CONTO INICIÁTICO

UM ENCONTRO INESPERADO E INESQUECÍVEL COM UM ADEPTO MAIOR DA ARTE SAGRADA

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

Música de fundo: Adagio for strings
Fonte:
http://members.tripod.com/~icanseefar/webmusic.html

 

SOL


LIVRO I – UM DIA COMO OUTRO QUALQUER


       Aquele 22 de Junho de 2000 parecia ser um dia como outro qualquer. Pelo menos, ao acordar naquela quinta-feira, eu pensava assim. Como tinha ido dormir muito tarde (hábito que estava encontrando dificuldades para modificar), acordara por volta das dez horas (para mim, alta madrugada) com uma ligeira dor de cabeça e um transitório mau humor. Consolei-me com o conselho bem-humorado de um amigo querido: Não se ache horrível pela manhã, meu caro: continue a acordar ao meio-dia. Contudo, um compromisso inadiável no Centro da Cidade impunha que eu me apressasse. Às onze horas em ponto, refeito do mal-estar que me incomodara ao levantar, eu já estava no escritório do meu advogado tomando ciência dos últimos pormenores de um Inventário no qual ele estava trabalhando para mim. Os trâmites e as diligências vinham se arrastando há mais ou menos dois anos e eu já estava saturado de assinar papéis, dar emolumentos eventuais e ouvir explicações que não entendia. Advogado gosta de explicar...

      Apesar de o meu patrono, além de amigo pessoal, possuir um caráter ilibado, aqueles encontros, para mim, eram de amargar. Quando me livrei daquela maçante consulta estava realmente faminto. A rima do dito popular me veio logo à cabeça: Meio-dia, panela no fogo, barriga vazia. Então, resolvi visitar um restaurante sui generis que eu não freqüentava há alguns anos. Seu nome, apropriadamente, é Boêmio e está localizado em um sobrado na Rua Santa Luzia, no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, bem próximo do escritório do meu advogado. O aspecto singular desse estabelecimento é que, de dia, funciona como restaurante natural, e, de noite, subsiste como boate gay. Este é um dos muitos motivos do porquê desta Cidade ser chamada de Maravilhosa! Aqui, há lugar para todos. É um verdadeiro crisol transmutativo do percurso cristológico para, em primeira instância, purificação e reintegração de todos os entes que aqui habitam e convivem. Aliás, o bem-afortunado Planeta Terra, globalmente, tem essa função. O carioca, da gema ou não (etimologia: do tupi kari'oka —› kara'ïwa = homem branco + oka = casa, ou seja, casa do homem branco), generosa e normalmente, tende para o não-julgamento das preferências e dos atos alheios. Naturalmente é bem-humorado e brincalhão e se esforça para ser solidário e liberal. Geralmente, tende para o descompromisso e comumente não está nem aí. Estas últimas peculiaridades são características particulares da personalidade de muitos cariocas; não podem ser propriamente consideradas qualidades ou virtudes. Eu penso sinceramente que são mesmo peculiaridades. Por outro lado, não apenas por ser carioca, mas por outra ordem de percepção, particularmente, não sinto nenhum distanciamento nem tenho nenhuma reserva contra portadores da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, aviões, atravessadores, leprosos, pivetes, descuidistas, trambiqueiros, libertinos, prostitutas, estelionatários, entendidos, gays, ou quaisquer outros seres humanos, geralmente condenados, marginalizados e desentendidos pela sociedade e tidos como nocivos(?!) à segurança e ao bem-estar coletivos. Para mim, são todos meus Irmãos porque sei que eles estão em mim como sei que eu estou neles. Sei que todos estão em todos. Não há dois Universos. Nem inferno – no qual são lançados os impiedosos – nem céu – para onde vão os piedosos. Céu e inferno são estados ou condições vibratórias temporárias, passageiras, pelas quais transita a personalidade-alma em processo de reintegração rumo ao Centro da Idéia. António de Lisboa (séc. XII – séc. XIII) – o conhecido Santo Antônio – simbolizou esse aprendizado pela passagem da consciência do ser por três estágios progressivos e ascensionais: (Conticinium) Conticínio, (Media Nox) Meia-noite e (Aurora) Aurora. Assim, eu compreendo a todos, porque admito que, no momento propício e no tempo adequado, todos encontrarão a vereda que conduz à LUZ MAIOR; entretanto, apesar de amá-los e de, por isso mesmo, não julgá-los, não os apóio. Eu seria incoerente e irresponsável se os apoiasse. Não os apóio no sentido de incentivá-los a permanecerem consutilizados e enredados em seus desejos, suas cobiças e suas paixões sem auscultarem outras alternativas; mas os apóio integralmente em meu silêncio interior de uma forma mística e universal específica. A VERDADEIRA ILUMINAÇÃO não pode acontecer apenas para um ou para muitos; terá que se tornar uma realidade, ou melhor, uma atualidade para TODOS. Sem exceção. Há outras coisas, estas sim, indiscutível e realmente muito graves, que me enervam e envergonham profundamente, e que a imensa maioria da humanidade desconhece, e se e quando conhece ou dá guarida em silêncio ou finge que não vê. Prefere não se envolver. Quando se importa, muitas vezes se enreda por motivos sovinas, inescrupulosos e subalternos. Freqüentemente, as motivações são equivocadas e hipotéticas. Comissão e omissão, igualmente e no mesmo teor, são formas de infringências a serem oportunamente reconhecidas como tais e resgatadas no devido tempo. Estas compensações, todavia, só acontecerão quando forem úteis e benéficas para aqueles que devem compreender. Antes, não. Sem me estender demais nessa matéria, pois o exame de consciência e a confissão intestina são atos exclusivamente pessoais, no campo da política, por exemplo, recordar Voltaire reforça e reabastece o sentimento de cidadania, impresso, de uma forma ou de outra, em todas as consciências. Cedo a palavra ao filósofo: A política |nem sempre, penso eu| tem a sua fonte antes na perversidade do que na grandeza do espírito humano. A política, portanto, não pode se constituir na contra-arte de se servir descaradamente dos seres humanos. Nem de governar com o máximo de promessas com o mínimo de realizações, como advertiu Júlio de Camargo n’A Arte de Sofismar. Michelet, em O Povo, foi absolutamente veraz quando registrou: Qual é a primeira parte da política? A educação. A segunda? A educação. E a terceira? A educação. Se a preguiça é a mãe de todas as mazelas, a deseducação é a madrasta. A indisciplina mental é a porta de entrada para toda sorte de equívocos e de preconceitos. Mas, muito pior do que a preguiça é o egoísmo. Este sim; é o grande pai de todas as desgraças dos entes.

       Refletindo sobre essas questões fundamentais da existência, dei-me conta de que estava à porta do Boêmio. Subi os degraus que conduzem ao interior do restaurante e, como de costume, vi que o refeitório estava lotado. Com paciência acabei encontrando um lugar desocupado. Durante o almoço, pude observar que os garçons eram os mesmos da época em que eu assomava com mais regularidade àquela simpática casa de pasto. A comida era excelente e os preços consideravelmente módicos. Os freqüentadores não pareciam também ter mudado muito. A maioria era composta de pessoas de classe média desejosas de se alimentarem bem sem terem que despender um valor elevado por uma justa refeição. Fiquei feliz em ver que o negócio ia bem e que o padrão dos serviços se mantinha o mesmo. Afinal, ali ninguém estava se importando se aquele restaurante, de noite, funcionava como boate gay. Muito menos eu. Mutatis mutandis, lembrei-me da aventura incomum de Raymond Bernard em Marráquexe e da Corporação dos Ladrões. Depois, de alguns artistas, cantores e compositores nacionais e estrangeiros. Será que alguém se importa se são gays ou se não são? Eu sei que as pessoas comentam — o que não deveriam fazer — mas será que, no fundo, criticam mesmo? Se criticam, não deveriam.

       Ao terminar minha refeição, desci as escadas e, já na rua, resolvi ir à Igreja de Santa Luzia. Há em mim uma permanente necessidade de me isolar para escapar do burburinho citadino e para poder desfrutar um pouco de paz interior e dialogar amorosamente com o D’ US do meu entendimento. Fico muitas vezes a meditar no porquê de o ser humano estimar e valorizar desproporcionadamente os bens materiais, o fausto e o seu próprio corpo físico em detrimento de seu EU INTERIOR IMORTAL, sacrificando covarde e diuturnamente seu compromisso primordial, seu talento, sua honra, sua solidariedade natural, seu amor-próprio, a consciência de seu valor intrínseco e os gérmenes das virtudes cósmicas indecomponíveis nele desde sempre inoculados, virtudes estas eticamente existentes por si mesmas. Em verdade, é dever insubstituível de todos os seres humanos remodelar, ajustar e esparramar humilde, caridosa e fraternamente as idéias assuntíveis elevadas em proveito da coletividade. Sempre estive convencido de que, particularmente, muitos pensam e definem cidadania de maneira parcelar e incompleta. Gostaria de estar equivocado nessa matéria.

       Sentei-me confortavelmente em um banco próximo à nave principal. A Igreja estava praticamente vazia, o que facilitou meu relaxamento. Não sou religioso no sentido estrito emprestado ao vocábulo. Mas, sinto-me tão confortável em uma igreja quanto em qualquer outro local de meditação ou de adoração. Entendo que as religiões representam e tentam propagar o lado externo, mais fácil, exotérico ou público, por assim dizer, de PRINCÍPIOS E DE LEIS UNIVERSAIS IRREDUTÍVEIS, que perduram perpetuamente na longa e inexistente noite (que é dia) do eviterno e também inexistente tempo. Assim, as religiões nascem, manifestam-se por um lapso de tempo, caem em obsolescência e, ou desaparecem ou prosseguem existindo como fantasmas residuais anacrônicos, tentando resistir aos impulsos atualizadores da Consciência Cósmica, que se manifesta por intermédio Daqueles que podem. Tendo como fato insubjugável de que a reintegração do ser é irreversivelmente ascensional e assimptótica, acredito que não poderá haver jamais uma religião definitiva que satisfaça plenamente as diferentes e múltiplas aspirações ao crescimento espiritual do ser singular e das diversas comunidades, que funcionam como corpo coletivo da humanidade. Sempre haverá o que aprender; sempre haverá o que ser atualizado. Aqueles que se comprometem inabalavelmente com um modelo teológico qualquer, coisificam (como pensaria Leonardo Coimbra) suas personalidades-almas, impedindo-as de se apropriarem justamente de maior conhecimento e de terem a oportunidade de ver com outros olhos e de ouvir com outros ouvidos os múltiplos ângulos de uma mesma questão. Não há verdade absoluta; todas as presumidas verdades devem ser contestadas dialeticamente, pois são relativas a instantes diferenciados da consciência em processo de reintegração permanente. Por isso, está escrito que sentenciou Jesus: Nunca mais nasça fruto de ti (Evangelho de Mateus, 21, 18 a 22). Certamente, O Grande AMeN da Era Pisciana — A ROSA DE SHARON — não repreendeu a figueira por tê-la encontrado apenas coberta de folhas, pois, inclusive, e Ele era sabedor, não era tempo de figos. Há, irrefragavelmente, uma admoestação simbólica e um segredo ocultos nesse ato. Em conseqüência, tomar ao pé da letra as sentenças figuradas contidas nos Livros Sagrados, em que cada elemento funciona como disfarce ou encobrimento para uma Lei Universal ou um Princípio Cósmico, tem levado a Humanidade a cometer as maiores barbaridades e as maiores injustiças, bem como, em acreditar em episódios que nunca ocorreram, porque são meramente alegóricos ou metafóricos. Também há a questão das transliterações, das adulterações e das supressões. Mas, isto já é outra coisa.

       Entretanto, não pude deixar de ficar entristecido ao recordar algumas adulterações, inclusões e remoções cirúrgicas propositais que foram impostas à humanidade, no que concerne a múltiplos aspectos, por exemplo, do conteúdo da Sagrada Bíblia. Por que, por exemplo, foram suprimidos cirurgicamente centenas de Evangelhos? Por que são considerados apócrifos? Contemporaneamente, algumas pessoas já sabem e entendem, minimamente, o porquê de Jesus não poder ter morrido flagelado na cruz, e, também, o porquê de não poder ter duvidado de seu PAI em sua aflitiva hora. Na verdade, O glorificou. Talvez, um dia, fique mais clara a passagem relativa à própria traição, que O arrastou humilhado para que depusesse diante de Pilatus, o Grande Omisso e Covarde da História Antiga. Contudo, talvez ele tivesse que fazer parte, como fez, da epopéia vivenciada pelo Divino Avatar! Esta possibilidade não pode ser afastada pelos estudantes de misticismo. Judá Ihariotes, até hoje, tem sido considerado o bode expiatório da quebra de fidelidade. Entretanto, a verdade dos fatos, muito provavelmente, seja outra bem diferente! Já o milagre da ressurreição de Lázaro, por outro ângulo, tão complexo de ser entendido quanto as passagens anteriores, na verdade não aconteceu tal qual está apresentado no Livro, pois o homem não estava fisicamente morto. O fato é que, pelo SEGUNDO NASCIMENTO, Lázaro foi elevado pelo Mestre Jesus à condição de INICIADO. Após o RITUAL SECRETO de INICIAÇÃO, como era e continua sendo o costume, trocou seu antropônimo. A confraria católica o conhece sob outro nome! Neste momento voltei meu pensamento para a afirmação: Ninguém vai ao Pai a não ser por Meu intermédio. E refleti: como pode ser possível que alguém possa acreditar que haja necessidade de um intermediário (quem quer que seja) para poder comungar diretamente com o D’ US do seu próprio coração? Não teria esta afirmação sido colocada a posteriore (por indução) na Sagrada Bíblia com fins meramente autoritários, temporais e mercantilistas? Ou, em outro sentido, a verbalização deste pronunciamento tenha um significado esotérico que ultrapassa quaisquer vínculos religiosos conhecidos? Vieram à minha mente as guerras. Principalmente as que foram e são produzidas em nome de deus. Ora, uma religião qualquer (isolada ou consorciada), em qualquer tempo, que patrocine, apóie, administre e imponha esse fratricídio abjeto e inominável, não pode ter um relacionamento lógico ou de dependência com os PRINCÍPIOS CÓSMICOS INCRIADOS, INALTERÁVEIS e ETERNOS, nem, muito menos, tem o direito de se declarar representante desses PRINCÍPIOS se propaga o conceito de que D’ US aprova, tolera e/ou sustenta essa aberração. Os senhores das guerras, teólogos ou leigos, consciente ou inconscientemente, estiveram e estão, na verdade, a serviço de forças que são antagônicas às LEIS que regulam e dão suporte à harmonia do Universo. Não há razão de estado(!) que justifique uma guerra. De qualquer Estado. Nada pode demonstrar que é justo ou necessário e nada pode amparar um motivo de ordem superior invocado por qualquer Estado para colocar seu interesse acima das necessidades e dos interesses da humanidade. Isso é um crime repulsivo que não admite livramento por fiança.

       Enfim, acredito, firmemente, que acontecerá o indefectível momento, no qual o ser haverá de prescindir, definitivamente, da idéia antropomórfica e malsã de que o VERDADEIRO D’ US possa aceitar favores e bajulices, fazer negócios, distribuir sinecuras, apoiar enfrentamentos, comprometer-se com indulgências (parciais ou plenárias) e prodigalizar milagres a troco de dízimos, de mesuras, de auto-imolações, de promessas, de benzeduras, de genuflexões hipócritas e de rezas conjecturais fabricadas por demiurgos auto-intitulados, cujo objetivo exclusivo e hediondo é implantar a ilusão nos confrades que ainda não encontraram em seus corações o D’ US ÚNICO que esteve, está e estará ad æternum in imo corde. A consagração de uma verdade, ainda que relativa, só pode ser avalizada pelo próprio buscador da LUZ no SANTUÁRIO SAGRADO E INVIOLÁVEL DO SEU CORAÇÃO. Os Iniciados gregos jamais antropomorfizaram, por exemplo, Zeus, Poseidon, Apolo, Deméter, Atena e Afrodite. Não os consideravam como deuses, mas símbolos que representavam instâncias ou poderes existentes no Universo. Sabiam que a Natureza é UMA. Ou em outros termos: NA MULTIPLICIDADE TUDO É UM. Giordano Bruno (1548-1600) sobre esse tema escreveu: Considerando que a matéria e a substância das coisas são indestrutíveis, todas as partes que a compõem estão sujeitas a todas as formas, pelo que o uno e o múltiplo se transformam no múltiplo e no uno, se não num mesmo tempo e num único momento, em vários tempos e momentos, em seqüência e em alternância.'

       O Cristianismo Gnóstico, portanto, veio para operar transmudações que não eram possíveis até então. Assim, a própria Liberdade não poderá, no futuro, continuar tutelada pelo que quer que seja e em nome de quem quer que seja. Refletiu inspiradamente Miguel Torga quando escreveu: Até que um dia, corajosamente,/Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,/Saborear, enfim,/O pão da minha fome./— Liberdade, que estais em mim,/Santificado seja o vosso nome. É esta Liberdade que está começando a ser por todos reclamada. Não apenas no domínio das teologias; mas em tudo que diz respeito ao pensamento, ao cumprimento das leis e à autêntica liberdade de expressão. A festejada, alvissareira e visível multiplicação geométrica das ONGs é apenas um exemplo dos novos ares de mudança. É sabido, contudo, que algumas, infelizmente, locupletam seus cofres através de burlas e de estelionatos, operando intencionalmente com o objetivo de obter vantagens ilegítimas para os próprios sócios e de dar carona nesses ganhos aos parceiros conveniados. São, mutatis mutandis, autênticas barrigas de aluguel. A esperança está naquelas que agem filantropicamente, criteriosamente e dentro dos limites estabelecidos na legislação em vigor.

       Em meio a essas recorrências lucubrantes, preparei-me para orar e meditar um pouco. Como me alimentei frugalmente, apesar de estar esfomeado ao adentrar no Boêmio, pude me deixar ser absorvido no seio da Consciência Cósmica e do D’ US do meu entendimento com relativa facilidade. Acho que permaneci silente e em comunhão por mais ou menos dez minutos. Abri, então, suavemente os olhos e me preparei para retornar à casa, não sem antes agradecer pela dom da vida que em mim se manifestava, e emitir um pensamento de paz e de misericórdia para todos os meus irmãos: minerais, vegetais, animais e seres humanos peregrinando ascensional e assintoticamente neste Planeta querido, estação de passagem para futuras experiências e inusitadas realizações. Não me esqueci daqueles considerados párias. Orei principalmente por eles.

 

NO LESTE...   SOL INTERIOR...   INICIAÇÃO!

 

LIVRO II - ENCONTRO INESPERADO, INESQUECÍVEL E INICIÁTICO: AULA MAGNA SOBRE ALQUIMIA


       Quase ao chegar ao pórtico da Igreja, percebi que, de pé, um senhor me observava. Era um homem de aproximadamente cinqüenta e cinco anos. Estava impecavelmente vestido. Trajava um elegante blazer azul-marinho de lã, camisa azul clara e uma discreta gravata vermelha. A calça pareceu-me ser cinza. Como sou meio negligente na maneira como me visto, impressionou-me (a meu juízo) a forma requintada, mas discreta, de como aquele senhor se apresentava. Percebi que ele olhava diretamente para mim, exatamente em direção aos meus olhos. Tentei desviar o olhar, mas, inexplicavelmente, não consegui. A situação tornou-se ligeiramente embaraçosa, pois eu não sabia o que fazer. Na realidade, quem tomou a iniciativa de falar alguma coisa foi ele. 

       — Boa tarde — disse o homem em tom amistoso e cordial.

       — Boa tarde — respondi com recíproca amabilidade.

