Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

A ortodoxia1 jamais quis ser informada e esclarecida.2

A ortodoxia só poderá pelos seres-no-mundo3 ser resolvida

se seus olhos se voltarem para o Coração – individualmente;

jamais pela heterodoxia4, pela heresia5 ou coletivamente.

 

Contudo, reverenciar dogmas tradicionais e outros que tais

é não diferir grande coisa dos arborícolas ditos irracionais,

pois, se a consciência tão-só repete e repete como um relógio

está apaticamente6 inscrita em um umbroso martirológio.

 

Tudo que é artificioso ou hipoteticamente engendrado

tende a transformar o ser-no-mundo em um avassalado.

Tudo que é inexato ou imaginoso acabará por explodir

em algum momento desesperante de um fantasioso devir.

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Ortodoxia (do grego orthodoxía): conformidade absoluta com um certo padrão, norma ou dogma. Interpretação, doutrina ou sistema teológico implantado como único e verdadeiro. Intolerância com relação ao que é novo e diferente. No vai-e-vem do Catolicismo, denomina-se Ortodoxia ao grupo de igrejas orientais católicas que aceitam somente os primeiros sete Concílios Ecumênicos. No século III, Constantino I (Constantino Magno ou Constantino, o Grande) foi o primeiro Imperador de Roma a aceitar o Cristianismo como religião oficial do Império Romano, tendo reunido no ano 325, na cidade de Nicéia, o primeiro concílio ecumênico, que ficou conhecido como Primeiro Concílio de Nicéia, no qual foi definida a Divindade de Jesus Cristo. Ainda foram feitos mais seis concílios antes do cisma das Igrejas Ortodoxas e Romana. São eles: Constantinopla I (381), Efésio (431), Calcedônia (451), Constantinopla II (553), Constantinopla III (680) e Nicéia II (787).

2. J. D. Buck, apud Helena P. Blavatsky, in: A Chave Para a Teosofia.

3. Ser-no-mundo (in-der-welt-sein): no heideggerianismo, constituição ontológico-existencial necessária e apriorística do ser-aí (dasein) – o ente humano – que deve ser compreendido em sua inserção na realidade cotidiana, na historicidade e na relação que estabelece com os outros entes, isto é, um ser-com-os-outros (mit-sein-mit-anderen), um ser-no-mundo-com-outros-seres-no-mundo, um homem-com-o-mundo-no-mundo, um ser-dialógico-e-solidário-no-mundo ou, ainda, em termos de Gestaltoterapia, um ser-em-relação-no-mundo (emotivo, perceptível e móvel) capaz de descobrir e de transformar o mundo, e de ser descoberto e de ser transformado por este mesmo mundo. Portanto, ficam as perguntas: a) poderá haver mundo sem sujeito e sujeito sem mundo? b) qual a base moral/espiritual de um ser-que-viva-só-para-si? c) nossas experiências devem/podem ser (sempre) compartilhadas com os outros? d) se essas experiências devem/podem ou não devem/não podem ser compartilhadas com os outros, quais as condições místicas para deverem, poderem, não deverem ou não poderem ser compartilhadas? e) se a opção for por não dever ou não poder, poderá haver egoísmo nessa decisão? e f) Se houver egoísmo, em que ele está fundamentado e como e por quê ele se manifesta?

4. Heterodoxia (do grego heterodoksía): oposição aos padrões, normas ou dogmas estabelecidos; caráter daquilo que não está de acordo com qualquer doutrina oficialmente recebida. Por extensão, caráter daquilo que não se conforma às opiniões, às idéias tradicionais ou, em geral, às idéias admitidas. Para os católicos, aqueles que se desviam do ensino normativo da Igreja são tidos como heterodoxos. De Merleau-Ponty, para refletir: É em nós mesmos que encontramos a unidade da fenomenologia e seu verdadeiro sentido. Para quem não conhece, reproduzirei abaixo o poema de Manuel Bandeira Vou-me Embora Pra Pasárgada:

 

Vou-me embora pra Pasárgada!

Lá sou amigo do rei;

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei.

 

Vou-me embora pra Pasárgada!

Vou-me embora pra Pasárgada!

Aqui eu não sou feliz.

Lá a existência é uma aventura,

De tal modo inconseqüente,

Que Joana a Louca de Espanha,

Rainha e falsa demente,

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive.

 

E como farei ginástica,

Andarei de bicicleta,

Montarei em burro brabo,

Subirei no pau-de-sebo,

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado,

Deito na beira do rio,

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias,

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar.

Vou-me embora pra Pasárgada!

 

Em Pasárgada tem tudo;

É outra civilização.

Tem um processo seguro

De impedir a concepção.

Tem telefone automático,

Tem alcalóide à vontade,

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar.

 

E quando eu estiver mais triste,

Mas triste de não ter jeito,

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei.

Vou-me embora pra Pasárgada!

