Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

Madonna con il Bambino
e le Sante Caterina e Maddalena

Giovanni Bellini
1500 ca Venezia, Gallerie dell'Accademia

 

inda hoje muitas pessoas pensam que só existam quatro evangelhos, e outras há que, mesmo sabendo da existência dos evangelhos gnósticos, simplesmente os desqualificam. A questão em aberto é por que a Igreja Católica (e seus acólitos), ao correr dos séculos, remeteu essas obras para os porões – isso quando não conseguiu queimá-las durante grande parte da Idade Média, como foi o caso do Epitome Astronomiæ Copernicanæ de Kepler, publicado entre 1617 e 1621, e que foi colocado no Index de livros proibidos pela Igreja Católica em 10 de Maio de 1619, simplesmente porque ela, a Igreja, abominava a idéia de um modelo heliocêntrico. A razão da proibição estava fundada no conteúdo questionável do Salmo 103:5 no qual está escrito: Fundaste a Terra sobre as suas bases, e não vacilará pelos séculos dos séculos. Mas isso é muito fácil de entender: quem tem o poder faz de tudo para não o perder, nem que seja preciso queimar, mentir e ranger. Historicamente, essa coisa toda começou em 1559 quando Paulo IV fez publicar o primeiro Index Auctorum et Librorum Prohibitorum, isto é, a primeira lista oficial de livros proibidos pela Igreja Católica. Mas, eu pergunto: quem pode proibir o quê?

Ainda que a maior parte da história conhecida tenha sido escrita pelos vencedores – e a Igreja Católica é uma vencedora – muitas obras foram preservadas da fúria piroclástico-eclesiástica para que pudessem vir a público quando as liberdades não estivessem mais, de um modo geral, tuteladas nem pela cristandade nem pelos donos do poder – ainda que essa tutela não tenha desaparecido completamente, como de fato jamais será inteiramente abolida. De vez em quando essas tutelas parecem voltar e revolutear como em um rodamoinho-delírio avassalador, principalmente sob a forma de perseguição aos místicos. Então, que os místicos tomem as precauções que acharem convenientes, porque eu já tomei a minha: não dou a menor bola para esses fedorentos. Isso para não usar aquele verbo que você deve estar pensando (sinônimo de obrar e de defecar).

De qualquer maneira, o que se passou exatamente há dois mil anos jamais saberemos com exatidão. Quem escreve uma obra qualquer – um evangelho, por exemplo – mesmo que procure ser fiel às informações e aos fatos históricos, inconscientemente (e até conscientemente) irá colori-la um pouco mais ou um pouco menos de acordo com a sua cultura e com o seu próprio nível de desenvolvimento espiritual e consciência dos episódios. Não interpretar e não colorir é, de certa forma, impossível. Por outro lado, no que concerne a percepções místicas, estas podem ser realmente intuídas transracionalmente, mas, uma coisa é intuí-las – acessá-las mística e psiquicamente – outra é decodificá-las concertadamente. A encarnação, naturalmente, impõe um véu difícil (mas não impossível) de ser desvelado. Como disse Xenófanes de Cólofon, a opinião reina em tudo.

Quando escrevi o texto Revisitação Comentada de Algumas Sentenças Crípticas e Herméticas do Evangelho de Tomé, afirmei: Na Palestina de vinte séculos atrás eram basicamente falados três idiomas: o aramaico, pelo povo em geral; o hebraico, pelos intelectuais judeus; e o grego, pelos comerciantes e pelos negociantes. Por isso, cautela! É praticamente impossível fazer com exatidão a transposição do tempo, da voz, da pronúncia e dos modos verbais da origem para a contemporaneidade, seja próxima ou mais remota. E os evangelhos inseridos na Bíblia foram escritos muitos anos depois de os fatos ali narrados terem acontecido. Teriam tais fatos realmente acontecido da forma como são geralmente conhecidos? Mais cautela! Esse é, portanto, um outro nó que deve ser levado em consideração e desatado adequadamente na leitura de textos bíblicos, por exemplo. E as entrelinhas dizem mais (mas ocultam!) do que as linhas, e como os suppressoris librorum prohibitorum só lêem as linhas – pois não enxergam mais do que um palmo à frente da focinheira – não conseguiram apagar as entrelinhas! Ainda bem! Para ler o ensaio sobre o Evangelho de Tomé dirija-se a:

