CARL GUSTAV JUNG
(1875-1961)

 

Vi logo que a Psicologia Analítica concordava singularmente com a Alquimia. As experiências dos alquimistas eram minhas experiências, e o mundo deles era, em um certo sentido, o meu. A seqüência toda das operações alquímicas bem poderia representar o processo de individuação de uma pessoa.

Carl Gustav Jung

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Objetivo do Trabalho

 

Este trabalho está longe de ser um texto científico ou original, pois não consultei a obra integral de Jung. Isto não significa que seja inútil. Certamente não é. Eu o elaborei com todo o cuidado e com o intuito de oferecer aos que não conhecem o pensamento de Jung uma parte de suas reflexões, de tal sorte que o texto foi estruturado com base em algumas de suas melhores máximas (que consegui pesquisar em algumas de suas obras e na Web) e que listei sob a forma de excertos editados, alguns mostrando fatos interessantes de sua personalidade que considero profundamente educativos e exemplificativos, pois todos nós temos nossas limitações, angústias e dificuldades. Da Web editei também de diversos Websites um resumo de sua biografia na qual são apresentados alguns momentos relevantes de sua vida e do seu relacionamento com Sigmund Freud (1856-1939), neurologista austríaco e fundador da Psicanálise. Todos os livros, artigos e Websites consultados estão arrolados ao final do trabalho e são inspiradoras fontes de consulta. Finalmente, informo que uma parte dos estudos da Tradicional Ordem Martinista é voltada para o estudo da obra de Jung. Creio, assim, que, particularmente, os Martinistas (de todas as Ordens Martinistas) aproveitarão bastante este despretensioso rascunho. De repente, me lembrei de um passo da letra de Summertime, de George Gershwin:

 

Oh! Your daddy's rich
And your mamma's good lookin'.
So hush little baby;
Don't you cry.

Por outro lado, penso que o mais importante da obra junguiana seja o fato de que Jung tratou a psique (estrutura mental ou psíquica de um indivíduo e que, no neoplatonismo, simbolizava a segunda emanação do Uno, tida como uma consciência universal e como o princípio que anima o Universo como um todo) como uma totalidade, ou seja, não reduziu suas especulações ao aspecto puramente orgânico ou a um único aspecto psíquico, como a libido. Para Jung, as distintas regiões da psique (que compreende a consciência e o inconsciente) não são partes isoladas, mas funções desta. O Eu é o centro da consciência e se acha rodeado e imerso pela consciência e pelo inconsciente (pessoal ou coletivo). Porém, ainda que eu não concorde com o conceito junguiano de inconsciente coletivo, seja lá o nome que se dê a esse oceano vibratório ilimitado, é nesse oceano – o verdadeiro palco da vida e da Vida – que estão mergulhados todos os Eus. Quando se compreende isso (ou se realiza experiencial e misticamente esse irredutível fato cósmico), passa-se a ter a plena compreensão de que somos todos um. Portanto, Jacques Vigne tem razão quando afirma: O que caracteriza a psicologia espiritual é a experimentação pessoal: as observações são feitas mergulhando-se na própria psique, coisa que os sábios praticam há milhares de anos, graças à meditação e outras técnicas de expansão da consciência. Para eles, todo ser humano é seu próprio laboratório, para explorar seus estados interiores. Não é uma questão de crença ou de fé, é uma questão de experiência... Não é também uma coisa que possa ser alcançada na base do ouvir dizer, ou que possa ser efetivada em circunstâncias em que prevaleçam uma ansiedade irracional ou a fé cega ou fanática. Tudo depende da harmonia interior, e esta é função do Santo Silêncio. Fideísmo racional ou racionalismo fideísta são uma só e a mesma coisa. Desprezar a razão e acreditar em verdades absolutas fundamentadas na revelação e na fé, ou desdenhar a fé e apostar todas as fichas na razão são uma só e a mesma coisa.

Espero, enfim, sinceramente que os fragmentos que selecionei possam ser de alguma valia para os que estudarem este rascunho, que, repito: em absolutamente nada é original. Apenas, para concluir este item, recomendo que os fragmentos não sejam apenas lidos, ainda que se concorde (ou não) com eles; uma breve meditação sobre cada um será de extrema utilidade.

 

Biografia de Carl Gustav Jung

 

Juventude


arl Gustav Jung (1875-1961), psicólogo e psiquiatra suíço, fundador da escola de Psicologia Analítica, nasceu em 26 de julho de 1875, em Kresswil, Basiléia, na Suíça, no seio de uma família voltada para a religião. Ao longo da sua juventude, interessou-se por filosofia e por literatura, especialmente pelas obras de Pitágoras, Empédocles, Heráclito, Platão, Kant e Goethe. Uma das suas maiores revelações posteriores seria a obra de Arthur Schopenhauer (1788-1860). Jung concordava com o irracionalismo que este pensador concedia à natureza humana, embora discordasse das soluções por ele apresentadas. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou conhecido por seu pessimismo e entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão. Em resumo, para Schopenhauer a suprema felicidade somente pode ser conseguida pela anulação da vontade. Tal anulação é encontrada no misticismo hindu, particularmente no Budismo, no qual a experiência do Nirvana constitui a aniquilação desta vontade última, o desejo de viver. Somente neste estado, segundo o pensador pessimista alemão, o homem alcança a única felicidade real e estável. Schopenhauer divide a vida humana em três condições básicas e fundamentais para aquilo que entendia como uma vida feliz: o que se é (sendo a condição mais importante por ser obra da natureza e uma posse inabalável), o que se tem (bens materiais e tudo que disso resulta, sendo importantíssima para a segurança e o conforto mundanos) e o que se representa para os outros (esta se constituindo em uma etapa importante dos relacionamentos, outra inevitável barreira da vida).

 

Primeiros Estudos


Já estudante de medicina, decidiu se dedicar à, então obscura, especialidade da Psiquiatria, após a leitura ocasional de um livro do psiquiatra Kraff-Ebbing. Em 1900, Jung tornou-se interno na Clínica Psiquiátrica Burgholzli, em Zurique, então dirigida pelo psiquiatra Eugen Bleuler, famoso pela sua concepção de esquizofrenia. A esquizofrenia geralmente começa durante a adolescência ou na juventude adulta. A Dra Nancy Andreasen é de opinião que as atuais evidências relativas às causas da esquizofrenia são um mosaico: a única coisa clara é a constituição multifatorial da esquizofrenia. Isso inclui mudanças na química cerebral, fatores genéticos e mesmo alterações estruturais. A origem viral e os traumas encefálicos não estão descartados. A esquizofrenia é provavelmente um grupo de doenças relacionadas, algumas causadas por um fator, outras, por outros fatores.

 

Primeira Ocupação,
Encontro com Sigmund Freud
e Polêmicas Sobre O Nazismo


Em 1902 Jung se deslocou a Paris onde estudou com Pierre Janet, regressando no ano seguinte ao hospital de Burgholzli onde assumiu um cargo de chefia, e onde também, em 1904, montou um laboratório experimental em que implementou o seu célebre teste de associação de palavras para o diagnóstico psiquiátrico. Nesse ínterim, Jung entrou em contato com as obras de Sigmund Freud (1856-1939). O primeiro encontro entre eles transformou-se em uma conversa que durou treze horas ininterruptas. Porém, tamanha identidade de pensamentos e amizade não conseguiam esconder algumas diferenças fundamentais que logo surgiram entre ambos. Jung jamais conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual, e Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si. O rompimento entre eles foi inevitável. Seria nos anos 30 do século passado que esta divergência atingiria o auge.

