(Segundo o Pensamento de Jorge Lagarrigue)

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

Jorge Lagarrigue

 

 

Para Lagarrigue, a meta do evolver da Humanidade é o estado sociocrático, e para que seja definitivamente implantado e cristalizado fazia-se mister dissolver a organização teocrática. Assim, segundo o Positivista chileno, ‘fizeram, sucessivamente, a elaboração grega, a incorporação romana, a preparação católico-feudal e a revolução moderna.’ O Positivismo, segundo Herbert Marcuse, está estruturado sobre três princípios: a) validação do pensamento cognitivo pela experiência dos fatos; b) orientação do pensamento cognitivo para as ciências físicas como modelo de certeza e de exatidão; e c) crença de que o progresso do conhecimento depende dessas duas orientações.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O objetivo desta monografia é cardealmente analisar o pensamento filosófico de Jorge Lagarrigue (1854-1894) – Apóstolo da Humanidade em Paris e Fundador da Igreja Positivista Chilena – no que concerne à obra por ele levada a público: A Ditadura Republicana Segundo Augusto Comte. Outros pensadores positivistas foram consultados, bem como historiadores e pesquisadores interessados no tema.

Ainda que o Brasil tenha sido o país onde a influência de Augusto Comte se fez mais sentir em todo o Planeta, particularmente pela ação de Miguel Lemos (1854 - 1917) e Raymundo Teixeira Mendes (1855-1927), no Chile ela alcançou algum sucesso pelo empenho dos irmãos Jorge Lagarrigue, Juan Enrique Lagarrigue (1852-1927) e Luis Lagarrigue (1864-1949) que constituíram, nesse País, o grupo mais importante de divulgação do Positivismo comteano. Jorge Lagarrigue, depois de se encontrar em Paris com um dos mestres do Positivismo mundial, Émile Littré (1801-1881), fundou em 1883 a Igreja Positivista do Chile e posteriormente constituiu a Sociedade Positivista.

 

 

Auguste Comte

Auguste Comte


Acreditava Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857), o fundador do Positivismo, assim como seus seguidores e discípulos, que a solução para o estado anárquico em que se encontrava a França no século XVIII, estava basilarmente na adoção de uma ditadura republicana. Entretanto, recomendaram-na também para todos os países, na medida em que só ela resolveria de forma adequada os problemas sociais, nos quais o cerne da questão residia na incorporação do proletariado à sociedade. Como tal doutrina veio a florescer no Brasil no final do século XIX com a queda da monarquia, tendo importante influência nos destinos da República brasileira (inclusive nos dias que correm), considero que seja oportuno encetar um estudo preliminar sobre seus fundamentos, ficando para uma ocasião posterior um estudo comparativo entre as idéias de Comte expressas na obra Política Positiva e as constituições brasileiras.

As pessoas precisam entender este tipo de proposta para não se deixarem morder pela mosca azul e nem serem transfundidas sem saber. Não há nada pior do que levar gato por lebre. Gato é um pequeno mamífero carnívoro, digitígrado, de unhas retráteis, doméstico (a domesticação se deu no Egito por volta de 4.000 anos atrás), da família dos felídeos (Felis cattus domesticus) e que descende do gato selvagem encontrado na África e no Sudoeste da Ásia (Felis silvestris libyca), e lebre é a designação dada aos mamíferos lagomorfos do gênero Lepus, da família dos leporídeos, que ocorrem no hemisfério norte, geralmente em áreas abertas de gramíneas, distintos dos coelhos geralmente pelo maior porte, pelas pontas pretas das orelhas e por gerarem os filhotes sobre o solo, e não em tocas, já com pelagem e olhos abertos. Logo, gato é gato e lebre é lebre. E ditadura não é rapadura! Mas, pior do que tudo é dar apoio místico ao que não se sabe o que é. Bem, isso é mesmo uma brutal imbecilidade. Fora deste contexto, mas apenas a título de exemplo, é curioso como muitas pessoas não sabem que o dístico da bandeira brasileira é um lema positivista, ou melhor, foi inspirado em uma máxima positivista. No Catecismo Positivista de Auguste Comte está escrito: O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim. As três palavras que fundamentavam a sua doutrina foram escritas com iniciais maiúsculas. Mais tarde, o Pensador francês modificou um pouco esse lema passando a escrevê-lo: O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim.

 

 

 

 

NECESSIDADE DE IMPLANTAÇÃO
DE UMA DITADURA REPUBLICANA

 

Apesar de reconhecer que as aspirações de implantar e manter as ditaduras republicanas... permanecem ainda demasiado confusas e indeterminadas, e expostas, por conseguinte, a todos os erros e desvios a que podem arrastá-las os sofismas e os prejuízos de nosso tempo1, Lagarrigue admitiu que as soluções positivistas acabariam por prevalecer. O Positivista chileno, tanto quanto Comte, acreditava que a sociedade aspira por uma república ditatorial, isto é, por um governo forte e estável que saiba conciliar as necessidades da paz social com as da liberdade, a ordem com o progresso.2 Tais ideais foram revelados, originariamente, como solução para a grande crise pela qual atravessava a França, crise que eclodiu em 1789. Entretanto, os princípios estruturados no Positivismo não foram concebidos para serem aplicados exclusivamente na França do século XVIII, mas para serem implantados em todas as nações, de forma universal, já que, no entendimento de Comte, os estágios teológico e metafísico tinham se esgotado e o mundo agora trilhava já o período conclusivo de sua evolução – o terceiro estado ou o período positivo-científico.

 

 

 

 

Lagarrigue e os positivistas acreditavam que cabia aos discípulos de Comte a obrigação de difundir os ensinamentos positivistas, pois eles eram os únicos habilitados a imparcialmente orientar e aconselhar governantes e governados, tiranicamente, no interesse da coletividade.3

Segundo Aristóteles e Platão, a marca da tirania é a ilegalidade, ou seja, ‘a violação das leis e regras pré-estipuladas pela quebra da legitimidade do poder. Uma vez no comando, o tirano revoga a legislação em vigor, sobrepondo-a com regras estabelecidas de acordo com as conveniências para a perpetuação deste poder.’ Segundo Platão e Aristóteles, ‘os tiranos são ditadores que ganham o controle social e político despótico pelo uso da força e da fraude. A intimidação, o terror e o desrespeito às liberdades civis estão entre os métodos usados para conquistar e manter o poder. Aristóteles atribuiu a vida relativamente curta das tiranias ‘à fraqueza inerente dos sistemas que usam a força sem o apoio do direito.’ Maquiavel também chegou à mesma conclusão sobre as tiranias e seu colapso, pois ‘a tirania é o regime que tem a menor duração, e de todos, é o que tem o pior final.’ Já fica evidente que estou com Platão, Aristóteles e Maquiavel, e não com Auguste.