http://paxprofundis.org/livros/tome/tome.html

Mas, afinal quem foi Maria Madalena? Isso importa? Não importa nada. Não importa se foi ou se não foi casada com Jesus (aliás, com relação a Jesus tudo é tabu, pecado, dogma ou mistério, mas, Akhnaton, só para citar um exemplo, foi casado com Nefertiti e ninguém se horroriza ou questiona esse fato), se teve ou se não teve um filho com Jesus e se o Santo Graal foi uma taça ou o seu útero. Especula-se sobre tudo. Para aparecer na mídia, especula-se; para ser reconhecido, especula-se; por esquizofrenia, especula-se; para simplesmente contraditar, especula-se; para desqualificar, especula-se; por teologismo, especula-se; para amedrontar, especula-se; para dominar, especula-se; enfim, especula-se por todos os motivos, mas, em todos esses casos, essas especulações são geralmente menores e maledicentes. Eu ficaria muito feliz se soubesse (ou tivesse a certeza) de que o Mestre Jesus era casado, e, por isso, vou especular um pouco também, mas por nenhum dos motivos acima. Compare a animação abaixo da obra-prima A Última Ceia de Leonardo da Vinci (1452 - 1519) – considerado o talento mais versátil da Itália do Renascimento – com a Madonna con il Bambino e le Sante Caterina e Maddalena de Giovanni Bellini que abre este ensaio. Por outro lado, por que entre o primeiro apóstolo da esquerda (à direita de Jesus) e Jesus, na obra de Leonardo, há um intervalo que desenha a letra V? Qual o significado oculto da letra V? Seria esse apóstolo uma mulher? Se Leonardo pintou uma mulher em A Última Ceia, esta não poderia ter sido outra que não tivesse sido Maria Madalena. De qualquer forma, em um sentido puramente místico-alquímico, pergunto: como poderia Jesus não ter sido casado? O grave nesta matéria é que as pessoas quando pensam em casamento pensam sempre em sexo e filhos. E o casamento místico-alquímico nada tem de sexual no sentido usual do conceito, nem obrigatoriamente deverá produzir filhos. Mas, vou perguntar mais uma vez: o que importa tudo isso? Só importaria (e mesmo assim relativamente) se soubéssemos exatamente o que é um casamento místico-alquímico.

 

Última Ceia
Leonardo da Vinci

 

O que de fato importa para nossa reflexão é que – se a história for fidedigna – Maria Madalena esteve sistematicamente ao lado de Jesus e teve acesso a informações misticamente classificadas devido à sua condição de discípula e de Torre Esotérica da Gnose Cristã. Segundo os historiadores, ela deixou escrito um pequeno Evangelho – que das suas dezenove páginas originais, segundo consta, chegaram à contemporaneidade apenas seis – e é este Evangelho que, sem consultar comentadores, passarei a examinar a partir de agora segundo um olhar puramente místico-iniciático. E assim, meus dois dedos indicadores vão digitar o que o pensamento comandar, pois o Evangelho de Madalena será, por assim dizer, mais um tipo de catalisador para estimular minha reflexão sobre temas profundamente místicos e importantíssimos para a libertação do homem nesta Nova Era que está a começar. O que for passagem do Evangelho de Maria Madalena estará em itálico e sublinhado.

 

 

 

 

 

1 - Todas as espécies, todas as formações, todas as criaturas estão unidas; elas dependem umas das outras e se separarão novamente em sua própria origem. Pois a essência da matéria somente se separará de novo em sua própria essência.

Comentário: Tudo é UM. All Are One. Mas, quando se cumpre o tempo as criaturas retornam para o Plano Vibratório que as originou, ou serão recicladas. Contudo, a evolução-movimento ad semper é uma Lei Universal, e, por isso, pelo mérito – e só pelo mérito – poderemos ascender, isto é, mudar de Plano, de Faixa vibratória. Somos todos responsáveis por tudo. Não há milagre; não há prêmio; não há punição. Ou aprendemos, ou aprenderemos. E então, quando aprendermos, não mais retornaremos para a mesma essência, mas para uma oitava acima no seio da Essentia Mater. E continuaremos a aprender... Pois em nosso interior há um fragmento, uma centelha, indissociável da Eterna Luz. Lumen de Lumine. Poderemos, contudo, retornar, mas por compaixão.

