autor desse texto, talvez Jorge
Luis Borges (1899-1986), talvez não, quis dizer uma coisa,
porém, geralmente, as pessoas que o lêem entendem outra. Os
rápidos comentários e as rápidas reflexões que
se seguirão não tratarão nem de um caso nem de outro.
Meio que por alto, vou
tentar discutir e examinar partes desse texto-desabafo de maneira
mística e metafísica, simplesmente porque ele, como tudo,
se presta para esse tipo de análise. Mas, como sempre, de forma pitoresca,
quando couber, e, óbvio, salvo melhor juízo. Seria um total
contra-senso que eu pretendesse ser o dono de qualquer verdade, mesmo porque
a verdade de cada um é sempre relativa, e a minha, que se atualiza
dia-a-dia, não é melhor nem pior do que a verdade de ninguém.
Em
princípio, objetivamente é impossível retrocedermos
no tempo ou vivermos novamente a mesma vida. Como deixou escrito (Gibran
Kahlil Gibran, 1883-1931), a vida não anda para trás e
não se demora com os dias passados. E é ridícula
essa coisa de dizer: — se eu pudesse voltar aos meus vinte anos,
com a experiência que tenho hoje, tudo seria diferente! Não
é partir que é morrer um pouco; voltar, sim, é que
é morrer um pouco, e, normalmente, qualquer volta é infrutífera,
pois, quando voltamos, encontramos as coisas diferentes. Usualmente a volta
gera inadaptações de toda ordem. Richard Burton (1925-1984)
e Elizabeth Taylor (1932-), por exemplo, casaram-se e se divorciaram duas
vezes. O primeiro casamento foi em 1964 e terminou em divórcio em
1973. O segundo foi em 1975 e terminou um ano depois. Repetindo: usualmente
as voltas (quaisquer voltas) geram inadaptações de toda ordem.
Simbolicamente, a única volta bem-aventurada é a volta à
casa paterna. Se, por outro lado, por empréstimo, viermos a receber
uma nova vida, poderemos cometer mais erros ou menos erros. Cometeremos
menos erros se nos tornarmos conscientes dos erros que praticamos nesta
vida. Caso contrário... Seja como for, o estado ideal é nos
tornarmos Senhores de nossas experiências, Mestres de nossas futuras
existências e Livres de dependências e de prisões acachapantes,
isto é, de cobiças, de desejos, de paixões, de maus
pensamentos e de más intenções. No mínimo, pois
precisamos nos libertar de muitas coisas mais.
Ser
mais tolo, em uma próxima e presumida vida, é um contra-senso.
Agora, ser mais ingênuo ou mais puro é outra coisa. Mas ingenuidade
não deve significar que o indivíduo deva ser abestalhado,
crédulo, inexperiente, inocente (útil ou inútil), pacóvio
ou simplacheirão, mas, sim, rico em nobreza, honradez, probidade,
dignidade, franqueza e honestidade; isto tudo, em uma palavra, significa
pureza. Ou em outra: autoconsciência. Consciente. E só a Iniciação
produz isso.
O
que se deve levar, de verdade, a sério? A si mesmo? O mundo não
gira só para nós ou apenas em torno de nós. Isso é
narcisismo. Sobre o narcisismo, Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) escreveu
uma passagem interessante: Na origem, toda a libido está acumulada
no isso, ao passo que o eu está ainda em curso de formação
ou débil. O isso emite uma parte dessa libido para investimentos
dos objetos eróticos e, mais tarde, o eu, que se fortaleceu, procura
se apoderar dessa libido de objeto e a se impor ao isso como objeto de amor.
O narcisismo do eu é, portanto, um narcisismo secundário,
retirado dos objetos. Custe o que custar, temos que aprender que só
se deve, realmente, levar a sério o que precisa ser levado a sério.
Isto dito assim, com tanta simplicidade e tanta trivialidade, pode até
parecer uma ridicularia. Então, repetindo o que venho dizendo há
muito tempo: só se deve levar mesmo a sério o que fala a Voz
Silente em nosso Coração. Eu não posso explicar com
palavras o que possa ser isso; mas quem já ouviu essa Voz ou quem
a ouve regularmente, apenas leva a sério o que essa Santa Voz sussurra.