Mas, se, por um lado, os livros de Freud eram proibidos e queimados publicamente pelos nazistas (sendo Freud obrigado a deixar Viena pouco depois da anexação da Áustria, doente, nos seus 80 anos, para se dirigir ao exílio em Londres, enquanto que quatro irmãs suas não foram autorizadas a deixar a Áustria, tendo perecido no Holocausto nos campos de concentração de Auschwitz e de Theresienstadt), por seu lado, Carl Jung tornar-se-ia neste mesmo período uma das faces mais visíveis da Psiquiatria alemã da época. Jung, que alguns pretendem que tenha sido um simpatizante nazista (particularmente não acredito nisso, pois se assim tivesse ocorrido sua vida e sua obra seriam duas fraudes superpostas), assumiu em 1933, ano da chegada ao poder de Adolf Hitler, a presidência da Sociedade Médica Internacional Geral para a Psicoterapia, que contou como administrador, entre outros, com um sobrinho de Hermann Wilhelm Göring, o lugar-tenente do dezoito na Alemanha nazista. Ora, quando fiz meus cursos superiores de Química, o regime militar da Revolução de 64 estava no auge no Brasil, e nem por isso eu apoiei os tiranos. Tentar estabelecer um elo de ligação entre Jung e o Partido Nacional Socialista por ele ter aceitado a presidência da Sociedade Médica Internacional Geral para a Psicoterapia é uma tolice, como teria sido uma tolice eu deixar de estudar por causa do Golpe Militar. Contudo, no início de 1934, em um artigo Sobre a Situação Atual da Psicoterapia, Jung afirmou que o judeu, como nômade, não pode jamais criar a sua cultura própria; para desenvolver os seus instintos e talentos tem de se apoiar em um povo anfitrião mais ou menos civilizado. Carl Jung viria mais tarde a deixar aquela Organização. Volto à questão: admitir que os judeus não são capazes de criar uma cultura própria, não significa que Jung tenha aderido ao ideário nazista. Ainda que eu discorde dessa visão, não posso admitir que Jung tenha sido um nazista ou que tenha simpatizado com o Nazismo. A confirmação está no que segue abaixo.

Por outro lado, há alguns eventos biográficos que mostram suas relações amistosas e profissionais com muitos judeus, relações estas que não parecem indicar qualquer atitude anti-semita. Em alguns documentos sobre a cultura judaica, afirmou que os judeus, em geral, são mais conscientes e diferenciados, enquanto os arianos comuns permaneceram próximos à barbárie. Bem, há uma enorme diferença entre ariano1 e Ariano.

A polêmica teórica mantida por Jung com Freud não chegou a ponto de Jung fazer referências à origem religiosa ou racial de Freud, com vistas a conquistar a simpatia nazista. Nem no artigo de 1929, em que comparava as duas teorias, nem no discurso de Jung sobre Freud após a morte deste eminente pensador, em 1939, em um momento que poderia ser propício para angariar aquele beneplácito.

Sabe-se também que o obscurantismo atingiu obras de Jung que não interessavam ao regime nazista, tendo sido suprimidas em 1940 várias edições publicadas na Alemanha, e quando da invasão da França a Gestapo (polícia secreta da Alemanha nazista) destruiu as traduções francesas da obra de Jung que pudessem pôr em cheque as maluquices nazistas.

As duas primeiras providências de Jung quando assumiu a Überstaatliche Ärztliche Gesellschaft für Psychotherapie (Sociedade Médica Internacional para Psicoterapia), acumulando com a entidade Suíça, em 1933, foram: a reformulação dos estatutos, para evitar o controle hegemônico por alguma das sociedades nacionais, e a aceitação na Sociedade Internacional dos membros judeus e antinazistas expulsos da Sociedade da Alemanha, de modo que eles podiam exercer o seu ofício em outros países e garantir a sua subsistência como profissionais qualificados.

Sobre o editorial nazista publicado na revista editada pela Sociedade Médica Nacional da Alemanha para Psicoterapia, Jung declarou várias vezes que ele não teve ingerência no episódio. Pelas amizades que tinha com muitos representantes das vítimas do preconceito nazista e pelo conteúdo de sua obra, é extremamente improvável que ele concordasse intelectualmente com o seu conteúdo, sob pena de perder esses relacionamentos, mas principalmente por suas convicções místicas, o fator substantivo.

 

Reconhecimento Internacional


Em 1938, quando Freud saiu de Viena para Londres, a Drª. Iolande Iacobi também emigrou para Zurique, continuou seus estudos com Jung e posteriormente foi uma das fundadoras do Instituto C. G. Jung, tendo escrito a introdução às obras completas de Jung. Ainda nesse ano, a Universidade de Oxford, na Inglaterra, concedeu-lhe o título de Doutor Honoris Causa.

Em 1939 Jung renunciou à presidência da Sociedade Médica Internacional para Psicoterapia. Alegou que já tentara por duas vezes anteriores a renúncia, tendo permanecido como presidente apenas devido a pedidos dos representantes inglês e holandês, somente se retirando quando foram interrompidas as comunicações internacionais e a sua permanência não era mais necessária.

Em 1946, em cerimônia realizada em Zurique, Winston Churchill pediu que Jung compusesse a mesa e se sentasse a seu lado. Em abril desse ano Ernest Harms publicou um artigo cujo título é: Carl Gustav Jung – Defender of Freud and the Jews na Psychiatric Quarterly.

No Brasil, Jung teve uma conhecida aluna, a Dra. Nise da Silveira, fundadora do Museu de Imagens do Inconsciente. Ela escreveu, entre outros livros, Jung: Vida e Obra, publicado em primeira edição em 1968.

 

Teorias


Anterior mesmo ao período em que se comunicava com Freud, Jung começou a desenvolver um sistema teórico que chamou, originariamente, de Psicologia dos Complexos, mais tarde denominando-a de Psicologia Analítica, como resultado direto de seu contato prático com seus pacientes. O conceito de inconsciente já estava bem sedimentado na sólida base psiquiátrica de Jung antes de seu contato pessoal com Freud, mas foi com Freud, real formulador do conceito em termos clínicos, que Jung pôde se basear para aprofundar seus próprios estudos. O contato entre os dois cientistas foi extremamente rico para ambos, durante o período de parceria entre eles. Aliás, foi Jung quem cunhou o termo e a noção básica de complexo,2 que foi adotado por Freud.

Utilizando-se do conceito de complexo e do estudo dos sonhos e de desenhos, Jung passou a se dedicar profundamente aos meios pelos quais se expressa o inconsciente. Em sua teoria, enquanto o inconsciente pessoal consiste fundamentalmente de material reprimido e de complexos, o inconsciente coletivo é composto fundamentalmente de uma tendência para se sensibilizar com certas imagens, ou melhor, com determinados símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo universal – os arquétipos.3 Da mesma forma que animais e homens parecem possuir atitudes inatas, chamadas de instintos, também é provável que em nosso psiquismo exista um material psíquico com alguma analogia com os instintos.

A Psicologia Analítica, também conhecida como Psicologia Junguiana, é um ramo de conhecimento e prática da Psicologia iniciada por Carl Gustav Jung que se distingue da Psicanálise propriamente dita por uma noção alargada da libido e pela introdução do conceito de inconsciente coletivo. Ao contrário de Freud, Jung via a psique como positiva e negativa, um repositório não só das memórias e das pulsões reprimidas, mas também uma instância da dinâmica da divindade. A Psicologia Analítica foi desenvolvida com base no amplo conhecimento que Jung tinha da tradição psicológica contida na Alquimia e na Astrologia. Jung considerava, como explica Alexander Roob, que a forma híbrida ou hermafrodita de Alquimia constituía a sua face intrínseca, e que as obras químicas exteriores só poderiam ser aceitas como uma projeção de fenômenos anímicos cientificamente manipuláveis. A Psicologia Analítica conheceu depois da estruturação efetivada por Jung um grande desenvolvimento nos chamados pós-junguianos, os quais, ampliaram a visão de preliminar de Jung.

 

Deus Interior

Confrontando o inconsciente pessoal e integrando-o com o inconsciente coletivo – representado pelo arquétipo da sombra coletiva – Jung sustentou que um ser-no-mundo (ou um paciente) pode alcançar um estado de individuação ou de integridade de si mesmo (o seu Deus Interior), através da reconciliação dos estados diversos da personalidade, que ele viu divididos não somente em momentos contrários de introversão e extroversão, mas também nas subvariáveis pensamento, intuição, sensação e percepção.

Os Místicos adiantados sabem que é exatamente a fragmentação e a repetição intervalada desconexa que provocam as ilusões, as dúvidas, os sofrimentos e a morte. A primeira tarefa é, então, trabalhar a reconciliação dos diversos estados da personalidade, e procurar unificar a ilusória multiplicidade. É difícil? É. Mas não é impossível. Repiso, repito e insisto: a Senda é Cardíaca. Os deuses exteriores, coletivos, são construções falsas, vãs, quiméricas; só é real e indestrutível o Deus Interior. Mas esse Deus não pode ser comprado com dízimos ou comportamentos hipotéticos; terá que ser humildemente edificado por cada ser-no-mundo: In interiore. Hoje, aqui e agora. Como deixou escrito Santo Agostinho: Noli foras ire, in te ipsum redi. In interiore homine habitat veritas.