 

 

2 - Jesus disse: — Não há pecado; sois vós que os criais...

Comentário: Essa questão do pecado está intimamente ligada (entre outras ligações) à necessidade do homem em separar o bem do mal, mas sem compreender exatamente o que seja um e o que seja o outro. E assim, as várias teodicéias, particularmente as derivadas da vertente judaico-cristã, chegaram ao limite de inventar o mais absurdo de todos os pecados: o pecado original – que pretende explicar a origem da imperfeição humana e sua inclinação para praticar o mal, cujo nascedouro está, segundo o Genesis, nos primeiros seres humanos criados por Deus que, ao desobedecerem diretamente a Deus, viram sua condição humana irreversivelmente modificada e temporariamente dessacralizada. Escreveu Fernando Pessoa em Pecado Original:

 

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

 

Antes de prosseguir direi que nunca não é propriamente nunca: será nunca enquanto quisermos que seja nunca. Seguindo. O pecado (e o pecado original em primeiro lugar, quer seja ele considerado sob a perspectiva evolucionista monogenista, quer seja ele considerado sob a perspectiva evolucionista poligenista) foi e continua sendo um instrumento muito bom e muito útil de exercitação do poder, pois sem ele a indústria dos negócios salvíficos com Deus já teria falido há muito tempo e os gerentes desses negócios estariam desempregados.

Ora, aquilo que os místicos denominam de Consciência Cósmica não é boa nem é má – é neutra. A essa neutralidade pode-se, de uma forma místico-iniciática, denominar de Summum Bonum, que absolutamente não pode ser confundida com ociosidade ou com inação. Mas, mais do que a Justiça humana, comparativa e imageticamente, o Summum Bonum é cego, surdo e mudo, já que a Justiça é (teoricamente), por comparação, apenas cega, não sendo (ou não devendo ser, no caso da Humanidade) nem surda nem muda. O Summum Bonum é cego, porque vê e não interfere; é surdo, porque ouve e não opina; e é mudo, porque não se dissipa perdulariamente. Se eu tivesse que escolher o maior bem que o homem possui eu escolheria a LIBERDADE, pois a existência seria inútil se algo ou alguém fizesse pelas criaturas o que elas devem fazer por si. Portanto, a LIBERDADE está indissoluvelmente amalgamada com a RESPONSABILIDADE. Em suma: o Summum Bonum terá que ser conquistado. Individualmente. Por tudo isso, entendeu Blaise Pascal (1623-1662): O Universo é uma esfera cujo centro está em toda a parte e cuja circunferência não está em parte alguma. Se trocarmos, na máxima acima, Universo por Summum Bonum...