 

TRANSITORIEDADE DO GOVERNO

 

A tentativa de implantar uma constituição definitiva e imutável (sonho da Revolução de 64 no Brasil) nos países em que a sociedade passa por uma transição sócio-econômica profunda está, no conceito positivista, fadada ao insucesso, uma vez que, dada a sua perfeição encontra-se em franca contradição com o estado social vigente. A principal vertente, o principal regime orgânico responsável pelo estado de anarquia mental e moral em que mergulhou a Humanidade foi, no entender de Lagarrigue, o sistema católico-feudal.4 Esse ponto, salvo melhor entendimento, é incontestável. Admitia o Filósofo chileno que a partir do século XIV o Catolicismo perdeu toda a iniciativa social e tornou-se mais preocupado em cuidar de sua própria sobrevivência. Este segundo ponto também parece ser incontestável. Mas a sociedade passa, agora, por um estado de renovação e de regeneração moral e mental. E, assim, segundo o Apóstolo da Humanidade em Paris, esta sociedade mesma caminha, inexoravelmente, para uma nova organização social sob a égide de uma nova fé para a gloriosa doutrina que deve constituir o regime final do gênero humano.5

Por isso, como se verá adiante, a primeira regra a ser instituída nos países ocidentais ou ocidentalizados deverá ser um governo ditatorial republicano, como preconiza a política científica de Auguste Comte.

Para que a reorganização política se estabeleça em bases definitivas, é imperioso que a renovação mental e a renovação social precedam-na, ou seja, que a reorganização espiritual anteceda a reconstrução temporal. Isto para que as forças sociais que preponderam e tendem a alcançar o poder não acabem por perturbar a paz e se tornem detrimentais ao próprio evolver da sociedade. Por isso, acreditava Lagarrigue, a transitoriedade da constituição política é um imperativo, desde que esteja conforme o estado mental e social prevalecente, para que, ainda que provisória, possa ter credibilidade bem como adquira confiabilidade, força e efetividade.

Assim, o governo político deve ser duplamente enérgico: primeiro, impedindo as perturbações da ordem pública provocadas pela anarquia espiritual, e, segundo, mantendo a paz interna, condição basilar para a regeneração moral e mental da Humanidade. No Brasil, durante a ditadura militar de 64, esse conceito deu origem à doutrina política nacional de segurança e desenvolvimento elaborada na Escola Superior de Guerra em trabalho conjunto com as elites políticas e econômicas. A teoria, reduzida na prática aos dois termos segurança e desenvolvimento, corporificou-se na Constituição Federal e ramificou-se em leis, decretos-leis e outras decisões legais, em vigor a partir de 31 de março de 1964. Em 16 de Janeiro de 2002, o presidente Bush, em discurso no World Affairs Councils (congresso de três dias sobre o futuro da América Latina), disse: O futuro do hemisfério ocidental depende da força de três compromissos: democracia, segurança e desenvolvimento baseado no mercado. Esses compromissos são inseparáveis, e nenhum deles será alcançado por meias medidas. Esse caminho nem sempre é fácil, mas é o único caminho que conduz à estabilidade e à prosperidade de todos os povos deste hemisfério. Comte propugnava, assim, para a França daquela época, um governo transitório que se comprometesse a manter energicamente a ordem material no meio da desordem espiritual... ao mesmo tempo em que deveria instituir a plena liberdade espiritual6. Advertia ainda que:

 

Conciliar a ordem e o progresso e assegurar a paz e a liberdade, tal é o duplo destino que o movimento social impõe nos nossos dias ao Governo francês. É somente realizando uma tal missão que ele poderá adquirir uma existência durável, porque assim terá satisfeito as justas solicitudes do partido conservador e as dignas aspirações do partido progressista.7

 

Para que se materializassem tais ideais, Auguste Comte estabeleceu três regras essenciais para a definitiva reorganização social, e mantidas por Lagarrigue:

1ª - O Governo deve ser republicano e não monárquico e caracterizado pela incorporação do povo à sociedade. Daí, a ditadura com a república e não com a realeza.

2ª - A República deve ser ditatorial e não parlamentar. (É bom lembrar que democracias como o Brasil, nas quais até recentemente foram usados expedientes autoritários como o Decreto-Lei, não correspondem ao ideário e aos pressupostos dos regimes verdadeiramente democráticos. Decretos-Leis, confiscos, desapropriações indébitas etc. são parte de um grande entulho autoritário-messiânico, cujo berço – nomeadamente no Brasil – foi a doutrina comtiana ainda marcantemente instalada no Brasil. Se por um lado o culto e o aspecto puramente doutrinal desvaneceram, por outro, a vertente política manteve raízes profundas e contraditórias entre muitos que se dizem liberais e defensores da economia de mercado.

3ª - A Ditadura deve ser temporal e não espiritual.8 O Brasil foi o primeiro país a observar esta regra segundo a Constituição de 24 de fevereiro de 1891.

 

 

A seguir serão examinadas cada uma dessas condições. Todavia, o conceito de Oliveira é bastante elucidativo sobre essa questão, pelo que é transcrito a seguir:

 

Sob o aspecto político, as diversas ditaduras devem se tornar verdadeiramente republicanas, pelo estabelecimento da mais completa liberdade espiritual e industrial, garantindo a manifestação de quaisquer idéias, abolindo todos os privilégios (inclusive os profissionais), suprimindo todo orçamento teórico (eclesiástico, universitário e acadêmico) e fornecendo apenas a instrução primária, sempre livre, leiga e gratuita. Mantendo a ordem material no meio da desordem espiritual, os governos concorrerão, sem proteger nem perseguir nenhuma doutrina, para que a mais conveniente prevaleça espontaneamente. Assim, o sistema monocrático preparará o advento do triunvirato próprio ao regime industrial quando o governo deverá caber a três banqueiros, um ligado à agricultura, outro à indústria e outro ao comércio.9

 

Entretanto, antes de iniciar a análise das supraditas condições, penso que seja conveniente apresentar os quinze princípios universais da Filosofia Primeira, os quais servem de base a todas as motivações positivistas e aos quais se subordinam todos os ensinamentos da Doutrina Positiva. Esses quinze princípios são constituídos por cinco grupos de três leis, a saber: Leis da Positividade, Leis Estáticas do Entendimento, Leis Dinâmicas do Entendimento, Leis da Existência e Leis das Variações.10

 

Leis da Positividade

 

1 - Da Verdade: Formar a hipótese mais simples, mais simpática e mais estética de acordo com os dados adquiridos.

