Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

 

 

Meio-dia... Meia-noite!

Era LLuz... Agora é açoite!

Pela vida afora, me perdi...

E a Santa Voz eu não ouvi!

 

 

Elegi a infame libertinagem;

sim, maisquis a folgançagem!1

Em Pasárgada,2 eu quis gozar

 

 

Oh!, décima segunda hora!

Triste vigésima quarta hora!

Oh!, por que fui apostatar?4

Tudo terei de compensar!

 

 

 

 

Compensarei tudo com muito prazer.5

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Folgançagem = folgança + sacanagem.

2. Pasárgada era uma cidade da antiga Pérsia. Atualmente é um sítio arqueológico na província de Fars, no Irã, situado 87 km a nordeste de Persépolis (antiga capital do Império Persa). Na literatura brasileira, Manuel Bandeira (Recife, 19 de abril de 1886 – Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968) consagrou em Vou-me Embora Pra Pasárgada o nome Pasárgada como um lugar ironicamente ideal.

 

 

 

Vou-me Embora Pra Pasárgada
(Manuel Bandeira)

 

 

 

 

 

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que eu nunca tive.

 

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada.

 

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar.

 

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

 

 

 

3. Kamasutram – geralmente conhecido no mundo ocidental como Kama Sutra – é um antigo texto indiano sobre o comportamento sexual humano, amplamente considerado o trabalho definitivo sobre amor na literatura sânscrita. O texto foi escrito pelo filósofo indiano de tradição Carvaka e Lokyata Mallanaga Vatsyayana, que viveu entre os séculos IV e VI a.C., como um breve resumo dos vários trabalhos anteriores que pertencia a uma tradição conhecida genericamente como Kama Shatra. Excertos do Kama Sutra:

Foi dito por alguém que não há ordem ou momento exatos entre o abraço, o beijo e as pressões ou arranhões com as unhas ou dedos, mas que todas essas coisas devem ser feitas, de um modo geral, antes que a união sexual se concretize, ao passo que as pancadas e a emissão dos vários sons devem ocorrer durante a união. Vatsyayana, entretanto, pensa que qualquer coisa pode ocorrer em qualquer momento, pois o amor não se incomoda com o tempo ou ordem.

Quando o amor se intensifica, entram em jogo as pressões ou arranhões no corpo com as unhas. As pressões com as unhas, entretanto, não são comuns senão entre aqueles que estejam intensamente apaixonados, ou seja, cheios de paixão. São empregadas, juntamente com a mordida, por aqueles para quem tal prática é agradável.

4. Apostatamos e esquerdeamos por pura ignorância; compreendida e corrigida a ignorância, lastimar o leite derramado é perda de tempo. Então, a lamentação – Oh!, por que fui apostatar? – por um lado, é inútil; por outro, é infantil; e, por um terceiro ângulo, é carcerária, porque mói e remói, massacra e remassacra, escarafuncha e reescarafuncha uma ignorância compreendida, corrigida e ultrapassada.

5. O pecado! Que pecado?

 

 

 

 

 