 



 

Últimos Dias


Carl Gustav Jung passou pela transição em 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, nas margens do lago de Zurique, em Küsnacht, após uma longa vida produtiva que marcou – e tudo leva a crer que ainda marcará muito mais – a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia. Foi, como salienta M. Viegas Abreu, mais um mestre da vida do que propriamente um cientista ou um terapeuta que tenha apoiado a sua arte ou a sua prática profissional numa acepção científica quer da realidade de curar quer dos métodos de cura. Jung foi um Místico. Jamais poderia ter sido um nazista.

 

Influências posteriores

 

A influência da visão junguiana da religião não se restringe à história das religiões ou à mitologia, mas alcança a teologia e a hermenêutica bíblica – é uma verdadeira renovação da teologia no seu todo. Assim, vemos sua influência em numerosos teólogos protestantes como Hans Schaer e Paul Tillich; católicos como Victor White e Teilhard de Chardin; e ortodoxos como o teólogo da Igreja ortodoxa russa Paul Evdokimov (1901-1970), que afirmou duplamente: 1º) Criado à imagem de Deus e à sua semelhança, o homem possui uma orientação essencial que o determina... Como toda a cópia atraída pelo seu original, o homem-imagem aspira a se ultrapassar para se lançar em Deus e encontrar Nele o apaziguamento da sua nostalgia; e 2º) A idéia de Deus não é antropomórfica, o homem não cria Deus segundo a sua imagem, não o inventa. Mas, a idéia do homem é teomórfica, Deus é que o criou à sua imagem. Tudo vem de Deus, a experiência de Deus vem também de Deus, porque Deus é mais íntimo ao homem do que o próprio homem. Isso é o que se pode conceber como o máximo da ortodoxia! Entretanto, essa mesma ortodoxia não foi uma barreira que o afastasse de Jung.

 

Carta de Jung a Victor White (1902-1960)

 

Cronologia

 

26 de julho de 1875: nascimento de Carl Gustav Jung em Kesswil, cantão de Thurgau, Suíça. O pai é pastor protestante.

1879: a família muda-se para uma aldeia próxima de Basiléia.

1886-1895: estudos secundários no colégio de Basiléia.

1895-1900: Jung estuda medicina na Universidade de Basiléia e interessa-se pela Psiquiatria.

1900: em dezembro torna-se médico adjunto do professor Eugen Bleuler, Diretor da Clínica Psiquiátrica do Hospital Burghölzli da Universidade de Zurique.

1902: defesa de Tese de Doutorado (Psicopatologia e Patologia dos Fenômenos Ditos Ocultos). A tese é um estudo de caso sobre uma jovem médium espírita na qual Jung interpreta as manifestações dos espíritos como personificações da própria médium.

1902-1903: estágio e estudos em Paris (Salpêtrière) seguindo o ensino de Pierre Janet.

1903: casa com Emma Rauschenbach de quem terá cinco filhos. Primeiros trabalhos sobre as associações de idéias e a teoria dos complexos.

1905: assume um posto logo abaixo de Bleuler no Burghölzli. É nomeado Privat-Dozent. Ministra cursos sobre hipnose.

1906: publica Estudos Sobre Associações.

1907: primeiro encontro com Freud em 27 de fevereiro. Publica A Psicologia da Demência Precoce.

1908: publicação de O Conteúdo das Psicoses.

1909: viaja aos EUA com Freud, onde pronunciam conferências na Universidade Clark. Deixa Burghölzli para se instalar em Küsnacht, na Seestrasse 228, às margens do lago de Zurique, residência que ocupará até a sua morte. É colaborador no ensino de Psiquiatria na Universidade de Zurique até 1913.

1909: funda a Sociedade Sigmund Freud de Zurique. Demite-se do Burghölzli.

1910: participa com Freud da fundação da Internationale Psychoanalytische Vereinigung (IPV), mais tarde denominada de International Psychoanalytical Association (IPA). Por influência de Freud, é eleito presidente.

1912: publicação de Metamorfoses e Símbolos da Libido. Esta obra causou várias divergências com Freud.

1913: Freud rompe com Jung. Jung renuncia ao título de Privat-Dozent.

1914: conferências no Bedford College em Londres (Sobre a Compreensão Psicológica e Sobre a Importância do Inconsciente em Psicopatologia; A Estrutura do Inconsciente). Participa de um Congresso Médico em Aberdeen.

1916: forma-se em torno de Jung o Clube Psicológico de Zurique. É publicada As Relações Entre o Ego e o Inconsciente (ampliação de A Estrutura do Inconsciente).

1917-1919: é nomeado médico-chefe do campo de prisioneiros ingleses em Château-d’Oex e posteriormente em Mürren.

1918: publica Sobre o Inconsciente.

1920: publica Os Tipos Psicológicos.

1921-1926: viaja pela África, América Central e Índia.

1930: presidente de Honra da Sociedade Médica Alemã de Psicoterapia.

1933: ministra cursos livres na Escola Politécnica Federal.

1934: ministra de 1º a 6 de outubro um Seminário em Basiléia: O Homem à Descoberta da Sua Alma.

1935: na Escola Politécnica torna regular seu curso e o tema é sobre Psicologia Analítica.

1943: publica Psicologia do Inconsciente.

1944: a Universidade da Basiléia cria para Jung a cadeira de Psicologia Médica, a qual abandonará em 1946 por problemas de saúde. Publica Psicologia e Alquimia.

1946: publicação de Psicologia da Transferência.

1948: o Clube Psicológico de Zurique torna-se o Instituto C. G. Jung.

1952: publica Resposta a Job.

1954: publica Arquétipo Mãe.

1955: publica Mysterium Coniunctionis. Segudo o próprio Jung, só com Mysterium Coniunctionis minha Psicologia se situou definitivamente na realidade e se cimentou historicamente como um todo. Com ela minha tarefa estava terminada, minha obra feita e cumprida.

1957: fundação da Sociedade Suíça de Psicologia Analítica. Publicação de Presente e Futuro.

1958: publica Um Mito Moderno.

1957-1959: redige sua autobiografia.

6 de junho de 1961: morre em Küsnacht, Zurique.

 

 

Jung
Jung à beira do lago, em Zurique

 

 

Excertos do Pensamento Junguiano

 

 

 

 

A ciência não deveria parar no umbral do ilógico.

A deusa razão é a nossa maior e mais trágica ilusão.

É apenas através da psique que podemos estabelecer que Deus age sobre nós.

O que Deus realmente é permanece uma questão além da compreensão de toda a Psicologia.

Encontramos inúmeras imagens de Deus, mas não podemos produzir o original. Não há dúvida em minha mente de que há um original por trás de nossas imagens, mas é inacessível. Não podemos nem mesmo estar a par do original, uma vez que sua tradução em termos psíquicos é necessária para fazê-Lo perceptível, no fim das contas... Por que deveríamos ser tão pouco modestos, supondo que podemos apanhar um Ser Universal nos estreitos limites de nossa linguagem? Sabemos que o Deus-imagem representa um grande papel na Psicologia, mas não podemos provar a existência física de Deus. Como cientista responsável, não vou pregar minhas convicções pessoais e subjetivas que não posso provar... Falando por mim mesmo, a questão de Deus existir ou não existir é fútil. Estou suficientemente convencido dos efeitos que o homem sempre atribuiu a um ser divino. Se eu devesse exprimir uma crença além dessa ou devesse afirmar a existência de Deus, isso não seria apenas supérfluo e ineficiente, mas mostraria que não baseio minhas opiniões em fatos. Quando as pessoas dizem que acreditam na existência de Deus, isso não me impressiona nada. Ou eu conheço algo e não preciso acreditar nisso; ou acredito nisso porque não estou certo de não conhecer. Estou bastante satisfeito com o fato de conhecer experiências que não posso evitar chamar de numinosas ou divinas.

Afinal de contas, podemos imaginar Deus como um fluxo eterno de energia vital que indefinidamente muda de forma, com tanta facilidade, que podemos imaginá-Lo como uma essência eternamente imutável e inamovível.

Deus não seria apenas a luz espiritual, aparecendo como a flor tardia na árvore da evolução, não apenas o objetivo espiritual da redenção na qual toda a criação culmina, não apenas o fim e o propósito, mas, também, a mais obscura causa primordial das mais negras profundezas da Natureza. Há aí um tremendo paradoxo que manifestamente corresponde a uma profunda verdade psicológica.