       Foi, então, que, inesperadamente, em uma fração de segundo, senti o homem por inteiro. Para o padrão brasileiro, era razoavelmente alto. Devia ter 1,85 m de altura e seu rosto, adornado por uma bem tratada e esvoaçante cabeleira grisalha, irradiava uma placidez magnética e fascinadora. Mas seus olhos é que mais impressionavam. Eram de um incomum azul-celeste, como a cor do céu quando está limpo e sem nuvens, que, em alguns momentos, pareciam se transmutar em violeta-claro. A sensação imediata que experimentei foi de que todo o seu ser estava concentrado naqueles olhos. Recordei-me da descrição de Raymond Bernard do seu primeiro encontro insólito com Maha ocorrido em Lisboa. Não pude deixar de pensar a mesma coisa: Ele tem uns olhos! Eram olhos que sabiam e possuíam um poder, cuja força e sedução, embora invisível, não havia como resistir.  Mas, eram incrivelmente calmantes e densamente acolhedores. Semelhantemente à Maha, segundo a descrição de Raymond Bernard, seus outros traços fisionômicos não despertavam interesse especial. Quem não olhasse nos olhos daquele homem, talvez até o ignorasse. Todavia, com certeza, aquele não era Maha.

       O homem fez questão de se apresentar: — Rodolfo, meu nome é Louis-Claude Lucel-Lafin. Sou brasileiro, químico como você e me interesso também pelo Magistério Sagrado. Meus amigos me tratam simplesmente por Lucel-Lafin.

       Aquilo funcionou como um soco na boca do estômago. Senti um calor intenso subir rapidamente pelo meu corpo. Minhas faces, devo supor, devem ter ficado vermelhas como um tomate maduro. Como era possível que aquele desconhecido pudesse saber o meu nome, que eu era químico e que, particularmente, me dedicava ao estudo da Alquimia? Algumas horas depois eu compreenderia o porquê. E ficaria eternamente grato por tê-lo encontrado naquela tarde cinzenta de quinta-feira.

        — Mas... — não consegui terminar a frase. Lucel-Lafin interrompeu-me delicadamente e falou:  — Tenho acompanhado a sua vida há muito tempo. Não me pergunte de que maneira nem como. Talvez você possa fazer uma vaga idéia. De qualquer forma, tenho algo a lhe propor.

       Imobilizado pela surpresa, só consegui murmurar um desajeitado hum, hum! Na realidade, naquelas circunstâncias, eu poderia dizer o quê?

       — Temos alguns assuntos que devemos conversar; algo, também, que você precisa confirmar pessoalmente — continuou o ilustre desconhecido. — Se você aceitar o convite para ir à minha casa, acredito que não se arrependerá. Tenho a mais inabalável convicção — continuou Lucel-Lafin — de que sua vida mudará inteiramente a partir deste nosso encontro. Há algo, inclusive, que você precisa ver com os seus próprios olhos. E isto não pode acontecer aqui.

       Eu não sabia realmente o que dizer. E aquele olhar... Mas, A VOZ em meu interior falou silenciosamente: — Vá. Não receie. Estarei ao seu lado. Confie. É chegado o tempo da confirmação.

       Imediatamente após ouvir A VOZ INTERIOR minha conhecida se pronunciar, respondi com uma certa dose de ansiedade: — Aceito agradecido o convite. Estou ao seu inteiro dispor Senhor Lucel-Lafin. — Obrigatoriamente quem deve agradecer sou eu — falou o gentil-homem. E continuou: — Nos dias atuais, é muito difícil alguém possuir o mérito suficiente e o privilégio intransferível de poder receber, o que terei, por missão, prazerosamente, de lhe ensinar. Mas, não se esqueça: sou apenas um transmissor. Um encaminhador. Nada pode ser passado se a hora não houver soado. O próprio Mestre Jesus só interveio nas vidas daqueles nas quais pôde intervir. E quando o fez, aplicou Leis e Princípios que são desconhecidos fora das Escolas Iniciáticas Tradicionais e Autênticas. Na verdade, nunca operou um milagre, como, geralmente, é entendido no âmbito da Teologia Católica. Isso eu sei que você sabe consistentemente.

       Depois destas explicações preliminares, já na calçada, Lucel-Lafin, pelo telefone celular, ordenou ao seu motorista que nos encontrasse em frente à Igreja. Cinco minutos depois parou um M... preto à nossa frente. O motorista, vestido esportivamente, saiu do carro e, sem dizer uma palavra, abriu a porta traseira esquerda. Fui convidado a entrar primeiro e me acomodei no lado direito do automóvel. Ao meu lado sentou-se Lucel-Lafin. Logo que o carro pôs-se em movimento, foram feitas as apresentações. O motorista era filho do meu anfitrião e seu nome era Pierre. Era um rapaz simpático, mas de poucas palavras. O trânsito estava congestionado e Lucel-Lafin aproveitou para me comunicar algumas passagens de sua vida. Era brasileiro, mas filho de refugiados franceses que emigraram durante a Segunda Grande Guerra. Seus pais haviam chegado ao Brasil em 1944 e ele nascera um ano depois no Rio de Janeiro. Entretanto, fizera seus estudos superiores em Paris. Mas foi em Toulouse que fora Iniciado na Alquimia. Naquela mística Cidade concluiu com êxito o Magistério Filosofal com a prematura idade de trinta e cinco anos. Era viúvo e seu único parente vivo no Brasil era seu filho. Pierre ouvia calado o relato que seu pai me honrava em pôr a par. Sobre a Grande Obra, nem uma palavra. Pensei no aforismo: Da Grande Obra pouco dizer, muito fazer, sempre calar. O carro prosseguia lentamente e o fluxo só melhorou na Avenida Presidente Vargas. Lucel-Lafin continuava a me contar alguns episódios de sua vida e do seu interesse pela Química. Eu pouco falava. Evitava interrompê-lo. Se ele estava me relatando todas aquelas coisas, algum motivo deveria ter. Homens como aquele não falam à-toa. Enfim, chegamos à Avenida Edson Passos e começamos a subir em direção ao Alto da Boa Vista. Consultei o relógio e verifiquei que faltavam vinte e cinco minutos para as três horas da tarde. Nesse instante, Lucel-Lafin, afavelmente, virou-se para mim e me solicitou que eu cobrisse meus olhos com uma venda negra. Pediu-me que nada receasse, e que aquela providência era necessária para minha própria segurança. Se eu divulgasse extemporaneamente o que haveria de assistir ainda naquele dia, ele e seu filho correriam risco de morte. Eu próprio, segundo ele, teria minha integridade ameaçada. Por isso, a insubstituível necessidade de eu não ter conhecimento do local para onde estava sendo conduzido. Depois ele me autorizaria a tornar pública minha insólita experiência daquela quinta-feira.

       Concordei com as explicações que me foram dadas e assenti, sem nenhuma apreensão, em colocar a venda. Deste momento em diante nada mais foi dito. O automóvel deslizava suavemente pela estrada sinuosa que conduz ao Alto. A partir de agora, por medida acautelatória, não me permito dar mais nenhuma informação sobre o percurso. Apesar de vendado e mesmo sem saber para onde estava sendo levado, poderia descrever alguma peculiaridade do itinerário que permitisse o desvelamento da residência de Lucel-Lafin e de seu filho. Afinal, era para lá que eu estava sendo conduzido.

 

 

       Em um dado momento, provavelmente já distante da via principal, o carro reduziu a velocidade, dobrou à direita e, lentamente, adentrou por uma estrada que me pareceu ser de terra batida.

 

 

       Mais ou menos cinco minutos depois diminuiu a marcha e parou. Percebi que Pierre saltara para abrir um portão. Pelo ruído que fez ao abrir, admiti que só poderia ser de ferro. Já no interior da propriedade, Lucel-Lafin autorizou-me a retirar a venda, o que fiz prontamente. O carro deslocava-se agora vagarosamente em meio a um florido jardim esplendidamente bonito e muito bem cuidado, cercado de belíssimas e variadas árvores por todos os lados. Como a janela do carro estava aberta, constatei imediatamente a inacreditável e impressionante diferença do clima em relação ao Centro da Cidade. Lá garoava e estava frio; aqui... Pude sentir a inaudita pureza do ar e aproveitei para fazer um rápido exercício respiratório. E a luminosidade daquela (agora morna) tarde de início de inverno parecia sublime. Eu diria mesmo, de certa forma, celestial. Eu estava sentindo uma paz interna incomum que ainda não desfrutara anteriormente. Não daquela forma. E, todo o meu ser usufruía daquele paraíso magnético de bem-estar e harmonia.

 

 

       Lucel-Lafin me observava discretamente sem dizer uma palavra. Pierre continuava mudo. Desde que fomos apresentados só o ouvi dizer: — Muito prazer. Fora educado, eu reconheço. Mas absolutamente econômico e reservado. Isso realmente não me incomodava, pois, de relance, também pude observar seus olhos: eram iguais ao do pai, só que não possuíam a mesma força nem a mesma intensidade. De qualquer forma, segundo Lucel-Lafin havia me informado, o rapaz só tinha vinte anos. Mas, inegavelmente, aquele jovem espargia uma luz peculiar e uma tranqüilidade pouco comum. Era indubitavelmente uma promessa...

       Um pouco mais à frente surgiu a residência dos Lucel-Lafin. Aquela construção não era propriamente uma residência no sentido usual do termo. Era uma mansão monumental de três andares. À primeira vista, parecia possuir uma enorme quantidade de quartos, tal o grande número de janelas que podiam ser vistas do local em que me encontrava. Não dava a impressão de ter sido construída recentemente, mas sua estrutura edificada em forma retangular aparentava solidez e, certamente, como o jardim, era muito bem cuidada. Fiquei imaginando como aquela mansão poderia estar localizada ali, em algum lugar abscôndito daquela floresta tropical do Alto da Boa Vista, e quanto dinheiro teria sido gasto para erguê-la. Fiquei imediatamente envergonhado desse último pensamento, totalmente anormal em minha natureza. Acaso se justificasse um pouco pela opulência da mansão, pensei com meus botões, obviamente para aliviar minha consciência do pensamento indevido. De nada adiantou aquele subterfúgio. Continuei acanhado.

       Talvez tendo lido meus pensamentos, Lucel-Lafin interessou-se em explicar: — Esta casa não me pertence. Eu e meu filho temos a honra de administrá-la. Vamos entrar para você conhecê-la. Enquanto nos encaminhávamos para a grande porta de madeira à nossa frente, Pierre foi estacionar o carro em algum lugar. Eu só tornaria a vê-lo às 22,30 horas, quando minha visita estaria encerrada. De qualquer sorte, precisamos subir os sete degraus da escada que nos separavam da grande porta da entrada da residência.

       Ao entrar, nos encontramos em um enorme vestíbulo que permitia ingresso ao interior da mansão. O que eu vi no grande salão é indescritível. A peça era extraordinariamente sóbria, mas, ao mesmo tempo, lindíssima. Tudo parecia estar absolutamente organizado e limpo. Continha a maior pinacoteca particular a que eu tivera acesso. Quadros, iluminuras, aquarelas, símbolos esotéricos e alquímicos diversos, além de esculturas e obras primorosas, enfim, eu me encontrava em uma bizarra galeria de arte. Acaso todas aquelas peças seriam Arquétipos Universais? Que idéia! Olfativamente senti um aroma de incenso pairando no ar. Pelo odor, que eu conhecia muito bem, só poderia ser de rosa musgosa.

       — Por favor, acompanhe-me — interrompeu-me amavelmente Lucel-Lafin. — Vamos nos acomodar por algum tempo na biblioteca. Depois terei prazer em ciceronizá-lo para que você conheça o resto da residência.

       Já no interior da biblioteca, Lucel-Lafin assentiu que eu examinasse algumas das obras lá existentes. Os livros estavam formidavelmente organizados. Todos estavam catalogados e eu não vi um grão de poeira em nenhum dos quais tive o privilégio de manusear. Entretanto, desde que chegamos não vi um empregado sequer! Foi o próprio Lucel-Lafin quem abrira a porta principal. Havia obras em francês, inglês, alemão, latim, hebraico e em algumas outras línguas. Originais dos mais afamados e ilustres alquimistas estavam ali preservados para um propósito provavelmente muito especial. Em um lugar de destaque estavam organizadas as obras de Harvey Spencer Lewis, de Ralph Maxwell Lewis, de Platão, de Plotino, de Raymond Bernard, de Jacob Boehme, de Robert Fludd, de Thomas Vaughan, de John Heydon e de outros rosacruzes ilustres. Havia, também, obras de Saint-Martin, de Papus, de Éliphas Lèvi, de Madame Blavatsky, de Saint-Yves D’Alveydre e de Rudolf Steiner. Fiquei impressionado com a quantidade de livros sobre misticismo, além das obras sobre Alquimia, que aquela aconchegante biblioteca abrigava. Lá havia também um exemplar do Grande Livro SÍMBOLOS SECRETOS DOS ROSACRUZES DOS SÉCULOS XVI E XVII.

       Depois de eu ter me deliciado com aqueles livros por uns bons quinze minutos, Lucel-Lafin, educadamente, interrompeu-me em meu devaneio, e convidou: — Sente-se, Rodolfo. Atendi prontamente e me acomodei confortavelmente em uma poltrona de couro em frente ao meu anfitrião. Ele monologou por mais ou menos duas horas e meia. Talvez um pouco mais. Eu não disse um ai. Na verdade, fui entronizado em uma sabedoria milenar, da qual eu pensava que sabia alguma coisa. Fui autorizado a divulgar um resumo do que me foi ensinado naquele inesquecível final de tarde, bem como propagar a incrível demonstração que me fora prometida para depois do jantar. Mas apenas três anos depois.

       Antes, porém, Lucel-Lafin deu início à sua aula magna sobre Alquimia conclamando: — Vamos orar. — Levantou-se, ajoelhou e colocou a mão esquerda sobre o coração e a direita sobre a esquerda. Eu fiz o mesmo. Em silêncio e comovido ouvi o Adepto pronunciar: — Que a Essência Divina do Universo Ilimitado e o D’US de nossos corações, com o suplicado auxílio dos Mestres Ascensionados e da Sagrada Hierarquia Cósmica, possam santificar este Sagrado Momento, tornado Sagrado pelos nossos pensamentos e pelas nossas mútuas condutas. Assim Seja. Muito emocionado e com os olhos umidificados, acompanhei: — Assim Seja. Sentamo-nos novamente e o resumo do que posso revelar está abaixo transcrito, segundo meu entendimento.

       O que você vai alcançar hoje é para ser guardado no tabernáculo do seu coração. Dispensei todos os meus auxiliares para que possamos não ser interrompidos. Receba com humildade o que você vai ouvir e ver e distribua adequadamente com inteligência e com parcimônia o que achar conveniente. Tenha cuidado! As pessoas não só rejeitam o que lhes parece inverossímil, como criticam, menoscabam e, às vezes, tornam-se agressivas quando são contrariadas em suas convicções. A tentativa de persuasão é o pior dos instrumentos para disseminar a LUZ. Um método particularmente interessante e efetivo é a combinação da refutação com a maiêutica socrática, que você conhece. Este método, primeiro purifica as falsas certezas; depois, pela arte obstétrica espiritual progessiva, as personalidades-almas parturientes alcançam fragmentos da VERDADE CÓSMICA, pois só podem aprender de si mesmas. Se possível, use sempre este sistema, que consiste, conforme você sabe, na multiplicação de perguntas, de tal sorte a induzir o interlocutor à descoberta das verdades que já existem potencialmente em seu próprio interior e na conceituação geral de um objeto ou de uma categoria qualquer. Quando questionado, responda com sinceridade, sem vulgarizar o que deve ser mantido secreto. Uma navalha na mão de uma criança certamente poderia provocar um desastre irreversível. Evite desafiar seus interlocutores com assuntos e temas que possam desagradá-los ou intimidá-los. Jamais obrigue as pessoas com quem você vier a ter o prazer de conversar a adotar suas idéias. Se e quando alguém estiver preparado para ouvir o que você tem para ensinar, então ensine. Do contrário, fique calado. Tome cuidado também com os que festejam seus limitados saberes místicos. Quem realmente sabe geralmente não faz discurso. A verborréia é própria dos que nada sabem. Registre este aspecto da Lei: seus conhecimentos, por privilégio adquirido, são seus e não das pessoas, em geral. Os delas, elas terão que descobrir por si mesmas. O Conhecimento Superior não pode ser passado daquele que sabe para aquele que não está preparado para saber. Então, seu encargo é auxiliá-los e guiá-los a reconhecerem as verdades relativas em suas intelectualidades pessoais. Sempre com tolerância, com respeito e com senso de oportunidade. Não se olvide de que nem você e nem eu poderemos jamais ter acesso integral à VERDADE ABSOLUTA. Ninguém jamais poderá. Por ser ABSOLUTA, esta VERDADE é regalia exclusiva do Ancião dos Dias, a Causa sem Causa, o Primeiro Um, o Absoluto, em uma palavra, D’US. Ainda que esse mesmo D'US esteja em seu coração e no coração de todos os entes, jamais poderá ser integralmente desocultado ou conhecido. E, por último, tenha sempre em mente e não se afaste em nenhuma oportunidade desta máxima: O Deus do seu coração é apenas e tão-somente o Deus do seu coração, ainda que todos os corações e D' US sejam uma só e a mesma coisa.

       Todavia, você pode e deve divulgar o que irá aprender hoje. Espere, no mínimo, três anos para publicar aquilo que, hoje, você vai conhecer. O Iniciado fez uma pequena pausa, e prosseguiu. Conforme já havia lhe comunicado esta residência não me pertence. Aliás, em verdade, desde sempre, é um patrimônio inalienável da Humanidade. Aqui, uma vez por ano, se reúnem VINTE E DOIS ADEPTOS, representantes dos TREZE QUE SÃO UM, para trabalhar, adorar e preparar o regime político que governará a futura humanidade. Este regime é por nós designado de ARISTOCRACIA FILOSÓFICA INTERNACIONAL, que está sendo estruturado e será implementado e dirigido por um CONSELHO ARISTOCRÁTICO INTERNACIONAL. A Organização das Nações Unidas, presentemente, apesar das resistências e das variadas desobediências à sua Carta, tem auxiliado a preparar as consciências para o advento desta Magna Era. As Fraternidades e as Ordens Místicas têm outra função. Contudo, as mudanças que devem ser implementadas demandam um profundo amadurecimento da sociedade e uma compreensão avançada e intimorata de determinadas Leis e de alguns Princípios Cósmicos que ainda não podem ser totalmente difundidos. Sem dúvida, eu e você não veremos, nesta encarnação, a implantação efetiva deste Sistema Internacional de Governo. Acredito que você tenha entendido o que acabei de dizer. Infelizmente, a burocracia mental reage morosamente ao novo e uma antecipação açodada seria desastrosa e irremediavelmente contraprodutiva. Recomendo a você, Rodolfo, que leia a obra de Bulwer Lytton, Vril, the Power of the Coming Race (A Raça Futura que nos suplantará).

       Após me observar por alguns segundos, continuou. Este, entretanto, não é o único local de encontro desses abnegados e incógnitos servidores. Há mais onze residências semelhantes a esta instaladas em onze diferentes países deste Planeta de D’US. Em cada residência, dadas as vibrações particulares do país em que está localizada, um trabalho específico é desenvolvido. Por este motivo, todas as nossas residências possuem vinte e dois quartos ou celas, se você preferir. Uma para cada Adepto. Aqueles que nos auxiliam na manutenção e na conservação das residências têm acomodações confortáveis e espaçosas em prédios ao lado das residências, nos limites das propriedades. Meu filho, Pierre, mora em um desses anexos desta residência, que hoje você nos dá o prazer de visitar.