A história da maçã é pura fantasia; maçã igual àquela o papai também comia isto é o que diz a História da Maçã, uma marchinha de carnaval, de 1954, de autoria de Haroldo Lobo e Mílton de Oliveira. Eu, que não acredito e não me conformo com a tal da mordidela na matiana pericùlósa da Malus sylvestris, e muito menos aceito o tal do pecado como simples pecado (sejam pecadilhos, sejam pecadões) que possa ser considerado justificável ou por não sei quem perdoado – seja original (o pior de todos), seja venial, seja mortal, seja capital – usarei este conceito esquisito, extravagante e excêntrico para explicar o seguinte: sexo, em princípio, não é e nunca foi pecado, desde que a sua ancoragem seja o amor, e que, concomitantemente, seja realizado com responsabilidade responsável. Responsabilidade responsável não é um circunlóquio, porque, paradoxalmente, há a responsabilidade irresponsável. Então, Pecado de verdade, que dá inferno quentinho sim senhor e faz a festa do canheta, é, por exemplo, pedofilia de religioso que, à força ou na lábia malandra, violenta uma criança. Entretanto, no entra-e-sai do dia-a-dia, a desgraceira corriqueira, calamitosa e funesta – que por ser calamitosa e funesta é muitissimamente pior do que o inexistente, o imaginoso e o avernal pecado – é fazer da vida uma doentia, dissipável e aviltante finalidade sexual. Como ensina o professor, médium e orador espírita brasileiro Divaldo Pereira Franco, o sexo foi feito para a vida; não a vida para o sexo. Seja como for, a energia sexual, sim, é, em um sentido esotérico muito particular, a mais poderosa energia que o ser humano tem à sua disposição. Então, se reprimir o fluxo da energia sexual poderá acarretar inúmeros desvios, provocar distúrbios e conseqüentizar várias doenças físicas e psíquicas, dissipá-la perdulária e irresponsavelmente – como eu, no passado, desajuizadamente, malbaratei com mil e uma mais não sei quantas namoradas – oportunamente nos obrigará a compensar a orgástica malgastança. Por este motivo, assumo e digo: quero e vou compensar isto – e todo o resto, por omissões e em comissões; e é grande este resto! – com muito prazer. Querendo ou não querendo, como todos, eu terei mesmo que retribuir; mas, por que com muito prazer? Com muito prazer, repito, porque, primeiro, não adianta lhufas, nicas, bulhufas e picas, e não muda uma vírgula o descontentamento e a rebeldia durante o transcurso do processo compensatório, que é necessário, imprescindível e inevitável; segundo, porque quando temos boa vontade em corrigir uma imperfeição, aprendemos mais rápido e menos intensas serão as sensações desagradáveis do aprendizado educativo. Nesta matéria, como em tudo, a vociferação, a rangedeira e o murmúrio só produzem duas coisas: barulho inútil e retardamento retardante. Aqui, retardamento retardante é um circunlóquio, sim; mas, de emprego legítimo, pois, no caso, confere maior vigor ao que desejo expresar. Bem, nesta pequena nota cabe um ensinamento de Madame Blavatsky, apresentado em sua Doutrina Secreta: A Filosofia jamais poderia ter formado a sua concepção de uma Deidade lógica, universal e absoluta, se não tivesse tido algum Ponto Matemático dentro do Círculo sobre o qual basear suas especulações. Somente o Ponto Manifestado perdido para os nossos sentidos após o seu aparecimento pré-genético na Ilimitabilidade e Incognoscibilidade do Círculo é que acabará tornando possível uma reconciliação entre a Filosofia [místico-alquímico-esotérica) e a Teologia. Esta reconciliação, acrescento, é mais (ou exclusivamente) no sentido teológico em direção à Filosofia do que filosófico em direção à Teologia. Talvez, até, exagerando, digo: a Filosofia nada tem a aprender com a Teologia, enquanto a Teologia tem tudo a aprender com a Filosofia! Isto nada tem a ver com fé e razão, que, como já expliquei em trabalho anterior, são dois pratos de uma mesma balança. A fé que, por exemplo, produziu a inquisição e o Index Librorum Prohibitorum e a razão que produziu o holocausto e a bomba nuclear, nada têm de fideísmo ou de raciologicidade (racionalidade + logicidade); têm, isto sim, tudo de entressonho malévolo e ilógico e de boçalidade sanguinária e arrogante.

 

 

 

 

 

O Ponto Matemático dentro do Círculo

 

 

Música de fundo:

La Barca
Composição: Roberto Cantoral
Interpretação: Trío Los Panchos

Fonte:

http://www.pcdon.com
/EydieGorme-TrioLosPanchos.html

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.gifanatics.com/files/evil_clown.gif

http://www.raisites.com/letraviva/poesia/poemas-declama
dos/37-vou-me-embora-pra-pasada-manuel-bandeira.html

http://pre-vestibular.arteblog.com.br/51909/MANUEL-
BANDEIRA-recursos-modernistas-em-Libertinagem/

http://www.flickr.com/groups/ideas
brasil/discuss/72157605910941711/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pas%C3%A1rgada

http://pt.wikipedia.org/wiki/Kama_Sutra

http://en.wikipedia.org/wiki/Kama_Sutra

 

Observação 1:

Se você quiser ouvir o poema Vou-me Embora Pra Pasárgada de Manuel Bandeira, gravado por ele em 1930, clique AQUI.

 

Observação 2:

Se você quiser ler a minha ultrapassada Pasárgada (Depoimento: Em Pasárgada não encontrei a paz), clique AQUI.