Quando
eu morrer, não quero que chorem a minha morte; deixarei meu corpo
pra vocês.
Caracterização
da literatura moderna: Primeiramente, uma invenção
da linguagem. A norma descritiva do escritor considerado de vanguarda é
uma pesquisa no sentido de dar intensidade, de estabelecer surpresa, de
qualificar em profundidade os episódios e as figuras, as relações
e as coisas. A originalidade, portanto, mas uma originalidade que não
seja feita de originalidade apenas – uma originalidade orgânica,
funcionando, muitas vezes, em consonância rítmica e fonética
mesmo, com as coisas narradas...
Os
pés descalços pareciam mergulhar em qualquer coisa inexistente,
porque lhe faltavam pedaços de dedos. Tremia de frio, mas não
chorava com seus olhos enormes. Todas as conquistas da revolução
paravam naquela mãozinha trêmula estendida para mim, para a
comunista que queria, antes de tudo, a salvação de todas as
crianças da Terra. Então a revolução se fez
para isto? Para que continuem a humilhação e a miséria
das crianças?
Na
nebulosa da infância, a sensitiva já procurava bondade e beleza.
Mas a bondade e a beleza são conceitos do homem. E a menina não
encontrava a verdade e a beleza por onde procurava. Talvez porque já
caminhasse fora dos conceitos humanos.
Escritor
de vanguarda: Só é escritor de vanguarda quem tem
idéias de vanguarda. No vasto mundo das idéias sobre o conhecimento
do homem que o século XX trouxe, uma das primeiras noções
incorporada foi a noção de velocidade... No mundo físico,
a grande contribuição a todas as artes do século XX,
inclusive à literatura, foi a idéia da velocidade, que implica
na simultaneidade das coisas... A Psicologia e a Psicanálise incidiram
sobre a literatura e lhe deram elementos novos de poesia e de expressão,
de conhecimento das ações e das reações, libertando
o homem de muitos preconceitos, causas falsas, noções errôneas,
acerca dos atos...
A
pedagogia não encontrou ainda melhor veículo para a cultura
humana. Cinema, rádio, televisão, história em quadrinhos,
didaticamente utilizadas, nunca passarão de auxiliares da cultura.
Pois todos eles produzem 'apenas' o que a letra estabelece entre o momento
da criação e a tarefa realizada do escritor e do poeta. Escritores
e poetas são, pois, os decisivos intermediários da produção
literária, em livros – não são 'substituídos'
por locutores de rádio, por atores de cinema ou de televisão.
É, portanto, ao livro que nos reportamos.
É
preciso ter livros, ler livros, procurar livros, trocar livros, emprestar
livros... A tarefa essencial de uma cidade que cultua a inteligência,
de uma cidade que aspira a uma posição, é a de manter
e cultivar o gosto pela literatura.
Você
não enxerga? Não vê os automóveis dos que não
trabalham e a nossa miséria? Elas têm uma hora para o lanche.
Madame saiu de automóvel com o gigolô. Madame corre de novo
acompanhando a freguesa que salta para um automóvel com um rapaz
de bigodinho. As filas de automóveis se misturam, engrossam, lavando
a promessa das meninas pobres, ceias de ventarolas e rolos catados. Não
olhe praquele sujeito da baratinha!
É
importante que se mantenha o hábito da leitura, de 'educar' literalmente,
estabelecendo no leitor juízos avaliadores daquilo que está
lendo ou daquilo que queira ler.
A
libertação do homem é o primeiro objetivo de toda a
literatura que se considere de vanguarda.
Soldados,
não atirem contra seus irmãos!
Malandros! É por isso que
o trabalho não rende! Sua vagabunda! Bruna desperta. A moça
abaixa a cabeça revoltada. É preciso calar a boca... Acabam
de me despedir da fábrica, sem uma explicação, sem
um motivo. Porque me recusei a ir ao quarto do chefe.
Eu tinha consciência, sim,
de que estava me prostituindo, e parecia-me que não era obrigada
a isso. Uma palavra só e tudo terminaria ali. Mas eu me deixava levar
sem coragem para reagir. Qualquer coisa me imobilizava e sentia que me deixava
arrastar pela impotência. Gritava mentalmente contra minha inutilidade
e minha falta de resistência. Ridicularizei intimamente o que queria
fazer passar por fatalidade. Eu me deixava arrastar estupidamente e continuei.
Trabalho
como atividade escravista... Inexistência, na época, de direitos
trabalhistas e segurança no emprego... Liberdade do capitalista em
manipular como quiser seus empregados:
— Que é isso? – exclama a costureira empurrando-a com
o corpo para o interior da oficina.
—
Você pensa que vou desgostar 'mademoiselle' por causa de umas preguiçosas!
Hoje haverá serão até uma hora.
—
Eu
não posso, madame, ficar de noite! Mamãe está doente.
Eu preciso dar o remédio para ela!
—
Você fica! Sua mãe não morre por esperar umas horas.
—
Mas eu preciso!
—
Absolutamente. Se você for é de uma vez.