A ausência de moralidade humana em Javé é um empecilho que não pode ser ignorado... Notamos a falta de razão e de valores morais, isto é, duas características principais de uma mente humana madura. É portanto óbvio que a imagem jeovística ou a concepção da deidade é menos do que certos espécimes humanos: a imagem de uma força brutal personificada e de uma mente antiética e não-espiritual, e inconsciente o bastante para mostrar laços de gentileza e generosidade, com uma forte propensão à violência... Essa imagem deve sua existência não a uma formulação intelectual, mas, antes, a uma manifestação espontânea, ou seja, à experiência religiosa de homens como Samuel e Jó... As pessoas ainda perguntam: é possível que Deus permita tais coisas?

É permissível admitir que o 'Svmmvm Bonvm' é tão bom, tão alto, tão perfeito, mas tão remoto que está inteiramente além do nosso alcance. Mas é igualmente permissível admitir que a realidade final é um Ser que represente todas as qualidades de sua criação: virtude, razão, inteligência, bondade, consciência 'e seus opostos', o que é um completo paradoxo para nossa mente.

Escrevendo a um ministro protestante suíço, em 1952, Jung comentou: Compartilho inteiramente de sua opinião de que o homem vive inteiramente quando, e apenas quando, ele se relaciona com Deus, com Aquele que dirige seus passos e determina seu destino.

Quanto ao Pai Nosso, Jung escreveu: A cautelosa súplica 'não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal' foi considerada apropriada por Jesus, o Cristo, para lembrar seu Pai de suas inclinações destrutivas para com a espécie humana e pedir a Ele que desista delas.

É apenas através da psique que poderemos estabelecer que Deus age sobre nós, mas somos incapazes de distinguir se essas ações emanam de Deus ou do inconsciente.

Pode ocorrer facilmente que um cristão que acredita em todas as figuras sagradas seja ainda subdesenvolvido e imóvel no mais profundo de sua alma, porque ele tem Deus 'todo do lado de fora' e não o experimenta na alma. Seus motivos decisivos, seus interesses e seus impulsos dominantes não vêm da esfera da cristandade, mas da psique inconsciente e subdesenvolvida, que é tão pagã e arcaica como sempre... Sua alma está fora de compasso com suas crenças externas... Sim, tudo deve ser encontrado fora — em imagem e em palavra, na Igreja e na 'Bíblia' — mas nunca dentro.

Quero dizer que conheço a existência de Deus-imagens em geral e em particular. Sei que é uma questão de experiência universal, e, como não sou exceção, sei que tenho tal experiência também, à qual chamo Deus.

Não criamos Deus, nós O escolhemos.

A relação médico-paciente – principalmente quando intervém uma transferência deste último ou uma identificação mais ou menos inconsciente entre médico e doente – pode conduzir ocasionalmente a fenômenos de natureza parapsicológica.

Assim como o corpo humano possui uma anatomia comum, acima e além das diferenças raciais, também a psique humana possui um substrato que transcende a toda diferença cultural e consciente.

Os arquétipos existem pré-conscientemente e provavelmente formam as dominantes estruturais de todos os seres vivos e a sua índole específica.

Vi logo que a Psicologia Analítica concordava singularmente com a Alquimia. As experiências dos alquimistas eram minhas experiências, e o mundo deles era, em um certo sentido, o meu. A seqüência toda das operações alquímicas bem poderia representar o processo de individuação de uma pessoa.

O 'self' representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a realização de sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra sua vontade. A dinâmica desse processo é o instinto, que vigia para que tudo o que pertence a uma vida individual figure ali, exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer tenha consciência do que acontece, quer não.

Mitos e contos de fadas expressam processos inconscientes. A narração dos contos revitaliza esses processos e restabelece a simbiose entre consciente e inconsciente.

Eu tinha uma caixa de lápis envernizada, amarela, do tipo comumente usada por crianças da escola primária, com uma pequena trava e a costumeira régua. Na ponta desta régua eu entalhei um pequeno homenzinho de cinco centímetros de comprimento com uma casaca, chapéu e botas pretas brilhantes. Eu o colori com tinta preta e cortei-o fora da régua e o coloquei na caixa onde fiz para ele uma pequena cama. Eu até fiz uma coberta com um pedaço de lã. Na caixa, eu também coloquei uma pedra preta do rio Reno que eu pintei com guache para parecer como se fosse dividida em uma parte de cima e uma de baixo, e que eu carreguei por muito tempo no meu bolso. Esta era a pedra dele. E tudo isto era um grande segredo.

Não sou levado por excessivo otimismo nem sou tão amante dos ideais elevados, mas me interesso simplesmente pelo destino do ser humano como indivíduo – aquela unidade infinitesimal da qual depende o mundo e na qual, se estamos lendo corretamente o significado da mensagem cristã, também Deus busca seu fim.

O Livro Tibetano dos Mortos: A ele eu devo não apenas muitas idéias e descobertas estimulantes mas também muitos 'insights' fundamentais.

Pelo uso de mandalas, a concentração é feita no domínio interior que contém: a unidade da vida e da consciência que, apesar de outrora possuída, está perdida e precisa ser reencontrada. Em outra passagem, reflete Jung: Mandala significa círculo, e mais especialmente, círculo mágico. As mandalas não se difundiram só em todo o Oriente, mas também existem entre nós. São numerosas no início da Idade Média no mundo cristão. Muitas delas têm o Cristo no centro e os quatro evangelistas ou seus símbolos nos quatro pontos cardeais. Essa concepção deve ser muito antiga, uma vez que entre os egípcios Hórus era representado do mesmo modo, com seus quatro filhos.

 

 

 

 

Acho que meus pensamentos giram em torno de Deus como os planetas em torno do Sol, e são da mesma forma irresistivelmente atraídos por ele. Eu me sentiria como o maior pecador em querer opor uma resistência a esta força. Compreendi que Deus pelo menos para mim era uma das experiências mais imediatas.

O horóscopo é aquele 'manuscrito' de que se diz [Paulo, Col., II, 14] que ele [Cristo] eliminou o vínculo (...) e o removeu do caminho, ao gravá-lo na cruz.

 Uma outra experiência ocorreu naqueles dias. Eu estava indo para a escola, quando, de repente, num 'flash', eu tive a impressão de ter acabado e emergir de uma nuvem densa. Eu imediatamente soube: Agora eu sou eu!

De repente, eu compreendi que Deus era, pelo menos para mim, uma das experiências mais certas e imediatas.

A Psicologia, como ciência relaciona-se, em primeiro lugar, com a consciência; a seguir, ela trata dos produtos do que chamamos psique inconsciente, que não pode ser diretamente explorada por estar em um nível desconhecido ao qual não temos acesso. O único meio de que dispomos, nesse caso, é tratar os produtos conscientes de uma realidade, que supomos originários do campo inconsciente, esse campo de 'representações obscuras' ao qual Kant, em sua Antropologia, se refere como sendo um mundo pela metade. Tudo o que conhecemos a respeito do inconsciente foi-nos transmitido pelo próprio consciente. A psique inconsciente, cuja natureza é completamente desconhecida, sempre se exprime através de elementos conscientes e em termos de consciência, sendo esse o único elemento fornecedor de dados para a nossa ação. Não se pode ir além desse ponto, e não nos devemos esquecer de que tais elementos são o único fator de aferição crítica de nossos julgamentos.

Nascemos num dado momento, num dado lugar, e teremos, como os vinhos célebres, as qualidades do ano e da estação que nos viram nascer.

O que não enfrentamos em nós mesmos encontraremos como destino.

As opiniões mutáveis dos homens rarissimamente me afetam. Os pensamentos dos antigos Mestres têm para mim valor bem maior do que os preconceitos filosóficos da mente ocidental.

Em um dos mais antigos textos [de Alquimia] – o manuscrito de 'Comarius para Cleópatra' os metais [são] descritos como 'cadáveres' que jazem espalhados no Hades, confinados e agrilhoados nas trevas e no nevoeiro. O elixir da vida, as 'águas bentas', penetram neles e despertam-nos do seu sono. [Hades era considerado o deus do mundo inferior, soberano dos mortos. O nome Hades era usado para designar tanto o deus como os seus domínios.]

Tudo o que aprendi levou-me, passo a passo, a uma inabalável convicção sobre a existência de Deus. Eu só acredito naquilo que sei. E isso elimina a crença. Portanto, não baseio a Sua existência na crença... Eu sei que Ele existe.