 

Eu também escrevi sobre a minha triste Pasárgada, bem diferente, portanto, da heterodoxa Pasárgada de Manuel Bandeira. Se você quiser ler Depoimento: Em Pasárgada Não Encontrei a Paz, dirija-se a:

http://paxprofundis.org/
livros/pasargada/pasargada.html

5. Heresia (do grego haíresis): qualquer desvio de uma religião, credo ou sistema religioso que pressuponha uma doutrina ortodoxa. A palavra pode referir-se também a qualquer deturpação de sistemas filosóficos instituídos, ideologias políticas, paradigmas científicos, movimentos artísticos ou outros. Ao fundador de uma heresia dá-se o nome de heresiarca.

6. Apatia (do grego apátheia): para os céticos e para os estóicos, a apátheia era um estado de insensibilidade emocional ou esmaecimento de todos os sentimentos, alcançado mediante o alargamento da compreensão filosófica. No Ceticismo filosófico, prevalece um viver filosófico em que o ser-no-mundo escolhe examinar de forma crítica se o conhecimento e a percepção que possui são realmente verdadeiros. Já o Estoicismo recomendava viver conforme a Natureza e viver de acordo com a razão. Sendo a razão aquilo por meio do que o ser-no-mundo se torna livre, harmonioso e feliz, o ser-no-mundo sábio não apreende o seu verdadeiro bem nos objetos externos, mas bem usando estes objetos através de uma sabedoria pela qual não se deixa escravizar pelas paixões e pelas coisas externas. Enfim, o Estoicismo é uma doutrina filosófica que propõe viver de acordo com a lei racional da Natureza e aconselha a indiferença (apátheia) em relação a tudo que é externo ao ser. O ser-no-mundo sábio obedece à lei natural reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito do Universo. Contemporaneamente, a apatia é entendida como estado de alma não suscetível de comoção ou interesse, isto é, insensibilidade, indiferença, ausência de sentimentos, falta de atividade, falta de energia, falta de ânimo, abatimento e indolência. Em termos místicos ou espirituais, isto acontece quando o ser-no-mundo aceita e reverencia dogmas tradicionais e outros que tais sem exercitar um mínimo de exame crítico ao que lhe é apresentado, decorrendo daí um estado mórbido e permanente de preconceito e de má vontade constante (animosidade) contra tudo e contra todos que não professem a mesma crença e não aceitem suas idéias. A conformidade absoluta com um certo padrão, norma ou dogma (ortodoxia) gera essa permanente indisposição e uma doentia vibração interior. O pior é que, com o tempo, esse controvertido ser-no-mundo acaba adoecendo sem saber o porquê de estar todo desarmonizado e, como está no poema, acaba mesmo inscrito em um umbroso martirológio. Não quero afirmar nada com a citação a seguir, mas ela serve para se refletir sobre o assunto, já que somos nós, exclusivamente, que fabricamos todas as nossas doenças: A presença de apatia foi encontrada em 45% nos pacientes com doença de Parkinson; esse sintoma estava associado com pior desempenho em vários testes neuropsicológicos. O oposto de tudo isso é a empatia; mas sem um diuturno exercício da humildade e de uma dialética místico-espiritual nada poderá mudar. E, de uma maneira geral, as religiões são incapazes de promover qualquer mudança interior, simplesmente porque os princípios místicos que as originaram acabaram, lamentavelmente, por se transformar em imitações burlescas, caricaturais e temporais (seculares) de um ancho nada, que tão-somente leva a um inexistente e fofo nada. A Oitava Esfera – a Lua Negra ou Lilith – adora e festeja todas essas coisas! As vibrações sinistras que vêm da Lua Negra originam na Terra, por magnetização simpática, monstruosidades, abominações, crimes espantosos repletos de repugnante sadismo, luxúria inconcebível et cetera; ali, na Oitava Esfera, habitam almas (na realidade, almas sem alma) totalmente separadas dos seus Eus Internos (dos seus Sagrados Triângulos Superiores), completamente perdidas e em estado de desintegração, pois todas as almas que volitivamente se afastaram dos seus Eus Internos inevitavelmente se desintegram, eis que a Lei da Reencarnação não se verifica sem redutibilidade e invariavelmente para todos os seres-no-mundo. Se tudo isso é um fato inexorável, ainda que doloroso, só lograremos a nossa libertação se nos alforriarmos dessa influência lunar por aversão espontânea e espiritual; só nos tornaremos realmente imortais e conheceremos o Summum Bonum da Eterna LLuz se nos unirmos conscientemente aos nossos Eus Internos, o que equivale a construirmos – por Amor e em Bem e Beleza – nossos Mestres-Deuses interiores e individuais. Não há outra hipótese; não há outro caminho! Não há tempo a perder; o ajuste cíclico-planetário está se aproximando. Precisamos vencer nossa apatia.

 

 

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.gnosisonline.org/
Magia_Cosmica/lilith_a_lua_negra.shtml

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ortodoxia

http://pt.wikipedia.org/wiki/Constantino_I

http://pt.wikipedia.org/wiki/Estoicismo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ceticismo

http://www.parkinson.med.br/
noticias.php?acao=ler&codigo=4

 

Música de fundo:

Love Is A Many Splendored Thing Paul Francis Webster & Sammy Fain)

Fonte:

http://www.kaoofa.com/search
/index.php?type=audio&search=beading