O que é, então, o mal? Simplesmente o afastamento dessa neutralidade. E o que é o bem? Simplesmente o contraponto ao afastamento dessa neutralidade. Imagine-se um determinado Plano do Teclado Universal. Imagine-se agora que nesse Plano se manifeste uma coisa qualquer. Para que essa coisa manifestada possa ser promovida a um nível freqüencial mais elevado é necessário que ela esteja o mais próximo possível da neutralidade harmônica de sua faixa vibratória – o Summum Bonum para aquela faixa – portanto, nem boa nem má e nem justa nem injusta. Então, a afirmação de que quanto mais alta for a freqüência vibratória de um determinado ser, mais perto ele estará do Espírito de Deus é um equívoco da compreensão dianóico/noética. A psicopatia do mal é equivalente à paranóia do bem, e tanto o malvado contumaz quanto aquele que infernizou sua própria vida com a mania de fazer o bem a qualquer custo terão que compreender esses exageros ou desarmonias. Mas, então, não se deve praticar o bem? Tanto faz praticar o mal como o bem? Não. Como, geralmente, os excessos e os deslizes são para menos, ou seja, o afastamento da neutralidade se faz para a esquerda e/ou para baixo (ainda que esquerda e embaixo sejam inteiramente relativos), o contraponto para neutralizar esses excessos é pela via contrária, isto é, o bem – ou o que a criatura humana julga que seja o bem (que também é relativo). E quando um bem relativo e individual é feito, esse bem afeta todo o Plano em que a coisa beneficiada está inserida, e, por extensão, todo o Universo – a coisa beneficiada e o Plano, pelo exercício do bem, tendem a se aproximar da neutralidade para aquele Plano, isto é, para o Summum Bonum que perpassa aquele Plano. Então, quando Jesus afirmou, pelos escritos de Madalena, que não há pecado; sois vós que os criais, não estava dizendo outra coisa que não fosse alertando para o distanciamento (volitivo ou não) da neutralidade harmônica das freqüências vibratórias que deslizam pelo e interagem com o Plano Terra – uma expressão do Summum Bonum. Se assim não fosse, não seria possível ao homem produzir, alcançar e realizar, ainda que efemeramente, contatos místicos com esse Plano de harmonia neutra, dinâmica e perpétua. Na meditação sincera e desinteressada, na qual nada é desejado ou solicitado, esse Plano pode ser percebido ou realizado, ainda que, repito, efemeramente, mas fundamentalmente pelo trabalho e pelo mérito. Não sei se a animação abaixo representa adequadamente esse entendimento, mas é assim que eu o compreendo e que pude pictoricamente expressá-lo. Observe, na animação, que nesse excelso estado o ser não consegue discernir o que é bem e o que é mal. A diferenciação se faz quando ele retorna desse estado e, por comparação, atribui valores ao antes e ao depois da experiência mística.

 

 

3 - A matéria produziu uma paixão sem igual, que se originou de algo contrário à Natureza Divina. A partir daí, todo o corpo se desequilibrou.

Comentário: O que poderia significar paixão sem igual? O que poderia significar Natureza Divina? Penso que paixão sem igual possa estar referido ao afastamento do Summum Bonum comentado no item anterior, que, para efeito didático, pode ser denominado de Natureza Divina. Como a queda do homem é uma ficção muito mal engendrada, na verdade o afastamento se dá pela própria natureza das manifestações (mal interpretada por Baruch Spinoza, 1632-1677, como Natura Naturata – o Mundo e as coisas criadas – em contraposição a Natura Naturans – Deus e seus atributos eternos e infinitos). Não se pode comparar o vírus H5N1 da gripe aviária, que anda ameaçando a Humanidade agora em 2005, com os vírus causadores de mosaico no feijão, nem esses mesmos vírus com um gato doméstico ou com o homem. Suas freqüências de manifestação são distintas. Leite de pedra não se tira e só se compreende o que se pode compreender. Desejos, cobiças, paixões e equívocos são mais ou menos intensos relativamente ao maior ou menor distanciamento da harmonia universal para um dado Plano, pois é nesse Plano que as criaturas desse Plano se manifestam e compreendem como seres individualizados. E essa compreensão em nada depende de uma maior ou menor cultura escolástica. Os generais que fazem as guerras não podem compreender uma linha das obras de Jacob Boehme (1575-1624), que era sapateiro, mas Jacob Boehme, se estivesse vivo, saberia compreender muito bem o que esses generais andam fazendo.

Portanto, quanto mais distanciada uma natureza qualquer esteja de seu ponto de equilíbrio, mais desequilibrada estará (ou ficará) em relação ao Summum Bonum. Mas, como não querer (e condenar) que uma sucuri não abrace uma capivara, ou que um tigre não prede uma gazela? Da mesma forma que um autor místico, às vezes, escreve coisas que nem ele próprio esperava que fosse escrever, pois são inspirações existentes e oriundas de Planos freqüenciais com os quais se harmonizou temporariamente em função do serviço que está desempenhando, muitos seres, muitas vezes, cometem barbaridades sem se dar conta do que estão fazendo, e, portanto, para tais seres não são barbaridades. Enfim, deve ser mais ou menos como está escrito (se foi dito): Pai, perdoai-os pois não sabem o que fazem.

 

4 - Disse Jesus:A Paz esteja convosco. Recebei minha paz. Tomai cuidado para que ninguém vos afaste do Caminho, dizendo: 'Por aqui' ou 'por lá'...