       A partir deste momento, cerraram-se-lhe suavemente os olhos, e o Adepto continuou sua dissertação como se eu ali não estivesse. Esta situação incomum, com pequenas pausas pedagogicamente pensadas, prolongou-se até o encerramento do discurso. Dentre as mudanças que serão postas em execução - continuou Lucel-Lafin - uma delas será a distribuição generalizada dos Frutos da GRANDE OBRA para satisfação e gáudio de todos. As doenças, então, praticamente, terão sido varridas da face da Terra e as injustiças de toda sorte não mais serão praticadas. Eu me restringirei neste nosso encontro a falar exclusivamente sobre Alquimia. De qualquer forma, o primeiro passo já foi dado. Na noite de quinta-feira, em 22 de junho de 1916, o Dr. Harvey Spencer Lewis, que você conhece muito bem, fez uma demonstração pública da antiga Arte-ciência da transmutação. Foi a primeira vez, na história dos Estados Unidos da América, que foi realizada uma convocação dessa natureza. O então Imperator dos Rosacruzes tomou todas as providências necessárias, e, inclusive, convidou um jornalista representante do New York World para testemunhar o solene acontecimento. Naquela oportunidade, foi transmutado em ouro puríssimo um pequeno pedaço de zinco com cerca de meia polegada de largura, uma polegada de comprimento e 1/32 polegadas de espessura. Eu estava impressionadíssimo com aquela revelação. Não pelo fato em si que é público e que eu também conhecia. Mais pelo motivo particular de Lucel-Lafin outrossim conhecê-lo. E, coincidência ou não, hoje era também uma quinta-feira. E mais: lembrei-me de que era 22 de junho. Coincidência?! Coisas como aquelas que estavam acontecendo não admitem coincidências. E eu não estava ali por acaso! Acasos, crendices e milagres são artigos comprados pela ignorância humana. O medo e a ignorância necessitam se alimentar dessas pobrezas.

 

Harvey Spencer Lewis

Harvey Spencer Lewis


       Meu ilustre anfitrião, agora recostado comodamente na poltrona irmã gêmea da qual eu me assentara, prosseguiu. Eu sei que você também tem conhecimento deste episódio. O que, talvez, você, Rodolfo, não tenha ainda cogitado adequadamente, é sobre a conjugação perfeita dos números que envolvem a data em que o Doutor Lewis procedeu à transmutação daquele pedacinho de zinco. Preste atenção: Primeiro, o dia da semana escolhido foi uma quinta-feira! Este sempre foi um dia particularmente especial desde o tempo do ILUSTRE FARAÓ AKHNATON. Continua sendo para todos os rosacruzes. O número 5 está associado à letra HE, que aparece duas vezes no SANTO NOME (IEVE); este número está também ligado ao Pentagrama de Fausto e, portanto, à palavra que representa o signo do microcosmo T(1)E(2) — T(1)R(2)A(3) — GRAM — MA — TON, ou, em outras palavras, a imagem mais perfeita possível da ‘criação’ neste Plano e que oculta CERTAS PALAVRAS de forma direta, de maneira inversa e por transposição de letras, facultando ao místico-iniciado determinadas condições espirituais inauditas. Minimamente, compare este NOME de 14 LETRAS com o NOME do FARAÓ e procure pesquisar a segunda possibilidade cabalística para o valor pleno da letra hebraica IOD (IoD), a letra inicial do SANTO NOME. Segundo: o número 22 está vinculado às vinte e duas letras do alfabeto hebraico, aos vinte e dois Arcanos Maiores do Tarô e aos números 231 (conforme está prescrito no Sepher Yezirah, há duzentas e trinta e uma formações, e toda criatura e toda palavra emanaram, [emanam e continuarão a emanar] de um NOME) e 253 (valor secreto de 22), que se reduzem, respectivamente, a 6 e a 1. UM = UNIDADE. TUDO É UM. O NADA NÃO EXISTE; SE EXISTISSE ERA ALGUMA COISA E PARTE INTEGRANTE DO UM. Terceiro: junho é o sexto mês do ano! 6 é o número obtido da adição de 231 e é exatamente o valor oculto da TRINDADE (1 + 2 + 3 = 6). E 6 é também o valor externo da sexta letra do alfabeto já aludido – VAV – igualmente presente no SANTO NOME. E, por último, temos que examinar o ano da transmutação: 1916. A adição teosófica dos algarismos deste ano gera um dos mais esotéricos números consagrados pelo Alto Simbolismo – DEZESSETE, oculto dos olhos profanos na DÉCADA MÍSTICA DE PITÁGORAS ou TETRACTYS. Nada acontece ao sabor do acaso. Harvey Spencer Lewis – SÂR ALDEN procedeu à transmutação naquele dia exatamente de acordo com determinada LEI, mas poucos se aperceberam, até hoje, dos princípios envolvidos por detrás do fato em si, que já é grandioso. Ainda devo acrescentar algo interessantíssimo. Lucel-Lafin ficou por alguns instantes em silêncio e depois continuou. As quatro atuais estações do ano acontecem devido à presente inclinação do eixo do nosso Planeta. Mas isto já ocorreu de forma diferente. A inclinação já foi outra. Atualmente, o ANO SOLAR começa, aproximadamente, no dia 22 de Março, quando, em a Natureza, acontece o fenômeno denominado de EQUINÓCIO DA PRIMAVERA, que assinala o início da primavera no hemisfério boreal e o outono no hemisfério austral. Esta palavra é derivada do latim (‘aequinoctium’) e significa ‘noite igual’, quando, em toda a Terra, a duração do dia é igual à da noite. Nesta data inicia-se, para todos os seres, o CICLO DA ALMA, que se prolonga até 21 de Março do ano seguinte. Em 22 de Junho o verão já está instalado no hemisfério norte e no hemisfério sul está hospedado o inverno. Denomina-se SOLSTÍCIO, ou seja, sol estático, às posições relativas em que se encontra a Terra em 22 de Junho e em 22 de Dezembro. Essas datas sempre tiveram um significado esotérico especial. Podem existir pequenas variações, mas são irrelevantes. O fato é que, em 22 de Junho está ocorrendo o SOLSTÍCIO DE VERÃO no hemisfério norte e, inversamente, está acontecendo o SOLSTÍCIO DE INVERNO no hemisfério sul. Esta palavra procede do latim – ‘solstitium’. No SOLSTÍCIO DE JUNHO, a manifestação física sobre a Terra, ancorada em Leis Cósmicas que não serão objeto deste nosso encontro, atinge o máximo, e as atividades físicas da Natureza alcançam o clímax. Para aqueles que conhecem estas LEIS e sabem aplicá-las... Entretanto, Rodolfo, memorize e retenha esta advertência: O Místico Autêntico e Verdadeiro Iniciado em sua jornada em busca da LUZ MAIOR, em um dado momento, como fizeram Éliphas Lèvi e Papus, abandonam definitivamente a magia cerimonial e a teurgia. Louis-Claude de Saint-Martin também recusou a teurgia em proveito da Senda do Coração. Até os primeiros anos do século XX o misticismo esteve muito próximo dessas práticas. Isto mudou muito e o processo de mudança continua. Por outro lado, lamentavelmente, as religiões estabelecidas e as que vêm proliferando em cada esquina, ou tendem a retornar ao ultramontanismo, ou caem no abismo indefectível das opiniões pessoais e/ou se precipitam na horripilante venda de favores e de milagres, como se D’US estivesse disponível para aceitar e ser corrompido por jabaculês, à semelhança de um hipotético administrador escuso de uma bodega chinfrim. Percebi, neste comentário, um misto de desencanto e de irritação na voz de meu amigo. Aliás, foi o único momento em que o vi meio passado. Rememorei minhas reflexões lá na Igreja, antes de conhecer Lucel-Lafin. De certa forma eram coincidentes com as dele. Outros, como você – já prosseguia Lucel-Lafin – nunca se permitiram vincular a essas práticas arrebatadoras e perigosas ou delas depender. Não mais que no Santuário Interior de cada ente será conquistado o CASTELO. É aí que o MERCÚRIO se casará com o ENXOFRE. Só aí é que ocorrerá a ALQUIMIA DEFINITIVA MÍSTICA UNIVERSAL IRREDUTÍVEL. A Alquimia Operativa é um caminho para O CAMINHO. Mas, não é necessário que alguém veja ou opere uma transmutação alquímica para encontrar e percorrer O CAMINHO. Assim, o conhecimento e a aplicação das Leis que regem a Alquimia Operativa, auxiliam, mas não definem ou determinam absolutamente nada. É pelo exercício da vontade e da razão que o Alquimista anseia e autoriza sem reservas a expressão da VONTADE e da RAZÃO CÓSMICAS. Voltaremos a conversar sobre este tema mais tarde.  Respirei fundo com essas últimas palavras.

       Poderíamos, se fosse o caso, ficar trocando idéias sobre os números e suas implicações cósmicas por horas, talvez dias. A base de tudo no Universo é a GEOMETRIA SAGRADA ou LUZ CÓSMICA, isto é, há conexões irredutíveis que existem entre as proporções e as formas que se manifestam no microcosmo e no Macrocosmo e que estruturam a Unidade Universal. Os fractais são o exemplo mais simples para demonstrar a excelsitude desta Lei. O medo e a insegurança, portanto, são provocados pelo sentimento de separatividade. Pela Alquimia Interior são ativados e integrados os dois hemisférios cerebrais e intensificadas as funções psíquicas da glândula pineal. Esta pequena glândula é o elo de ligação entre as oitavas mais elevadas do Teclado Cósmico e o plano físico, ou entre o quadrado inferior e o Triângulo Superior. Ela é o que restou na Humanidade atual do Terceiro Olho. Por isso Descartes, que você sabe que foi Rosacruz, acreditava que esta minúscula glândula era a sede da alma.

 

Geometria Sagrada

Geometria Sagrada

 

Geometria Sagrada

Geometria Sagrada

 

Dodecahedron

Dodecahedron

 

       Mas deixarei para você o aprofundamento dessas questões. Vamos voltar à Arte de Hermes. A Alquimia é uma Verdadeira Arte que permite ao Adepto preparar um certo Elixir ou Medicamento, que é insubstituivelmente útil para a saúde e para a comodidade da vida neste Planeta. Nossos Antigos Mestres e Senhores confeccionaram sua PEDRA – por inspiração do MAIS ALTO – da mesma forma que operamos hoje. Há uma MATÉRIA-PRIMEIRA que, entre outras operações, deve ser convenientemente submetida à ação do FOGO SECRETO ou PRIMEIRO AGENTE. Nosso Hierofante Inspirador mais conhecido foi Hermes Trismegistus, tido como um deus ou rei pré-faraônico, que deixou gravada a Sua Tábua em uma lâmina de esmeralda. Nosso Irmão Fulcanelli traduziu-a de forma bastante apropriada. Eu vou MODIFICÁ-LA um pouco e resumi-la da seguinte forma:

 


É verdade, sem mentira, certo e inteiramente verdadeiro: Aquilo que está embaixo É e NÃO É semelhante ao que está em cima, e o que está em cima É e NÃO É como o que está embaixo. Entretanto, tudo provém do INCONSCIENTE PRIMEIRO UM; e as coisas ditas criadas nascem por adaptação e por multiplicação desta CAUSA PRIMEIRA. O SOL é seu Pai e a LUA é sua Mãe. Tu — que desejas te tornar um Adepto da Sagrada Arte — deves separar a Terra do Fogo e o espesso do sutil com grande vigilância e aturado zelo. ELE ascende da Terra e descende do Firmamento adquirindo a FORÇA das Instâncias Superiores e das Inferiores. Quem possui O LAPIS FILOSOFAL conquista a Glória do Mundo e toda ininteligibilidade desaparece. É FORÇA por detrás da força, pois é capaz de triunfar, tanto sobre as coisas sutis quanto sobre as sólidas. Assim foi criado o Mundo. Este é o segredo secretíssimo de como opera a OBRA SOLAR.


       O Adepto fez uma nova pausa e continuou: Tudo que existe no Universo foi engendrado pela mesma Mãe. Raimundo Lullo em seu ‘Testamento’ ensina muito bem. Assim deixou escrito: Omnia in Unnum. Os metais, para nós Alquimistas, são corpos compostos de três elementos: MERCÚRIO DOS FILÓSOFOS, ENXOFRE DOS FILÓSOFOS e SAL. O MERCÚRIO – que é feminino – é o constituinte metálico; o ENXOFRE – masculino – dá a cor e o grau de combustibilidade; e o SAL é o elo de união. Segundo esse critério, o ouro é perfeito, pois, como disse no século XIII o monge britânico Rogério Bacon,‘compõe-se de um mercúrio, puro, fixo, brilhante, vermelho e de um enxofre puro, fixo, vermelho e incombustível’. Por essas simples idéias que estou lhe transmitindo, você pode facilmente perceber que, para nós, Adeptos da Arte, é teórica e praticamente possível transmutar um leproso em OURO ALQUÍMICO. Isto se fundamenta no fato de sabermos que todos os metais são compostos de elementos idênticos, só que em proporções distintas. A insecabilidade química é uma falácia. Logo, pela ação de um agente externo catalisante, essas proporções podem ser alteradas. Esta Teoria foi exposta no século XIII por Geber n’A Suma das Perfeições do Magistério’. Entretanto, enganam-se os que pensam que a nossa PEDRA FILOSOFAL tenha por si própria qualquer poder transmutatório. Mas, é com ela que pode ser produzido o PÓ DE PROJEÇÃO, que é o produto da fermentação da PEDRA com ouro ou com prata (ambos purificados) por fusão direta. O PÓ resultante desta operação será VERMELHO ou BRANCO, respectivamente. Com o PÓ VERMELHO obtém-se OURO: com o BRANCO, PRATA. Alquimicamente, as Rosas Branca e Vermelha simbolizam, respectivamente, a tintura lunar e a tintura solar... Mas a nossa PEDRA tem uma finalidade primordial: a preparação da MEDICINA UNIVERSAL. A transmutação ou crisopéia é um teste de controle de qualidade que dá ao Adepto da Arte a certeza de que logrou êxito em sua peregrinação. Mais tarde ampliarei esta questão. A verdadeira transmutação que perseguem todos os Adeptos é a TRANSMUTAÇÃO INTERIOR. A Alquimia Operativa é um incidente não obrigatório na trajetória iniciática. Os leprosos interiores devem ser transmutados em puro OURO. Os Adeptos perseguem o encontro consciente e inefável com o CRISTO CÓSMICO nos seus Santuários Sacrossantos, tornados e mantidos inviolados pelos seus pensamentos, palavras e atos. No coração... Nesse sentido, administram a si próprios, em dias específicos do ano, uma diluição da PEDRA FILOSOFAL, que atua não somente no corpo físico, mas também tem ação direta sobre os outros corpos constitutivos do ser, potencializando as faculdades intelectuais e verticalizando os poderes anímicos, permitindo acesso a oitavas vibratórias e a planos de consciência elevadíssimos. Com o tempo, o Alquimista vai adquirindo, permanentemente, um estado de superconsciência, o que lhe permite servir à Humanidade incognitamente. Entretanto, repito: o Processo Iniciático independe desse Elixir e da própria Pedra. Servir, contudo, é o objetivo primordial dos Adeptos Maiores. Incognitamente, devo enfatizar. De qualquer sorte, meu amigo, tudo se resume a uma seqüência muito simples:



1 —› 3 —› 2 —› 1


       
       Mas, a verdade verdadeira, oculta em todos os tratados sobre Alquimia
— admitiu Lucel-Lafin — é que o vero mercúrio sobre o qual aplicaram e aplicam aturados esforços todos os adeptos, é um segundo mercúrio, obtido do primeiro. Há, portanto, uma interação — iterada e hermética — primária entre o fogo e a água que produz o sal (água ígnea ou fogo aquoso), dissolvente utilizado na preparação do MERCÚRIO FILOSÓFICO, que produzirá, ao fim e ao cabo de tanto labor, a tão almejada PEDRA FILOSOFAL. Esse é o segredo da MAGNA OBRA. Entretanto, não pode ser esquecido jamais — advertiu enfaticamente Lucel-Lafin, fazendo questão de se reportar a Funcanelli — que, na base de todo o trabalho, só existe um mercúrio, e o segundo deriva obrigatória e necessariamente do primeiro. O segundo mercúrio é por isso conhecido como MERCÚRIO DOS SAPIENTES, SAL CELESTE OU SAL FLORIDO. In Mercurio est quicquid quae runt Sapientes. No Mercúrio está tudo o que buscam os Sapientes. Esta é a tradução da advertência em latim.

       Ao terminar esta primeira parte, o Senhor Lucel-Lafin disse acreditar que a Alquimia estava voltando a se tornar um foco de interesse generalizado, principalmente no domínio da física, pois há alguns anos foram descobertas, através de um fantástico esforço de síntese, determinadas estruturas simétricas, quem sabe lentamente (re)orientando os pesquisadores para o consenso pré-socrático de que, no Universo, tudo é oriundo de uma única MATÉRIA-PRIMA. E, do resultado da combinação de duas partículas ou de dois elementos primários mais um terceiro, que permite a ligação dos outros dois, todas as coisas existem e se manifestam. Nos filhos não estão unidos o pai e mãe? A fórmula 23 + 23 = 46 ainda não foi decifrada. Entretanto, teosófica e cabalisticamente, 46 = 10, porque 4 + 6 = 10 = 1. Isto é: UNIDADE. A recente Teoria das Cordas também parece ser uma promessa alvissareira. E ainda estamos nos primórdios do conhecimento da Lei do Fractal. A radiatividade natural, a desintegração de núcleos, a fissão e a fusão nucleares e os avanços das recentes descobertas no âmbito da física, da química, da físico-química, da medicina e da biologia acabarão terminativamente por convencer os cientistas da possibilidade de ocorrerem transmutações sem ser necessário o dispêndio de fabulosas quantidades de energia para bombardear os núcleos atômicos. Os próprios conhecimentos estocados sobre as leis que regulam os fenômenos nucleares, acabarão por ser, em um primeiro momento, redirecionados para fins exclusivamente civis. Em etapa posterior, outra forma ainda desconhecida de energia (absolutamente limpa, mais efetiva e mais poderosa) obsoletará o triunfalismo nuclear. Contemporaneamente, já se sabe, entre tantos exemplos que poderiam ser escolhidos, que o isótopo radioativo 107 do cádmio desintegra-se por emissão de um pósitron ou por captura eletrônica convertendo-se em prata. Apenas por curiosidade mostrarei as equações nucleares:

48Cd–107  —›  47Ag–107 + ß+ (emissão de pósitron; pouco provável)

48Cd–107 + e  —›  [47Ag–107]* T (meia-vida) = 6,7 horas (por captura de um elétron da camada K)

[47Ag–107]* (excitado)  —›  47Ag–107 + (estado base por emissão de um fóton gama de 0,0939 MeV).

       Outro aspecto curioso que o Adepto Lucel-Lafin comentou, foi o fato de o potássio, nos organismos (quando necessário), poder transmutar-se em cálcio. (Lembrei-me logo de como gosto de bananas-ouro e de água de coco). O interessante é que, para que isso ocorra, era preciso haver hidrogênio livre disponível! Imaginar que esse hidrogênio pudesse, substantivamente ou adjetivamente, resultar da radiólise da água (ainda que uma ínfima radiólise possa acontecer nos organismos vivos) seria uma calamidade, pois, neste processo formam-se, entre outros, radicais livres |OH|*, que acabam produzindo água oxigenada (H2O2).

|OH|* +|OH|*  —›  H2O2

       É outra, portanto, a origem desse hidrogênio, pois ele não se encontra na forma de radical livre nos organismos. De qualquer forma, resumidamente, a reação final que responde pelo processo é:

19K–39 + 1H–1  —›  20Ca–40

       No caso dos isótopos 40 e 41 do potássio as transmutações não ocorrem desta maneira.

