DESGOSTO AFLIGIDO

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Aflição Pelo Descumprimento

 

 

 

Um desgosto afligido;

um queixume reprimido.

Só memórias atrabiliárias;

duas lágrimas solitárias.

 

Descumpri, estou ciente,

o que me deixa desluzente.

Aprontei... Pilantrei demais...

Mais... E um pouco mais...

 

Fiz bolinhas de sabão;

Devendo estar desperto,

sonhei um sonho incerto.

 

O que deveria construir

nem de longe fiz surdir.

O que deveria ter mudado,

pela Noite,1 foi arruinado.

 

Não venci a Noite Negra;

minh'alma se tornou egra.

Desejos, cobiças e paixões...

Dúvidas, temores, senões...

 

Em ruínas o castelo;

meu sorriso é amarelo.

A Princesa? Nunca veio!

Só agrura! Sobrecheio!

 

Figurei o impossível.

Hoje, tudo é aborrível.

Estou velho e não vivi;

dói até para fazer xixi.

 

 

 

 

Em agosto, ela disse:

— Assine este recepisse.

— Era a morte anunciando

que era a hora do quando.

 

Tentei u'a moratória:

logo agora a divisória?

E o meu desgosto afligido?

E o meu pranto reprimido?

 

E se a Princesa viesse?

E se eu ali não estivesse?

Quem novaria o castelo?

Bolas! Vivi por este anelo!

 

A morte foi durona:

— Tu viajarás de carona.

Vem logo. E, por bem,

 

Nem vem que não tem.

Não peças nem um vintém.

Tu pariste o teu bode;

basta olhar o teu bigode.

 

Nem vem que não tem.

Esperam-te mais além.

Tua Princesa se desiludiu,

e, da sua vida, te baniu.

 

Nem vem que não tem.

Foi-se o tempo do entretém.

Por teres cedido ao não-sou,

teu castelo se esbarrondou.

 

Tu jogaste no lixo

o acordado e prefixo.

Agora, é tarde demais

para lamentos e ais.

 

Caronte2 nos aguarda

para cumprir a alfarda.

Para ti, é só não e renão,

sem amparo ou corrimão.

 

Talvez, em outra vida,

cicatrize a velha ferida.

Mas, tu terás de cumprir

 

Olvidar impõe retornar;

romper impõe compensar.

Permanecerá desventurado

quem transgredir o ajustado.

 

 

 

 

Vi que não havia jeito:

ou ia por bem ou no peito.

Aquilo eu não poderia delir.

E nem pude me despedir!

 

De repente, um solanco,

e senti um leve alanco.

Caronte estava todo feliz.

Ao longe, sorria Beatriz!3

 

Durante ± 84 horas4

– sem apoios, sem escoras –

de trás para frente, revivi

 

Proximinho de retornar,

jurei: haverei de completar

o que prometi no passado,

e transmutarei o Quadrado.

 

Não falharei de novo.

É mais fácil galo botar ovo,

jibóia da rolinha ser amiga

 

 

Transmutação Volitiva

 

 

______

Notas:

1. A Noite Mística (Noite Negra ou Noite Obscura) da Alma simboliza as dificuldades da personalidade-alma em se desapegar das ilusões do mundo e atingir a LLuz da união com o Deus de seu Coração. A Noite Mística da Alma é o vestibular da ascensão mística. Em diversas predicações, Santo António de Lisboa referiu-se à Noite Mística como processo necessário à purificação e preparação da alma para atuar em um plano mais elevado de consciência. Nesse sentido, o Santo referiu-se à Noite como a obscuridade dos místicos — mysticorum obscuritas. A Noite não tem, ordinariamente, a duração da noite física. A Noite tem começo (Conticínio), meio (Meia-Noite) e fim (Aurora), e o tempo de duração é individual. Durante sua manifestação, a Noite tem e traz conseqüências terríveis, dentre as quais o Santo Lisbonense aponta: privação da luz da razão; o ser torna-se frágil e o conhecimento adequado de nada adianta; o Eu Interior fica em trevas e o homem é tentado a tudo abandonar (trevas da consciência); a claridade tentadora da prosperidade mundana entenebrece a alma e se transmuda em caligem da morte; a noite é um amplo campo de adversidade em que a alma anda às apalpadelas sem consciência de si mesma. A Noite é, pois, uma etapa da reintegração (regeneração) do homem à sua imaculada, cósmica e divina origem. E, nesse aprendizado, terá que eliminar, minimamente, a soberba do coração, a lascívia da carne, a avareza do mundo, a ira, a vanglória, a inveja e a gula, que compõem as sete violações capitais enunciadas na teologia católica. Ou seja: terá de transmutar os desejos, as cobiças e as paixões.