2 - Do Destino: Conceber como imutáveis as leis (quaisquer) que regem os seres pelos acontecimentos, conquanto só a ordem abstrata permita apreciá-los.

3 - Da Liberdade: Quaisquer modificações da ordem universal limitam-se sempre à intensidade dos fenômenos – cujo arranjo permanece inalterável.

 

Leis Estáticas do Entendimento

 

4 - Da Objetividade: Subordinar as construções subjetivas aos materiais objetivos. (Aristóteles, Leibnitz e Kant).

5 - Da Razão: As imagens interiores são sempre menos vivas e menos nítidas do que as impressões exteriores.

6 - Da Unidade: A imagem normal deve ser preponderante sobre as que a agitação cerebral faz simultaneamente surgir.

 

Leis Dinâmicas do Entendimento

 

7 - Da Inteligência: Toda concepção humana passa por três estados – fictício [ou teológico], abstrato [ou metafísico] e positivo [ou científico] – mas com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes.

8 - Da Atividade: A atividade é primeiro conquistadora, segundo defensiva e, enfim, industrial.

9 - Do Sentimento: A sociabilidade é primeiro doméstica, depois cívica e, enfim, universal, conforme a natureza peculiar a cada um dos três instintos simpáticos (apego, veneração e bondade).

 

Leis da Existência

 

10 - Da estabilidade: Todo estado, estático ou dinâmico, tende a persistir espontaneamente, sem nenhuma alteração, resistindo às perturbações exteriores.

11 - Da Harmonia: Um sistema qualquer mantém sua constituição ativa ou passiva quando seus elementos experimentam mutações simultâneas, conquanto que sejam exatamente comuns.

12 - Do Conflito: Existe, por toda parte, uma equivalência necessária entre a reação e a ação, se as intensidades de ambas forem medidas conforme a natureza de cada conflito.

 

Leis das Variações

 

13 - Do Progresso: Subordinar, por toda parte, a teoria do movimento à da existência, concebendo todo progresso como desenvolvimento da ordem correspondente, cujas condições (quaisquer) regem as mutações que constituem a evolução.

14 - Da Ordem: Todo classamento (sic) positivo procede segundo a generalidade crescente ou decrescente, tanto subjetiva como objetiva.

15 - Da Continuidade: Todo intermediário deve ser subordinado aos dois extremos, cuja ligação opera.

Serão analisadas a seguir as três condições estabelecidas por Comte para que a ditadura positivista possa ser implementada efetivamente.

 

GOVERNO REPUBLICANO
E NÃO MONÁRQUICO

 

A monarquia francesa, na interpretação histórica de Lagarrigue, não se constituiu senão de um fantasma, um sonho, em plena contradição com a situação social.11 Freqüentemente os monarcas reinavam de encontro aos anseios da sociedade, constituindo-se em verdadeiros estorvos ao progresso social. O jogo de interesses, na maioria das vezes inescrupulosos exatamente porque eram jogos de interesses – nos quais o Catolicismo teve papel de relevo e foi conscientemente conivente, complacente, condescendente e transigente com os absurdos das realezas – acabou por criar conflitos incontornáveis, desembocando na tremenda crise de 1789, marcando o desfecho da revolução moderna e constituindo-se na mola propulsora que impeliria a Humanidade para uma completa renovação e regeneração social e moral. Mas, nem tanto! Reis Carvalho relata a situação prevalecente naquele tempo:

 

Foi primeiro a luta entre a autoridade espiritual dos papas e o poder temporal dos reis; depois a luta entre a força local da nobreza e a autoridade central da realeza. Desse duplo conflito, resultou, de um lado, a vitória da realeza sobre o papado, e, do outro, a vitória dos reis sobre os nobres, ou vice-versa; aquela determinou a formação das igrejas nacionais e a última a constituição de governos políticos fortes, as ditaduras monárquicas ou aristocráticas, conforme o triunfo decisivo coube ao rei ou ao nobre. O fato normal foi a vitória do poder central dos Reis. Realizou-se toda essa evolução em dois séculos: o XIV e o XV. Os papas se subordinaram cada vez mais aos Reis e a nobreza foi totalmente anulada.12

 

Para Lagarrigue, a meta do evolver da Humanidade é o estado sociocrático, e para que seja definitivamente implantado e cristalizado fazia-se mister dissolver a organização teocrática. Assim fizeram, sucessivamente, a elaboração grega, a incorporação romana, a preparação católico-feudal e a revolução moderna.13 À dissolução da teocracia seguiu-se a queda da monarquia com a Revolução Francesa. Ensina Lagarrigue que a condição fundamental para o progresso será instaurada pela substituição da hereditariedade teocrática pela hereditariedade sociocrática, com cada funcionário determinando a escolha de seu sucessor, sempre sob a fiscalização direta de seu superior hierárquico e da sociedade. A hereditariedade sociocrática – engendrada durante a ditadura dos Césares Romanos, que escolhiam livremente seus sucessores, escolha esta sancionada pelo exército, isto é, a massa de homens livres que dava sustentação ao poder imperial – sempre ocorreu nos regimes fortes (ditaduras autoritárias ou totalitárias, de direita ou de esquerda). Como bem recorda Gustavo Biscaia de Lacerda, Augusto Comte considerava que os três melhores tipos romanos foram César, Cipião e Trajano, citando-os nominalmente e reservando a eles, no Calendário Positivista, o nome de um mês. O Positivismo, portanto, não inventou a roda com a sua pregação de uma ditadura republicana e de uma hereditariedade sociocrática para resolver os problemas políticos, econômicos e sociais dos países em que se instalou. Basta lembrar dos momentos autoritários brasileiros (e de outros países da América Latina, o Chile e a Argentina, por exemplo), que foram diversos e péssimos. Não esqueçamos da forma como foi instalada a República em nosso País e o que sucedeu depois. No Brasil, o Positivismo teve quatro manifestações diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a política e a militar. Acho que seria bom rever rapidamente essas quatro correntes. Ouçamos juntos Ricardo Vélez Rodríguez:

 