       Finalmente, uma outra curiosidade científica. Apesar de o ouro não possuir isótopos naturais, em processos nucleares artificiais são produzidos diversos radioisótopos deste metal, por exemplo:

Ocorrência (abundância) natural de 79Au–197: 100%

Radioisótopos:

Au–172 Au–173 Au–174 Au–175 Au–176 Au–177 Au–178 Au–179 Au–180 Au–181 Au–182 Au–183 Au–184 Au–185 Au–186 Au–187 Au–188 Au–189 Au–190 Au–191 Au–192 Au–193 Au–194 Au–195 Au–196 Au–198 Au–199 Au–200 Au–201  Au–202 Au–203 Au–204

       Já há algum tempo, sabe-se, por exemplo, que os isótopos 177 a 195, 197, 203 e 205 do mercúrio se desintegram em ouro (radioativo) por captura de um elétron K. Exemplificando para o Hg-200, a equação nuclear provável é:

80Hg–200 + e   —›  79Au–200 , cuja massa atômica é 199.9707179 ± 0.0000553 uma. (e é um elétron negativo capturado da camada K).

       Radioisótopos de platina (Pt–188 e Pt–189 por exemplo) por captura de um elétron positivo produzem ouro (radioativo). Exemplificando para o radionuclídeo 78Pt–188 tem-se:

78Pt–188 + e+  —›  79Au–188, cuja massa atômica é 187.9650850 ± 0.0001080 uma. (e+ é um elétron positivo ou pósitron).

       Mas, voltando à aula magna sobre a GRANDE OBRA proferida por um Adepto para um neófito, ouvi o que transcrevo: Nossa Arte não pode ser ensinada nas escolas, pois é, concomitantemente, INICIÁTICA, PRIMORDIAL e INDIVULGÁVEL. Recomendo a você que consulte também o livro ‘Le Trésor des Alchimistes’, de Jacques Sadoul. Entrementes e resumidamente, devo lhe dizer: é INICIÁTICA porque o ‘modus operandi’ genuíno só pode ser obtido por iniciação direta, ou seja, de Mestre a discípulo; é PRIMORDIAL porque é tradicional, ou seja, repousa em princípios inalteráveis na noite do incriado tempo; e não é divulgada porque deve ser SECRETA, para que o mundo não caia no abismo. Você poderia imaginar ouro sendo produzido, em escala mundial, por todos e em todos os lugares? Seria o caos econômico e social sem possibilidade de reversão. A cupidez é insaciável e incontrolável naqueles que a embalam. O ouro é, em certo sentido, uma maldição. Logo, os Três Componentes Básicos da OBRA nunca puderam, não podem e jamais poderão ser universalmente divulgados. Nem, tampouco, a OBRA em si. Só podem ser alcançados pela Iniciação. Agora, como já lhe expliquei, tempo virá no qual a situação planetária global será outra. Os benefícios dos resultados da Arte serão livremente divulgados e generosamente distribuídos. Mas, para que isso possa acontecer ampliadamente, as Leis da Necessidade e da Reciprocidade devem estar equilibradas. Mas a Arte em si, repito, não será jamais devassada indiscriminadamente. Nas próprias Ordens Iniciáticas Tradicionais, o acesso aos respectivos Círculos Internos é para aqueles poucos que se mantiveram sinceros e firmes no Caminho e que fizeram jus a esse excepcional privilégio. A ARTE SANTA, portanto, só pode ser conquistada pela INICIAÇÃO. Apenas alguns raros predestinados puderam, isoladamente, assenhorear-se Dela. Há uma LEI CÓSMICA que sintetiza isto que estou lhe dizendo:

 

MÉRITO   —›  PRIVILÉGIO  —›  SABEDORIA  CONQUISTADA

 

       Neste momento Lucel-Lafin fez outra pausa. Verifiquei que já eram quase seis horas da tarde. Pela janela da biblioteca observei que começara a anoitecer. Pensei ter visto um estranho homúnculo no jardim, mas não dei maior importância ao fato. Eu estava com sede e com uma urgente aflição para ir rapidamente ao lavabo. Aquela insubsistente visão era, sob qualquer aspecto, naquele momento, irrelevante. Contudo, não me arrisquei a mover um músculo. Achei que seria desconsideração e falta de respeito interromper o Adepto. Usei minha imaginação e tentei dominar as necessidades fisiológicas que me atormentavam.

       Meu insigne anfitrião inspirou profundamente por três vezes e, por três vezes, pronunciou cadenciadamente um conjunto de vogais que eu nunca tinha ouvido, e que não posso, hoje, recordar-me da seqüência exata. NÃO HAVIA UMA ÚNICA CONSOANTE NAQUELE SOM REPETIDO. Por alguns instantes eu perdi a consciência de tempo e de lugar. E algo de muito especial aconteceu. Uma sensação de paz interior inimaginável apossou-se de todo o meu ser, e, emocionado, agradeci pelo que estava recebendo. Como que por encanto, a sede e a necessidade de ir ao banheiro desapareceram. Com os olhos semicerrados, mas certamente percebendo que eu já retornara à consciência da consciência, Lucel-Lafin continuou calmamente. Acredito que você esteja compreendendo tudo que estou a lhe ensinar. Prossigamos, então. Antes de chegarmos às conclusões sobre a Arte de Hermes, gostaria de fazer umas breves considerações sobre alguns Alquimistas famosos. Diversos de nossos irmãos eram padres católicos. Até alguns Papas foram Alquimistas. Entretanto, a Igreja não admite este fato abertamente. As abadias, como é sabido, eram invioláveis, e ofereciam um relativo conforto em meio à insegurança generalizada da Idade Média. Tomás de Aquino, por exemplo, foi discípulo de Alberto, o Grande. Ambos foram canonizados e são reverenciados como santos católicos. Ainda que se insista em rejeitar o fato inconteste de Tomás ter sido iniciado na Arte, no tratado ‘Aurora Consurgens’ o Aquinate minimiza sua obra teológica e assevera que é na Arte Alquímica que reside a verdadeira glória do Altíssimo. Disse Tomás: ’A mais bela Aurora nascente que está acima da beleza e da salvação da humanidade’. Esta obra começa pela evocação da Sabedoria Cósmica como ordenadora do Processo Alquímico. Esta Sabedoria inconfundível, diz Aquino, está ligada ao surgimento do Dia ou da Hora de Ouro, e ensina que a passagem da noite obscura para a Aurora está associada à Perfeição do Magistério e do próprio ouro.

 

Entrega do Próprio Coração

Entrega do Próprio Coração
Tomás de Aquino: Aurora Consurgens


       Na ‘De Alchimia’, Alberto, por sua vez, dá alguns conselhos aos postulantes. Eu reproduzirei para você os principais: ‘Discrição, silêncio, assiduidade, paciência e perseverança.’ Arnaldo de Villeneuve, médico e teólogo, procedeu a uma transmutação diante da Cúria Romana. Legou-nos o ‘Grande Rosário’. Raimundo Lulle, o nosso Doutor Iluminado, foi outro Amoroso da Ciência. Em Montpellier, em 1289, foi iniciado na Arte por Villeneuve. Morreu com oitenta anos em um navio genovês. Nicolas Flamel nasceu próximo a Pontoise, por volta de 1330. Há uma oração de sua autoria ao Deus Eterno que termina mais ou menos assim: ‘Que esta Grande Obra que aqui faço a conclua com sucesso. Por Nosso Senhor Jesus Cristo eu Lhe peço a PEDRA CELESTE que comanda e reina Convosco’. Sua primeira projeção foi sobre mercúrio obtendo prata puríssima. Na segunda, com a PEDRA VERMELHA, ainda sobre mercúrio, obteve ouro, mais puro, mais maleável e mais suave do que o ouro natural.

 

Trabalhadores no Jardim

Nicolas Flamel: Trabalhadores no Jardim

 

Massacre dos Inocentes

Nicolas Flamel: Massacre dos Inocentes

 

Serpente Crucificada

Nicolas Flamel: Serpente Crucificada

       Basile Valentin, monge beneditino alemão, nos deixou uma obra magistral: ‘Doze Chaves da Filosofia’. Dois fatos devem ser destacados na vida deste Adepto. Primeiro: foi quem descreveu e nomeou os TRÊS PRINCÍPIOS. Segundo: é dele a enigmática máxima VISITA INTERIORA TERRÆ RECTIFICANDO INVENIES OCCVLTUM LAPIDEM VERAM MEDICINAM. Nesta fórmula secreta, hoje conhecida mas ainda não decifrada, as primeiras letras de cada palavra formam o nome-código da substância incógnita que atua como solvente na Obra. Não possui, contudo, nenhuma relação com os sulfatos inorgânicos conhecidos dos químicos.

 

Basile Valentin

Basile Valentin

 

VITRIOL

VITRIOL

       Bernardo – o Bom Trevisano – nasceu, duzentos e quinze anos depois, onde o festejado Santo Português – António de Lisboa, conhecido como António de Pádua – viveu seus últimos anos, isto é, em 1406. Sei que este fato é do seu conhecimento. Segundo nossos arquivos, concluiu seu Trabalho Filosófico com oitenta e dois anos. Peregrinou por sessenta e oito anos, mas só obteve SUA PEDRA quando decidiu retornar aos ensinamentos de Geber, autor, conforme já lhe falei, de ‘A Suma das Perfeições do Magistério’. Aqui faço uma primeira advertência Rodolfo: fuja dos sopradores e dos mentirosos. Eles empobreceram Bernardo e são a ruína dos neófitos. O Bom Trevisano nos deixou duas obras escorreitas: ‘A Palavra Abandonada’ e ‘Tratado da Filosofia Natural dos Metais’. Outro ilustre Alquimista da Idade Média foi, sem dúvida, Denis Zachaire, nascido em 1510. Deixou escrito o ‘Opúsculo da Filosofia Natural dos Metais’. Morreu em 1556 assassinado por um primo. Mais uma advertência, meu amigo: cuidado com os sofistas e com os invejosos. Seduzem para depois saquear e matar. Alexandre Sethon – o autêntico Cosmopolita – fez diversas projeções públicas comprovadas e, por isso, acabou padecendo nas garras do Eleitor de Saxe, Christian II. Uma terceira advertência faço agora: Se o temor impede a iluminação, a vaidade destrói as conquistas. Se o mérito é condição ‘sine qua non’ para que o aprendiz possa lograr bom sucesso, o privilégio de mantê-lo impõe redobrado mérito. Não se abandona uma árvore que já deu frutos. Ela necessita de cuidados permanentes. Portanto, meu irmão Rodolfo, vaidade e mérito são imiscíveis. O privilégio, conquistado pelo trabalho meritório, é destruído pela vaidade. E, a SANTA ShOPhIa, culminação perseguida e derivada de todo um labor filosófico, místico, iniciático, árduo e sistemático, não é alcançada. A meio-caminho o candidato cai. Combater, dominar e, finalmente, transmutar a vaidade, é imprescindível e irredutivelmente necessário para o bom êxito na consecução integral da Arte. Não se esqueça nunca de que a Arte da Alquimia não é a coisa em si; ela é parte de um processo místico-iniciático, no qual o que realmente importa é a transmutação do próprio Adepto. O ouro não poderá jamais ornar um corpo mórbido e sem alma. Outro grande Alquimista, Teósofo Cristão e Rosacruz foi Robert Fludd. Três de suas máximas são: 'Deus colocou seu Tabernáculo no Sol'. 'Vosso corpo é o Templo do Espírito Santo que em vós reside, e que recebestes de Deus'. 'Deus está em toda parte: no céu, nas regiões infernais, nos mais longínquos mares, na noite e nas trevas'.

 

Robert Fludd

Robert Fludd

 

Svmmvm Bonvm

Robert Fludd (1574-1637): Svmmvm Bonvm (Frankfurt, 1629)


      
 O Adepto fez novamente uma pequena pausa, e prosseguiu. Nessa lista quase interminável de Adeptos devo acrescentar mais alguns e suas obras principais, para, em seguida, poder lhe falar especificamente do nosso Magistério. Em 1666 nosso irmão Irineu Philalèthe – o Amante da Verdade – que era inglês de nascimento e se considerava habitante do Universo, fez publicar ‘Entrada Aberta ao Palácio Fechado do Rei’, obra na qual se confessa indigno de que D’US se sirva dele para aqueles propósitos, bem como afirma ter adquirido horror e desdém pelo ouro e pela prata. Por revelação, previu que os Adeptos voltariam para render ações de graças e de louvores a D’US. Fez diversas projeções reconhecidas jamais ocultando que se utilizava da PEDRA FILOSOFAL. Um dia desapareceu sem deixar rastro. Lascaris foi outro de nossos irmãos. A meta primordial de sua vida foi propagar a verdade da Alquimia. Um de seus disfarces prediletos, talvez por conhecer a vida de Aristóteles, era se fazer passar por arquimandrita de um Mosteiro da antiga cidade-estado de Mitilene, na mitológica Ilha de Lesbos, terra do Filósofo Teofastro e da Sacerdotisa Safo. Várias projeções documentadas são atribuídas a Lascaris. Desapareceu, como por encanto, no transcurso do segundo quartel dos setecentos. Prosseguindo nessa nossa revisitação histórica, lembro-me, agora, do Conde de Saint-Germain, que dizia se chamar ‘Sanctus Germanus’ – o Santo Irmão. Além de Alquimista, possuía o hermético conhecimento de fazer as pérolas aumentarem de tamanho e de brilharem extraordinariamente. Também sabia como fazer os diamantes crescer e, se necessário, lhes tirava as manchas. Após levar uma vida de castidade irreprochável, desapareceu. Sua última aparição pública registrada parece ter sido em 15 de Fevereiro de 1785, em Paris, quando participou de uma Convenção Maçônica, na qual, entre outros, estava presente Louis-Claude de Saint-Martin, o inspirador do Martinismo. Isto sei que você sabe.

       
O Adepto fez novamente uma breve pausa e eu aproveitei para mudar de posição na poltrona. Durante sua explanação, além de não interrompê-lo, ficava imóvel para não perturbá-lo. Com o cair da noite, o frio se intensificara e uma chuva torrencial desabara. Aquela maravilhosa sensação de profunda paz e de felicidade ímpar que eu desfrutara ao passar pelo jardim de delícias da RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS desaparecera. Relâmpagos e trovões violentíssimos provocavam fortes ruídos por causa das descargas elétricas na atmosfera. Uma ventania avassaladora soprava impetuosa e incessantemente. Algo infreqüente e prenunciador estava acontecendo! As condições climáticas mudaram tão bruscamente, que eu estava tendo uma certa dificuldade para me concentrar. Onde teria se abrigado o homúnculo que eu pensara ter visto uma hora atrás? Eu estava viajando nesses pensamentos, quando Lucel-Lafin questionou-me: — Você está apreensivo por causa do temporal, Rodolfo? — De modo nenhum, Senhor Lucel-Lafin. Mas... O Adepto não permitiu que eu concluísse a frase e, gentilmente, propôs continuar sua exposição. Neste século que se encerra – retornou o Alquimista ao seu Monólogo Iniciático – alguns Filósofos da Arte se destacaram. O primeiro foi o Dr. Harvey Spencer Lewis, de quem já falamos. Seu filho, Ralph Maxwell Lewis, que o sucedeu como Imperator da AMORC, teve, certamente, acesso aos segredos dos quais o pai era depositário. O terceiro foi Fulcanelli, que fez publicar duas obras singulares. ‘O Mistério das Catedrais e a Interpretação Esotérica dos Símbolos Herméticos da Grande Obra’ divulgada em meados dos anos vinte, foi a primeira. Quatro anos mais tarde, trouxe à luz ‘As Mansões Filosofais e o Simbolismo Hermético nas suas Relações com a Arte Sacra e o Esoterismo da Grande Obra’. Os dois livros foram prefaciados por Eugênio Canseliet, que também era um Agricultor Celeste. Em 1937 Jacques Bergier encontrou-se com Fulcanelli que, durante a conversa, previu(?!) algo semelhante: ‘as forças nucleares podem ser desencadeadas por intermédio de disposições geométricas adequadas de materiais específicos puríssimos, sem que haja necessidade de serem utilizadas a técnica do vácuo ou a eletricidade’. As explicações que o Adepto deu a Bergier continham enfaticamente a advertência, de que a radiação proveniente da utilização assassina e irresponsável dos artefatos bélicos de natureza nuclear que acabariam por ser produzidos – como acabaram sendo – poderia envenenar a atmosfera e contaminar todo o Planeta. Hoje, como você sabe, o arsenal nuclear estocado e as armas químicas e biológicas em poder dos diversos governos, e outras que você nem desconfia que possam existir, podem, em poucos dias, provocar a extinção da vida que se manifesta neste Planeta. Lamentavelmente, o milênio que está a nascer começará com lágrimas e ranger de dentes. O Gigante Americano sofrerá um revés imprevisto. Voltará a fazer guerras. Palestinos e judeus tornarão a se desentender gravemente. E o nosso Brasil será palco de mudanças impossíveis de serem ainda concebidas. Mas, tudo isso, são apenas as dores de um parto feliz. O século XXI não terminará sem que mudamentos estruturais aconteçam, particularmente no campo da Economia. A própria Educação será reestruturada. E a Medicina sofrerá avanços inimagináveis. Mais atenção será dada à Homeopatia e à Ciência dos Florais. No âmbito do Direito, a Justiça passará também a socorrer aos que dormem. Enfim, estamos em um outro ciclo astrológico diferente do anterior, que teve seu início em 5 Fevereiro de 1962. Por último, gostaria de homenagear Armand Barbault, que demonstrou que por meios puramente alquímicos podem ser obtidos produtos irredutíveis, portanto, impossíveis de serem reproduzidos por processos sintéticos conhecidos da nossa química hodierna.

       Agora, antes de concluirmos e de lhe falar sobre a nossa PEDRA e sobre o nosso MAGISTÉRIO, vou lhe relatar alguns acontecimentos históricos antigos e incontestáveis da veracidade da Obra, pois, estas transmutações foram levadas a bom termo por pensadores renomados, sem que o Adepto (ou seu emissário) que lhes ofereceu um pouco do PÓ DE PROJEÇÃO estivesse presente. Compreenda, Rodolfo: as transmutações alquímicas foram, nas circunstâncias conhecidas e documentadas, procedidas diretamente pelos cientistas, geralmente, apenas em presença de parentes e de testemunhas escolhidas por eles próprios, mas na ausência do Artista. Esses transmudamentos foram cumpridos por João Batista Van Helmont, médico e químico belga, em 1618 e por Johann Friedrich Schweitzer – conhecido por Helvetius – também médico, em 1666. O curioso, nestes episódios específicos, é que ambos eram frontalmente contrários e hostis à Alquimia. É claro que, depois de procederem às respectivas transmutações, acabaram por se convencer, se converter e defender a SANTA ARTE. Entretanto, no correr dos séculos, muitas outras pessoas tiveram o privilégio de assistir a uma transmutação, permanecendo, contudo, por questões de segurança, no anonimato. Pascal foi uma dessas pessoas. A assembléia de Iniciados e o jornalista que estavam presentes e assistiram, em 1916, ao Dr. Lewis transmutar zinco em ouro, inserem-se nessa categoria de privilegiados. Entretanto, bendito é também aquele que não viu. Mas, por um processo iniciático extraordinário de beleza indescritível conseguiu sentir e realizar internamente a Bendita Arte-ciência-místico-esotérico-iniciático-espiritual da Transmutação Alquímica Interior de seus leprosos. Jolivet Castelot, Alto Dignitário da Rose-Croix da França e antigo Presidente da Sociedade Francesa de Alquimia não pode ser esquecido nesta revisitação histórica que faço para você. Produziu ouro por transmutação alquímica demonstrando, em diversas ocasiões, a veracidade dos Princípios e das Doutrinas seculares dos Rosacruzes.

       Nova pausa. Depois de inspirar profundamente por três vezes, mas sem emitir os sons vocálicos como da outra vez, com os olhos ainda cerrados, Lucel-Lafin continuou. Vamos concluir esta primeira parte de sua Iniciação à Alquimia. Contudo, antes de jantarmos e de visitarmos a residência, devo enfatizar: O fim último de Nossa Arte é a transmutação do próprio Postulante. Se ele chegar a concluir seu Trabalho, então se tornará um ADEPTO MENOR. Quando se desobrigar de compulsoriamente encarnar para cumprir a Lei da Retribuição neste Plano, aí é considerado um ADEPTO MAIOR. Voltaremos a falar sobre esse tema mais tarde.