 

 

Noite Escura
– São João da Cruz (Doctor Mysticus) –
(Tradução de Jorge de Sena)

 

 

 

São João da Cruz

São João da Cruz

 

 

Em uma Noite escura,
com ânsias em amores inflamada,
ó ditosa ventura!,
saí sem ser notada
estando minha casa sossegada.

À ocultas e segura,
pela secreta escada, disfarçada,
ó ditosa ventura!
À ocultas, embuçada,
estando minha casa sossegada.

Em uma Noite ditosa,
tão em segredo que ninguém me via,
nem eu nenhuma cousa,
sem outra luz e guia
senão aquela que em meu seio ardia.

Só ela me guiava,
mais certa do que a luz do meio-dia,
adonde me esperava
quem eu mui bem sabia,
em parte onde ninguém aparecia.

Ó Noite que guiaste!
Ó Noite amável mais do que a alvorada!
Ó Noite que juntaste
Amado com amada,
amada nesse Amado transformada!

No meu peito florido,
que inteiro para Ele se guardava,
quedou adormecido
do prazer que eu Lhe dava,
e a brisa no alto cedro suspirava.

Da torre a brisa amena,
quando eu a seus cabelos revolvia,
com fina mão serena
a meu colo feria
e todos meus sentidos suspendia.

Quedei-me e me olvidei,
e o rosto reclinei sobre o do Amado:
tudo cessou, me dei,
deixando meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.

 

 

2. Na Mitologia Grega, Caronte é o barqueiro do Hades, que carrega as almas dos recém-mortos sobre as águas dos rios Estige e Aqueronte, que dividem o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Uma moeda para pagá-lo pelo trajeto, geralmente um óbolo ou um danake, eram, por vezes, colocados dentro ou sobre a boca dos cadáveres, de acordo com a tradição funerária da Grécia Antiga. Segundo alguns autores, aqueles que não tinham condições de pagar a quantia ou aqueles cujos corpos não haviam sido enterrados deveriam vagar pelas margens do Hades por cem anos.

 

 

Caronte
(Ilustração de Gustave Doré para a Divina Comédia)

 

 

3. Beatriz, sonho acalentado, mas, não realizado. Vale a pena ler o poema épico-teológico a Divina Comédia (em italiano, Comedìa, mais tarde batizado de Divina Commedia por Giovanni Boccaccio), escrito por Dante Alighieri (Florença, 1º de junho de 1265 – Ravena, 13 ou 14 de setembro de 1321), e que é dividido em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso.

 

 

 

4. ± três dias e meio.

 

Música de fundo:

Nem Vem Que Não Tem
Compositor: Carlos Imperial
Interpretação: Wilson Simonal

Fonte:

http://www.4shared.com/mp3/BzzCdHhl/
wilson_simonal_-_nem_vem_que_n.html

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Beatriz_Portinari

http://montalvoeascinciasdonossotempo.blogspot.com.br/
2010/10/dante-alighieri-poema-epico-um-poema.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Divina_Com%C3%A9dia

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Dante_Alighieri

http://blogs.jovempan.uol.com.br/
poeta/beatriz/

http://eofdreams.com/photo/ant/08/

http://afabricadedesenhos.wordpress.com/o-que-
fabricamos/animais/desenho-colorir-sapo-cururu/

http://mirandarosemusic.com/

http://www.rdpizzinga.pro.br/livros/
filosofiaportuguesa2/filosofiaportuguesa2.html

http://www.divvol.org/santoral/index.php?s=1214

http://paxprofundis.org/livros/cruz/cruz.htm

http://russtafari.com/the-abcs-of-
death-epic-horror-movie-trailer/

https://en.m.wikipedia.org/
wiki/File:Skull-Icon.svg

http://nipclub.blogspot.com.br/2011/05/
huge-pirate-battle-june-2-2011-only-at.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Caronte_(mitologia)

 

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