Comentário: Mais uma vez me socorro de Raymond Bernard: Na Via Iniciática prestigiosa que seguimos, as tentações são numerosas, as quedas ocasionais e a dúvida periódica. Nada é mais fácil do que depois de achar o Caminho dele se afastar, porque o Caminho não é sempre ensolarado, florido e perfumado. Os apelos são gigantescos e o Corpo dos Desejos não dorme. Mas estou convencido de que, por experiência pessoal, quando há sinceridade o retorno é inevitável. E é quase uma verdade absoluta que uma vez iniciado, sempre iniciado. Mas há exceções – os excomungados. Estes traíram e 'pecaram' no sentido mais abjeto do vocábulo. Voltarão? Serão aceitos novamente? Depende exclusivamente deles. Eu não os julgarei jamais. Mas, discordo inteiramente de Oscar Wilde (1854-1900) quando afirmou: A única maneira de livrar-se de uma tentação é ceder a ela. Por isso ele mesmo escreveu: Posso resistir a tudo, menos à tentação.

 


 

5 - Onde está a mente há um Tesouro...

Comentário em três versos:

 

Onde está a mente pura

Estará o sorriso puro.

Contudo, nenhuma sinecura

Leva ao Mapa do Tesouro.

 

Pois o Mapa do Tesouro

Está no próprio Coração.

Ele vale mais do que ouro

E do que qualquer fraudação.

 

— Ei bambino! Toma tino!

Vê se aprende esta lição:

Tão-só para o Peregrino

Se fará a Illuminação!

 

6 - Disse Maria Madalena: — Mestre, aquele que tem uma visão vê com a alma ou como espírito? Jesus respondeu e disse: — Não vê nem com a alma nem com o espírito, mas com a consciência, que está entre ambos – assim é que tem a visão.

Comentário: O melhor comentário a esta afirmação é transcrever do Manual Rosacruz o conceito de personalidade-alma, entendimento de todos os Rosacruzes e ensinado pelo fundador deste Segundo Ciclo Iniciático da Ordem Rosacruz AMORC, Dr. Harvey Spencer Lewis (Mestre Alden): A personalidade é o Eu, e o Eu é uma expressão da Alma no interior do corpo do homem. A Alma se esforça para manifestar sua natureza divina e qualidades cósmicas através da consciência objetiva do homem. Na proporção em que o homem se torna consciente de sua essência divina, sua Alma – e nessa mesma proporção o Eu ou personalidade – com ela se identifica. A personalidade, portanto, é a manifestação objetiva da reação do indivíduo ao segmento inseparável da Alma Universal com que o homem está infundido. À medida que o homem eleva sua consciência objetiva e se torna mais sensitivo às influências de sua própria Alma, mais a sua conduta e os seus pensamentos representam a natureza espiritual da Alma. A Alma é a essência perfeita no homem, pois é parte da essência da Alma Universal que flui através de todos os homens, da mesma maneira. É a personalidade, portanto, que o homem deve gradualmente fazer evoluir. Esta evolução consiste em fazer com que a personalidade se identifique, absolutamente, com a natureza da Alma, para expressar, objetivamente, todas as qualidades espirituais interiores. Assim, tudo se resume a duas palavras, dois conceitos, preliminares que devem ser obedecidos por todo e qualquer místico que está em Peregrinação: TRABALHO e MÉRITO. Ambos, entretanto, comandados pela VONTADE.

 

 

7 - E o desejo disse à alma: Não te vi descer, mas agora te vejo subir. Por que mentes, já que pertences a mim? A alma respondeu e disse: Eu te vi. Não me viste, nem me reconheceste. Usaste-me como mero acessório e não me reconheceste.

Comentário: Aqui vale a pena recordar Emmanuel Kant (1724-1804). O imperativo hipotético determina o curso de uma ação para se chegar a um fim específico (se for Beta, deverá ser Gama); o imperativo categórico vale por si só e ordena o curso da ação que precisa ser seguida e praticada devido às suas imparcialidade, correção e necessidade (deve ser Alfa). Os imperativos hipotéticos estão subordinados a uma determinada condição: correspondem, por exemplo, a ações praticadas como meio de evitar tal ou qual punição, ou para se obter tal ou qual recompensa. O imperativo categórico foi formulado por Kant nestes termos: Age como se a máxima da tua ação devesse se tornar, pela tua vontade, uma lei natural geral. Para concluir este comentário, parafrasearei Marcel Proust (1871-1922): Quem apenas labora para possuir bens materiais acaba não possuindo nada. Se o vácuo existisse, o vácuo seria esse nada, que, ilusoriamente, pode representar tudo para o ignorante.