Talvez fosse interessante ler um texto que escrevi há algum tempo,
cujo título é Sanctum Sanctorum (Um Experimento Místico
de Criação Mental) disponibilizado em:
http://paxprofundis.org/
livros/sanctum/sanctorum.htm
Ser
menos higiênico? O que é isso, companheiro? Essa não!
Isso é ser um porcalhão, besuntão, bodegueiro, lambão,
lambarão, lambuzão ou pataloco. Todos sinônimos. Ter
mania de limpeza é outra coisa; isso é ser obcecado, extravagante,
excêntrico, ou, o que mais triste, ser patologicamente um mental.
Quase sinônimos. O filme As Good as It Gets (Melhor é
Impossível), dirigido por James Laurence Brooks, com, entre outros
atores, Jack Nicholson, Helen Hunt, Greg Kinnear e Cuba Gooding Jr., mostra
essa obcecação esquisita muito bem. Precisamos encontrar o
meio-termo. Grande ensinamento! Mas, se, por um lado, tudo o que é
demais é moléstia, por outro, tudo o que é de menos
é doença. Outro grande ensinamento! Agora, prezado Autor,
tenha a santa paciência; ser menos higiênico é mesmo
uma porca e louca esquizofrenia! Exalação almiscarada de bode
não-castrado do tipo bodum, cê-cê, chulé et
cetera e tal não há Dom Helder Câmara nem Madre
Teresa de Calcutá que agüente. Quer feder, meu chapa? Vai feder
em Maracutsil
ou no raio que o parta!
Correr
mais riscos, depende. Pelo bem, pela beleza e pela justiça temos
que correr todos os riscos. Nestes casos, não é uma questão
nem de mais nem de menos; é uma questão de todos, pois somos
todos UM. Só aparentemente a dor pode doer sozinha. Fome e miséria
não vicejam em pedra!
Viajar
mais, depende. Viajar apenas para satisfazer ilusões? Para charlar?
Para bostejar? Para quê? Isso é papo furado, ainda que qualquer
viagem seja, de uma forma ou de outra, sempre ilustrativa e enriquecedora.
Até parece que eu sou um chato de galochas dizendo essas coisas,
mas não sou; só penso que viajar por viajar, exclusivamente
por lazer, seja inútil. Bom mesmo é fazer uma espécie
de turismo acadêmico, para que se complementem lazer e aprendizagem.
Para quem não leu, uma boa leitura são as obras de Raymond
Bernard (1923-2006), particularmente Encontros com o Insólito
e As Mansões Secretas da Rosacruz. Nesses livros, estão
relatadas várias passagens e ocorrências insólitas de
algumas viagens feitas por esse grande Místico francês. Aquelas,
sim, foram Viagens! Como aperitivo, quem desejar poderá ler Raymond
Bernard (Pensamentos Místicos), de minha autoria, em:
http://paxprofundis.org/
livros/bernard/bernard.html
Contemplar
mais entardeceres, sim. Simbolicamente, o nascer e o pôr do Sol são
Illuminantes e educativos. Mas o Verdadeiro Aton está em
nossos Corações. (Não há quem não sinta
lá alguma coisa ao contemplar em silêncio um nascer do Sol.)
Só que esse sacrossanto e eterno Aton não nascerá ou
se levantará sozinho. Seu nascimento depende de nós, exclusivamente
de nós e de mais nada nem de ninguém. Nascido, não
se porá jamais!
Subir
mais montanhas? Isso não é para qualquer um; pelo menos, para
mim é que não é. Eu não subo nem em monte de
cupim. Pode ser monte de Nasutitermes globiceps, de Cornitermes
cumulans, de Syntermes molestus ou de Syntermes grandis;
se qualquer um desses isópteros fizer monte, eu não subo.
Se minha felicidade depender de subir montinhos, montões ou montanhas,
vou morrer infeliz. Ora bolas! Agora seriamente: em termos místico-metafísicos,
a primeira montanha que precisamos subir e vencer é a montanha das
nossas indignidades; a segunda é a que leva à Porta Sagrada
de nosso Mestre-Deus interior. Não há uma terceira montanha.