Uma delas vai linguarar [sic]
para madame. A costureira chama a mulata. Todas se alvoroçam. É
uma festa pras meninas. Ninguém sente a desgraça da colega.
A costura até se atrasa.
—
Abortar? Matar o meu filhinho?
A cabeça em reboliço. As narinas se acendem.
—
Sua safadona! Então, vá se raspando. No meu 'atelier' há
meninas. Não posso misturá-las com vagabundas.
— Nós não temos
tempo de conhecer os nossos filhos!
— Nós não podemos conhecer os nossos filhos! Saímos
de casa às seis horas da manhã. Eles estão dormindo.
Chegamos às dez horas. Eles estão dormindo. Não temos
férias! Não temos descanso dominical!
As espadas dos cavalarianos gargalham
nas costas e nas cabeças dos trabalhadores irados. Eles só
têm os braços algemados para se defender. Os grevistas se amassam
nas patas dos cavalos. Recuam. Tiros, chanfalhos, gases venenosos, patas
de cavalo. A multidão torna-se consciente, no atropelo e no sangue.
Tenha
até pesadelos, se necessário for. Mas sonhe.
Se
eu ainda tivesse unhas, enterraria meus dedos nesse espaço em branco
que ainda resta.
Esclarecendo
sua preferência pelo teatro experimental, afirmou: —
Preferimos a vanguarda porque ela
visa
corrigir os vícios e os hábitos de se assistir teatro normal,
teatro repetido, teatro que deixa espectador e atores indiferentes. Preferimos
aqueles momentos capazes de sacudir o sono do mundo, como lembrava, certa
vez, o velho mestre Sigmund Freud. Pois que o mundo dorme.
É
uma necessidade conversar com os poetas. E se os poetas morrerem, provocarei
os mortos, as flores do mal que estão na minha estante.
O
escritor da aventura não teme a aprovação ou a renovação
dos leitores. É-lhe indiferente que haja ou não, da parte
dos críticos, uma compreensão suficiente. O que lhe importa
é abrir novos caminhos à arte, é enriquecer a literatura
com germens que venham a fecundar a literatura dos próximos cem anos.
De
degrau em degrau, desci a escada das degradações porque o
Partido precisava de quem não tivesse um escrúpulo, de quem
não tivesse personalidade, de quem não discutisse. De quem
apenas aceitasse. Reduziram-me ao trapo que partiu um dia para longe, para
o Pacífico, para o Japão e para a China, pois o Partido se
cansara de fazer de mim gato e sapato. Não podia mais me empregar
em nada: estava ‘pintada’ demais... Em 1935, procurei uma revolução
que o Partido preparava e não achei revolução nenhuma.
Nos pontos, nas esquinas, nenhuma voz, nenhum gesto. Apenas o fiasco. Mais
uma vez, o fiasco... E todos nós para a cadeia... Outros se mataram.
Outros foram mortos. Também passei por esta prova. Também
tentaram me esganar em muito boas condições. Agora, saio de
um túnel. Tenho várias cicatrizes, mas estou viva.
O apito da chaminé gigante,
libertando uma Humanidade inteira, que se escoa para as ruas da miséria.
O
grito possante da chaminé envolve o bairro. Os retardatários
voam, beirando a parede da fábrica, granulada, longa, coroada de
bicos. Resfolegam como cães cansados, para não perder o dia.
Uma chinelinha vermelha é largada sem contraforte na sarjeta. Um
pé descalço se fere nos cacos de uma garrafa de leite. Uma
garota parda vai pulando e chorando alcançar a porta negra. O último
pontapé na bola de meia.
Lembro
minha submissão absoluta. Não ao homem. Ao amor.
Escrevo
o retrocesso constatado no dia de hoje. Não consigo viver a vida
artificial dos últimos dias em que me dissolvia na vida coletiva
da prisão. Onde é que eu ia buscar o entusiasmo senil pelo
lúmpen2,
quando a própria lama hoje me decepciona?
Nada,
nada, nada,
Nada
mais do que nada,
Trouxeram-me
camélias brancas e vermelhas.
Uma
linda criança sorriu-me quando eu a abraçava.
Um
cão rosnava na minha estrada.
Abri
meu abraço aos amigos de sempre;
Poetas
compareceram,
Alguns
escritores,
Gente
de teatro.
Birutas
no aeroporto...
E
nada!
Esse
crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre.
O
homem nascido no Brasil, em Cuba, na China ou na Rússia não
tem necessidade alguma de nenhum 'pai dos pobres', de 'paizinho', quer se
chamem Getúlio Vargas ou José Stálin. Que as massas
atirassem fora a 'humildade', pois era sobre esta que se estendia 'a asa
negra' dos diversos 'pais' que a si mesmo se nomearam, como se os povos
fossem formados de órfãos e de bastardos...
A
satisfação intelectual não me basta; a ação,
sim, esta me faz falta!
A
liberdade e a prisão... Ter um barco que percorra... Distâncias
incríveis... Saber remendar um sapato... Encontrar um amor... Amor
de verdade... Ser vento, fogo ou carvão... Tudo, tudo, tudo... Menos
esta ratoeira.