  
     Muito lentamente, como se estivesse regressando de um estado alterado de consciência, Lucel-Lafin retornou ao plano da consciência objetiva, abriu suavemente os olhos e esboçou um fraternal sorriso, que era um misto de contentamento, de alegria, de amabilidade e de profundo amor por mim. Eu pude sentir e identificar tudo isso muito agudamente e fiquei, mais uma vez, profundamente comovido. Percebi, também, em meu interior, que ele projetava silente e mentalmente um certo SOM que reverberava em todo o meu ser. Esse MANTRA eu conhecia e sabia quais eram seus efeitos. Seus olhos azuis-celestes estavam fixados em um ponto acima das minhas sobrancelhas, sem que eu sentisse qualquer mal-estar. Pelo contrário! Em sinal de reconhecimento e de profunda gratidão, da mesma forma, repercuti para esse irmão querido o mesmo SOM, desejando-lhe saúde, amor e a mais profunda paz. Quando nos levantamos para jantar, ele me abraçou com muito carinho e pronunciou:
MAAT HOTEP. Eu não pude deixar de repetir: MAAT HOTEP. Esta saudação significa: QUE A PAZ DE MAAT ESTEJA COM VOCÊ. E acrescentei do fundo do meu ser: AUM RAH MAH. Nada mais foi acrescentado. Nem precisaria ser.

       Lucel-Lafin perguntou se eu me incomodava em jantar na cozinha. Lembrou-me - o que não era necessário - que havia dispensado todos os auxiliares naquele dia, que já era noite. Eu lhe disse que me sentia honrado e feliz em poder apenas estar a seu lado. Ele, então, pessoalmente, foi preparar algo para nos alimentarmos. De repente, certamente por ter suavizado o efeito daquele conjunto de vogais que ele emitira durante a preleção sobre a GRANDE ARTE, minha necessidade fisiológica voltou com impetuosidade. Pedi licença para me retirar por alguns instantes e me dirigi a um lavabo que meu amigo e irmão indicara. Consultei o relógio e constatei que eram exatamente sete horas da noite. Portanto, fazia exatamente sete horas que eu não ia ao banheiro! Não pude deixar de pensar na minha companheira. Duvido que ela agüentasse sete horas sem ir ao banheiro! Acho que em toda a minha vida nunca havia vertido tanta urina como naquele momento. Depois do alívio, um suspiro involuntário de regozijo encerrou minha estada naquele recinto. Lá fora, a borrasca amainara um pouco. Da janela do lavabo, que tinha, mais ou menos, uns doze metros quadrados, observei que não estava mais relampejando. Descontraído, lembrei de uma piada típica de carioca: Em dias de tempestade, relâmpagos e trovoadas o local mais seguro é bem pertinho da sogra. Não há raio que a parta! Mas, meu pensamento voou imediatamente para a minha sogra. Àquela hora, talvez estivesse passeando sozinha por Copacabana. Quem sabe, polemizando com alguém sobre algum assunto sem pé nem cabeça! Beijei-a no rosto e fiz uma coisinha mental por ela. Misericórdia D’US meu, pelos que sofrem sem saber o motivo dos seus sofrimentos. Misericórdia. Compaixão. Piedade. Um pouquinho de Luz!

       Mas, por onde andaria aquele estranho homúnculo? Aquela visão não me saía da cabeça. Teria sido um delírio momentâneo? Ou será que... Ao voltar à cozinha a mesa estava posta. Impressionei-me com a prontidão do meu Mestre. Eu só estivera no lavabo por, no máximo, cinco minutos! Lucel-Lafin havia esquentado uma sopa de legumes que foi servida acompanhada de torradas de pão integral. Para beber, água. E que água! Foi a melhor sopa que eu provei nos últimos tempos. Os legumes, pensei, talvez tivessem passado por alguma transmutação. Mas que bobagem! Só eu mesmo para pensar essas tolices.

       Antes de jantarmos, entretanto, meu gentil anfitrião fez uma prece, rogando por paz e concórdia. Agradeceu o alimento a nós disponibilizado e suplicou para que cessasse a fome no mundo. Ouvi em silêncio a Oração do Adepto, e, ao final, acompanhei: QUE SEJAM FEITAS A VONTADE E A RAZÃO DOS MESTRES DA G .'. L .'. B .'. E NÃO AS NOSSAS. ASSIM SEJA! Pedi autorização para tomar mais um pouco daquela sopinha espetacular e foi a primeira vez que vi Lucel-Lafin rir com desenvoltura. Acabou comentando: — Essa sopa foi de ontem. Acho que o povo tem razão quando diz que no dia seguinte a sopa fica mais apurada e mais saborosa. Não pude deixar de fazer uma gracinha. — Com a fome que eu estava, Senhor Lucel-Lafin, a sopa poderia ser da semana passada. De qualquer forma está ótima. O Adepto ficou satisfeito com a minha franqueza e perguntou se eu queria alguma sobremesa. Respondi que estava satisfeito e agradecido. Também, além de, geralmente, me alimentar moderadamente, não queria perder tempo. Havia muito que aprender.

       Terminada a refeição, Lucel-Lafin convidou-me para dar um rápido passeio pela RESIDÊNCIA. Agora me lembro de um pormenor: ele quase não se alimentou! Caminhamos pela casa por mais ou menos meia hora. Devo registrar apenas dois pontos que julgo fundamentais. Primeiro: Ao chegar ao segundo andar da RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS (agora, quase quatro anos depois, compreendo inteiramente a finalidade daquela monumental mansão) fiquei literalmente chocado. O contraste com o andar inferior era de tal magnitude, que parecia que eu me encontrava em outro lugar. A pompa, o luxo, as tapeçarias, as obras de arte, a beleza indescritível do mobiliário do primeiro andar inexistiam ali. Embaixo tudo se contrapunha com a sobriedade, com a simplicidade e, porque não, com a pobreza do segundo. Não era possível estabelecer um paralelo entre os dois pavimentos. Havia tão-só vinte e dois quartos. Onze de cada lado, como que formando um ALBaM, no meio do qual um enorme corredor era o único meio de acesso. Os quartos, na verdade, como já havia adiantado Lucel-Lafin, eram celas, aposentos de verdadeiros religiosos. Não de uma religião, qualquer que seja ela, que possa ser entendida tal como usualmente é. Mas os religiosos que ali eventualmente se reuniam, tinham por objetivo o religamento consciente da humanidade com as Hierarquias Cósmicas e com a própria Divindade que sempre esteve, está e estará presente in imo pectore em todos os seres. Esta religação, conforme já me explicara o meu irmão e amigo, haveria de incluir, no futuro, uma total mudança nos hábitos e nos conceitos da sociedade que nos sobrepujará.

       Todas as celas possuíam três cômodos. Uma sala de trabalho pessoal, um quarto de dormir e um modesto banheiro. Tudo muito simples e funcional. No quarto, por exemplo, só havia uma pequena cama de solteiro, um armário de duas portas, um cabideiro, uma cadeira e um modesto oratório, em frente ao qual, na parede, estava fixado um espelho ligeiramente côncavo.

       No terceiro andar, muito mais modesto ainda do que o segundo, havia apenas uma GRANDE SALA com uma enorme mesa retangular de trabalho. O piso era formado de um mosaico constituído de pedras de mármore quadradas e rigorosamente iguais, brancas e pretas, alternadas como no jogo de xadrez.

 

64  =  6  +  4  =  10  =  1  +  0  =  1

 

       Vinte e duas cadeiras rigorosamente equivalentes estavam dispostas ao redor da mesa. Afastadas da mesa, estavam ordenadas, em uma única fileira, onze cadeiras. Estas últimas eram diferentes e mais modestas do que as outras vinte e duas, ainda que naquele salão não existisse nenhum sinal indicativo de requinte. Naquele local respirava-se serenidade, moderação e despojo. Portanto, naquela SALA só entravam, no máximo, trinta e três pessoas. Isso é tudo que me permito relatar. Entretanto, não posso deixar de registrar que, em um dado momento, por uma fração ínfima de tempo, tenho certeza de que vislumbrei um Senhor muito distinto a nos observar, de pé, próximo à cabeceira da grande mesa. Seu olhar era igual ao de Lucel-Lafin e parecia aprovar nossa rápida estada naquele recinto. Mas, imediata e irracionalmente, a hesitação invadiu minha mente. Um certo desespero apossou-se de minh’alma. Momentaneamente retornei ao ponto zero. Dúvida. Indecisão. Desespero. Teria mesmo tido aquela visão? Lembrei-me do poema DEUS de Fernando Pessoa. Apossei-me consentidamente de dois versos e, mentalmente, acrescentei três (in)apropriados(!?):


Às vezes sou o Deus que trago em mim,
Às vezes não sou mais do que um ateu.

Às vezes tudo é beleza sem-fim,
Às vezes tudo é noite, tudo é breu.
Às vezes nem sou Deus nem sou ateu.


       Contudo, logo me recompus dos escombros de minha insegurança e confiei na representação intelectual instantânea que aquela percepção astral me ofertara. Havia se reconstituído o himeneu. Nada comentei com Lucel-Lafin sobre este episódio. Quando a oportunidade se fizesse, incontestavelmente ele se pronunciaria. Só preciso acrescentar um pormenor: encimando a Porta que permitia o acesso à GRANDE SALA havia um Frontão Triangular isósceles, cujo ângulo superior era certamente de 144º e muito semelhante ao frontão da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, no qual o relevo central representa a Caridade.


LIVRO III – A PROJEÇÃO


       Quando retornamos ao andar térreo da RESIDÊNCIA, Lucel-Lafin convidou-me para ir ao LABORATÓRIO. Solenemente disse: — Agora cumprirei o dever, que farei com prazer, de lhe mostrar uma Transmutação Alquímica in vitro. Mais uma vez, devo repetir, a verdadeira transmutação – a TRANSMUTAÇÃO DIVINA – terá que ocorrer no próprio postulante. IN VIVO. IN CORDE.

       Desta forma fui introduzido ao LABORATÓRIO DA RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS. A bem da verdade e antes que me esqueça, devo registrar que o único espaço ao qual não pude ter acesso foi ao SANCTUM SANCTORUM da RESIDÊNCIA. Ele estava vedado para mim. Mas Lucel-Lafin teve a gentileza de me mostrar onde o SANTUÁRIO estava localizado e informar, com toda singeleza, que eu não estava preparado para ali entrar. Essa comunicação foi suficiente para mim. Eu conheço as Regras. E, por conhecê-Las, não fiz nenhuma objeção nem o questionei sobre o porquê do impedimento. Sobre a Porta que dava acesso àquele Local Sagrado também havia um Frontão Triangular isósceles.

       O LABORATÓRIO está localizado nos fundos da RESIDÊNCIA, no lado oposto da cozinha. TRÊS DEGRAUS conduzem à porta do LABORATÓRIO. Uma réplica reduzida dos Frontões anteriores coroava a entrada do LABORATÓRIO. Na realidade, os Três Frontões eram iguais; só diferiam em tamanho. Seu interior, ainda que semelhante a um laboratório comum de Química, continha alguns aparelhos que eu não conhecia. Há uma única grande bancada dupla no centro repleta de utensílios e, ao redor, armários com várias prateleiras abarrotadas de reagentes químicos, de frascos contendo líquidos de diversas cores, de balões de vidro de diversos tipos, de buretas, de tubos de ensaio, de cadinhos variados, de provetas, de pipetas, de bécheres, de almofarizes etc. Em um canto, havia o que eu presumi que fosse um Athanor. No lado oposto, havia uma pequena capela habitualmente encontrada em laboratórios de Química. Pensei encontrar Pierre no LABORATÓRIO. Mas não. Ele havia desaparecido nas brumas da noite. Eu só o veria mesmo na hora de partir. Também não vi o estranho homúnculo por ali. Estaria fazendo companhia a Pierre? Que pensamentos desconexos para uma ocasião como aquela. Tratei rapidamente de me recompor mentalmente.

       Lucel-Lafin, depois que eu examinei rapidamente o LABORATÓRIO, convocou-me: — Oremos: Que a Benção dos MESTRES possam santificar esta hora e nossos procedimentos; e que possamos ser dignos do que vamos realizar. Assim Seja. — Assim Seja — repeti convicto do selamento da Oração. Antes de proceder à prometida Transmutação, Lucel-Lafin, por mais ou menos meia hora, epilogou a narrativa que começara naquela tarde de quinta-feira. Ambos nos sentamos em bancos comuns existentes em laboratórios de Química, e o resumo das idéias que ouvi são as seguintes. Aos potenciais Peregrinos sugere-se: adquiram um almofariz de ágata. Ou construam um almofariz de LUZ, de VIDA e de AMOR no Coração.

       Os ADEPTOS MAIORES sabem que A MATÉRIA-PRIMA do MAGISTÉRIO ALQUÍMICO é um corpo único, universal, e possui natureza metálica. É um sal duplo, uma pirita que contém ferro e antimônio. Lucel-Lafin, para ilustrar essa caridosa informação, abriu o livro de Jacques Sadoul – ‘O Tesouro dos Alquimistas’ – ao qual já havia feito referência, na parte relativa à Matéria-Prima, e leu a nota de rodapé que alude ao fato de, em 1616, o Autor Anônimo da obra ‘As Núpcias Químicas’ dar uma chave para a consecução da GRANDE OBRA, utilizando o alfabeto latino e princípios elementares de KaBaLa. O que esse autor anônimo fez foi substituir as letras da palavra Alquimia pelos seus valores numéricos aritmológicos latinos e depois somá-los. É evidente que o desconhecido(?!) Autor usou a palavra latina para esse desvelamento, ou seja: ALCHYMIA. Aqui Lucel-Lafin fez uma advertência: a utilização do alfabeto latino para cálculos cabalísticos ou outras operações pode levar o pesquisador desavisado a erros inconciliáveis. De qualquer forma, o Autor Ignorado apresentou o seguinte cálculo: A = 1;  L = 12;  C = 3;  H = 8;  Y(I) = 9;  M = 13;  I(Y) = 9; e A = 1. A soma destes números é igual a 56 (cinqüenta e seis), que é equivalente ao valor aproximado da massa atômica do ferro! Este fato é particularmente notável, porque em 1616 conheciam-se pouquíssimos elementos químicos e se desconhecia(?!) a Teoria das Massas Atômicas. Curiosamente, a adição teosófica de 56 é 11. A décima primeira Lâmina do Tarô é A FORÇA. Na Tábua de Esmeralda de Hermes Trismegistus, que Lucel-Lafin resumira na parte da tarde, há um trecho que, explicitamente adverte: Este é o mais forte de todos os poderes, a FORÇA de todas as forças, pois sobrepuja todas as coisas sutis e pode penetrar tudo que é sólido. Isto me fez lembrar um trecho da Ladainha Lauretana. Virgo Potens; Virgo Clemens; Virgo Fidelis, cuja tradução é: Virgem Poderosa; Virgem Clemente; Virgem Fiel...

       Lucel-Lafin, outra vez serviu-se de um livro que estava em uma pequena mesa ao lado da grande bancada, novamente de um autor desconhecido, que trata das ‘Meditações Sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô’, e leu um trecho para mim. — Preste muita atenção, Rodolfo, no simbolismo deste excerto. Medite sobre ele e você alcançará mais uma chave do hermetismo da GRANDE OBRA. Escreveu o Autor que quis se manter no anonimato: O estado de virgindade é a consonância de três princípios: o Espiritual, o Anímico e o Corporal. A virgindade é, pois, a unidade do que está no alto e do que está em baixo e a Força, isto é, a ação concordante dos três mundos. Porque a Força... é a unidade dos três mundos... na qual o Divino, o Coração, e o Corpo estão unidos. — Lembre-se Rodolfo — concluiu Lucel-Lafin: A FORÇA É A VIRGINDADE; E A VIRGINDADE É A FORÇA.

       O FOGO SECRETO – a água seca – é composto do salitre filosófico e do tártaro filosófico. Um determinado corpo, sob o aspecto alquímico, torna-se FILOSÓFICO por procedimentos físicos. Por isso, por exemplo, a importância da luz lunar – que possui a característica de ser polarizada – em um passo da OBRA. Este FOGO (ou PRIMEIRO AGENTE) é um sal duplo preparado laboriosamente pelo Postulante. Em nada se assemelha ao fogo ordinário. O MERCÚRIO FILOSÓFICO provém da MATÉRIA-PRIMA e é obtido sob a influência do FOGO SECRETO. Depois é transmutado no MERCÚRIO DOS SAPIENTES.

       O MAGISTÉRIO compõe-se de três fases ou Obras distintas. Na Primeira Obra, o concurso do Orvalho ('ros') é indispensável. Na Segunda Obra, o puro é separado do impuro e é obtida uma Medicina ainda de ordem inferior. Nesta fase é lograda a 'Rebis', que será trabalhada pacientemente na última etapa do MAGISTÉRIO, no interior do Ovo Filosófico. Na TERCEIRA OBRA, o Artista, já possuindo a 'Rebis', pela cocção irá levá-la à perfeição. Esta via de obtenção do 'LAPIS', descrita sumariamente por Lucel-Lafin, refere-se à denominada via úmida, que tende a se prolongar por anos para ser concluída com sucesso. Se sucesso houver! Há, contudo, mais duas vias: a seca, que dura algumas semanas, e a breve, de duração, no máximo, de quatro dias. Contudo, os corpos utilizados não são os mesmos nas três vias! Mas, qualquer que seja o caminho utilizado pelo Agricultor, há um instante na peregrinação em que o concurso de POTÊNCIAS SUPERIORES torna-se imprescindível. Isto sempre foi assim. Desde a Atlântida. É e continuará sendo.

       —Já é, agora, chegado o momento — continuou meu anfitrião — de encerrar este incompleto, modesto e sucinto estudo sobre a Alquimia, cujo objetivo, conforme você sabe, é colocar o Adepto em relação íntima com o D’US de seu coração. Devo, contudo, ainda, repassar alguns conceitos e fazer, se você não se importar, alguns acréscimos.

       A Alquimia pode ser operativa (ou prática) ou transcendental. Em ambos os casos, só um Iniciado pode ter acesso a esse antigo, mas sempre novo conhecimento. Iniciados eram (e são) aqueles que buscavam (e buscam) a ILLUMINAÇÃO INTERNA. E a senda para o alcançamento dessa iluminação, da qual os filósofos voltados para o tema sempre falaram, é interior. É no âmago do ser, no santuário sagrado e inviolável da consciência do ser, que haverá de existir a autêntica e insubstituível CRISOPÉIA. O Reino dos Céus está dentro, Rodolfo, não fora. A PEDRA DOS FILÓSOFOS está em todos os lugares e em todos os seres viventes. O Rei e a Rainha dormem no ser. Assim, pela ALQUIMIA INTERNA, o neófito, percorrendo ascensionalmente os degraus da Justiça, da Fortaleza, da Temperança e da Prudência, encharcado de Fé (transracional), Esperança e Caridade, alcançará o Adeptado. Um dia – é o seu supremo ideal – será aceito como par dos Mestres. E será também Mestre. Seu ser terá sido, então, igualado ao SER. Sua luz, agora é LUZ. Ele e o Pai (Mãe) realizaram a Suprema Androginia. O ser singular, agora Andrógino, funde-se no e com o TODO. São UM. Contudo, esta é apenas uma etapa... Apenas mais uma etapa... Pois a reintegração é ilimitada... E assintótica... Uma imagem interessante e muito antiga que pode ilustrar simbolicamente este conceito é o da dicotomia dialética de Zenão (séc. VI a.C.-séc. V a.C.). Nenhuma meta poderá jamais ser alcançada in totum, porque antes de a meta ser alcançada metade do caminho deve ser percorrido. Depois disso a metade da metade, e depois ainda a metade da metade e assim 'ad infinitum'. Por isso Aquiles — 'o pé veloz' — nunca poderá alcançar a tartaruga. A compreensão e a realização de D'US será sempre incompleta, relativa e ilimitada. Por isso, deuses e demônios são emocional e racionalmente criados e, com o passar do tempo, perdem a soberania. Novos deuses e novos demônios substituem os anteriores. Só pela Iniciação 'in corde' poderá o ente não se iludir nem com a razão nem com a emoção, porque nessa circunstância incomparável e iluminante prevalecem a RAZÃO e a VONTADE do D'US INTERNO, que lentamente se desvela e se amalgama alquimicamente com o ente, transmutando a razão e a emoção em OURO indesbotável. Essa é a dor da Iniciação. Ela não tem fim. Mas, incomparavelmente mais doloroso do que tudo é ser devorado pelos erros, pelas paixões, pelas cobiças, pela ignorância e pelos desejos inferiores. Os entes, obrigaroriamente, terão que decifrar o enigma da ESFINGE para não serem devorados.