A corrente ortodoxa teve como principais representantes Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito de fomentar o culto da 'Religião da Humanidade', proposta por Comte (1798-1857), no seu Catecismo Positivista. A corrente ilustrada teve como principais representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins (1904-1975). Esta corrente defendia o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua 'Religião da Humanidade', e que poderia ser sintetizado assim: o Positivismo constitui a última etapa (científica) da evolução do espírito humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e que deve ser educado na ciência positiva, a fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico, a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII. A corrente política do Positivismo teve como maior expoente Júlio de Castilhos (1860-1903), quem, em 1891, redigiu a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que entrou em vigor nesse mesmo ano. Segundo essa Carta, as funções legislativas passavam às mãos do Poder Executivo, sendo os outros dois poderes públicos (Legislativo e Judiciário) tributários do Executivo hipertrofiado. Para Castilhos, deveria se inverter o dogma comteano de que à educação moralizadora seguiria pacificamente a ordem social e política. O Estado forte deveria, ao contrário, impor coercitivamente a ordem social e política, para depois educar compulsoriamente o cidadão na nova mentalidade, ilustrada pela ciência positiva. Esta corrente ganhou maior repercussão do que as outras três, devido a que obedeceu à tendência cientificista de que já se tinha impregnado o modelo modernizador do Estado consolidado pelo Marquês de Pombal. Assim, as reformas autoritárias de tipo modernizador que o Brasil iria experimentar ao longo do século XX deram continuidade à mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrático. Este modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getúlio Vargas (1883-1954). Aconteceu com o castilhismo algo semelhante ao ocorrido no México com o porfirismo: ambas as doutrinas cooptaram a Filosofia Positivista como ideologia estatizante e reformista. A corrente militar positivista teve como principal representante Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a Monarquia em 1889. Esta corrente estruturou-se paralelamente à ilustrada, projetando ao longo das últimas décadas do século XIX o ideário cientificista pombalino, conforme destacou Antônio Paim: 'A adesão às doutrinas de Comte por parte dos líderes da Academia Militar, deu-se no estreito limite em que contribuiu para desenvolver as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta comparar as funções às que Comte destinava as forças armadas e o papel que Benjamin Constant atribuiu ao Exército'.

 

Para os positivistas, o voto como meio de investidura política é um método irracional e imoral, já que consideram inconcebível os inferiores escolhendo os superiores. (Uma personalidade brasileira mundialmente conhecida no meio esportivo disse há alguns anos que o povo não sabe votar. Ora, eu não posso concordar de jeito nenhum com isso, por todos os motivos que, por serem tão comezinhos, não vou explicar.). A passagem, pois, segundo o Positivismo, da teocracia para a sociocracia, é, no conceito do fundador da Igreja Chilena, a marcha inapelável da Humanidade. A república não poderá jamais ser instituída com vistas a privilegiar um indivíduo, uma classe social ou uma família, mas exclusivamente a nação. A república deve ser, portanto, exclusivamente social. Deve eliminar os privilégios da classe burguesa e incorporar a classe proletária na moderna sociedade. O estadista republicano, para bem servir sua pátria, deverá renunciar a qualquer impulso de restaurar qualquer dinastia, e consagrar seu tempo, seus esforços e suas forças ao bem geral. Isso é absolutamente irredutível e inteiramente incontestável.

 

GOVERNO DITATORIAL
E NÃO PARLAMENTAR

 

Para os positivistas, a única forma de governo que consegue conciliar a ordem com o progresso é a ditatorial. Para os positivistas a efetividade – eficiência + eficácia – depende da concentração de poder. Entretanto, para eles, ligar a idéia de república com a do reinado de uma assembléia, constitui-se num fatal equívoco, neste erro tão grave quanto injustificável.14 O regime parlamentar interessa, por um conjunto de razões especiais, à Inglaterra, não à França, assinala Lagarrigue. Por isso, as profundas raízes histórias recrudesceram e acabaram por restaurar a monarquia que se sucedeu à ditadura de Cromwell.

Abolida a monarquia, Lagarrigue entendia que, não havendo o apoio da nobreza, característica do regime parlamentar inglês, não haveria possibilidade nem justificativa para a importação dessa forma de governo para a França. Tal tentativa, a criação de uma monarquia constitucional destinada a paralisar a ação do monarca, acabou por gerar um absurdo, onde o rei reinava mas não governava. Além disso, observa Lagarrigue, o parlamento constitui-se, por sua própria origem, em um aparelho de permanente desconfiança contra o governo. Por isso, no caso da França, acabou por se constituir em fator impeditivo da ordem e do progresso sociais. Sobre tal sistema, adita:

 

Abrindo as portas a todas as ambições, favorecendo a dominação e o triunfo dos sofistas e dos puros discursadores, ele [o parlamento] tem contribuído para perpetuar a agitação e a desordem políticas e para afastar o público do estudo e da meditação da grande doutrina mental e moral destinada a reorganizar a sociedade.15

 

Questionou, também, como é possível uma boa ação de governo, se não há continuidade de doutrina, com a constante mudança dos parlamentares, dos ministros e dos funcionários graduados em cargos de confiança. Além disso, advogou que o sistema parlamentar é venal, pois havendo necessidade de captar adesões e de poupar os membros das diferentes correntes políticas, multiplicam-se as sinecuras e as funções inúteis, tudo às expensas da massa social. Constitui-se, assim, em um regime perturbador, corruptor, corrupto por natureza e irresponsável, semelhante às monarquias. Sustentou que, individualmente, os membros do parlamento não poderão jamais ser responsabilizados pelas medidas votadas pelo conjunto da assembléia. Nisso está a base eminentemente anti-republicana do sistema parlamentar de governo. O verdadeiro regime republicano exige plena confiança e inteira responsabilidade.16

Lagarrigue entendia que no âmbito de qualquer assembléia observa-se a preponderância da vontade de um parlamentar. Aparece, assim, uma espécie de ditadura pela liderança natural de um indivíduo, mas que, lamentavelmente, preso que está a um determinado partido e a compromissos de campanha, fica forçado a servir a esses interesses subalternos. Sob esse aspecto, lamentavelmente, isso cai como uma luva para o Brasil do PT (2005/2006), ainda que essas constatações não sejam uma particularidade petista. Nos oito anos do Governo Fernando Henrique aconteceram coisas semelhantes (ou piores). Contra tudo isso propõe Lagarrigue:

 

Para que o estado republicano, que representa o interesse da nação, possa consolidar-se definitivamente e entrar de novo em uma fase progressiva, é mister que ele tenha a seu serviço uma individualidade investida de plenitude do poder supremo. Só um ditador, desembaraçado de toda a assembléia legislativa, terá força bastante para dar consistência e uma continuidade inacabável ao movimento republicano. O estadista chamado a instituir a ditadura republicana deverá, segundo o conselho de Augusto Comte, concentrar em suas mãos todo poder político, não deixando à câmara, consideravelmente reduzida no número de seus membros, senão um ofício puramente financeiro.17

 

E, para fiscalizar tal ditadura, propõe o concurso da opinião pública. O ditador, por qualquer motivo, que perder a confiança do povo, será obrigado a exonerar-se (ou ser exonerado ou deposto). O instrumento de pressão será a câmara financeira que se recusará a votar os impostos, funcionando neste caso como órgão e instrumento da sociedade. Desse modo, o Tribunal de Contas deveria ser extinto por ser totalmente inútil.