Como símbolo psicológico, a Trindade significa, primeiramente, a homoousia ou essência de um processo que se desenvolve em três etapas e que podemos considerar como fases de um amadurecimento inconsciente no interior do indivíduo. Nesta perspectiva, as Três Pessoas divinas são personificações das três fases de um acontecimento psíquico regular e instintivo, que tem uma tendência e se expressar sempre sob a forma de mitologemas e através de costumes rituais, como por exemplo nas iniciações da puberdade e da vida masculina, nas ocasiões de nascimento, de casamento, de doença e de morte. Os mitos e os ritos, como nos mostram, por exemplo, a medicina do Antigo Egito, têm significado psicoterepêutico – até mesmo em nossos dias. Em segundo lugar, a Trindade indica um processo secular de tomada de consciência. Em terceiro lugar, a Trindade não quer apenas representar, por exemplo, a personificação de um processo em três etapas, mas ser, de fato, o único Deus em Três Pessoas, as quais possuem, conjuntamente, uma só e a mesma natureza divina, pois em Deus não há passagem de potência ao ato, da virtualidade à realidade; pelo contrário, Deus é a 'Pura Realidade', o próprio 'Actus Purus'. [Na sua Metafísica, Aristóteles ensina: 1º) Das coisas não existentes, algumas existem em potência, por não existirem em ato; 2º) Deve-se supor um extremo que seja motor sem ser móvel, ser eterno, substância e Ato Puro; e 3º) A primeira entidade não tem matéria, pois é enteléquia. Todas as coisas são e existem em potência e/ou em ato. Uma coisa em potência é uma coisa que tende a ser outra, como uma semente que tende a ser uma árvore. Por outro lado, as coisas, mesmo em ato, também são e estão em potência, para se manifestarem no eterno vir-a-ser como novos e mais elaborados atos. A única coisa totalmente em ato é o Ato Puro, que Aristóteles identificou com o Sumo Bem, isto é: um pensamento de e em si mesmo, uma inteligência pura, um não-vir-a-ser, um motor imóvel que tudo move sem ser movido por nada, ou seja, um motor já e sempre em ato. Esse Ato não é nada em potência e nem é a realização de potência alguma. Ele é sempre igual a si mesmo, e não é um antecedente de coisa alguma. Simplesmente é. Desse conceito, Tomás de Aquino derivou sua noção de Deus, em que Deus seria Ato Puro, que Jung repetiu como 'Actus Purus'. Segundo Tomás: A Deus, porém, convém ser Ato Puro e primeiro, de onde que ao mesmo tempo convém maximamente agir e difundir sua semelhança em outros, e por isso a Ele, maximamente, convém a potência ativa, já que a potência ativa é dita na medida em que é princípio de ação.]

Tudo é banal, tudo é 'nada mais do que'; e por isso as pessoas são neuróticas. As pessoas estão simplesmente enfastiadas de tudo, dessa vida banal, e por isso querem sensações. Querem até uma guerra: todas querem uma guerra. Todas ficam felizes quando há uma guerra e dizem: 'Graças a Deus, finalmente acontece algo, algo que é maior do que nós'.

Sabia que esta pequena chama era a minha consciência, a única luz que possuía. O conhecimento de mim mesmo era o único e maior tesouro que eu possuía. Apesar de infinitamente frágil, comparado aos poderes da sombra, era uma luz, minha única luz.

Quem olha para fora sonha; quem olha para dentro acorda.

A psique tem duas condições importantes. Uma é a influência ambiental e a outra é o fato dado da psique quando ela nasce. Tudo que você faz aqui, tudo isto, todas as coisas, foram fantasias para começar, e a fantasia tem uma realidade própria. A fantasia, como você vê, é uma forma de energia, a despeito de não podermos medi-la. E assim, acontecimentos psíquicos são fatos, são realidades. E quando você observa o fluxo das imagens internas, observa um aspecto do mundo, do mundo interior, porque a psique, se você a entende como um fenômeno que tem lugar nos chamados corpos vivos, é uma qualidade da matéria, como nosso corpo consiste de matéria.

A neurose principal de nosso tempo é o vazio.

A perturbação psíquica de uma neurose e a própria neurose podem ser concebidas como um 'ato frustrado de adaptação'. Essa formulação corresponde à opinião de Freud, para quem a neurose constitui, num certo sentido, uma tentativa de autocura.

A neurose é sempre um substituto de um sofrimento legítimo.

Uso a palavra 'individuação' para designar um processo através do qual um ser se torna um 'individuum' psicológico, isto é, uma unidade autônoma e indivisível, uma totalidade.

Uma consciência inflacionada é sempre egocêntrica e só tem consciência de sua própria presença. [Este conceito é exatamente o oposto daquela realização pessoal e intransferível de que somos todos um.]

 

 

 

A sombra personifica o que o indivíduo recusa conhecer ou admitir e que, no entanto, sempre se impõe a ele, direta ou indiretamente, tal como os traços inferiores do caráter ou outras tendências incompatíveis.

Há tantos arquétipos quanto há situações típicas na vida. Uma repetição sem-fim gravou essas experiências em nossa constituição psíquica, não na forma de imagens preenchidas de conteúdo, mas primeiro como formas sem conteúdo, representando meramente a possibilidade de um certo tipo de percepção e ação. Quando ocorre uma situação que corresponde a um arquétipo dado, aquele arquétipo se torna ativado e uma certa compulsividade aparece, o que, como um guia instintivo, ganha seu caminho contra toda a razão e vontade, ou então produz um conflito de dimensões patológicas, o que vale dizer, uma neurose.

O ser humano não se torna iluminado ao imaginar figuras de luz, mas ao se conscientizar da escuridão.

O homem que apenas crê e não procura refletir, esquece-se de que é alguém constantemente exposto à dúvida, seu mais íntimo inimigo, pois onde a fé domina, ali também a dúvida está sempre à espreita. Para o homem que pensa, porém, a dúvida é sempre bem recebida, pois ela lhe serve de preciosíssimo degrau para um conhecimento mais perfeito e mais seguro. [Dubito, ergo sum, vel, quod idem est, cogito, ergo sum. (Descartes, Inquisitio Veritatis). Duvido, logo existo, ou, o que é a mesma coisa, penso, logo existo.]

Ser 'normal' é o ideal dos que não têm êxito, de todos os que ainda se encontram abaixo do nível geral de adaptação. Mas, para as pessoas dotadas de capacidade acima da média, que não encontram qualquer dificuldade em alcançar êxitos e em realizar sua cota-parte de trabalho no mundo, a compulsão moral a não serem nada, senão normais, significa o leito de Procusto: mortal e insuportavelmente fastidioso, um inferno de esterilidade e de desespero.4

A própria Psicanálise, bem como as diretrizes de pensamento às quais deu origem, e que são, na verdade, um desenvolvimento ocidental, são uma tentativa de principiantes, comparados com o que, no Oriente, constitui uma arte imortal.

De fato, o significado especial de uma obra de arte reside no fato de que ela escapou das limitações da pessoalidade e se colocou além dos limites dos interesses pessoais de sua criação.

O amor mata o que éramos, a fim de que surja o que não éramos. O amor é para nós como uma morte.

Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia. Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas. Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo que mutilá-lo.

O fiel não pode contestar o fato de que há 'somnia a Deo missa' (sonhos enviados por Deus) e iluminações da alma impossíveis de serem remetidas a causas externas. Seria uma blasfêmia afirmar que Deus pode se manifestar em toda a parte, menos na alma humana.

Paga-se mal a um mestre enquanto se permanece discípulo.

O sonho chega como a expressão de um involuntário processo psíquico inconsciente, além do controle da mente consciente. Mostra a verdade interior e a realidade do paciente como efetivamente elas são: não como eu conjecturo que seja e não como ele gostaria que fosse, mas como é.

A análise, na medida em que se restringe à decomposição, deve ser necessariamente seguida por uma síntese.

Esse é o segredo da Grande Arte e do seu efeito sobre nós. O processo criativo, na medida em que somos hábeis a segui-lo, consiste na ativação inconsciente de uma imagem arquetípica e em uma elaboração dessa imagem em uma linguagem do presente, e faz isso possível para que encontremos nosso caminho de volta aos momentos mais profundos da primavera de nossas vidas.

A reimersão ao estado de participação mística é o segredo da criação artística e do efeito que a Grande Arte tem sobre nós, porque não é o nível de experiência do indivíduo que conta, mas a vida do coletivo. Isso se deve ao fato de que cada grande obra de arte é objetiva e impessoal e profundamente tocante. [O sorriso enigmático da Monalisa, de Leonardo da Vinci, é uma ilusão que aparece e desaparece devido à maneira peculiar como o olho humano processa as imagens, afirma um estudo sobre os mecanismos da visão da neurobióloga Margaret Livingstone. Da Vinci pintou o sorriso da Monalisa usando sombras que vemos muito melhor com nossa visão periférica, conclui a pesquisadora.]

