Estes
acontecimentos não aconteceram realmente, mas, bem que poderiam ter
acontecido. Giram em torno de um Alto Iniciado, que era incompreendido por
seus parentes próximos e por alguns amigos, que, sempre que podiam,
o alfinetavam, e comentavam coisas desairosas do tipo:
— Adianta
o quê esse seu esoterismo? Serve para quê? Muda o quê?
Eu só vejo o mundo piorar e o ser humano se tornar mais bárbaro.
E você na mesma está, como sempre esteve.
— Se
você, realmente, é um Iniciado, por que não resolve
seus problemas de saúde? Será
que não existe um mantra para acabar com a sua pressão alta,
com a sua hiperglicemia e com esse HDL raquítico que você tem?
— Eu
não li na Bíblia nenhuma recomendação para que
sejamos vegetarianos. Jesus até multiplicou pães e peixes.
E alguns dos Apóstolos até eram pescadores!
— Se
você tem mesmo algum poder, por que não dá um jeito
na sua vida e vive mais confortavelmente.
— Por
que, durante a Segunda Guerra Mundial, os seus amigos Iniciados não
fizeram uma macumbinha especial para arrasar o Hitler e o Terceiro Reich?
Por que permitiram o holocausto? Por que deixaram que milhões de
civis inocentes morressem?
Winston
Churchill
— Como
alguém pode viver sem querer nada, sem desejar nada? Até uma
formiga quer alguma coisa.
— Você
fala, mas, nunca provou nada do que diz. Até o Einstein conseguiu
provar a veracidade da sua Teoria da Relatividade.
— Dividir
o pão? Ora, pra ter bibi, trabalhei, trabalhei! Por que todo mundo
não trabalha como eu?
— Reencarnação?
Quem você conhece que voltou de lá para contar?
— Por
que esses Mestres Ascensionados nunca aparecem?
— Você,
que é tão espiritualizado, por que perde a paciência
de vez em quando? Isto não contraria tudo o que você costuma
ensinar?
— Ora,
todos nós vamos morrer um dia. Então, por que não aproveitar
a vida ao máximo?
— E
essa tal de Shamballah? Quem esteve lá?
— Grande
Loja Branca de Sirius? Quem foi até lá? E, como alguém
pode viver em uma temperatura daquelas? Acho tudo isto uma enorme fantasia!
— Como
somos todos irmãos? Eu não sou irmão desses malucos
sanguinários do Estado Islâmico nem dos birutas preconceituosos
do Boko Haram. Se eu fosse irmão desses caras, seria cúmplice
de todos esses assassinatos.
— Você
tem dito que Deus é uma criação pueril humana, fabricado
à imagem e semelhança dos homens. Que cada um de nós
é uma centelha da Mente Cósmica, e que, em nosso Coração,
há um Deus 'in potentia' esperando para se manifestar. Ora, como
é possível que no Coração de um estuprador,
de um corrupto, de um terrorista, de um neonazista, de um xenófobo,
de um anti-semita, de um assassino serial, de um criminoso, enfim, possa
haver um Deus? Para mim, o que há no Coração dessa
gente toda é um baita capeta chifrudo e enxofrento.
— Eu
não dou a outra face para filho-da-puta nenhum.
— Afinal,
o que você arrumou de bom com esse seu esoterismo? Você não
sai da cepa torta! E, o pouco que você tem acaba dando. Dividir o
miserê? Isto é uma loucura!
O
tempo foi passando,
as críticas foram se tornando cada vez mais mordazes, e, um dia,
este Alto
Iniciado resolveu que, talvez, fosse
útil fazer uma pequena demonstração educativa. Tendo
recebido autorização para fazer a demonstração,
em um sábado, reuniu alguns parentes e amigos em sua casa, e fez
o seguinte: em uma folha de papel, escreveu seis dezenas, acondicionou a
folha em um envelope, fechou, lacrou e pediu a um dos presentes, em quem
depositava máxima confiança, que guardasse o envelope até
o próximo sábado, quando todos deveriam se reunir novamente,
às 20 horas, para abrir o envelope e ler o conteúdo do que
havia sido escrito na folha de papel. E assim sucedeu.
No
sábado seguinte, todos se reuniram novamente na residência
do Alto Iniciado. Estavam curiosíssimos para saber o que ele havia
escrito na folha de papel. Então, ele disse:
— Vamos
assistir ao concurso da mega-sena, e ver quais números serão
sorteados. Dito isto, pediu a um dos seus parentes que fosse
anotando o resultado do sorteio, que estava acumulado em R$ 212.678.546,00.
Os números sorteados foram:
Terminado
o sorteio, pediu ao amigo, que havia guardado o envelope, que o abrisse,
e lesse o que estava escrito na folha de papel. Assim foi feito. O amigo
abriu o envelope, e leu em voz alta:
—
1... 3... 7... 17...
22... 49.
O
espanto foi total. Simplesmente, as seis dezenas, que haviam sido escritas
na folha de papel uma semana atrás, eram as mesmas – e na mesma
ordem do sorteio – que haviam sido sorteadas pela Caixa Econômica
Federal para a mega-sena!
Aquilo
deixou os presentes desnorteados, principalmente porque o prêmio era
de R$ 212.678.546,00, que acabou ficando acumulado para o próximo
sorteio.
Então,
alguém arriscou, e perguntou:
—
Como
isto é possível? Como você pôde saber os números
com antecedência? Por que não jogou? Hoje, você estaria
rico. Eu não compreendo... Eu
não compreendo...
O
Alto Iniciado sentiu uma imensa piedade por aquela demonstração
de ignorância, que, na realidade, era o pensamento reinante. Ficou
em silêncio alguns instantes, depois, solenemente, comentou:
—
Na
Idade Média, particularmente, aqueles que se dedicavam à Arte
Sagrada, conhecida como Alquimia, estavam divididos em dois grupos: os sopradores
e os Adeptos ou Iniciados. Os sopradores queriam, pela transmutação
dos metais inferiores, produzir ouro. Só tinham isto em mente. Cobiçosos
e ambiciosos só pensavam em enriquecer. Nunca conseguiram produzir
um grama de ouro por transmutação. Já os Grandes Adeptos
ou Iniciados, depois de haverem alcançado um determinado ponto
específico na Senda Iniciática, tinham acesso a determinados
Sons
Sagrados, ao
Segredo da Luz Polarizada, à algumas Operações Místicas
e à Palavras de Poder peculiares, e eram autorizados a realizar uma
Transmutação Alquímica, que nada mais é do que
uma espécie de ensaio de controle de qualidade de algo realmente
importante
– o Lapis Philosophorum, a Grande Cera Vermelha, que,
segundo Fulcanelli, se nos
oferece sob a forma de um corpo cristalino, diáfano, vermelho quando
em massa, amarelo depois de pulverizado, o qual é denso e muito fusível
|funde a 64ºC|, embora
fixo a qualquer temperatura, e cujas qualidades próprias o tornam
incisivo, ardente, penetrante, irredutível e incalcinável.
É solúvel no vidro em fusão, mas, se volatiliza instantaneamente
quando é projetado sobre um metal fundido. Quando
muito, ao longo da vida, estes Santos Homens faziam apenas mais uma Transmutação,
isto se precisassem de fato repor o estoque do Lapis Philosophicus.
Não há registro conhecido de que um Adepto
ou um Iniciado tenha utilizado a Santa ShOPhIa e o Mysterium Magnum para
benefício egoístico pessoal. A própria pequena quantidade
de Ouro Alquímico que produziam era caritativamente doada. Se, por
um lado, a Santa
ShOPhIa é a ponte para a Vida Eterna, quando mal empregada –
o que é raríssimo –
leva à destruição da vida e à morte entrópica
da personalidade-alma. Por isto, como relatou Mateus no seu Evangelho, XIX,
21, disse Jesus: Se queres
ser perfeito, vai, vende o que tens, e dá aos pobres, e terás
um tesouro no céu. E, depois, vem, e segue-me. Bem,
concluirei esta pequena explanação, citando de novo Fulcanelli:
O Sapiente
sabe apaziguar a sua dor. O ramo de oliveira, símbolo de paz e de
concórdia, marca a união perfeita dos elementos geradores
da Pedra Filosofal. Ora, esta Pedra, pelos conhecimentos certos que traz,
pelas verdades que revela ao Filósofo, permite-lhe dominar os sofrimentos
morais que afetam os outros homens e vencer as dores físicas, suprimindo
a causa e os efeitos de grande número de outras doenças. Enfim,
só é feito o que pode ser feito. Só acontece o que
deve acontecer. No Universo, não há fortuitidade. A Lei não
pode ser violada. Não há efeito sem uma causa geradora. Tudo
deve ser devidamente compensado. Nem Jesus pôde auxiliar todos os
que Dele se aproximaram. E eu, apesar do que vocês possam pensar ou
admitir, não sei nada. Mas, com relação a esta elementar
demonstração que fiz, vocês também não
saberão se realmente escrevi na folha
de papel as seis dezenas antes
de o sorteio ter sido realizado, ou se projetei mentalmente as dezenas para
a folha
de papel depois de
o sorteio ter sido realizado.
Vocês terão que chegar a uma conclusão sozinhos, no
Silêncio dos seus Corações.
Silêncio
sepulcral. Ninguém perguntou mais nada.