Lembro
que uma vez levei um bolo porque errei uma tabuada. O aluno seguinte acertou
e ficou com o direito de me bater na mão com a palmatória.
Eu, na hora, quis fechar a mão ... O certo é que apanhei de
palmatória.
Eu
quase fui destinado a ser padre.
Padre
Evandro
(E por falar em padre...7)
As
poesias das músicas de Noel Rosa são o retrato do Rio da minha
juventude. Até hoje gosto de ouvi-las e me comovo: 'Feitiço
da Vila', 'Conversa de Botequim', 'As Pastorinhas'...
Copacabana:
o melhor lugar que há para morar; no meio da festa.
—
Helio,8
se você chegar pela primeira vez num país, não conhecer
nada do seu sistema de Governo, pergunte: existe alternância de poder?
Se existir, você está numa Democracia. A alternância
protege a todos, minorias e maiorias. Todos precisam de proteção.
Se só um homem ou um partido se eternizarem no Poder, não
há proteção para ninguém.
Se
fosse levado a apontar uma única causa para queda de João
Goulart diria que foi a reforma agrária.
Não
esqueceram nunca o clássico mestre francês: 'É preciso
que somente o foco da convicção vos anime, que o fim a atingir
seja o objetivo de todos os vossos esforços. É preciso, enfim,
consentir em se esquecer de si mesmo para não pensar senão
na causa e no resultado a alcançar. É preciso querer convencer
e não seduzir.
Outras
vezes, a opinião pública fica irredutível e leva aos
mais trágicos erros judiciários. Sim, a opinião pública,
esta prostituta, é quem segura o juiz pela manga.
O
crime é um episódio, não é a vida inteira. É
um trecho da realidade, não esta por completo.
Premissa
maior: ao réu primário, de bons antecedentes, se reconhece
o direito de permanecer em liberdade, mesmo depois de pronunciado ou condenado,
na forma do que dispõe a Lei nº 5.941, de 22 de novembro de
1973; premissa menor: o suplicante é primário e tem bons antecedentes;
conclusão – logo, ao suplicante deve ser reconhecido o direito
de se defender solto.
A
regra geral é o réu primário, de bons antecedentes,
defender-se em liberdade, independentemente de fiança, pouco importando
que o crime seja punido com pena de detenção ou de reclusão.
Ninguém
deve ser preso antes de plenamente convencido de sua culpa, a não
ser em caso excepcionais e quando for irrecusável a necessidade da
prisão. As freqüentes absolvições de acusados
presos preventivamente e as constantes reformas de decisões condenatórias
de primeira instância aconselhavam maior cautela na privação
da liberdade de réus primários e de bons antecedentes.
A
garantia da execução da pena, como requisito da prisão
preventiva, tornou-se superada desde o momento em que a lei permitiu a apelação
em liberdade para réu condenado.
Tribunal
do Júri Ponto de partida,
escola de Democracia, o povo na Justiça, onde aprendi que o Direito
deve servir à vida.
No
salão do júri... Não é possível errar,
o discurso é dito uma só vez, não se repete, não
se corrige. O advogado põe em jogo todo o seu cabedal de conhecimentos,
todo o seu fervor profissional, a sincera compenetração de
seu convencimento pessoal, seu talento e sua glória. Não há
que vacilar, ceder ou transigir. A batalha final começa aí
e as armas estão assestadas contra o adversário. É
preciso manejá-las, com perícia e determinação,
de acordo com a estratégia concebida para vencer a guerra, ganhando
a liberdade do acusado.
Nestes
sessenta anos, como advogado, não fiz outra coisas senão repetir
a sina de Sísifo,9
em todos os pretórios, defendendo a liberdade alheia. Trabalhei muito,
empurrei a pedra da lenda para levá-la ao topo da montanha, e, quando
lá chegava, descia outra vez para empurrá-la de novo. Tem
sido um esforço incessante, durante toda a vida.
Direito
Respeito à pessoa humana.
É
certo que a privação da liberdade, para combater o crime,
está arraigada na consciência social. Se assim é, procuremos
torná-la o menos nociva possível, reduzindo-a ao máximo,
aos reconhecidamente perigosos. Devem ser adotadas e ampliadas as modalidades
alternativas da prisão, algumas já incorporadas às
legislações. São formas de condenação
sem o labéu da prisão, sem a marca da cadeia, sem o ferrete
do cárcere, enfim, sem o estigma que dificulta senão impede
a sua reinserção na comunidade. Outras alternativas serão
encontradas no dia-a-dia da aplicação de uma política
criminal inteligente e criativa, que, após a fase do estéril
tecnicismo nazifascista, envereda novamente por seu caminho luminoso de
proteção e garantia dos direitos humanos.