 

 

Monalisa
Leonardo Da Vinci

 

 

Onde o amor governa, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, falta amor. Um é a sombra do outro.

Tratando-se de um estado subjetivo, cuja existência não pode ser legitimada por nenhum critério exterior, nenhuma tentativa posterior de descrição e explicação será bem sucedida, pois só quem fez tal experiência poderá compreender e testemunhar tal realidade. A 'felicidade', por exemplo, é uma realidade importante e não há quem não a deseje; no entanto, não há qualquer critério objetivo para testemunhar a existência indubitável dessa realidade. Assim, justamente nas coisas mais importantes é que devemos contentar-nos com nosso julgamento subjetivo.

Se o homem errado utilizar o método certo, o meio certo operará errado. Esta sentença, infelizmente verdadeira, da sabedoria chinesa, opõe-se da maneira mais brutal à fé que professamos no método 'certo', sem levar em conta o indivíduo que o utiliza. Não é o diploma médico, mas a qualidade humana, o decisivo.

Os dados reais não mudam quando aplicamos a eles outros nomes. Só nós poderíamos, casualmente, ser afetados. Se alguém concebesse 'Deus' como um 'puro nada', nada atingiria o princípio que nos ultrapassa. Continuaríamos tão possuídos por Ele como antes.

É a personificação das forças vitais que estão fora de nossas mentes conscientes; dos caminhos e das possibilidades de que nossa mente consciente unilateral não sabe nada; uma completude que abraça as várias profundidades da natureza. Ela representa a mais forte e inelutável ânsia em cada ser, a ânsia de se perceber como ser. A ânsia e a compulsão de se autocompreender é uma lei da natureza e, portanto, do poder invencível, até mesmo se sua efetividade, no início, seja insignificante e improvável.

Aqui [em Psicoterapia] temos de seguir a natureza como um guia. Então, o que fazemos como terapeutas é menos uma questão de tratamento do que de desenvolvimento das possibilidades criativas latentes no paciente.

O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera. Elas se mudam para a casa vizinha e poderão atear o fogo que atingirá sua casa sem que ele perceba. Se abandonarmos, deixarmos de lado, e de algum modo esquecermo-nos excessivamente de algo, corremos o risco de vê-lo reaparecer com uma violência redobrada.

Não sei dizer como é um homem que desfrute de completa auto-realização porque nunca vi nenhum. Antes de buscar a perfeição, devemos viver o homem comum, sem automutilação.

O inconsciente sabe mais do que o consciente, mas seu saber é de uma essência particular, de um saber eterno, que, freqüentemente, não tem nenhuma ligação com o 'aqui' e o 'agora', e não leva absolutamente em conta a linguagem que fala nosso intelecto.

O homem necessita de uma vida simbólica... Mas não temos vida simbólica... Acaso vocês dispõem de um canto em algum lugar de suas casas onde realizem ritos, como acontece na Índia? Mesmo as casas mais simples daquele País têm pelo menos um canto fechado por uma cortina no qual os membros da família podem viver a vida simbólica, podem fazer seus novos votos ou meditar. Nós não temos isso... Não temos tempo, nem lugar... Só a vida simbólica pode exprimir a necessidade do espírito – a necessidade diária do espírito não se esqueçam! E como não dispõem disso, as pessoas jamais podem se libertar desse moinho, dessa vida angustiante, esmagadora e banal...

O sonho é uma porta estreita, dissimulada, no que tem a alma de mais obscuro e de mais íntimo; abre-se sobre a noite original e cósmica que pré-formava a alma muito antes da existência da consciência do eu, e que a perpetuará até muito além do que possa alcançar a consciência individual.

O principal objetivo da Terapia Psicológica não é transportar o paciente para um impossível estado de felicidade, mas, sim, ajudá-lo a adquirir firmeza e paciência diante do sofrimento. A vida acontece no equilíbrio entre a alegria e a dor. Quem não se arrisca para além da realidade jamais encontrará a verdade.

 

 

Todo processo psíquico consiste em uma imagem e em um ser que está imaginando, senão nenhuma consciência poderia existir e o evento não teria fenomenalidade. Também a imaginação é um processo psíquico, e por isso é completamente fora de propósito perguntar-se se a iluminação (o 'satori',5 por exemplo) é 'real' ou 'imaginária'.

Não tenho necessidade de crer em Deus. Eu o conheço.

Ela [a Humanidade] projeta então o símbolo unificador nos céus. Através desta projeção torna-se 'numinoso' [o inexprimível, o misterioso, o tremendo, o 'totalmente outro', propriedades que possibilitam a experiência imediata do divino] e provido de forças míticas, e transforma-se no mito do salvador... Mas considerando que os UFOs sejam fenômenos reais, materiais, de natureza desconhecida, neste caso poderia ser um fenômeno de sincronicidade [coincidência significativa ou correspondência entre um acontecimento psíquico e um acontecimento físico não ligados por uma relação causal, ou, ainda, entre sonhos, idéias análogas ou idênticas que ocorrem em lugares diferentes, sem que a causalidade possa explicar umas e outras manifestações]... A situação psíquica da Humanidade, por um lado, e o fenômeno dos UFOs como realidade física do outro, não têm relação causal que possa ser reconhecida, mas parecem coincidir de forma significativa.

Um homem que nunca tenha atravessado o inferno de suas paixões, nunca as superou.

Os sonhos fornecem informações extremamente interessantes a quem se empenhar em compreender o seu simbolismo. O resultado, é verdade, pouco tem a ver com preocupações mundanas como comprar e vender. Mas, o sentido da vida não é explicado pelos negócios que se fez, assim como os desejos profundos do coração não são satisfeitos por uma conta bancária.

Quanto menos os pais aceitem seus próprios problemas, tanto mais os filhos sofrerão pela vida não vivida de seus pais, e tanto mais serão forçados a realizar tudo quanto os pais reprimiram no inconsciente.

Nenhuma circunstância exterior substitui a experiência interna. E é só à luz dos acontecimentos internos que entendo a mim mesmo. São eles que constituem a singularidade de minha vida.

Todos nós nascemos originais e morremos cópias. [Uns poucos, entretanto, passam pela transição inteiramente renovados e verdadeiramente originais.]

Quem desejar encontrar uma resposta ao problema do mal, tal como é colocado hoje em dia, necessita, em primeiro lugar, de um conhecimento de si mesmo, isto é, de um conhecimento tão profundo quanto possível de sua totalidade.

Esquecemos do fato milenar de que Deus nos fala sobretudo através de sonhos...

A libido denota um desejo ou um impulso livre de qualquer tipo de autoridade, moral ou outra. A libido é a apetência no estado natural. Do ponto de vista genético, são necessidades corporais como a fome, a sede, o sono e o sexo, e estados emocionais ou afetos, que constituem a essência da libido.

Quanto mais predomina a razão crítica, mais a vida se empobrece; mas quanto mais aptos formos a tornar consciente o que é inconsciente e o que é mito, maior parcela de vida integraremos. Superestimar a razão tem algo em comum com o poder absoluto de um Estado: sob sua dominação o indivíduo perece. [Por isso discordo inteiramente da ditadura republicana proposta pelo Positivismo.]

A disposição individual é já um fator na infância; é inata e não pode ser adquirida durante o curso da vida.

Eu estava certo de que minha mãe tinha duas personalidades: uma inócua e humana, a outra misteriosa. Esta outra emergia somente de vez em quando, mas cada vez que isto acontecia era inesperado e amedrontador. Ela falava como se estivesse conversando consigo mesma, mas o que ela dizia era para mim (acertando o fundo de meu ser) e me deixava tonto em silêncio.

Erros são, no final das contas, fundamentos da verdade. Se um homem não sabe o que uma coisa é, já é um avanço do conhecimento saber o que ela não é.

Os sonhos algumas vezes podem revelar certas situações muito antes de elas realmente acontecerem.

Minha primeira memória concreta era de brincar com tijolos e construir torres, que eu depois destruía com um 'terremoto'.

O terapeuta deve perceber a todo instante o modo pelo qual reage em confronto com o doente. Não se reage só com o inconsciente. É necessário perguntar sempre: 'como meu inconsciente vive esta situação?' É preciso, pois, tentar compreender os próprios sonhos, prestar atenção minuciosa em si mesmo e observar-se tanto quanto ao doente, senão o tratamento poderá fracassar.

A beleza está nos olhos de quem a contempla.

Assim, como o nosso corpo é um verdadeiro museu de órgãos, cada um com a sua longa evolução histórica, devemos esperar encontrar também na mente uma organização análoga. Nossa mente não poderia jamais ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo em que existe. Por ‘história’ não estou querendo me referir àquela que a mente constrói através de referências conscientes ao passado, por meio da linguagem e de outras tradições culturais; refiro-me ao desenvolvimento biológico, pré-histórico e inconsciente da mente no homem primitivo, cuja psique estava muito próxima à dos animais. Esta psique, infinitamente antiga, é a base da nossa mente, assim como a estrutura do nosso corpo se fundamenta no molde anatômico dos mamíferos em geral. O olho treinado do anatomista ou do biólogo encontra nos nossos corpos muitos traços deste molde original. O pesquisador experiente da mente humana também pode verificar as analogias existentes entre as imagens oníricas do homem moderno e as expressões da mente primitiva, as suas ‘imagens coletivas’ e os seus motivos mitológicos. Assim como o biólogo necessita da anatomia comparada, também o psicólogo não pode prescindir da ‘anatomia comparada da psique’. Em outros termos, o psicólogo precisa, na prática, ter experiência suficiente não só de sonhos e outras expressões da atividade inconsciente, mas, também, da mitologia no seu sentido mais amplo. Sem esta bagagem intelectual ninguém pode identificar as analogias mais importantes; não será possível, por exemplo, verificar a analogia entre um caso de neurose compulsiva e a clássica possessão demoníaca sem um conhecimento exato de ambos.

Nossas vidas têm tanto ou pouco sentido quanto nelas colocamos.

Para o filho, a 'anima' se oculta no poder dominador da mãe e a ligação sentimental com ela dura às vezes a vida inteira, prejudicando gravemente o destino do homem ou, inversamente, animando a sua coragem para os atos mais arrojados.

A projeção é um processo inconsciente, automático, através do qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. A projeção cessa no momento em que se torna consciente, isto é, ao ser constatado que o conteúdo pertence ao sujeito.

A via régia que nos leva ao inconsciente, entretanto, não são os sonhos, como ele [Freud] pensava, mas os complexos, responsáveis pelos sonhos e pelos sintomas.

O complexo emocionalmente carregado é a imagem de uma determinada situação psíquica com uma carga emocional intensa que se mostra incompatível com a habitual disposição ou atitude da consciência. Essa imagem é dotada de certa coesão interna, possui sua própria totalidade e dispõe, ainda, de um grau relativamente alto de autonomia. Isto é: está muito pouco sujeita às disposições da consciência e, por isso, comporta-se na esfera da consciência como um 'corpus alienum' [corpo alheio] cheio de vida...

No jardim da minha casa havia um muro de pedras e em frente a este muro havia uma elevação com uma pedra que era a minha pedra. Freqüentemente, quando eu estava sozinho, eu me sentava nesta pedra e começava um jogo imaginário que era o seguinte: 'Eu estou aqui sentado em cima desta pedra e ela está embaixo'. Mas a pedra também podia dizer 'eu' e pensar: 'Eu estou aqui deitada nesta elevação e ele está sentado em cima de mim'. A questão aí surgia: 'Eu sou aquele que está sentado em cima da pedra, ou eu sou a pedra na qual ele está sentado?' Esta pergunta sempre me deixava perplexo, e eu me levantava e ficava pensando quem era o quê agora. A resposta sempre permanecia obscura e minha incerteza era acompanhada de um sentimento curioso e fascinante de escuridão. Mas não havia dúvidas de que o que quer que fosse, esta pedra surgia em uma estranha relação comigo. Eu podia sentar nela por horas fascinado pelo enigma que ela produzia.

Minha experiência como médico assim como minha própria vida confrontavam-me constantemente com a questão do amor, e eu nunca fui capaz de dar uma resposta válida.

O Ego é um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória. Todos temos uma certa idéia de já termos existido, quer dizer, de nossa vida em épocas passadas; todos acumulamos uma longa série de recordações. Esses dois fatores são os principais componentes do ego, que nos possibilitam considerá-lo como um complexo de fatos psíquicos.

É este fator que eu chamo de arquétipo ou imagem primordial. A imagem primordial pode ser adequadamente descrita como a percepção que o instinto tem de si mesmo, ou como o auto-retrato do instinto. A imagem primordial, também dita arquétipo, é sempre coletiva, ou seja, é pelo menos comum a povos ou épocas inteiras

A estrutura da psique é, de fato, tão contraditória ou contrapontística, que não deve existir constatação psicológica ou proposição genérica alguma que não nos obrigue imediatamente a fazer também a afirmação do seu oposto.

Freud nunca se interrogou acerca do motivo pelo qual precisava falar continuamente sobre sexo e por que esse pensamento a tal ponto se apoderara dele. Nunca percebeu que a 'monotonia da interpretação' traduzia uma fuga diante de si mesmo ou de outra parte de si que ele teria, talvez, que chamar de 'mística'. Ora, sem reconhecer esse lado de sua personalidade, era-lhe impossível pôr-se em harmonia consigo mesmo. Ele tornou-se vítima do único lado que podia identificar, e é por isso que o considero uma figura trágica, pois era um grande homem e, o que é principal, tinha o fogo sagrado.

Quanto mais profundas forem as 'camadas' da psique, mais perdem sua originalidade individual. Quanto mais profundas, mais coletivas se tornam. O carbono do corpo humano é simplesmente [um conjunto de átomos de] carbono; no mais profundo de si mesma, a psique é o Universo.

 

 

 

Imagens expressam não só a forma da atividade a ser exercida, mas também, simultaneamente, a situação típica no qual se desencadeia a atividade. Tais imagens são 'imagens primordiais', uma vez que são peculiares à espécie, e se alguma vez foram 'criadas', a sua criação coincide no mínimo com o início da espécie. O típico humano do homem é a forma especificamente humana de suas atividades. O típico específico já está contido no germe. A idéia de que ele não é herdado, mas criado de novo em cada ser humano, seria tão absurda quanto a concepção primitiva de que o Sol que nasce pela manhã é diferente daquele que se pôs na véspera.

O destino quer – como sempre quis – que na minha vida todo o exterior seja acidental e que só o interior represente algo de substancial e determinante. É assim que todas as lembranças de acontecimentos exteriores empalideceram; mas talvez nunca tenham representado algo de essencial, ou apenas o foram na medida que coincidiam com as fases do meu desenvolvimento interior. Um número incalculável dessas manifestações exteriores caiu no esquecimento justamente porque, como então me parecia, todas as minhas forças estavam empenhadas nelas. Ora, são estes episódios exteriores que tornam uma biografia compreensível – pessoas que se conheceram, viagens, aventuras, complicações, golpes do destino e assim por diante. Com poucas exceções, tudo isso se metamorfoseou no limite das minhas lembranças, em imagens – fantasmas que minha mente não deseja reconstruir e nem dar asas a minha imaginação... Não posso me referir aos meus relacionamentos mais íntimos, que me voltam à mente como lembranças longínquas, pois constituem não somente minha vida mais profunda como também a dos meus amigos. Eles não me pertencem e eu não posso expor aos olhos do mundo estas portas, que para sempre deverão permanecer fechadas.

Primeira lembrança de um sonho: Eu estava no campo e de repente descobri um buraco escuro e retangular, no chão. Eu nunca o tinha visto antes. Eu corri até lá e me debrucei sobre ele. Aí eu vi uma escadaria de pedra que ia para baixo. Hesitante e com medo eu desci. No fundo havia um portal em forma de arco, fechado por uma cortina verde. Era uma cortina grande e pesada trabalhada com algo parecendo brocado, e parecia muito suntuosa. Curioso para ver o que havia por trás, eu a puxei para o lado. Eu vi diante de mim, na penumbra um quarto retangular, que tinha uns 9 metros de comprimento. O teto era arqueado e de pedra aparente. O chão era de lajotas, e no centro um tapete vermelho corria da entrada até uma plataforma baixa. Nesta plataforma havia um rico trono dourado. Eu não estou certo, mas, talvez, com uma almofada vermelha no assento. Era um trono magnífico, um verdadeiro trono de rei dos contos de fadas. Alguma coisa estava de pé nele, no que eu pensei primeiro que era um tronco de uma árvore de uns 3,5 a 4,0 metros de altura e 60 cm de diâmetro. Era uma coisa enorme que quase alcançava o teto. Mas ele era de uma constituição curiosa: ele era feito de pele e carne, e no topo tinha uma cabeça redonda sem rosto e nenhum cabelo. No topo da cabeça havia um único olho, imóvel, firmado para cima. Era um quarto com alguma iluminação apesar de não haver janelas e nenhuma fonte de luz aparente. Sobre a cabeça, entretanto, havia uma aura luminosa. A coisa não se mexia, mas eu tinha a sensação de que poderia se despregar do trono e se rastejar como uma minhoca em minha direção. Eu estava paralisado de terror. Neste momento, eu escutei, de fora e de cima, a voz de minha mãe. Ela dizia: 'Sim olhe para ele. Aquele é o devorador de homens!'. Aquilo intensificou o meu terror ainda mais e eu acordei suando e morrendo de medo. Por muitas noites seguidas eu fiquei com medo de ir dormir temendo ter um outro sonho como aquele.

A minha vida é o que eu fiz: a minha obra científica. São inseparáveis uma da outra. A obra é a expressão da minha evolução interior.

 

Rio de Janeiro, 25 de junho de 2006.

 

 

 

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Notas:

 

1. Ariano: suposta raça que abrangeria todos os indivíduos que compartilhavam as línguas indo-européias no passado e seus descendentes (não miscigenados) na atualidade. Sua existência foi defendida por autores europeus do século XIX e posteriormente retomada preconceituosamente pelos formuladores do racismo nazista. Os fósseis encontrados, entretanto, desmentem tal hipótese e demonstram a notável diversidade de configurações físicas entre os primitivos arianos. Ariano (com letra A maiúscula para diferenciar) é um Iniciado.

2. O Complexo de Jung, criado por Carl Gustav Jung, entendia os vários grupos de conteúdo psíquico que, desvinculando-se da consciência, passam a atuar no inconsciente, onde continuam, numa existência relativamente autônoma, a influir sobre a conduta. E, embora possa ser negativa, essa influência também assume características positivas, quando se torna o estímulo para novas possibilidades criativas. Trabalha-se os complexos através das análises das personas. Um complexo, na teoria junguiana, é um grupo de imagens relacionadas entre si que têm um acento emocional comum e que se formam em torno de um núcleo arquetípico.

3. Arquétipo, na Psicologia Analítica, significa a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. Jung usou o termo para se referir aos modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique. Os arquétipos básicos são: o selbst (si-mesmo, o verdadeiro centro da personalidade), a sombra, o animus (imagem do masculino), a anima (imagem do feminino), o mana, a grande mãe, o pai, o herói e a morte. Na opinião de Jung, o principal arquétipo é o self. O self é o centro de toda a personalidade. Dele emana todo o potencial energético de que a psique dispõe. É o ordenador dos processos psíquicos. Integra e equilibra todos os aspectos do inconsciente, devendo proporcionar, em situações normais, unidade e estabilidade à personalidade humana. Jung conceituou o self da seguinte forma: O 'self' representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a realização de sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra sua vontade. A dinâmica desse processo é o instinto, que vigia para que tudo o que pertence a uma vida individual figure ali, exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer tenha consciência do que acontece, quer não. Para Jung, a sombra é o centro do Inconsciente Pessoal, o núcleo do material que foi reprimido da consciência. A sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias e experiências que são rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a persona e contrárias aos padrões e ideais sociais. Quanto mais forte for nossa persona, e quanto mais nos identificarmos com ela, mais repudiaremos outras partes de nós mesmos. A sombra representa aquilo que consideramos inferior em nossa personalidade e também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em nós mesmos. Em sonhos, a sombra freqüentemente aparece como um animal, um anão, um vagabundo ou qualquer outra figura de categoria mais baixa. Persona é a máscara social que nós usamos, é aquilo que pensamos ser, que aparentamos ser, que os outros acreditam que somos, mas que na verdade não somos. A persona é uma camada muito superficial da psique e tem grande importância social, pois é por intermédio dela que nós assumimos papéis dentro da sociedade. Mana é um termo melanésio que designa um poder extraordinariamente atuante, que emana de um ser humano, de um objeto, de um ato, de um acontecimento ou de seres e espíritos sobrenaturais. Pode também significar saúde, prestígio, poder mágico e poder de cura. É um conceito primitivo de energia psíquica.

4. LEITO DE PROCUSTO por Fernando Kitzinger Dannemann:

A criminalidade, além de ser a qualidade ou estado do que ou de quem é criminoso, também indica a freqüência e natureza dos atos criminosos num dado meio, numa época e lugar determinados, constituindo, portanto, o conjunto e a história dos crimes. Já a criminologia estuda a conduta do delinqüente em função de alguns fatores, como os hereditários, os psicológicos e os sociais, não dispensando a colaboração de outros ramos do conhecimento para classificar os diversos tipos criminais e considerar o tratamento que se deve dar a quem pratica um crime. Na antiguidade, o castigo aplicado aos criminosos variava segundo as circunstâncias do crime, a condenação pronunciada e as leis de cada país, e o acontecido a Procusto é um exemplo disso.

Ele era um famoso salteador da Ática, antiga região grega que, segundo a tradição, dividia-se em doze estados pelasgos, os primitivos habitantes que povoaram a Grécia e a Itália por volta de 2000-1600 a. C., cujas cidades principais eram Atenas, Pireu e Elêusis. Sanguinário ao extremo, Procusto não se limitava a assaltar os viajantes que transitavam pelas estradas onde ele exercia sua atividade criminosa, mas também os submetia a um suplício bárbaro: os prisioneiros eram colocados em uma cama, e os de pequena estatura, que não ocupavam toda a extensão do leito, sofriam um processo de estiramento com cordas ligadas a roldanas, para que se adaptassem perfeitamente a ele; já os de tamanho maior, simplesmente tinham as partes que sobravam cortadas a machado.

Para dar um fim a esse temido bandoleiro, o herói Teseu foi chamado pelos moradores do lugar. Natural de outra região, a Argólida, ele na época havia recuperado a espada e sandálias que haviam pertencido a seu pai, o rei Egeu, de Atenas. Pondo-se a caminho, ao chegar a Epidauro, terra do temido Perifetes, conhecido pela violência com que atingia suas vítimas a golpes de clava de ferro, Teseu foi atacado pelo bandido, mas não só o venceu como lhe tomou a arma, que passou a levar consigo como recordação da sua primeira vitória. Durante o resto da viagem que empreendeu para a Ática, o guerreiro foi exterminando os monstros e os ladrões que encontrou pelo caminho, entre os quais estava o facínora Procusto, submetido à mesma tortura terrível que infligia às suas vítimas. Depois disso, Teseu ainda realizou diversas façanhas, como a morte do Minotauro, o rapto de Antíope, ou Hipólita, a rainha das amazonas, a derrota que impôs às mesmas amazonas nas colinas de Atenas, e outras mais.

Dessa passagem mitológica nos ficou a expressão “leito de Procusto”, aplicada às situações em que a utilização da força atropela as diferenças existentes entre os indivíduos, ou desrespeita as circunstâncias especiais que caracterizam os sistemas de vida adotados pelas pessoas. No Direito, a figura mitológica costuma ser invocada como metáfora de certos aspectos da atividade jurídica, considerando semelhante a Procusto aqueles que tentam enquadrar, de modo inadequado, determinada realidade em um conceito que a ela não se ajusta, equívoco que sempre resulta em conseqüências negativas.

Fonte:

http://www.usinadaspalavras.com/
index.html?p=ler_texto&txt_id=19401&cat=7

5. Satori é o estado de iluminação intuitiva perseguido no Zen-budismo. Atingido o Satori, o próprio ser-no-mundo passa a ser Zen, e o Zen integra-se no e com o ser-no-mundo. Tem o mesmo sentido do religare latino. A não-ilusão é o grande 'satori', a consciência exata, o quinto satori do Grande Homem, segundo Taisen Deshimaru Roshi. Ele afirma ainda: A mente indivisa não se refere nem ao grande nem ao pequeno, nem ao próximo nem ao distante, nem ao ser nem ao não-ser, nem ao ganho nem à perda, nem ao reconhecimento nem ao não-reconhecimento, nem ao 'satori' nem ao não-'satori', nem à ilusão, nem à vida e nem à morte. E também não se refere nem ao vir-a-ser nem ao não-vir-a-ser. A mente indivisa é. Mas, o que é uma mente indivisa?

Bibliografia

 

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Hades

 

Música de fundo:

Summertime (George Gershwin)

Fonte:

http://des_ligado.sites.uol.com.br/MIDIS.htm