      Mas qual será o objetivo da Alquimia Prática? Repito uma vez mais: simplesmente a obtenção preliminar da MEDICINA UNIVERSAL — a própria PEDRA — e do OURO POTÁVEL, detentor de propriedades ainda desconhecidas da Medicina. Intermediariamente, o processo permite a obtenção da LUZ INEXTINGUÍVEL. E, por último, o PÓ DE PROJEÇÃO. Deve-se ter sempre em mente, Rodolfo, de que a meta de todo Iniciado é o Jardim das Hespérides. A MEDICINA UNIVERSAL, entre várias possibilidades, progressivamente transmutando o Adepto, coloca-o em um plano transnoético de consciência. A libertação de 'Malkuth', único plano onde não está configurada a Androginia, assim, poderá ocorrer, eximindo o Alquimista-Iniciado da obrigação de neste plano continuar a atuar compulsoriamente. Ao aprender todas as lições, será diplomado em 'Malkuth'. Mas, voltar ao Mundo da Concretização – à Caverna – é um ato de misericórdia e de solidariedade que nenhum Iniciado Autêntico se recusa a exercitar. Leia ‘A República’, de Platão. Geralmente, estes Iniciados, como fizeram, por exemplo, Pitágoras, Platão e Plotino, retornam, incognitamente, para servir àqueles que estão nas sombras. Entretanto, geralmente, são execrados, caluniados, vilipendiados, perseguidos e desonrados. Não raras vezes são assassinados. Não se pode esquecer de Sócrates, que acusado de impiedade, foi envenenado com cicuta. Jacques de Molay e Giordano Bruno foram calcinados. Joana D’Arc também foi queimada viva. Nada foi mais medonho, durante a Idade Média, para a disseminação da LUZ do que os infames Tribunais do Santo Ofício.

       Uma pista que a Alquimia parece deixar aos pesquisadores é de que o processo operativo apóia-se em leis radioativas ainda desconhecidas, já que a física nuclear só conhece, até o momento, processos que não incluem exclusivamente operações que requeiram uma matéria, um cadinho de terra refratária, um forno. VITRIOLVM, Crvcibulvm, Athanor. É no cadinho que o VITRIOLVM morre para renascer, transmutado, espiritualizado, purificado. É no cadinho que a MATÉRIA-PRIMA sofre a paixão semelhante a do próprio Cristo e de todos os Cristos. É no cadinho que se opera o percurso cristológico de purificação, no qual são repetidas TRÊS VEZES A MESMA SÉRIE DE SETE OPERAÇÕES. É no cadinho que se resume e se replica a OBRA DIVINA, cuja meta é auxiliar a livrar o homem do medo, da igorância e da dor. É em um cadinho que, daqui a pouco, faremos juntos nossa projeção.

 

7  x  3  =  21



       Mas como saber, como ter certeza de que a PEDRA foi adequadamente produzida? Como confirmar sua potência? A resposta é simples: TRANSMUTAÇÃO. Pela cura de um leproso (metal inferior), ou seja, pela transmutação de um metal menos perfeito em OURO. A Transmutação Alquímica Operativa é tão-somente um teste da potência da PEDRA, ou em termos mais atuais: Transmutação é meramente controle de qualidade. Também já lhe expliquei isso. Desculpe-me se estou sendo repetitivo. Mas estes pontos são fundamentais. O ouro não tem valor para o Adepto. De certa forma, o Adepto morre para o Mundo da Concretização!

       E o PÓ DE PROJEÇÃO, nesse processo, funciona, opera, enfim, como indutor artificial da transmutação. Artificial porque os metais usuais, no estado natural (minérios), estão em processo lento de evolução, alcançando a perfeição como ouro nativo. A produção de ouro alquímico é uma simples aceleração, portanto artificial, do processo natural. A LEI DA NECESSIDADE é universal. Nada existe no Universo que se evada desta LEI. Minerais, vegetais, animais, seres humanos, corpos celestes, galáxias, enfim, o próprio Universo estiveram, estão e estarão sujeitos à essa LEI.

       Raciocinando quimicamente — acredito que assim facilitará sua compreensão — o PÓ DE PROJEÇÃO age como se tivesse função catalítica e, nesse sentido, é o catalisador universal. Opera em minutos o que a Natureza leva milênios (ou milhões) de anos para realizar no reino mineral. Talvez bilhões!

       Uma observação de suma relevância deve ser acrescentada: as Transmutações Alquímicas não são todas iguais, quer sob o aspecto quantitativo, quer sob a observação qualitativa. Dependendo de como é fermentada a PEDRA FILOSOFAL, se com ouro ou com prata muito puros, e dependendo da própria POTÊNCIA do PÓ DE PROJEÇÃO (que pode ser elevada ao SÉTIMO GRAU) e do respectivo leproso a ser curado, mais ou menos prata alquímica ou ouro alquímico são produzidos. Sob outro ângulo de observação, enquanto o zinco, por exemplo, ganha alguma coisa ao se converter em ouro, o chumbo perde alguma coisa. E assim, sob os moldes da físico-química contemporânea, os dois processos poderiam, especulativamente, ser assim esquematizados:

30Zn—64  +  49X—133  —›  79Au—197 (incremento)

82Pb—208  -  3Y—11  —›  79Au—197 (decremento)

       Tudo converge, assim, para o ouro, para o sol (e para o SOL) e o PÓ tem o poder secreto e alquímico de operar a transmutação. A Transmutação Alquímica, entretanto, não é um processo tão elementar assim. A coisa se passa, substantivamente, mas não exclusivamente, no nível nuclear, e o ganho ou perda em cada caso (e em todos os outros) não se faz em uma só etapa. Tudo se passa (sempre) em conformidade com a LEI DO TRIÂNGULO. E como não poderia deixar de ser: o ouro alquímico, semelhantemente ao ouro nativo, também não apresenta isótopos. E a tão incompreendida insecabilidade elementar fica proscrita. A Alquimia Prática ou Operativa é uma ciência antiqüíssima, positiva, que utiliza nas suas operações técnicas particulares, que permitem ao Adepto chegar a um fim previsto, irredutível e específico.

       A posse da GEMA HERMÉTICA foi festejada por vários adeptos. Eugénio Canseliet, discípulo dileto de Fulcanelli, afirmou que quem a possui tem assegurado o tríplice apanágio: Conhecimento, Saúde, Riqueza. Henrique de Linthaut assegurou que ela encerra o Mistério da Criação, iluminando as coisas tenebrosas. O Cosmopolita asseverou que, pela consecução da OBRA, o Filósofo percebe e aprende como o mundo foi criado. E Fulcanelli, para enaltecê-la e a todo o labor alquímico, deixou, como você sabe, duas obras monumentais: 'O Mistério das Catedrais' e 'As Mansões Filosofais'. Certamente, Fulcanelli, de todos os autores antigos e modernos, é, de longe, o mais didático, o mais sincero, o mais convincente e o mais fraterno que dissertou sobre a 'ARS MAGNA', e o que mais reverenciou a PEDRA FILOSOFAL. Já Paracelso disse que a Alquimia não visa apenas obter o 'LAPIS', mas CURAR. CURAR, não apenas o corpo, mas auxiliar a CURAR a personalidade-alma. Acho que você já deve ter compreendido essas regras preliminares.

       Por último, é preciso que se leve em conta que os Alquimistas possuem, entre todas as superlativas qualidades que deles se possa presumir, esperar ou admitir, um altíssimo senso ecológico. E assim, compreendem que modificações ou alterações ambientais provocadas são deletérias ao próprio equilíbrio planetário e universal. Por via de conseqüência, as transmutações que realizaram — ou permitiram que fossem realizadas — sempre ocorreram em mínimas quantidades. A riqueza à qual aludiu Canseliet, nesse sentido, só pode e só deve ser entendida como de ordem espiritual, mística, esotérica, iniciática e hermética. A trajetória real da PURIFICAÇÃO CRISTOLÓGICA opera-se, em última instância, no próprio Alquimista. É no próprio ser singular que toda a coisa atua.

       De qualquer forma, hoje, como sempre, alguma forma de Alquimia está sendo operada em cada elétron do Universo, pois as LEIS DA NECESSIDADE e DA REINTEGRAÇÃO são universais. Por isso, Rodolfo, não esqueça jamais:



       — É chegada a hora, 'frater' Rodolfo — pronunciou-se nobremente Lucel-Lafin — de você constatar com seus próprios olhos uma Transmutação Alquímica. Deixo a sua escolha o leproso que você deseja ver glorificado.

       Eu estava assombrado com aquela oferta singular. Quis dizer alguma coisa, mas não consegui. Como sobre a bancada do LABORATÓRIO DA RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS havia amostras de diversos metais, achei que, para facilitar, o chumbo serviria para a demonstração. — Acho que poderíamos projetar sobre o chumbo. Que acha o Senhor? — Falei timidamente. Lucel-Lafin concordou e os preparativos começaram. Meu Ilustre Mestre deu-me um pequeno pedaço de chumbo para examinar. Eu disse que estava de acordo, pois era chumbo mesmo. Ele, sabendo que sou químico, não insistiu para que eu testasse a amostra do metal. O chumbo já era conhecido há 4.000 anos a. C. É um metal anfótero e muito tóxico. Mas se manejado com precaução não causa danos a quem o manipula. Sua massa atômica aproximada é 207, apresenta coloração azulado-prateada e funde a 327,4° C. É, portanto, completamente diferente do ouro. Mesmo um leigo reconhece imediatamente a diferença entre os dois. Em acréscimo, o ponto de fusão do ouro é 1063 °C e as densidades em g/cm³ do chumbo e do ouro são, respectivamente, 19,3 e 11,3. Confundir chumbo com ouro é o mesmo que não diferir uma banana de uma laranja. E um químico, com uma consistente experiência laboratorial como eu, que particularmente aprecia bananas, jamais poderia desconhecer a diferença entre chumbo, ouro, bananas e laranjas.

       O Illuminado solicitou minha ajuda para montar a aparelhagem na qual seria processada a transmutação. Isto, obviamente, foi um gesto de cortesia e de confiança de Lucel-Lafin. Sobre a bancada colocamos um tripé e sobre este um triângulo de porcelana. Acomodado sobre este triângulo foi posto um cadinho de porcelana, que como todo químico sabe, tem o formato de um tronco de cone e é utilizado nos laboratórios, geralmente, para fundir ou calcinar minérios, minerais e metais ou para realizar operações químicas ou físico-químicas específicas que solicitam altas temperaturas. Sob o cadinho foi adaptado um possante bico de gás.

       Quando tudo estava pronto Lucel-Lafin propôs:Oremos: Que esta SANTA HORA, com a bendição de nossos Irmãos Maiores, dos Mestres e de NOSSO IRMÃO IMMANUEL, possa repercutir emocional e misticamente em nossos corações. ASSIM SEJA. Eu não consegui dizer uma única palavra. O Adepto compreendeu, pois, inquestionavelmente, sabia que eu havia acompanhado, validado e selado mentalmente a oração.

       Então, ele me pediu que eu escolhesse um pequeno pedaço de chumbo e o colocasse no cadinho. O bico de gás foi aceso para fundir o chumbo. Quando o metal alcançou o ponto de fusão, Lucel-Lafin, de uma pequena caixa branca e translúcida de porcelana, provavelmente japonesa, retirou um grão de um pó avermelhado e o recobriu cuidadosamente com cera branca de abelha. Isto feito, pediu-me que lançasse a bolinha por ele preparada no metal em fusão. Com toda dignidade e com todo cuidado fiz o que me foi ordenado. Em silêncio, aguardamos que a CRISOPÉIA se processasse. Imediatamente o chumbo em fusão, por ação do pó avermelhado, começou a borbulhar violentamente. Em um dado momento pensei que aquela coisa toda, que, não sei porquê, me lembrou uma traquitanda, iria explodir. Mas, não. Semelhantemente ao temporal de algumas poucas horas atrás que amainara, a violência inicial foi cedendo e a massa apenas se movia em ondas no cadinho. Acho que aquele temporal teve alguma vinculação com o que estava acontecendo agora! Finalmente tudo se acalmou.

       Mais ou menos quinze minutos depois... OURO.

       Agora, sim! Eu havia momentaneamente perdido a voz e um pouco do comedimento que estava me auto-impondo até aquele inigualável momento. Eu não sabia se estava sonhando ou se estava acordado. Lucel-Lafin sorria e seus olhos azuis-celestes estavam radiantes. Instantes depois, eu comecei a saltar de alegria dentro do LABORATÓRIO DA RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS e falava emocionadíssimo sem parar:  OURO!  OURO!  OURO!

       Alguns minutos depois de ter presenciado o mais espetacular fenômeno místico-alquímico operativo da minha vida, já recomposto física e emocionalmente, Lucel-Lafin tomou a palavra pra fazer suas considerações finais. — Rodolfo, devo reprisar alguns conceitos e, humildemente, oferecer alguns temas para que, no futuro, você possa meditar. Primeiro, em memória desta SAGRADA NOITE, quero lhe oferecer esta pequena porção de ouro alquímico que produzimos. Aconselho que você não a utilize para fins mundanos. — Certamente que não, Senhor Lucel-lafin. Respondi com a mais profunda sinceridade. — Vou guardá-la com carinho em um local seguro. Verdadeiramente, eu gostaria de ficar com esta peça de ouro alquímico. Agradeço, sensibilizado, sua bondade. E sempre que vier a olhá-la, hei de me lembrar deste 22 de Junho de 2000.

       Depois de arrumarmos rapidamente o LABORATÓRIO DA RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS, Lucel-Lafin convidou-me para fazer um rápido lanche. Tomamos chá de maçã com torradas. Meu amigo ofereceu-me frutas, mas polidamente recusei. Estava ansioso para ouvir seus comentários derradeiros. Este último ato aconteceu novamente na biblioteca. O relógio de pêndulo da biblioteca, que antes eu não havia notado, marcava vinte e uma horas e cinqüenta minutos. Eu não o percebera, talvez, porque o aparelho apenas marcasse o tempo e indicasse as horas. Aquele relógio ou era mudo ou havia sido silenciado intencionalmente. Optei por esta segunda hipótese. Eu não conhecia nenhum relógio de pêndulo que não anunciasse os quartos de hora, as meias horas e as horas. No mínimo tocava as horas inteiras.

       Lucel-Lafin apanhou um livro em uma das estantes e começou sua última locução. — Tenho nas mãos uma obra insólita publicada em 1887 por Franz Hartmann. Seu título é: 'An Adventure Among the Rosicrucians'. Vou ler alguns trechos e tecer alguns comentários. Recomendo a você que adquira um exemplar. A Ordem Rosacruz–AMORC lançou-a há nove anos em português sob o título de 'Uma Aventura Entre os Rosacruzes'. Logo na segunda página, Hartmann cita alguns versos de Lord Byron que os lerei para você. 'Aquele que ascende ao alto da montanha,/encontra os mais elevados picos envoltos em neve;/Aquele que sobrepuja ou submete a humanidade,/deve contemplar o ódio dos que estão lá embaixo. Embora no alto o Sol da glória brilhe,/e muito abaixo terra e oceano se espraiem,/à sua volta há rochas gélidas e poderosamente ressoam tempestades/por sobre sua cabeça descoberta,/recompensando assim as lutas que a essas alturas conduziram. Já nos limites do Mosteiro Teosófico dos Irmãos da Rosa-Cruz Dourada, o Imperator dessa Fraternidade ensina ao visitante: ... se imaginas que tens uma ‘vontade própria’, com um modo de ação diferente do da Vontade Universal, apenas pervertes uma parte insignificante da mesma e a opões ao grande Poder Original... Tua vontade só poderá agir poderosamente se permanecer idêntica à Vontade do Espírito Universal. Tua Vontade será mais forte se não tiveres vontade própria e permaneceres obediente em tudo à Lei. O Verdadeiro Adepto, Rodolfo, dirige com responsabilidade e concertamento o poder da Vontade Universal nele manifesto, e nunca o aplica contra as Leis de D’US e da Natureza. Como bem se expressou o Imperator dessa Ordem A Vida é Universal e está em toda a parte; Ela é uma só com a Vontade. Eu resumo e sentencio: ELA É UMA SÓ PORQUE É SÓ UMA. NÃO HÁ DUAS VONTADES. HÁ UM ÚNICO D’US E UM SÓ UNIVERSO.

       Neste momento, Lucel-Lafin fechou suavemente os olhos, e, como se estivesse lendo o livro com os olhos semicerrados, ensinou-me: — No transcurso do milênio que está a chegar, será consideravelmente aumentado o contingente de seres que acabarão por se tornar seus próprios mestres. Dentre os poderes que se manifestarão, decorrentes dessa mais elevada condição místico-espiritual, inserem-se, entre outros, a projeção psíquica, a clarividência e a clariaudiência. O ente passará a raciocinar mais por si e aceitará cada vez menos (ou até não aceitará) que outros pensem ou decidam por ele. Progressivamente, tornar-se-á menos incompleto, ainda que, jamais, possa vir a ser inteiramente completo. Isto, porque sua intelectualidade concordará em se abastecer das idéias arquetípicas, portanto universais. Seu Eu Superior transmutará em ato os requisitos necessários para a aquisição progressiva da SABEDORIA UNIVERSAL PERPÉTUA. Aprenderá ipso facto a não temer as eventuais resistências e as influências antagônicas, bem assim, compreenderá que o PRINCÍPIO UNO UNIVERSAL, nele existente desde sempre, não é alterado ou perturbado pela oposição, irritado pela contradição e confundido por sofismas. Este PRINCÍPIO UNO UNIVERSAL é incriado, independente, imaculado, imutável, onipotente, livre, mas, paradoxalmente, inacessível em Sua integralidade. Contudo, nada disso será alcançado pela força, seja ela de origem científica, seja ela de origem teológica; mas tão-só pela FORÇA INTERIOR OU BELEZA INEXAURÍVEL E PELO PODER DA VONTADE que dissipam as sombras e as ilusões.

       Meu adorado Frater teceu mais algumas considerações sobre esta obra magnífica, e arrematou: — Em ‘A República’, do Divino Platão, no Livro X, pode-se extrair e parafrasear, como conclusão do nosso labor de hoje, o seguinte pensamento: Trair a Verdade é o pior dos atos. Buscar a Verdade deve se constituir na única e verdadeira meta do ser. Este é o verdadeiro e exclusivo sentido da INICIAÇÃO. Pela VERDADE, com a VERDADE e na VERDADE os mistérios são desocultados e a LLUZ se faz.