Enfim, a ditadura republicana deverá ser estabelecida e fundar-se na plena liberdade espiritual, permitindo e estimulando a discussão de quaisquer doutrinas, como também se obrigará a abolir todas as prerrogativas das classes acadêmicas, teológicas e universitárias, que no dizer de Lagarrigue, constituem-se no principal obstáculo ao triunfo das sãs idéias morais e sociais.18 Tal liberdade, portanto, obrigatoriamente, deverá ser estabelecida legalmente e, como impõe Carvalho, não deve se limitar ao dogma teológico, mas estender-se também aos dogmas metafísico e científico. E assevera: É tão imoral e irracional obrigar a crer em Deus como no éter ou na gravitação universal.19 Isso também é incontestável.

Nesse sentido, para os discípulos de Comte, só uma ditadura republicana poderá corrigir os males que séculos de monarquia e de teologia proporcionaram e impuseram. O bem público só poderá ser alcançado pela instalação no poder de um ditador voltado para o social, que tenha absorvido os preceitos da cartilha positivista e se proponha a viver para outrem. A seguir, analisar-se-á a questão da temporalidade na ditadura republicana.

 

GOVENO TEMPORAL
E NÃO ESPIRITUAL

 

A completação da ditadura republicana consagrar-se-á pela instituição de uma integral liberdade espiritual, vale dizer, da recusa por parte dos governos de qualquer intervenção no campo das doutrinas e das crenças. Nesse sentido, impõe-se, no conceito positivista, a supressão dos orçamentos eclesiásticos e a separação das igrejas, de qualquer confissão, do Estado. Sob este aspecto, a sociedade deve ser organizada sob a hegemonia de uma fé única, comum, livremente aceita, que, segundo Lagarrigue, imponha a todos os indivíduos os deveres exigidos pelas condições de ordem e progresso deste novo estado social.20 A meta, conforme se salientou em outro ponto deste trabalho, é a incorporação social da classe proletária.

Inclui-se nesse item a completa e total liberdade de associação e de reunião para que se discutam e se ponham a descoberto todas as doutrinas que disputam a ascensão social. Lagarrigue, entretanto, adverte:

 

Enquanto a manifestação e a luta das opiniões não forem até o ponto de perturbar a ordem pública, a ditadura deverá respeitá-las escrupulosamente. Sem isto, ela degeneraria logo em uma tirania opressiva e retrógrada, profundamente oposta ao advento do regime novo.21

 

Em complemento a essa advertência somam-se as que se seguem:

 

Para que a liberdade teórica seja (...) um fato real, (...) é preciso (...) suprimir toda a religião do Estado, todo o ensino superior e secundário de Estado e toda ciência de Estado, abolindo os seus três orçamentos respectivos, o orçamento cultural ou eclesiástico, o orçamento universitário e o orçamento acadêmico.22

 

Para os positivistas, o Estado deve manter apenas o ensino do primeiro segmento do primeiro grau (antigo ensino primário), e como tal, deve reduzir-se ao aprendizado de ler e escrever, ao cálculo elementar, ao desenho e ao canto. Carvalho considera, ainda, uma tirania praticada pelo Estado, a manutenção de qualquer tipo de ensinamento, inclusive do Positivismo, nas escolas oficiais, que não tenham o consentimento universal da sociedade.23

Nessa primeira fase da infância, o aprendizado da criança deve ser complementado substantivamente pela mãe e auxiliado pelo pai. Moraes Filho, membro da Igreja Positivista do Brasil, ensina:

 

Nada melhor do que a permanente, tenra e meiga vigilância materna, com o carinho da assistência que sabe recusar e corrigir no momento oportuno, usando critério uniforme em suas decisões. O tipo ideal de mãe será, portanto, aquela que, distribuindo ternura, julgue as solicitações do filho sem vacilar, tendo sempre presente, um “não” oportuno, que vale mais do que todos os conselhos, dados depois de um “sim” irrefletido. O papel do pai é também importante na educação doméstica, auxiliando a ação materna pelo criterioso exercício da autoridade.24

 

Os positivistas, e em particular Lagarrigue, consideram que os regimes teológico, acadêmico e universitário, são constituídos por verdadeira casta de privilegiados, cuja preocupação básica é multiplicar e manter as próprias sinecuras e os mal adquiridos benefícios. Por isso, entendem, uma reforme global faz-se necessária. Advogam a realização de uma reforma capital, que certamente encontrará resistências, mas que será de fácil execução para uma ditadura suficientemente enérgica, desde que se revogue o parlamentarismo, pois retirará à burguesia seu poder político e, também, como já se afirmou anteriormente, se suprimam os orçamentos dos cultos, universitário e acadêmico. Nisso se insere a obrigatória separação da Igreja do Estado.

A ditadura republicana reclamada por Lagarrigue e pelos discípulos de Comte deverá ter um caráter meramente temporal, devendo concentrar seu poder em:

 

... manter a ordem material, em estabelecer uma estrita economia nas despesas administrativas, em prosseguir os grandes trabalhos de utilidade pública e em assistir criteriosamente o desenvolvimento industrial.25

 

Para alguns positivistas brasileiros, instalada a ditadura republicana, esta deverá ser mantida em definitivo,26 pois, baseada nos princípios positivos estará prevenindo a sociedade de males crônicos que só podem ser evitados pelos princípios que a Doutrina Positiva notoriamente possui: as armas contra a miséria, as doenças, a ignorância, a violência e as guerras!27

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao terminar este ensaio, não pretendo enunciar os pontos nobres, belos e profundamente morais da Doutrina Positiva. Eles são evidentes e, ao longo do texto, eu os sublinhei. Antes, pretende-se discutir sucintamente os postulados que ela sustenta e advoga como condições essenciais para o evolver da sociedade, postulados esses que, de antemão, devo informar que filosófica e misticamente discordo.

Fundamentalmente, a implantação da ditadura republicana proposta por Comte e reexaminada por Lagarrigue, apóia-se na Lei dos Três Estados e em três condições essenciais: governo republicano, república ditatorial e ditadura temporal. Esse é o caldo fermentativo no qual os princípios positivistas, no campo político, devem se instalar, devem se manter e devem se espalhar pela Terra.