E se alguém pensa que subirá essas montanhas em igrejas ou
templos está quadradamentequadradamente
enganado. Quando muito, ali serão adquiridas as sandálias
para a Caminhada. E só! O subimento da Montanha feito por Jesus (e
por muitos outros Iniciados que subiram suas Montanhas pessoais) deve ser
entendido desta forma alegórico-místico-esotérica,
não literalmente. Misticismo não é
como jogo do bicho, que vale o que está escrito; é necessário
saber ler as (ou nas) entrelinhas. Imaginar ou infantilmente acreditar,
por exemplo, que seja um fato concreto ou histórico – porque
está na Bíblia – que Jonas tenha sido abocanhado e engolido
por um grande peixe ou por um grande monstro marinho (em grego këtos),
que tenha passado três longos dias e três intermináveis
noites no estômago escuro e 'remelexento' desse këtos
desgorgomilado, que se sentiu como se estivesse sepultado, e que depois
de se arrepender foi vomitado em uma praia pelo këtos etc.,
é mesmo uma crença e uma imaginação imaginosa,
imaginativa, imaginante e imaginal. Há, por outro lado – o
que é muito pior – quem ainda acredite (e é muita gente
que acredita) que Jesus possa ter dito: Ninguém vai ao Pai senão
por mim. Nessa frase, eu não sei o que é pior, se é
o ninguém, ou se é o senão.
Se eu tivesse que escolher o maior absurdo bíblico, certamente eu
escolheria exatamente esse. Não sei, mas pode ser que Jesus tenha
dito algo mais ou menos assim: — Meus ensinamentos são
um Caminho, uma Via, um Estágio da verdade universal relativa, uma
Possibilidade de libertação e uma das Chaves para a Vida.
Para você projetar e construir Seu Pai como eu projetei e construí
o Meu [seu Aton-Mestre-Deus interior], estes ensinamentos, ainda
que não sejam exclusivos ou definitivos, poderão ser uma opção.
Como muitos vieram antes de Mim, muitos virão depois de Mim. Mas
você é livre para escolher outros Sendeiros. Ora, desde
quando a Barca de São Pedro é a única construção
destinada a navegar e a transportar o pessoal rumo ao céu? Isso só
mudará quando for percebido que absurdos como esses (pois se opõem
à razão e ao bom senso) só interessam ao poder eclesial
e a mais ninguém. Remate: cada qual que cuide de subir suas montanhas
individuais e não queira subir a Montanha que Jesus subiu; a Dele,
só Ele pôde subir, porque venceu Seu inferno e Seus demônios
pessoais.
Nadar
em mais rios? Em quantos? Não seremos mais livres ou mais felizes
nadando em mais ou em muitos rios, nem seremos mais prisioneiros se não
nadarmos em rio algum. Tanto a liberdade como a prisão, tanto a felicidade
como a infelicidade, somos nós que construímos; e todas não
dependem de rios, riachos, córregos, ribeiros, regatos, arroios etc.
Aliás, tudo que está do lado de fora, sejam montanhas, sejam
rios, só conspira para nos fazer retroceder. Todavia, se conscientemente
nadarmos para além do rio formado pelas lágrimas das nossas
depravações transmutadas, ou se subirmos e ultrapassarmos
a montanha construída pelas nossas iniqüidades compreendidas,
é bem possível que escapemos do Hades, de Hécate, das
Erínias, das Moiras, das Harpias, de Tanatos, de Hypnos, das Górgonas,
e que nos libertemos de todos os demônios fedorentos que construímos,
consciente ou inconscientemente, ao longo de nossa existência.
Ter
mais problemas reais e menos problemas imaginários vai exclusivamente
de como encaramos e olhamos a vida e o outro. Um problema real, por exemplo,
é a fome do ser-no-mundo, que é, irredutivelmente,
um ser-consigo-comigo-e-com-todos. Logo, a fome do outro é a sua
fome, é a minha fome, é a fome de todos. A dor do outro é
a sua dor, é a minha dor, é a dor de todos. A carência
do outro, qualquer que seja essa carência, é sua, é
minha, é de todos. Já escrevi muito sobre isso; nesta oportunidade
apenas redirei: Somos todos UM. Nosso egoísmo será educativamente
compensado em forma de lágrimas, lágrimas e mais lágrimas.
