiro passo para humildemente
procurar um médico. Agora, quem espera por um milagre para se curar
ou se automedica poderá acabar muito mal parado.
Voltando
ao tema do soneto, mas ainda martelando no mesmo tema, sinceramente, não
acredito que os judeus ortodoxos de Israel, de kipa e tudo, andem
protestando contra os gays por uma questão meramente moral
ou tão-só por uma questão de moral religiosa. O impertinente
motorzinho é outro: há algo mais entranhado e mais recôndito
em suas personalidades que nem eles sabem lá bem o que é.
Sentem-se angustiados, mas não identificam o porquê da angústia.
Entretanto, isto não é uma característica particular
dos judeus ortodoxos de Israel; vale para todos os seres-no-mundo
preconceituosos – que inconscientes de suas feridas (que normalmente
só apresentam lesões internas, mas que putrefazem externamente)
– que têm suas almas rebolando preconceituosamente em meio a
um preconceituosíssimo atoledo.
É
tudo muito simples: o autêntico religioso não é um moralista
de ocasião e jamais qualifica de antemão, separa de antemão,
julga de antemão ou condena de antemão. Seria muito bom e
muito útil, por exemplo, que todo mundo consultasse o Evangelho
de São Mateus, VII, 1 e 2.
Um causo
verídico: quando,
de uma feita, uma dama puta, que dizia venerar Jesus, procurou Dom Hélder
Pessoa Câmara (Fortaleza, 7 de fevereiro de 1909 – Recife, 27
de agosto de 1999) no Palácio Episcopal, em Recife, para saber se
era ou se não era pecado oferecer de grátis sua pererequinha
aos detentos do presídio local, por caridade e especificamente e
apenas na Sexta-feira da Paixão, Dom Hélder, com a bondade
característica que o mundializou e o eternizou, respondeu algo mais
ou menos assim: — Minha filha, não é pecado! Jesus
lhe ama como você é. Vá em paz. Dom Hélder
foi mesmo um Santo Rebelde! É claro que, neste caso, mais
do que santidade na resposta dada por Dom Hélder, estava embutida
muita sabedoria, muita psicologia e um tanto de malandragem (no bom sentido).
O Arcebispo Emérito de Olinda e Recife sabia muito bem que não
adiantaria nada, naquelas circunstâncias, passar uma severa reprimenda
na puta ou fazer qualquer tipo de discurso moral ou religioso. A puta não
iria mesmo mudar de profissão. Uma puta pode chegar a ganhar mais
em um único dia fazendo vários michês ou um michê
especial, do que trabalhando um mês inteiro como doméstica,
diarista, garçonete ou o que valha. Só no inverno é
que a coisa aperta um pouco, mas se a menina for uma especialista,
nem tanto. E uma senhora puta, meio que já entrada nos anos, como
parece ter sido o caso, não mudaria de atividade de uma hora para
a outra, mesmo que Dom Hélder se opusesse ao seu estilo profissional
de ganhar a vida, que, certamente, nada tem de fácil e que já
vinha de muito longe. Essa novela terminou bem e com um final feliz: a puta
partiu aliviada com a resposta e Dom Hélder ficou em paz com sua
consciência. Eu, que não sou padre e muito menos arcebispo,
me regozijei quando ouvi esse causo em uma entrevista no programa do Jô
Soares, entrevista que foi dada por um simpático padre que fora amigo
pessoal e assessor de Dom Hélder por nove anos. Eu, que não
teria feito diferente, ri gostosamente e aplaudi em silêncio. Santo,
Rebelde e Sábio era esse muito querido Dom Hélder!
Fico
muito à vontade para comentar todos esses temas porque, além
de ter namorado mais meninas do que hoje consigo lembrar ou contar,
em um passado muito distante também fiz as minhas estrepolias e cometi
alguns furtinhos bestas e sacaneantes. Mas, se eu estiver precisando, e,
por exemplo, estiver dando sopa no IDHGE, caneta BIC® e clipe eu furto
até hoje. E não tenho a menor intenção de deixar
de furtá-los. O que não sou e nunca fui é hipócrita.
Quando – que está às sete léguas de ser volta
e meia – me pego resvalando para a hipocrisia, dou logo meia-volta
e acerto meu passo. Afinal, quem é perfeito?
Espero,
sinceramente, que esse episódio do protesto dos judeus ortodoxos
contra a
em Israel e os comentários laterais que lucubrei sirvam para
reflexão dos religiosos e dos não-religiosos. Mas, primeiro
e principalmente, serviu para mim, que examinei dialeticamente essa matéria
pensando aprofundadamente em meus equívocos de antanho e revisitei
o meu passado bem lá longe, que foi meio enfermiço e meio
inapropriado (do qual não lamento porque acabei me educando) porque
foi o que poderia não ter sido, mas, tendo sido como foi, fez brotar
em mim a mais profunda tolerância e a mais livre fraternidade. Estou
convicto de que isso que aconteceu comigo só não acontece
com quem não quer. Basta querer.
Como
conclusão, arremato: o fato de sermos cosmicamente desiguais, porque,
conscientes ou não desse fato, temos origens distintas e estamos
em planos de compreensão diferentes, não nos dá o direito
de – hipotética, desfraternizada, desproporcionada e preconceituosamente
– favorecer um em detrimento de outro ou de prejudicar um em benefício
de outro. Afinal, quem é perfeito? Eu? Você? O pastor que deu
uma botinada na Santa? O rabino que descuidou umas gravatinhas? Aquele que
mata em nome de Deus?