Mas, dividir o tempo em três estados (ou estágios) não foi privilégio de Comte. Os exemplos são diversos ao longo da história. Recordo apenas quatro: 1º) António de Lisboa: Conticínio, Meia-Noite e Aurora; 2º) Gioachino del Fiore (monge calabrês cisterciense): Idade do Pai (criação), Idade do Filho (redenção) e Idade do Espírito (salvação); 3º) Leonardo Coimbra: Alegria, Dor e Graça; e 4º) Fernando Pessoa: Estado Belicoso, Estado Inativo e Estado Especulativo.

De qualquer ângulo que se examine o Positivismo, observa-se, sem qualquer esforço, que o número três teve forte influência sobre Auguste Comte. Exemplos: 1º) os Três Estados (a mais importante influência): Teológico, Metafísico, Positivo; 2º) as Três Orações: manhã, durante o dia e noite; 3º) As Três Regras: governo republicano, república ditatorial e ditadura temporal; 4º) Matemática: cálculo, geometria e mecânica; 5º) A submissão é a base do aperfeiçoamento: primeiro físico, em seguida intelectual e finalmente moral; 6º) O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim; 7º) As Três Raças: negra (ou afetiva), branca ou intelectual, amarela ou ativa; 8º) Toda religião compõe-se de culto, dogma e regime: o culto regula o sentimento, o dogma a inteligência e o regime a atividade; 9º) A Trindade Positiva é formada pelo Grão Ser (Humanidade), Grão Fetiche (Terra) e Grão Meio (espaço); e 10º) Os Três Anjos de Comte: sua mãe Rosália, sua esposa espiritual Clotilde de Vaux e sua filha adotiva Sofia.

 

 

Clotilde de Vaux

 

 

A primeira observação que se pode fazer é relativamente à Lei dos Três Estados, espinha dorsal do sistema comteano, na qual está ancorada toda a filosofia política para a implantação de uma ditadura republicana. Ultrapassados o estado teológico (ou fictício) e o estado metafísico (ou abstrato), e tendo a Humanidade entrado no estado positivo (ou científico), estaria ansiosa e preparada por mudanças. Ansiosa por mudanças, sim, ela sempre esteve, pois isso é da natureza dinâmica do homem; mas preparada, nem tanto. Não radicalmente, pelo menos, até porque tudo que é radical enferma mais do que cura. Basta recordar um único duplo exemplo: Hiroshima e Nagazaki. De qualquer sorte, os positivistas entendem que tais mudanças obrigariam a aplicação sistemática dos conhecimentos da Sociologia, que ao determinar a estrutura fundamental da sociedade, permitirão passar ao que admitem e professam como Religião da Humanidade (Sociocracia final). Da Wikipédia retirei: A Religião da Humanidade é o sistema criado pelo francês Augusto Comte em 1854 como coroamento de sua carreira filosófica, em que procurou estabelecer as bases de uma completa espiritualidade humana, sem elementos extra-humanos ou sobrenaturais. A Religião da Humanidade também é conhecida como Positivismo Religioso. À semelhança das demais religiões, a Religião da Humanidade tem dogma, culto, regime, templos, capelas e sacramentos. Todavia, uma particularidade distingue-a radicalmente: ela é uma religião agnóstica, no sentido de que não venera um ser superior extra-humano ou sobrenatural. A Religião da Humanidade foi criada por Comte a partir de sua busca por uma espiritualidade plenamente humana, adaptada a uma época em que o ser humano pode viver esclarecido pela ciência, com uma atividade prática totalmente pacífica e baseada no altruísmo. O dogma da Religião da Humanidade baseia-se na ciência; todavia, não se resume a ela, pois, mais importante do que a instituição científica em si, o que importa para o Positivismo é o espírito positivo. Em rápidas palavras, o espírito caracteriza-se por ser 'real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático.' No Brasil, um dos fundadores da Religião da Humanidade e também um dos responsáveis pela construção do Templo da Humanidade - a Igreja Positivista do Brasil - foi Miguel Lemos. A Igreja Positivista do Brasil foi inaugurada no dia 11 de maio de 1881 (19 de Cesar de 93), na Rua Benjamin Constant, na Cidade do Rio de Janeiro.

 

 

Igreja Positivista do Brasil

 

 

A meta, portanto, é transformar a Humanidade em uma estática e em uma dinâmica do social. Isso, todavia, merece uma reflexão mais acurada, ainda que superficial. Por que apenas três estados? Por que o estágio final da evolução da Humanidade deva ser, obrigatória, definitiva e exclusivamente, o científico? Não poderia a Humanidade ultrapassar tal estágio para se manifestar em um outro patamar ou plano? Estariam todos os países, e em cada país todas as cidades, e em cada cidade todos os seres-no-mundo no mesmo nível mental, cultural, material, organizacional e espiritual, para que o projeto de uma ditadura republicana pudesse ter chance de dar certo? Os exemplos recentes que me ocorrem são o esgotamento da Revolução de 64, no Brasil, e a queda do muro de Berlim. Não. A resposta a todos esses questionamentos é um sonoro não. Por isso acrescento: Como padronizar os indivíduos (reduzindo esta análise ao homem) sob uma tutela modelar e uniforme sem causar dor, comoção, sofrimento, angústia e limitações em suas ações e realizações? Fazendo uma gracinha para amenizar um pouco, essa tal de ditadura republicana é um saco. Mas, para o futuro, quem sabe um estado científico-espiritual ou místico-científico? A psicocibernética vem desenvolvendo pesquisas e demonstando que muitas leis científicas não têm resposta ou solução satisfatória se examinadas de maneira estanque, fato que sempre foi do conhecimento dos místicos e particularmente dos Rosacruzes.

Nesse particular, acredita-se ter faltado a compreensão de que o processo de evolução, a percepção das leis naturais e, conseqüentemente a harmonização individual, e por via de conseqüência, social, são lentos. Muito, muito lentos. E nesse progredir, nesse evolver, um amplo espectro de possibilidades descortina-se a cada um. Uma ditadura republicana ou outra qualquer, não abreviará essa ascensão; pelo contrário, retardará. A liberdade estando restringida, tutelada, impõe uma estagnação – e até um retrocesso – ao desabrochar dos valores individuais e da sociedade. A liberdade é a mãe da evolução. Ao suprimi-la, delimitá-la, cerceá-la, tutelá-la deforma-se e caricatura-se a ordem e inverte-se o progresso, quer do indivíduo, quer do grupo social, Assim, nem a concessão do voto aliviará esse trauma.