       Então, com os trabalhos encerrados, não pude deixar fazer uma última pergunta. Sobre aquela curiosidade humana que estava me atormentando há algum tempo atrás. — Senhor Lucel-Lafin, da primeira vez em que estivemos nesta biblioteca, pensei ter visto um estranho homúnculo barbudo, cabeludo e narigudo a nos observar pela janela. Quando casualmente olhei para ele, desapareceu como que por encanto. Foi uma segunda visão que tive nesta SAGRADA RESIDÊNCIA ou ele realmente existe? Lucel-Lafin sorriu e falou gentilmente: — Ele existe e é de carne e osso como você. Não é um gnomo ou um duende como você, equivocadamente, talvez tenha deduzido ao vê-lo rapidamente. Eu o encontrei vagando a esmo em uma praça de Copacabana, e depois de conversar com ele por meia hora, convidei-o para vir morar na residência. Ele insiste em só ser chamado por ThiLTaBoL. Não é, obviamente, seu verdadeiro nome. Ele tem um nome de batismo que seus pais lhe deram ao nascer. Contudo, se você utilizar o método cabalístico denominado ALBaM e transliterar para o alfabeto latino as letras hebraicas encontradas, compreenderá porque ele escolheu para si essa denominação esdrúxula e picaresca. As vogais que introduziu neste apodo têm um significado especial. Junte tudo e você compreenderá a luta interior que esse nosso irmãozinho empreende para compensar amorosamente erros inconscientes cometidos em um passado distante. Quanto à sua primeira visão, só posso lhe dizer que foi real. Eventualmente, nosso IRMÃO MAIOR projeta-se para nossa SALA DE TRABALHO. Principalmente, quando, em caráter excepcional, recebemos um visitante.

       Pela segunda vez naquela noite, a figura solitária e doentia da minha sogra apareceu em meus pensamentos. Semelhantemente a ThiLTaBoL, desde jovem trocou seu nome. Não admite e não suporta ser chamada pelo nome com o qual foi batizada! Ai daquele que tentar chamá-la pelo nome recebido pelos pais! Há miséria, doença e ignorância em todos nós. Misericórdia D’US meu, repeti a súplica que fiz no lavabo, pelos que sofrem sem saber o motivo dos seus sofrimentos. Misericórdia. Compaixão. Piedade. Compreensão. Um pouquinho de Luz! Particularmente, agora, para aquela mãe e para aquela filha. Uma, por ser incuravelmente doente: outra, por sofrer com e pela mãe sem quase nada poder fazer! Eu, como místico, ajudo de duas maneiras: em silêncio e objetivamente, quando necessário.

       Retomando a palavra, meu ilustre anfitrião ofereceu: — Se você me honrar em aceitar, desejo lhe ofertar uma gota do nosso ELIXIR. Ele o auxiliará em sua caminhada solitária e em suas pesquisas místicas.

       Pronta e penhoradamente aceitei. Lucel-Lafin, então, pingou UMA ÚNICA GOTA do líquido sob minha língua. Agradeci com humildade e beijei respeitosamente a mão que me servira. Os efeitos desta MEDICINA UNIVERSAL operaram instantaneamente e continuam operando até hoje em todo o meu ser.

       Era chegada a hora de partir. Eram vinte e duas horas e trinta minutos. Minha despedida do Adepto foi, ao mesmo tempo, dolorosa, e emocionante. Um abraço longo e comovente nos separou. Provavelmente para sempre. Suas últimas palavras ainda ressoam em meu coração: PAZ PROFUNDA, MEU FRATER. PESQUISE OS MISTÉRIOS DO NOME IMMANUEL.

       Pierre nos aguardava com o motor do carro em funcionamento e a porta direita traseira aberta. Não soube, não sei hoje e acho que nunca irei saber como ele pôde estar preparado para partirmos exatamente naquele momento. O que eu sei é que Lucel-Lafin não o avisara que minha visita havia sido concluída. Pierre solicitou que eu me acomodasse a gosto e partimos lentamente. No bolso direito da minha calça, dentro de um pequeno saquinho de veludo vermelho, estava o OURO FILOSOFAL que produzimos. Apalpei-o para ter certeza de que ainda continuava ali. Claro, continuava.

       Não resisti em dar uma derradeira olhadela na RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS e vi, pelo vidro traseiro do automóvel, Lucel-Lafin e ThiLTaBoL, ambos no terceiro degrau da escadaria, acenando calorosamente para mim. Então chorei. Saudade! Alegria! Tristeza! Sabedoria transmitida! Amor incondicional! Chorei pela Humanidade ainda perdida neste Planeta repleto de bem-aventuranças que ela insiste em transformar em vale da morte e de ilusões. Orei em silêncio por todos os seres do Universo. Agradeci. Agradeci muito.

        Ao chegar ao portão que isola a RESIDÊNCIA do mundo exterior, Pierre, educadamente, dirigiu-se a mim e me pediu que colocasse a venda novamente. E arrematou: — Queira me desculpar. Mas o senhor sabe que esta providência é necessária para nossas mútuas seguranças. Até chegarmos ao Largo da Usina não disse mais uma palavra. Isso foi, em boa medida, prudencial, elegante e conveniente. Pude rever mentalmente o que aprendera naquele interlúdio de aproximadamente nove horas. Foi como se estivesse ouvindo ainda Lucel-Lafin a me ensinar os segredos invioláveis guardados por séculos no seio das Fraternidades Iniciáticas:

       Como expliquei, a transmutação do ouro pode ser entendida da forma abaixo. Tomemos para exemplo o zinco:

30Zn—64  +  49X—133  —›  79Au—197

       A partícula 49X—133 só por desatenção poderá ser considerada como um dos isótopos do índio (In—113 e In—115). Isto seria equivalente a admitir que bastaria metalurgicamente adicionar (fundir) zinco ao índio, que existe em pequenas quantidades nas minas de zinco, que se obteria ouro. Por outro lado, o hipotético número de massa da partícula X é, em média, 19 unidades superior à média dos números de massa dos dois isótopos do índio (114), número que equivale também à diferença entre o número atômico desta hipotética partícula e o número atômico de zinco (49 – 30 = 19). Após estas explicações, parece ficar evidente que a aquisição material, que o zinco recebe para se transmutar em ouro, envolve energias de uma natureza tão refinada e hermética que alteram ao mesmo tempo sua estrutura nuclear e sua periferia eletrônica. E mais. A adição de 133 unidades de massa ao núcleo de zinco e de 49 elétrons à sua periferia denotaria, se fosse o caso, uma modalidade de fusão nuclear absolutamente fantástica, se comparada aos conhecimentos atuais da Física Nucelar. Já o processo de transmutação do chumbo (82Pb—208 —› 79Au—197 + 3Y—11) é fissionalmente mais fácil de ser compreendido, ainda que ambos os processos – que se constituem em um – apenas sejam do conhecimento dos Altos Iniciados e Hierofantes das Sociedades Iniciáticas.

       Finalmente, é preciso observar que a coisa, sob os moldes da físico-química hodierna, fica mais complicada de ser entendida se se levar em conta os diversos isótopos, quer do zinco, quer do chumbo, quais sejam:

a) zinco: 30Zn—64,  30Zn—66,  30Zn—67,  30Zn—68  e  30Zn—70

b) chumbo: 82Pb—204,  82Pb—206,  82Pb—207  e  82Pb—208
     
       E assim, ainda que se considere que cada elemento seja ele próprio o mesmo(?!), para cada isótopo que o compõe, uma reação alquímica específica deverá, obrigatoriamente, acontecer, para que o processo chegue a bom termo, pois aqui não se trata nem de fusão nem de fissão nucleares.

       Não se esqueça, Rodolfo, de que estamos falando de Alquimia. No Universo não pode haver encarnação sem que ocorra precedentemente a desencarnação. Esta é a LEI DA NECESSIDADE que opera conjuntamente com a LEI DA RETRIBUIÇÃO ou LEI DA RECIPROCIDADE. Freqüentemente, o ilusório (‘mâyâvico’) poder sobre o relativo e o fugaz impõe solertemente aos entes que não ouçam e não respeitem seu Eu Interno e que se afastem do Absoluto. As LEIS referidas objetivam, lentamente, ensinar a todos os seres que nenhum prazer terrenal poderá satisfazê-los completamente, ainda que uma outra LEI, paradoxalmente, mas, invulneravelmente, jamais possa deixar de se manifestar também. Refiro-me à LEI DA ILUSÃO PERMANENTE. Por isso, Rodolfo, compreender é necessário, pois renunciar é imperativo. E só se renuncia quando se compreende! Pois, a renúncia pela renúncia é a pior das patologias! A renúncia pela renúncia, resultado oriundo da ignorância e do medo, no mínimo, pode levar ao infra-sexo, profundamente detrimental para o ente. Remonte, por um momento, à Parábola do Filho Pródigo! A alegria do Pai, quando o filho retorna à casa paterna, simboliza tudo que conversamos e praticamos neste abençoado 22 de junho. Da mesma forma que o chumbo se regenerou, toda a natureza naturada está em irredutível processo de regeneração e de reintegração. Isso inclui, portanto, os próprios seres. Todos. Assintoticamente, não esqueça. O próprio ouro não representa a conclusão e o fim definitivo da PEREGRINAÇÃO. É tão-somente um limite a ser ultrapassado em uma JORNADA ILIMITADA! Mas, todas as ilusões exteriores, a magia cerimonial, os ‘passes’, os ritualismos teúrgicos e a própria Alquimia Operativa são meras provas faustianas. Guarde, permanentemente, em sua memória, a confissão de Saint-Martin a Liebisdorf: ‘Não há mais Iniciação senão a de D’US e de seu VERBO ETERNO, que está em nós...’ Definitivamente compreenda: A Alquimia Operativa é um caminho para o VERDADEIRO CAMINHO que pode prescindir desse caminho.

       Retornando à Alquimia Operativa, objeto prático-teórico de nossas atenções ‘laterais’ neste dia, a dificuldade parece chegar ao limite, mas não para os Adeptos da Arte, quando da transmutação do mercúrio, que apresenta isótopos com números de massa abaixo e acima do número de massa do ouro (79Au—197). Ou seja: 80Hg—196, 80Hg—198, 80Hg—199, 80Hg—200, 80Hg—201, 80Hg—202 e 80Hg—204.

       Curiosamente – e se deve meditar sobre isso – o mercúrio não apresenta isótopos com números de massa iguais a 197. Aliás, não há em a natureza nenhum elemento que possua um isótopo com número de massa igual a 197. Enfim, conclusivamente, pode-se admitir que os procedimentos alquímicos operativos manipulam quantidades específicas de energia, e o(s) processo(s) envolve(m) sempre técnica(s) intranuclear(es) e extranuclear(es) desconhecida(s) da ciência contemporânea.


       Fui acordado de minhas elucubrações no Largo da Usina, quando Pierre anunciou simpaticamente que eu já podia retirar a venda negra. Quinze minutos depois, ele estava estacionando na porta do prédio em que moro. Convidei-o a subir, mas ele recusou polidamente. Despediu-se desejando-me sucesso, saúde e paz. Seria ele também um dos VINTE E DOIS? Isso, provavelmente, eu jamais viria a saber.

 

LIVRO IV – UMA MADUGRADA DIFERENTE DE TODAS OS OUTRAS


       Era quase uma hora da manhã, e todos os acontecimentos vividos por mim naquele dia não me saíam da cabeça. Como poderiam? Fiz uma revisão geral desde a hora em que acordei até aquele momento. Tudo era fantástico. Fantástico demais para o meu gosto e para a minha ignorância. Fantástico demais para a normalidade da vida que estou acostumado a viver. Mas, verossímil em função de determinadas experiências pessoais de natureza místico-iniciática pelas quais tive a honra e o privilégio de passar.

       Sobre a mesa à minha frente o pequeno pedaço informe de OURO alquímico parecia querer me dizer: É VERDADE! Bem, como tenho certeza absoluta de que estou no pleno gozo de minhas faculdades mentais e orgânicas, e como aquele pedaço de OURO ali estava sem que eu o tivesse adquirido de outra forma a não ser pela qual a descrevi nestas mal traçadas linhas, concluí que não estava delirando, sonhando(?) ou enlouquecendo. Minha formação científica me obriga a cuidados adicionais no julgamento de fatos que envolvam a ciência. Mas a Alquimia é uma forma especial de Ciência que não encontra paralelo nas ciências tradicionais. Feitos todos os cotejamentos e confrontamentos, só pude concluir que eu estivera realmente na RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS. Mas, um fato estarrecedor me deixou absolutamente perplexo: de repente, percebi que a maioria dos livros a que Lucel-Lafin havia feito referência em nosso insólito encontro estava sobre a mesa ao lado do pequeno pedaço de OURO ALQUÍMICO. Havia uma pilha de DEZESSETE livros olhando para mim! Não sei como, consegui consultar todos eles! Eu já estava começando a tirar de letra todos aqueles fatos inabituais. Mas como aqueles livros foram parar ali? Quem os havia colocado?

       De repente, aquela VOZ SILENCIOSA que fala comigo quando quer e me auxilia quando manifesto ignorância, entrou no circuito. Eu lhe disse na Igreja: Vá. Não receie. Estarei ao seu lado. Confie. É chegado o tempo da confirmação. Você teve o privilégio de sancionar o que vem estudando teoricamente há anos. Siga as recomendações. Só publique os fatos hoje vividos por você, no mínimo, daqui a três anos. Não antes. Agora, reflita sobre o nome do Adepto que o acolheu na RESIDÊNCIA. Não se esqueça, conforme sugeriu seu Iniciador-Encaminhador de pesquisar também os segredos do NOME IMMANUEL.

       Imediatamente pus-me a trabalhar. Louis-Claude Lucel-Lafin. Seu nome possui 21 letras. A Lâmina XXI do Tarô é a do LOUCO, que representa uma passagem na evolução. A letra hebraica correspondente é XhIN, cujo valor pleno é 360 (300 + 10 + 50). A adição dos algarismos do número 360 é igual a 9, que representa três voltas completas em torno do TRIÂNGULO. Três repetições de sete operações (vinte e uma operações) são necessárias para completar a OBRA ALQUÍMICA. E mais: 21 = 2 + 1 = 3. No TRIÂNGULO ARQUEOMÉTRICO DO VERBUM, a LETRA PLANETÁRIA DE JESUS é exatamente a letra XhIN, mas aqui deve-se pensar e trabalhar com o seu valor externo ou aritmológico, que é 300, pois 300 = 3. TRINDADE. Mercúrio. Enxofre. Sal. Esta letra ShIN está associada às LETRAS ZODIACAIS I (Y) = 10, Ph = 80 e V (O) = 6. E, logo me veio à mente a palavra ShOPhIa (300 + 6 + 80 + 10 = 396). 396, segundo Saint-Yves D’Alveydre, é o NÚMERO DA SABEDORIA DIVINA. Assim tem-se: SheMAH-IM (300 + 40 + 1 + 5 + 10 + 40 = 396). Logo pode-se estabelecer a seguinte equivalência:

 

ShOPhIa = SheMAH-IM = 396


       Por isso, a Filosofia só pode operar nos limites da dianoia (entendimento ou razão discursiva) e/ou da noesis (inteligência ou razão intuitiva), que são, segundo Platão, os dois setores nos quais se subdivide o mundo inteligível ou noeta. O Iniciado se esforça para trabalhar na esfera da ShOPhIa, ou seja, em planos ou estados transracionais. Seu interesse é, nesse sentido, a FiloShOPhIa.

       Voltando à Lâmina XXI do Tarô, esta possui, ainda, um nome esotérico: AMOR. Nas ‘Meditações Sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô’, livro que estava incluso na pilha que havia aparecido misteriosamente em minha casa, verifiquei que o Autor Anônimo oferece diversas reflexões sobre esta Lâmina. Apresentarei resumidamente aquelas que considero mais importantes. É o LOUCO do BEM, pois caminha da esquerda para a direita. Aqui faço uma breve pausa para concordar inteiramente com o Autor da obra aludida. Os Arcanos do Tarô são mais do que símbolos e até mais do que exercícios espirituais: ... são arquétipos ativos e iniciadores. O AMOR, assim, tem sua contraparte atual no esquema cósmico, ou seja, embute ocultamente três aspectos distintos que compõem um todo. Metafísico. Filosófico. Místico. Este Arcano adverte para o perigo da pura intelectualidade que impede a ascensão e o acesso à ShOPhYa pela vereda do AMOR. O Arcano O DOIDO (ou O LOUCO) está – conforme ensina o Autor Desconhecido – vinculado à transformação da consciência individual em CONSCIÊNCIA CÓSMICA. Ele ensina sobre a possibilidade de poder ser alcançado o Plano da Consciência Transcendente ao mesmo tempo em que adverte para o perigo nela encerrado. Esse perigo, contido na elevação da consciência, contém a indiferença, a insuficiência, a irresponsabilidade e o ridículo. Em uma palavra, a loucura. A LUZ ABSOLUTA pode cegar o intelecto e mergulhar o místico nas trevas. O EXERCÍCIO DA VONTADE de pensar não pode ser abandonado, nem pode ser desdenhada a produção de pensamentos conscientes em prol do próprio místico e da sociedade. O retiro permanente em busca da LUZ – que já existe no próprio retirante – e/ou o atordoamento contemplativo para dentro de si mesmo são contrários à estabilidade psíquica e ao propósito real do processo iniciático. A meta verdadeira do Iiniciado Consciente é suplantar a consciência intelectual, mas jamais prescindir dela. Ultrapassar o intelecto é, pois, torná-lo superativo, enquanto passar sem o intelecto é reduzi-lo à passividade completa. Este é, assim, o Arcano do matrimônio dos opostos (conjunctio oppositorum), vale dizer, da união da intelectualidade discursiva e da razão intuitiva com a espiritualidade místico-iniciática-iluminadora. Isto se compreende por ALQUIMIA DIVINA. Na Primeira Epístola aos Coríntios Paulo deixou escrito: Se alguém dentre vós julga ser sábio aos olhos deste mundo, torne-se LOUCO para ser sábio... As núpcias do Sol com a Lua simbolizam estes conceitos, cujo resultado é a PEDRA FILOSOFAL. Neste processo, indução e dedução devem obrigatoriamente coincidir, isto é, o esforço da consciência humana e a REVELAÇÃO DO ALTO devem se tornar harmônicos e unificados. A GRANDE OBRA da PEDRA é, insubstituível e irrefragavelmente, proporcionar a união da espiritualidade com a intelectualidade. O LOUCO é assim, o Arcano da formação da PEDRA FILOSOFAL na qual está concentrada a dupla certeza: a da revelação do Alto (que está dentro de cada um de nós) e a do conhecimento humano. Por esse motivo O LOUCO caminha da esquerda para a direita e não afasta o cão que o ataca. Só depois destas reflexões foi que pude entender as pequenas, mas verdadeiras e significativas, modificações que Lucel-Lafin introduziu na Tábua de Hermes, ao reproduzi-la, parcialmente, de memória para mim. É verdade, sem mentira, certo e inteiramente verdadeiro: Aquilo que está embaixo É e NÃO É semelhante ao que está em cima, e o que está em cima É e NÃO É como o que está embaixo. Cabe ao Alquimista transmutar o NÃO em SIM. Essa é a OBRA.

       Depois de muito pesquisar e de consultar os livros que vieram do nada, resolvi, então, examinar mais detidamente o nome do meu Iniciador. Senti um arrepio percorrer todo o meu corpo quando percebi que, anagramaticamente, Lucel-Lafin é equivalente a FULCANELLI. Isto teve o efeito de uma bomba arrasa-quarteirão sobre minha cabeça. Farei umas breves considerações sobre esse nome e deixo ao leitor interessado nessa matéria um aprofundamento pessoal mais enriquecedor. FULCANELLI possui dez letras, portanto está associado à Décima Lâmina do Tarô - A RODA DA FORTUNA - e à décima letra do alfabeto hebraico – IOD. Ao se trabalhar com estas categorias do esoterismo místico-cabalístico, deve-se ter o cuidado de operar conjuntamente, ou seja: Alfabeto e Tarô. Por outro lado, se é feita a transliteração das letras do nome do Adepto para o alfabeto hebraico, obtém-se 262, porque F = 80, U = 6, L = 30, C = 20, A = 1, N = 50, E = 5, L = 30, L = 30 e I = 10.