Presa
vinte e três vezes como inimiga número um da ditadura de Getúlio
Vargas, Pagu se justificava: — Tenho muita força,
mas onde irei empregar essa força? É preciso gritar, gritar
até cair morta.
De
um País tão rico e importante, fizeram um país de sobremesas.
Açúcar, café, bananas. Que pelo menos nos sobrem as
bananas!
Homem
que me ouves: sai da tua prisão! Rompe os grilhões que, mais
do que te escravizam, te cretinizam. Enfrenta os imbecis camuflados de 'duce',
esses 'führeres' de todos minutos, esses improvisados condutores de
supersticiosas 'cadeias da felicidade', vendedores de bananas – quer
se chamem Plínio Salgado, Luís Carlos Prestes, Adhemares,
Borges, Caio & Cia., turbas de prestidigitadores!
Tenho
várias cicatrizes, mas estou viva. Abram a janela. Desabotoem minha
blusa. Eu quero respirar.
Sou
a única atriz.
É difícil para uma mulher
interpretar uma peça toda.
A peça é a minha vida,
meu ato solo.
CANAL
(publicado na Tribuna, Santos,
SP, em 1960)
Nada
mais sou que um canal.
Seria verde se fosse o caso,
Mas estão mortas todas as esperanças.
Sou um canal.
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?
Evidentemente um canal tem as suas nervuras,
As suas nebulosidades,
As suas algas,
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas.
Mas, por favor,
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras.
Isso não.
Gosto de bandeiras alastradas ao vento,
Bandeiras de navio.
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos.
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste.
Há garotos nos bares,
Há, não sei mais o quê há.
Digamos que seja a Lua Nova,
Que seja esta plantinha voacejando [sic]
na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram,
Lembranças de todas as coisas ocorridas.
Há coisas no ar...
Digamos que seja a Lua Nova
Iluminando o canal.
Seria verde se fosse o caso,
Mas estão mortas todas as esperanças.
Sou um canal.
|

Eu
não posso deixar de dizer:
Pessoas
há que apensam;
outras
há que se dispensam.
Pagu
– a militante garrida –
foi
lhana por toda uma vida.
Pagu
– pelejas e embates;
Pagu
– mil e nove quilates.
Pagu
– submissão
absoluta
O
que foi inferno, hoje, é céu.
Foi
mutado o desprezivo labéu.
Pagu
– a voar pelo Universo –
já
não se aflige com o reverso.

_____
Nota:
1. O
vocábulo termidoriano se refere aos acontecimentos de 9 de termidor
do segundo ano da Revolução Francesa, que determinaram a queda
e a execução de Maximilien
François Marie Isidore de Robespierre (6 de maio de 1758, Arras –
28 de julho de 1794, Paris) e
de seus principais partidários e colaboradores.
2. Por
definição, lúmpen é a pessoa que pertence ao
lumpemproletariado. No vocabulário marxista, lumpemproletariado designa
a camada flutuante do proletariado, destituída de recursos econômicos,
e especialmente caracterizada pela ausência de consciência de
classe, e, portanto, representa a seção degradada e desprezível
do proletariado.
Páginas
da Internet consultadas:
http://blogdomrx.blogspot.com/
2009/08/pilula-da-felicidade.html
http://spaceshalom.blogspot.com/
2009_01_31_archive.html
http://vimu.blogdrive.com/
http://pagupatricia.blogspot.com/search/label/
Pensamentos%20de%20Patr%C3%ADcia
http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/
tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1260
http://lanic.utexas.edu/project/
etext/llilas/ilassa/2008/higa.pdf
http://cruapalavra.blogspot.com/2009/
04/viva-pagu-na-nebulosa-da-infancia.html
http://www.jornalaldrava.com.br/pag_afemil.htm
http://www.novomilenio.inf.br/
cultura/cult005g.htm
http://www.dan.ufv.br/evento/artigos/
GT3_RamonSantanadeAguiar.pdf
http://members.fortunecity.com/rvca1/textos.htm
http://centroculturalzennbell.blogspot.com/
2010/01/pagu-frases.html
http://www.ileel.ufu.br/sepel/artigos/artigo_8.pdf
http://gracielazabotto.wordpress.com/2009/
08/22/uma-jornalista-chamada-patricia-galvao/
http://www.metodista.br/poscom/cientifico/
publicacoes/discentes/art/artigo-0037/
http://vodpod.com/watch/291122-entrevista
-com-diretora-do-instituto-patrcia-galvo
http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm
http://www.lunaeamigos.com.br/
cultura/mulherespatriciagalvao.htm
http://www.ler-qi.org/spip.php?article998
http://pt.wikiquote.org/wiki/
Patr%C3%ADcia_Galv%C3%A3o
Música
de fundo:
Pagu
Composição: Rita Lee & Zélia Duncan
Intérprete: Maria Rita
Fonte:
http://www.docevenenomidivoices.com.br/
nacionaisMN.htm