Por outro lado, se se olhar o processo evolutivo do homem poder-se-á, quem sabe, encontrar, até o momento presente, ao invés de apenas três estados, sete (concepção agostiniana das sete idades). A sétima idade seria a Idade Final, do descanso, na qual as almas encontrariam o paraíso. Quem sabe, nove, doze, um quatrilhão e oito... E, antes do estado teológico proposto por Comte, quantos séculos viveu o homem primitivo mergulhado na mais completa anarquia? Então, talvez se pudesse propor como primeiro estado o 'estado anárquico'. Mas como já fomos animais, plantas e pedras, pode-se pensar em um 'estado animalejo', um 'estado cipó-de-sapo' e um 'estado pedra-braba'. Se Comte soubesse disso, talvez nem propusesse a Lei dos Três Estados.

Em aditamento a essas ponderações não se acredita que se possa jamais padronizar, para toda a sociedade, um tipo único de doutrina, seja política, religiosa, filosófica ou outra qualquer. O que pode ser bom para os Estados Unidos da América, não é, obrigatoriamente, bom para o Irã ou para a Coréia do Norte, e o que satisfaz e deleita os muçulmanos, certamente, é de difícil adaptação ou aceitação para os católicos, para os protestantes, para os budistas ou para os judeus. As pessoas e os povos são intrínseca e estruturalmente diferentes, porque, inclusive, vêm de oitavas distintas do Teclado Cósmico. Por outro lado, não se nasce em uma família e em um país por acaso. No Universo não há acaso, como também não há determinismo. Isso pode parecer contraditório, mas é assim que é. Assim, diferenças culturais, morais, climáticas, sociais, econômicas, religiosas, físicas, latitudinais, longitudinais e outras impedem absolutamente qualquer padronização, seja ela positivista, comunista, teocrática, sociocrática etc. Os interesses pessoais e coletivos são diferentes e cada qual, de per si, encontra-se trilhando o caminho de sua evolução pessoal, com dificuldades e limitações pessoais, com anseios, dúvidas, inclinações e valores também pessoais. Tudo isso compõe uma cultura sedimentada secularmente. Tudo isso compõe o estado geral de um povo, que não é e não será jamais igual ao de outro povo. Pode ser parecido, mas igual não é, até porque, como expliquei acima, não são iguais os seres-no-mundo. Por isso, há imperativamente que se respeitar todas as filosofias políticas, todas as doutrinas religiosas e todas as inclinações individuais e sociais. A monarquia, por exemplo, passou em muitos países, mas está solidamente constituída em vários outros. Pode não ser o melhor sistema de governo, mas quem pode afirmar com segurança qual será o pior? Deve-se ter sempre em mente o bolchevismo russo, o nazismo alemão, o fascismo italiano, o aparteísmo sul-africano, o democratismo americano etc. Quando um sistema político se esgota, qualquer que seja o motivo, aí sim, o povo aceita as sonhadas e esperadas mudanças. A queda do Muro de Berlim, que desmoronou como um castelo de cartas no dia 9 de novembro de 1989, representou o ponto zero da reunificação da República Federal Alemã (RFA) com a República Democrática Alemã (RDA), que passaram a formar, a partir daí, finalmente, uma única Alemanha: a República Alemã, Estado Federal da Europa ocidental e membro da União Européia. Esse ato político representou também o final da divisão do mundo em dois blocos e o fim da Guerra Fria. As próprias filosofias religiosas dos países do oriente têm pouca aceitação no ocidente, assim como as religiões ocidentais representam a minoria no oriente. Cuba e Estados Unidos da América agasalham posições políticas divergentes e opostas. E por aí vai... longe.

Assim, a implantação de qualquer tipo de ditadura – e particularmente a republicana – ou de qualquer regime político autoritário ou totalitário, é não só inconveniente e injustificado, como absurdo e abominável, por isso retrógrado, desumano e prejudicial. Só a alienação temporária de um povo iludido por falsas aquisições e pela sua própria deficiência cultural e desconhecimento histórico, ao lado das limitações de toda ordem da classe política, podem remeter toda uma nação à contenção e restrição da liberdade, condição irrevogável de verdadeira ordem, verdadeiro progresso e verdadeira paz social. Acima de tudo, liberdade é preciso!

Resumem-se a seguir, alguns pontos do Positivismo que se consideram incompatíveis com o ideal de liberdade, de ordem, de paz social, de progresso, e que, se adotados, terminarão por abafar a própria afirmação/evolução do homem, quer individualmente, quer como partícipe de um grupo social. Por outro lado, esses pontos podem gerar o desequilíbrio econômico, político e social onde forem implantados. Além disso, outros inconvenientes podem ser derivados, como por exemplo, a instalação e o recrudescimento da corrupção, dos cambalachos e dos panamás, filhos desnaturados e perversos da impunidade, peculiaridade orquestrada e dominante nos regimes de força. E uma ditadura republicana, que não se esqueça, é um regime de força. Acresce a esses abusos, o aparecimento, em escala progressiva, da brutalidade, da tirania, da opressão, da tortura e da perseguição aos adversários do regime, não raro culminando com o assassinato de seres humanos, apenas por divergirem e por expressarem as suas legítimas opiniões, direitos legítimos de todos os cidadãos, direitos fundamentais que devem ser exercidos por todos os homens, quanto mais não seja para exigirem do Estado reparações e indenizações por erros ou abusos cometidos. São exemplos do que acabei de examinar: perseguição dos castilhistas aos adversários políticos, perseguição Vargas, perseguição Franco, perseguição Médici, perseguição Salazar, perseguição Stalin, perseguição Mao, perseguição Videla, perseguição Stroessner, perseguição Dadá, perseguição Castro, perseguição Pinochet, perseguição Papa Doc, perseguição Mussolini, perseguição Dezoito, perseguição Milosevic et cetera. Nos regimes de exceção a regra da sobrevivência é tornar-se caudatário do sistema ou o silêncio. Poucos são os que lutam; alguns morrem, outros se tornam heróis nacionais. Mas a liberdade é teimosa e um dia prevalece. As trevas acabam por se dissipar e a luz volta a brilhar. O arbítrio termina e o povo reencontra o caminho. Não serão as ditaduras um aprendizado doloroso que acabam extirpadas da consciência nacional quando ultrapassadas? Não será esse tempo anacrônico um sempre alerta e uma recordação na mente do povo, como que a lembrar: Evitem-me! Ou eu os devorarei novamente! Por tudo isso, o que está abaixo resumido deve ser absolutamente evitado, pois representa o meio de cultura propício à proliferação de todos esses males:

1º - Prevalência da doutrina positivista sobre todas as outras, que preconiza a organização da sociedade sob a hegemonia de uma única fé;

2º - Concentração absoluta de poderes nas mãos do ditador com prerrogativa, inclusive, de indicar seu sucessor; e os membros da magistratura, estes demissíveis ad nutum;

3º - Ditadura Sociocrática. República ditatorial como condição exclusiva para promover a definitiva organização social;

4º - Instalação, na ditadura republicana, da denominada hereditariedade sociocrática;

5º - Abolição do Parlamento com base na suposição de que o Congresso Nacional constitui-se num aparelho de permanente desconfiança contra o governo;

6º - Suposição de que só um ditador investido do poder supremo possa bem conduzir os destinos de uma nação; e

7º - Supressão do ensino secundário e superior do Estado, bem como supressão de toda a ciência do Estado com abolição dos orçamentos universitário e acadêmico.