Um dia aprenderemos ou aprenderemos. Enquanto isso, as lágrimas não
secarão.
Tratar
de ter, ou de viver, somente bons momentos, meu Poeta? Nem utopicamente
isso é possível. Além de a dualidade impedir isso,
nossa ignorância natural e nosso congênito abastardamento não
permitem que percebamos lá muita coisa além daquilo que é
sensorial, e tudo que é meramente sensorial – porque é
ilusório – não pode propiciar ou redundar em apenas
bons momentos. Nem poeticamente isso é possível.
Esse nheéng nheéng é quimericamente inconsistente
e impossível, como tudo que é utópico não é
possível e nem consistente. Por outro ângulo, como
aprender e apreender, isto é, assimilar mentalmente e abarcar com
profundidade o que quer que seja, apenas vivendo bons momentos? Longe
estou de admitir ou de ser favorável a qualquer tipo de inflicção,
nem acredito que só se aprenda com a dor, pela dor e na dor. Pelo
contrário. Mas também é absoluta e inteiramente impossível
só se aprender em meio a playboyismos ociosos, festas e
folganças. Laisser-faire? Laisser-aller? Laisser-passer? Vivre
et laisser vivre não significa apenas querer ou pensar em gozar
a vida e em viver bons momentos; isto é um projeto, muito mais do
que egoísta, totalmente irrealizável. Além de utópico
e quimérico, como eu disse. Mas há alguns cagalhoças
(paisanos e militares, religiosos e irreligiosos, corruptores e corruptos
etc.) que vivem dessa forma e que canalizam suas energias só para
esse fim. Lágrimas, lágrimas e mais lágrimas educativas!
Que
a vida é feita só de momentos, eu concordo. Mas os momentos
não são impermeáveis ou estanques; tudo está
interligado, coligado. E tudo está, educativamente, sob o olho da
Lei Cósmica de Causa e Efeito. Não perder o agora, claro que
sim. Podemos, sem saber, estar dando o último inspiro. Todavia,
sofreguidão e desejo ou ambição de conseguir sem demora
algo (lícito ou ilícito, proveitoso ou ruinoso), só
conduzem a duas coisas: decepções e mágoas originadas
por desgostos derivados de inesperadas inexecuções. Na via
prestigiosa do Misticismo, particularmente, a primeira palavra é
paciência. Se a impaciência adiantasse alguma coisa, eu seria
o primeiro da fila para comprar o bilhete da celeridade. A Ordem Rosacruz
AMORC
me ensinou que não é assim.
Ninguém
pode voltar a viver; não a mesma vida. O que fizemos, o que falamos
e o que pensamos passam a fazer parte dos Registros Akáshicos. Mas
todos nós podemos, paulatinamente, começar a Viver de maneira
consciente, e deixar impresso nesse Registro não só uma pequena
ou grande contribuição para o Summum Bonum, mas nossa
própria Impressão Digital Cósmica.
Seja
qual for a idade, a cada instante estamos morrendo para esta vida. E daí?
Estamos fazendo o quê por nossa Vida Eterna? Essa, sim, é a
grande pergunta.
Epílogos
ou epilògus: eu entendi muitíssimo bem o que o autor
desses Instantes quis dizer. Resolvi contraditar o texto porque,
se for lido ao pé da letra – e eu sei que há quem já
o tenha lido assim – pode levar um desavisado a pendurar uma
no pescoço, vestir dois calçados feitos de uma sola com tiras
que prendem cada um a um chulé, isto é, as legítimas
e conhecidíssimas sandálias havaianas, e sair pelaí
confundindo geringonça com leite-de-onça e babilaque
com a Rita Cadilac. E a despesa-confusão ou confusão-despesa
não poderá ser debitada na conta do senhor José Abelardo
Barbosa (Chacrinha) de Medeiros, que nasceu, lá longe, em
Surubim, em 20 de janeiro de 1916 – que veio para distribuir bacalhau
e para confundir, não para explicar necas de pitibiribas –
e que recebeu seu passaporte para o céu em 30 de junho de 1988, aqui
pertinho, no Rio de Janeiro. O Velho Guerreiro nada tem a ver com isso.
—
Como vai, vai bem? Veio a pé ou veio
de trem? Vocês querem bacalhau? Teresinha!