       Minimamente, devo comentar que: 1°) 262 = 10 = 1; 2°) 262 é equivalente a BVB, significando que a UNIDADE se manifesta pela DUALIDADE. VAV é o gancho. BETh, que preside a primeira palavra do Gênese, possui valor pleno 412 (2 + 10 + 400), que, por adição, gera o SETE. E sete foram(?!) os dias... E sete são os passos da OBRA... que devem ser repetidos... VAV é o mesmo(!) gancho que une as duas letras HE do SANTO NOME IEVE. 3°) FULCANELLI começa com F e termina com I ( 80 + 10), equivalente aos três L embutidos em seu nome (30 + 30 + 30), ou seja, 90 (TzaDE) – O BRAÇO DIVINO. 4°) Por último, os valores plenos das letras de FULCANELLI = LUCEL-LAFIN = 681. A adição de seus algarismos é igual a 15, valor secreto de 5 (1 + 2 + 3 + 4 + 5): PENTEGRAMA DE FAUSTO e letra hebraica HE. A redução deste número gera o número 6, valor secreto da TRINDADE, porque 1 + 2 + 3 = 6. A TRINDADE me perseguiu desde o momento em que conheci Lucel-Lafin!

       Eu já estava ficando cansado e com sono, mas ainda havia algo a fazer. Refletir sobre o NOME IMMANUEL. Sintetizo da seguinte forma o que pude pesquisar e intuir:

 

Rosa de Sharon


1°) IMMANUEL = IMMA + NUEL

2º) IMMA = 10 + 40 + 40 + 1 = 91

3º) NUEL = 50 + 6 + 5 + 30 = 91

4º) IMMA = NUEL = 91

5°) 91 = 9 + 1 = 10 = 1 = UNIDADE ... Tudo é UM! Pitágoras. TETRACTYS. 1 = 10 = 4.  ALeF,  IOD,  DaLeTh...

6°) IMMANUEL = 10 + 40 + 40 + 1 + 50 + 6 + 5 + 30

7°) IMMANUEL = 182 = 1 + 8 + 2 = 11 ... 11 = 2. A PAPISA. A 'ShOPhIa' edificou sua casa, esculpindo SETE COLUNAS. (Provérbios IX, 1).

8°) 11 = FORÇA  —›  ESTA É A FORTALEZA FORTE DE TODA FORTALEZA PRESENTE NAS OITO LETRAS DO NOME IMMANUEL (em Aramaico a grafia do NOME IMMANUEL é com J, que é equivalente ao IOD hebraico) PORQUE ELE É A ROSA DE SHARON, O LÍRIO DOS VALES...

9°) As duas letras MeM, numericamente, equivalem a 80 (40 + 40), que, por sua vez, equivale ao valor externo da letra PhE e ao valor AThBaSh da letra VAV. No sistema ALBaM existe a mesma equivalência... No NOME IMMANUEL...

10°) As quatro vogais (vogais por transliteração para o alfabeto latino) do NOME são: IAUE.  Mas, um dos valores ocultos de A é HE e U = O = V. Portanto, em IMMANUEL está embutido ocultamente IEVE.

11°) As três primeiras vogais do NOME são: IAU = IAO

12°) Por meio de determinadas operações cabalísticas que envolvem os valores externo, pleno e AThBaSh das letras I e M, chega-se à igualdade ou equivalência: IM = RA. Assim, IMMA = RAMA = AMRA

13°) RAMA = AMRA = 8 = HeTh. Esta letra hebraica é o símbolo de barreira. E assim, pecar é errar a meta. Por outro lado, a oitava Lâmina do Tarô é A JUSTIÇA! Peca, outrossim, aquele que substitui a realização interior de D’US pela abstração intelectual de D’US.

14°) Em outra dimensão MeM = TeTh = ThaV

15°) O VERBUM DIMISSUM ET INENERRABILE...

16º) Eu sou a ROSA DE SHARON o Lírio dos Vales... (Cânticos, II, 1).

17º) A alma farta pisa o favo de mel; mas à alma faminta tem doce sabor o alimento mais amargo. (Provérbios, XXVII, 6).

18º) O escarnecedor busca a Sabedoria e não a encontra; mas é fácil o conhecimento para o prudente. (Provérbios, XIV, 7).

19º) A PRIMA MATERIA deriva do FIAT — o VERBUM da Criação.

 

Concepção Harmônica da luz da Natureza

Concepção Harmônica da luz da Natureza

 

Mons Philosophorum

Mons Philosophorum


       O sono e o cansaço acabaram por me derrubar. Não consegui continuar a trabalhar. Eram 5 horas da manhã. Alta madrugada. Antes, porém, orei pela HUMANIDADE. Enviei um pensamento de amor a Louis-Claude Lucel-Lafin e a Pierre Lucel-Lafin. E, também, a ThiLTaBoL Decidi que, no dia seguinte, decifraria o segredo do seu nome. Não me esqueci do Adepto que se projetou para nos visitar no Salão de Trabalho da RESIDÊNCIA DOS ADEPTOS, e, muito menos, do meu AMADO MESTRE INTERIOR.  Fui  dormir  com  meus  últimos  pensamentos  voltados para
D’US, projetando meu ser interior no seio da .'. G .'. L .'. B .'.



LIVRO V – O DIA SEGUINTE


       Acordei às seis horas da manhã. Achei muito estranho acordar àquela hora, porque eu tinha ido dormir às cinco da manhã. Uma hora de sono para mim é só um aperitivo. Preciso dormir, pelo menos, oito horas por dia. Meu organismo me obriga, ainda, nesta encarnação, a esse descanso prolongado. Apenas uma hora de sono e eu estava descansado como se tivesse dormido oito horas seguidas! Estranhei aquela alteração biofisiológica!

       Não resisti. Antes mesmo de atender às minhas necessidades orgânicas fui dar uma espiadela no pedacinho de OURO ALQUÍMICO. Surpresa das surpresas! Ele NÃO estava em cima da mesa conforme eu o havia deixado! A pilha de dezessete livros também havia desaparecido! OURO e livros haviam sumido do mapa! Teriam evaporado alquimicamente? Quase me estabaquei no chão. Entretanto, em pouco tempo, acabei compreendendo intuitivamente o que havia se passado. Lembrei-me de que eu fora dormir mais ou menos às dez horas da noite do dia anterior. Tinha resolvido descansar um pouco, mas acabei emendando até o dia seguinte. Por isso a sensação incomum (que era real) de ter dormido tempo suficiente e a (correta) percepção de descanso físico e mental satisfatórios. Na verdade, eu estivera no escritório do meu advogado naquele dia de manhã e almoçara em casa. Não sei explicar porque o Boêmio apareceu no 'Sonho'. Há muitos anos que eu lá não ia! Houve, devo admitir, uma superposição de tempos e de eventos aparentemente não relacionados. A Igreja de Santa Luzia foi o gancho para que história se desenrolasse. A compreensão do que se passou me aliviou. O entendimento de toda a Coisa impeliu-me a imitar e a pronunciar a frase do centurião. Contrito murmurei: Domine, non sum dignus ut intres sub tectum meum, sed tantum dic VERBUM (INENARRABILE) et sanabitur anima mea.

       Eu havia passado por uma LONGA E INTEGRAL INICIAÇÃO PSÍQUICA sob a supervisão e o acompanhamento do meu MESTRE INTERIOR! A VERDADE está dentro, no CORAÇÃO, por assim dizer. E só pode ser conquistada por etapas. Sucessivas. Por isso, Lucel-Lafin, meu INICIADOR PSÍQUICO, não me propôs ensinar as manipulações da GRANDE OBRA. Ele estava convicto de que eu não poderia compreender integralmente todas as operações. E mesmo que as compreendesse, não saberia como executar a OBRA com a perfeição que o MAGISTÉRIO FILOSOFAL exige e impõe. Eu não estava pronto. Ainda. Meu intelecto, resultante do processo sucessivo de organização do meu corpo físico através das encarnações passadas, não havia alcançado o necessário grau de perfeição para poder compreender o que meu eu interno pudesse perceber. Devo encontrar em meu SANTUÁRIO INTERIOR as respostas, e meritocraticamente receber, quando os tempos estiverem ajustados, as progressivas e necessárias INICIAÇÕES para guiarem consistentemente minha existência e minha reintegração rumo aos PLANOS DA BELEZA INEFÁVEL, que me conduzirão, assintoticamente, não tenho dúvida, em direção ao CENTRO DA IDÉIA. Tenho certeza absoluta de que, também, um dia, apontarei minha Excalibur em direção ao céu, e gritarei tão alto quanto gritou o Rei Arthur após ter recebido a Iluminação: TERRA E REI SÃO UMA COISA SÓ!

       Lucel-Lafin havia me ensinado, em meu Sonho Iniciático, também, a jamais, sob nenhuma alegação, me deixar seduzir pela magia arbitrária e depauperante. Exclusivamente a GNOSE MÍSTICA DIVINA poderá iluminar as consciências. As erudições políticas, científicas e teológicas pafiosas, a magia subterrânea e paralisante, o gnosticismo teúrgico ultrapassado e descaracterizado, e os mistérios subalternos infelicitadores SERÃO, exclusivamente, pela FÉ TRANSRACIONAL (ou seja, pela inabalável convicção advinda da dialética trabalhada nos níveis de razão associada ao poder intuitivo e à experiência místico-extático-iniciática pessoal e intransferível), TRANSMUTADOS ALQUIMICAMENTE em SABEDORIA (ShOPhYa = 396) ou LOGOS IMANENTE, em INICIAÇÃO CÓSMICA, em GNOSE SEMPITERNA E INTERATIVA, e em MISTICISMO AUTÊNTICO E PRIMORDIAL. E tudo aquilo que for aprendido deve ser compartilhado, na justa medida da capacidade e das possibilidades daqueles que estiverem aptos a receber. Esta é a LEI DA CIDADANIA UNIVERSAL e parte integrante da verdadeira FRATERNIDADE CÓSMICA.

       A PEDRA FILOSOFAL está e continuará a estar, SIM, NO MEU CORAÇÃO. Ela ali foi incrustada e permanecerá até o último dos meus dias transmutando os leprosos fedorentos que, indecorosamente, ainda teimo em acalentar em minha personalidade. Peço perdão a...

 


Confiteor Deo omnipotenti
et vobis, fratres,
quia peccavi nimis
cogitatione, verbo et opere:
mea ignorantia,
mea ignorantia,
mea ignorantia.
Orare pro me
ad DOMINUM D’ UM nostrum.
 



       A PEDRA está e continuará a estar incrustada, SIM, NO MEU CORAÇÃO, para que eu não me esqueça jamais do COMPROMISSO assumido e dos ENSINAMENTOS recebidos no plano do meu subconsciente pessoal com meu MESTRE INICIADOR, que se resumem em SETE SIMPLES CONCEITOS OU CATEGORIAS:

 

HUMILDADE = DÓ = TERÇA-FEIRA

SOLIDARIEDADE = RÉ = DOMINGO

CIDADANIA UNIVERSAL = MI = SEXTA-FEIRA

MISERICÓRDIA = FÁ = SÁBADO

VONTADE = SOL = QUARTA-FEIRA

AMOR INCONDICIONAL = LÁ = QUINTA-FEIRA

JUSTIÇA = SI = SEGUNDA-FEIRA



       Ao concluir estas últimas reflexões, senti um esplêndido olor a incenso meu conhecido. Sem pestanejar, FORMEI UMA LOJA e pronunciei mentalmente uma oração. Entreguei-me no seio do Cósmico e projetei mentalmente minha personalidade-alma para o SANCTUM CELESTIAL, construído e lapidado pelo Dr. Harvey Spencer Lewis e por determinados Adeptos que com ele colaboraram. O que aconteceu devo guardar INVIOLÁVEL no meu coração.

 

Mestres e Irmãos da .'. G .'. L .'. B .'.

Mestres e Irmãos da .'. R+C .'. ETERNA .'.

Mestres e Irmãos da .'. Ordem Rosacruz – AMORC .'.

Mestres e Irmãos da .'. Ordem Martinista – TOM .'.

Mestres e Irmãos da .'. O .'. S .'. B .'. 

Mestres e Irmãos da .'. O .'. S+B .'.

Mestres e Irmãos da .'. O .'. M .'.

Mestres e Irmãos do .'. 7º GF .'.

SENHORES TRANSTERRENAIS E FILHOS DO SOL:

.'. AKHNATON .'.

.'. IMMANUEL .'.

.'. KUT HU MI .'.

.'. SÂR ALDEN .'.

.'. SÂR VALIDIVAR .'.

.'. SÂR PHŒNIX .'.

.'. LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN .'.

.'. RAYMOND BERNARD .'.
 
.'. VICENTE VELADO .'.

.'. MESTRE APIS .'.

Que eu possa ser um instrumento permanente de

Concórdia, Luz e Mansidão,

Beleza, Amor Incondicional e Caridade,

Humildade, Esperança e Prudência,

Justiça, Temperança e Fortaleza,

Liberalidade, Magnanimidade e Entendimento,

Paz Profunda, Tolerância e Harmonia,

Solidariedade, Cidadania Universal e Vontade.

Que eu possa compreender e COMPREENDER.

Para que o serviço por mim desempenhado seja

Verdadeiro e Digno,

Frutífero e Consistente,

Altruísta e Elucidativo.

Mas, acima de tudo,

QUE SEJAM FEITAS AS VOSSAS VONTADES,

E não a deste humilde e ignorante neófito.

AUM... AUM... AUM... AUM... AUM... AUM... AUM...



       Resolvi, mais tarde, almoçar fora. É claro que não poderia escolher outro restaurante. De metrô, fui para o Centro da Cidade do Rio de Janeiro, e me encaminhei direto para o Boêmio, restaurante que eu não freqüentava, realmente, há muitos anos. Quando lá cheguei, à uma hora da tarde, fiquei surpreso ao saber que o restaurante, há alguns anos, havia mudado de dono três ou quatro vezes. Acabei almoçando no Delírio Tropical.

       Só ficou restando uma tarefa: descobrir o mistério e o segredo embutidos no nome do estranho homúnculo barbudo, cabeludo e narigudo que fazia questão de ser chamado por ThiLTaBoL. Ou ThiLTaBoL. Mas de uma coisa estou convicto: não existe no Universo carma negativo. A LEI DO CARMA baseia-se no AMOR ELUCIDATIVO, CARITATIVO E CRIATIVO, e a idéia de castigo ou de punição é produto de incompreensão do funcionamento desta LEI.

       Recentemente voltei ao ex-Boêmio. Chama-se, agora (2004), Kilo Express, especializado em cozinha brasileira e oriental. Serve saladas e pratos quentes à quilo. O cheiro do mata-fome é desanimador! Agora, uma chinesa parece ser a dona do local. Conversei improdutivamente com ela alguns pouquíssimos intermináveis minutos, pois não entendi bulhufas do que aquela sorridente e simpática oriental falou. Eu fazia uma pergunta e ela respondia com duas ou três palavras incompreensíveis e começava a rir. Que situação! Fiquei sem saber se ela ria de mim ou para mim. Na verdade, não fez nenhuma diferença. Informação mesmo: zero! Respeitosamente agradeci as informações que não obtive e segui meu caminho morrendo de rir por dentro. Este encontro inesperado mais pareceu a recente conversa do Porteiro Zé com o alemão. Ora bolas! O que eu poderia esperar?


MAAT HOTEP

IAO

AUM

 

* * *


IMPORTANTE

 

 

       Este conto é ficcional. Na realidade, o episódio relatado nunca ocorreu comigo. Na primeira versão, em pdf, não fiz este comentário. A idéia foi transmitir, sem avisar a priori, alegoricamente, algumas Leis e Princípios Místicos, que permitissem ao leitor ser alçado a planos de consciência nos quais a Razão e a Vontade Cósmicas possam, independentemente da razão e da vontade humanas, livremente se manifestar. Contudo, são verídicos todos os relatos de transmutações elencados na estória. O que acontece in vitro acontece in vivo. O Elixir ou Medicina Universal, portanto, simboliza mudança interior permanente, renascimento em um plano mais sutil de compreensão. A Pedra Filosofal, por sua vez, é o esforço e o trabalho ininterrupto para alcançar progressivamente realizações interiores sucessivas das Leis que regulam as diversas relações universos-Universo, seres-Mente Cósmica, seres-seres, tudo isso passível, necessariamente, de ser atualizado permanentemente, ainda que a Atualidade Cósmica seja inatualizável. Este é o simbolismo da potencialização da Pedra até a sétima potência. Nesta potencialização, o Místico-Alquimista deseja e trabalha para que, com ele, todos possam encontrar o Caminho da LLUZ e a Liberdade Interior. Há uma frase lapidar de Vicente Velado, FRC e Abade da Ordo Svmmvm Bonvm para o Terceiro Mundo, que resume estes esclarecimentos finais: 'É provável, até, que em estágio mais avançado da evolução das espécies no planeta Terra surjam andróginos e estes venham a prescindir, futuramente, de corpo físico. Sabem o que isso significaria? Praticamente a imortalidade das expressões individuais da Vida — não mais promovida pelo sonhado Elixir da Juventude mas simplesmente decretada pelo evoluir natural dos seres.'

       Todas as possíveis verdades que os entes possam conhecer serão sempre relativas — isto deve ser repetido para que seja fixado e compreendido — e suscetíveis de sofrer atualizações ou modificações e de adquirir novas interpretações. O que não muda é a VERDADE ÚNICA. Esta, nenhum ser poderá jamais ter acesso integral. Por isso a Lemúria deu lugar à Atlântida e as religiões se sucedem umas às outras. Gary L. Stewart, Imperator da Confraternidade Rosæ+Crucis — 'Ros+Crucis' — na primeira monografia de uma série que inclui os estudos Rosa-Cruzes Tradicionais desde os Graus de Neófito ao Nono Grau do Templo e também os Graus do Illuminati e da Hierarquia, referindo-se ao trabalho Rosacruz, assim se expressa: 'Este processo deve ser de transcendência e de transformação que nunca permite estagnação ou deterioração grosseira. Ele deve sempre se refinar e melhorar, e, periodicamente, desprender a aparência de sua pele exterior e a densidade de sua expressão material.' Enfim, disse Spinoza (1632-1677): Todas as coisas excelentes são tão difíceis quanto raras. Assim, o vermelho da Pedra representa o sacrifício simbolizado pela 'crucis'. Por tudo isso, peço desculpas pelos equívocos do texto — que certamente existem — pois foi escrito por um neófito em busca da LLUZ em seu interior.

 

* * *

 

DADOS SOBRE O AUTOR


Mestre em Educação, UFRJ, 1980. Doutor em Filosofia, UGF, 1988. Professor Adjunto IV (aposentado) do CEFET-RJ. Consultor em Administração Escolar. Presidente do Comitê Editorial da Revista Tecnologia & Cultura do CEFET-RJ. Professor de Metodologia da Ciência e da Pesquisa Científica e Coordenador Acadêmico do Instituto de Desenvolvimento Humano - IDHGE.


Rio de Janeiro, RJ, 22 de Janeiro de 2004.
1ª Revisão do texto: 23 de Agosto de 2004.
2ª Revisão do texto: 8 de Dezembro de 2004.

 

SITES CONSULTADOS: (acessados entre 1° de Novembro de 2003 e 23 de Agosto de 2004)

www.amorc.org.br
http://www.orosacruz.hpg.ig.com.br
www.alquimiaeespagiria.ubbi.com.br

http://www.svmmvmbonvm.org/
http://maat-order.org/
http://svmmvmbonvm.org/aumrah/
http://www.svmmvmbonvm.org/latinoportal.htm
http://www.sriyantras.com/
http://www.portaldelmilenio.com.ar/
http://www.portaldelmilenio.com.ar/metafisica/geometria/
http://www.elgrial.com/links/links.htm
http://www.alchymie.net/
http://www.geocities.com/rcportal/movimentorc.htm
http://www.geocities.com/j_saiz_g/index.html

 

PAZ PROFUNDA

PAZ PROFUNDA

 

 

FIAT   MIHI   SECVNDVM   VERBVM   TVVM