Direito
Instrumento pelo qual os direitos humanos devem ser protegidos e conservados
de forma que a dignidade humana seja vista como valor principal de qualquer
ordenamento jurídico, para que este não se torne meio pelo
qual uma minoria exerce uma tirania sobre a maioria através das leis.
Evandro
por Evandro
Fosse
qual fosse a piça,
fui um
soldado da Justiça.
Não
liguei, se bendiziam;
tão-pouco,
se maldiziam.
Fiz
o que devia ser feito,
O que
eu não podia fazer
não
me dava a esmorecer.
A
consciência? Tranqüila.
Se precisasse,
era reguila;
mas,
no dia-a-dia, era cortês.
Meu passado?
Não-freguês.
Batalhei
pela Democracia.
Pugnei
contra a mais-valia.
Rugi
por direitos humanos.
Jamais
cedi aos maganos.
Nunca
topei a globalização
–
astuciosa desfraternização.
Futuro?
Débâcle
do Capital.
Cometi
alguns erros? Claro.
Desleal?
Menos do que raro.
Reitero:
fiz tudo o que pude;
só
não tornei
repleto o açude.
Mas,
minha água distribuí,
e sei
que algum bem eu pari.
O meu
legado é a Liberdade,
e, acima
de tudo, a Verdade.
Agora?
Estou aguardando
o tempo
de um novo quando.
Aqui?
Tudo é bem diferente:
nem faz
frio nem é quente!
São
Pedro foi muito gentil,
e eu
não vi ninguém hostil.
Só
uma coisa é meio sacal;
cá,
não há nenhum tribunal!
Ninguém
é preso ou punido,
nem é
supliciado nem ferido.
Cada
um seu tempo espera:
uma nova
vida; uma nova era.
______
Notas:
1. Eu também.
2. Eu também.
O delinqüente é um doente, e como tal deve ser tratado (para
poder se curar ou, pelo menos, para melhorar um pouco). Meter um delinqüente
na cadeia não adianta nada; só piora as coisas, e é
uma crueldade inigualável. Não se restaura ou se recompõe
uma deformidade ou uma desarmonia do Corpo Astral com punição
do Corpo Físico. Isto é mais fácil de ser compreendido
do que o Teorema de Pitágoras ou a Metafísica,
de Aristóteles.
3. O Tribunal de Segurança
Nacional (TSN) foi um órgão da justiça militar do Brasil
criado pela lei nº 244, de 11 de setembro de 1936, durante o primeiro
Governo de Getúlio Dornelles Vargas (São Borja, 19 de abril
de 1882 – Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1954). Tinha o objetivo
de julgar matérias durante períodos de guerra. Foi extinto
em 1945, com o fim do Estado Novo. Este
Tribunal de Exceção possuía a função
de julgar crimes políticos e contra a economia popular. Sua criação
teve início em 1935, e em 1936 assumiu uma forma instrumental onde
os atos para julgar tais tipos de crimes passaram ser realizados por um
Tribunal Militar, cujas atividades se voltavam contra grupos comunistas.
Posteriormente, com uma maior instrumentalização, sua estrutura,
passou a ser prevista pela Constituição de 1937 nos artigos
122, 141 e 172. A
criação do TSN está ligada à repressão
aos envolvidos no fracassado levante comunista de novembro de 1935, quando
militantes da Aliança Nacional Libertadora se insurgiram contra o
Governo de Getúlio Vargas, nas Cidades de Natal, Recife e Rio de
Janeiro. A função do Tribunal era processar e julgar, em primeira
instância, as pessoas acusadas de promover atividades contra a segurança
externa do País e contra as instituições militares,
políticas e sociais. Entre setembro de 1936 e dezembro de 1937, 1.420
pessoas foram por ele sentenciadas. Entre
os julgados pelo TSN estão Agildo Barata Ribeiro, Apolônio
de Carvalho, Caio Prado Júnior, Carlos Marighella, Luís Carlos
Prestes, Monteiro Lobato, Plínio Salgado e Patrícia Galvão
(Pagu).
4. Isto é uma
verdade metafísica, pois, mesmo aquilo que consideramos ou que qualificamos
como infelicidade, calamidade, catástrofe e desastre ou situação
lamentável, dolorosa, desdita, infortúnio e desgraça
nos educa. O que Mâ Ananda Moyî – impregnada de alegria
– (30 abril 1896 – 27 de agosto de 1982) mais gostava de ensinar
a seus discípulos era: Jo
Ho jâye. O que acontece é desejado e bom. A própria
morte, para Mâ, nada mais era do que um aspecto da vida – a
Eterna Vida. Dizia: Para
onde vai aquele que parte? De onde vem ele? Para este corpo não existe
ida e não existe volta. O que existia antes permanece existindo agora.