Enfim, admitiam os adeptos da Ciência Positiva que a solução para o estado atual em que se encontrava a sociedade é a ditadura republicana, fundada na liberdade espiritual, na concentração temporal e na abolição da monarquia. A efetivação dessa proposta implicará na separação do Estado dos poderes teológico, metafísico e científico, originando um governo monocrático baseado em uma ditadura republicana.

Todavia, a história tem ensinado que onde tal sistema de governo tem prevalecido temporariamente, o país comprometeu-se interna e externamente, houve retrogradação social e o homem, na sua individualidade, amesquinhou-se. Por isso, o evolver individual e a manutenção da paz social, do progresso e da ordem nacionais devem ter como base a mais ampla tolerância dentro da mais estrita independência.28 E termina-se por concordar com Álvaro Ribeiro, quando diz em Escola Formal: A cada povo é proposto um ideal diferente de realização da Humanidade.29 Por isso, liberdade espiritual e ditadura são antagônicas, não-convergentes e opostas em aspirações e realizações. Onde há liberdade espiritual não há ditadura, e onde se instala a ditadura a primeira supressão aparece exatamente na liberdade espiritual. No que possam pesar as nobres intenções em regenerar a Humanidade por intermédio de uma ditadura republicana a doutrina mostrou-se falha e não se sustentou onde foi aplicada. Por que a insistência?

Por que será também que os TREZE são UM?

 

 

 

 

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2006.

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2ª edição. Tradução do italiano de Alfredo Bosi. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

CARVALHO, Reis. A Ditadura Republicana. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

LAGARRIGUE, Jorge. A ditadura republicana segundo Augusto Comte. Tradução do francês por J. Mariano de Oliveira. Porto Alegre: s/e, 1957.

LEMOS, Miguel e TEIXEIRA MENDES, Raymundo. Comemoração do primeiro centenário do nascimento de Benjamim Constant Botelho de Magalhães. Rio de Janeiro: Publicação da Delegação Executiva da Igreja e Apostolado Pozitivista do Brasil, 1936.

LINS, Ivan. Perspectivas de Augusto Comte. Rio de Janeiro, Livraria São José, 1965.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1965.

MORAES FILHO, Alfredo de. Humanidade: a deusa do futuro. Rio de Janeiro: Gráfica e Editora do Livro Ltda., 1982.

_______. O Positivismo ou a religião da humanidade. Rio de Janeiro: s/e, 1982.

_______. A educação e a instrução no Positivismo. Rio de Janeiro: Dilmar Artes Gráficas Ltda, 1985.

OLIVEIRA, Henrique Batista da Silva. Nota sobre o Positivismo. 4ª ed. Rio de Janeiro, Clube Positivista, 1979.

PAULA, Ruben Descartes de Garcia. O Positivismo, o antipositivismo e o fascismo. Belo Horizonte, s/e; 1982.

QUADROS, António. Portugal, razão e mistério. Lisboa: Guimarães Editores, 1986.

RODRIGUEZ, Ricardo Vélez. Castilhismo: uma filosofia da república. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980.

 

Referências bibliográficas:

1. LAGARRIGUE, Jorge. A ditadura republicana segundo Augusto Comte, p. 13. Uma ditadura republicana poderá ser unitária ou federativa. Se for unitária, os governos locais de cada circunscrição da república são simples mandatários do governo central. Se for federativa, os governos locais, embora subordinados ao governo central, se mantêm e se constituem com maior autonomia. Exemplos históricos de ditadura republicana unitária: Portugal e Espanha. Exemplo histórico de ditadura republicana federativa: Brasil. Quanto ao funcionalismo público, eles se compõem de três ordens de funcionários: a) ditatoriais: a serviço do ditador; b) camarários: a serviço da câmara financeira; e c) judiciais: a serviço da magistratura.

2. Op. cit., pp. 12 e 13.

3. Na primeira fase da transição orgânica à qual se seguirá a regeneração da sociedade, os positivistas, por preceito formal, não deveriam aceitar nenhuma função política.

4. Op. cit., p. 16.

4. Op. cit., p. 18.

5. Op. cit., p.19 e 20.

7. Op. cit., p. 20.

8. Ibid.

9. OLIVEIRA, Henrique Batista da Silva. Nota sobre o Positivismo, p. 17.

10. Op. cit., p. 20.

11. LAGARRIGUE, Jorge. Op. cit., p. 24.

12. CARVALHO, Reis. A ditadura republicana, pp. 11 e 12.

13. LAGARRIGUE, Jorge. Op. cit., p. 25.

14. Op. cit., p. 31.

15. Op. cit., p. 38.

16. Op. cit., p. 39.

17. Op. cit., pp. 41 e 42.

18. Op. cit., p. 45.

19. CARVALHO, Reis. Op. cit., p. 14.

20. LAGARRIGUE, Jorge. Op. cit., p. 49.

21. Op. cit., p. 51.

22. Op. cit., p. 53.

23. CARVALHO, Reis. Op. cit., p. 15.

24. MORAES FILHO, Alfredo. A educação e a instrução no Positivismo, pp. 4 e 5.

25. LAGARRIGUE, Jorge. Op. cit., p. 68.

26. LEMOS, Miguel e TEIXEIRA MENDES, Raymundo. Comemoração do primeiro centenário do nascimento de Benjamim Constant Botelho de Magalhães, p. 21.

27. PAULA, Ruben Descartes de Garcia. O Positivismo, o antipositivismo e o fascismo, p.69.

28. Lema da Ordem Rosacruz AMORC.

29. QUADROS, António. Portugal, razão e mistério, p. 13.

 

Websites consultados:

http://www.ensayistas.org/antologia/XIXA/lagarrigue/

http://www.memoriachilena.cl/mchilena01
/temas/documento_detalle.asp?id=MC0017539

http://pt.wikipedia.org/wiki/Muro_de_Berlim

http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o_da_Humanidade

http://www.igrejapositivistabrasil.org.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ditadura

http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6367_6.asp

 

Fundo musical:

Hino do Chile

Fonte:

http://www.partnersinrhyme.com/midi/Anthems/index.shtml