 

 

8 - A potência ignorância inquiriu a alma dizendo: Aonde vais? Estás aprisionada à maldade. Estás aprisionada, não julgues! E a alma disse: Por que me julgas apesar de eu não haver te julgado?

Comentário: Conforme já reproduzi mais acima, disse Bernard: ... as tentações são numerosas... Mas, aprendi uma Lei que vou divulgá-la agora. Todos sabemos que não se passa um dia em que não sejamos tentados, e tentados de todas as formas. Mas, de onde vem o desejo? Onde, realmente, se produz a tentação? Fora? Fora poderá catalisar (desencadear pela própria presença ou existência) o afastamento da neutralidade – vale dizer, do harmonium ou do æquilibrium – mas é dentro que a coisa toma forma e terá seguimento, se permitirmos. Então, quando isso acontece comigo eu dou o seguinte comando silente: DETERMINO, AGORA, QUE ESSE DESEJO SE DILUA. NÃO CEDEREI. AGORA. ESTÁ SELADO. Posso afirmar com segurança que não se passam dez segundos para que desejos, paixões e pensamentos detrimentais se desfaçam. Essas tentações, muitas vezes, costumam tentar tomar conta e dominar o ser imediatamente antes de dormir ou enquanto o indivíduo dorme. A fórmula acima resolve o problema imediatamente, como resolve também quando alguém tem pesadelos (recorrentes ou não). Evidentemente que essa fórmula – que, na verdade, serve para tudo – só terá efeito se o indivíduo realmente não estiver disposto a ceder exercendo a sua vontade – que, em princípio, misticamente, deve ser soberana.

9 - Quando a alma venceu a terceira potência, subiu e viu a quarta potência, que assumiu sete formas. A primeira forma, trevas; a segunda, desejo; a terceira, ignorância; a quarta, é a comoção da morte; a quinta, é o reino da carne; a sexta, é a vã sabedoria da carne; a sétima, a sabedoria irada. Essas são as sete potências da ira...

Comentário em forma de animação em flash:

 

 

10 - A alma respondeu dizendo: O que me subjugava foi eliminado e o que me fazia voltar foi derrotado... e meu desejo foi consumido e a ignorância morreu. Em um mundo fui libertada de outro mundo; ... fui libertada... dos grilhões do esquecimento, que são transitórios. Daqui em diante, alcançarei em silêncio o final do tempo propício, do reino eterno...

Comentário: Um místico só poderá almejar e conquistar a verdadeira Liberdade e a Illuminação se vencer e tiver dominado os desejos, as iniqüidades, as paixões, a tortura da ilusão, as cobiças... Então, a objetividade tentadora que contamina a subjetividade será ultrapassada, assim como a subjetividade conspurcada não terá ascendência sobre o Eu... A ignorância será paulatinamente dissipada pela Voz Interior... In corde... Mal e bem convergirão para a neutralidade... Para a harmonia neutra, mas dinâmica... O que estava esquecido, gradualmente, vai sendo lembrado... Faz-se o Reino do Silêncio que é e não é silente... A vida passa a ser uma real e efetiva expressão da VIDA...

11 - É antes, o caso de nos envergonharmos e assumirmos o homem perfeito... não criando nenhuma regra ou lei, além das que o Salvador nos legou.

Comentário: Do Cristianismo original e das doutrinas de Jesus e seus Pequeninos muito pouco ainda é mantido e divulgado nas religiões dele derivadas. Inventou-se de tudo para que o poder secular não desmoronasse, e a prístina espiritualidade em grande medida se perdeu em meio ao autoritarismo eclesial.

 

Música de fundo:

This Is The Time (Billy Joel)

Fonte:

http://members.tripod.com/scottpreston/music.html