O que importa se morremos ou se permanecemos com vida? Mesmo depois da morte,
ainda se continua a existir! Então, por que a revolta e a perturbação?
Sob a aparência de separação e de união permanece
sempre o Eu Supremo. Disto se infere que a encarnação
e a desencarnação nada mais são do que faces distintas,
mas ao mesmo tempo equivalentes, de uma mesma moeda: a Eterna e Santa Vida.
Mas, isto jamais poderá ser compreendido racionalmente, intelectivamente;
só através da transrazão auto-iniciática o ser-no-mundo
realizará a Unidade Cósmica.
5. No final da vida,
Evandro Lins e Silva afirmou que defenderia Doca outra vez, mas não
usaria a tese da legítima defesa da honra.
6. Liberté,
Egalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade, Fraternidade)
foi o lema da Revolução Francesa (período de intensa
agitação política e social na França, de 1789
a 1799, que teve um impacto duradouro na História do País
e, mais amplamente, em todo o continente europeu). O lema sobreviveu à
Revolução, tornando-se o grito de ativistas em prol da Democracia
e da derrubada de governos opressores e tiranos de todo tipo. O lema é
citado nas Constituições Francesas de 1946 e 1958. Originalmente,
o símbolo era Liberté,
Egalité, Fraternité, ou la Mort. Liberdade, Igualdade,
Fraternidade ou Morte. Na II Guerra Mundial, durante a ocupação
alemã na França, o lema foi substituído na área
do Governo de Vichy pela frase Travail,
Famille, Patrie (Trabalho, Família e Pátria),
para evitar possíveis interpretações subversivas e
desordenadas.
Prise
de la Bastille (Tomada da Bastilha)
14 de julho de 1789
7. Esta é a história
de um padre íntegro e absolutamente honesto.
Uma Senhora muito distinta
estava em um avião vindo da Suíça, e vendo que estava
sentada ao lado de um padre simpático, perguntou:
— Desculpe-me,
santidade, posso lhe pedir um favor?
— Santidade,
não, minha filha; Sua Santidade é só o nosso Papa Francisco.
Eu sou um simples pecador. Mas, o que posso fazer por você?
— É
que eu comprei um novo secador de cabelo sofisticado, muito caro. Eu realmente
ultrapassei os limites da declaração, e estou preocupada com
a alfândega. Será que o senhor poderia levá-lo debaixo
de sua batina?
— Claro
que posso, minha filha; batina também serve para essas coisas. Mas,
você deve saber que eu não posso mentir.
— O
Senhor tem um rosto tão honesto, Padre, que estou certa que eles
não lhe farão nenhuma pergunta. E lhe deu o secador.
O avião chegou
a seu destino. Quando o padre se apresentou à alfândega, lhe
perguntaram:
— Padre,
o senhor tem algo a declarar?
O padre prontamente respondeu:
— Do
alto da minha cabeça até a faixa na minha cintura, não
tenho nada a declarar, meu filho.
Achando a resposta estranha,
o fiscal da alfândega perguntou:
— E
da cintura para baixo, Padre,
o que o senhor tem?
— Eu
tenho um equipamento maravilhoso, destinado ao uso doméstico, em
especial para as mulheres, mas, que nunca foi usado...
Sem mais delongas, o
padre foi imediatamente liberado.
8. Hélio Fernandes
(Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1920) é um jornalista brasileiro.
Sua história profissional se confunde com a própria história
da Tribuna da Imprensa, jornal de que é proprietário
desde 1962.
9. Na mitologia grega,
Sísifo era considerado o mais astuto de todos os mortais. Foi o fundador
e o primeiro rei de Éfira, depois chamada Corinto, onde governou
por diversos anos. Casou-se com Mérope, filha de Atlas, sendo pai
de Glauco e avô de Belerofonte. Sísifo morreu de velhice, e
Zeus enviou Hermes para conduzir sua alma ao Hades. No tártaro, por
ter sido considerado um grande rebelde, Sísifo teve um castigo, juntamente
com Prometeu, Tício, Tântalo e Íxion. Por toda a eternidade,
Sísifo foi condenado a rolar uma grande pedra de mármore com
suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que
ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha
abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível.
Por este motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou
a ser chamada Trabalho de Sísifo. Então, repetir
a sina de Sísifo
não foi absolutamente
o trabalho que o admirável Evandro desenvolveu em toda a sua vida,
que, ainda que marcado por algumas contradições, foi profícuo,
generoso e competente.
Trabalho
de Sísifo
Música
de fundo: