Neurônios-espelhos nos
permitem simular internamente as ações dos outros. A
medicina está interessada nesta propriedade para facilitar
a reabilitação de pessoas que sofreram derrame.
—
Fascinante!
— costumava dizer o Dr. Spock, da clássica série
de TV americana Jornada nas Estrelas. O primeiro oficial da nave Enterprise
vivia se surpreendendo com o comportamento dos terráqueos.
Fascinante,
para Spock, era o mesmo que estranho, incompreensível. Sua
frieza e racionalidade, marca de seu povo – os vulcanos –
o impedia de reconhecer intenções e emoções
alheias, algo em que nós terráqueos somos especialistas.
Apesar disso, durante muito tempo, esta façanha cerebral permaneceu
incógnita para a ciência. Até pouco tempo atrás,
os neurocientistas se concentravam nos processos inerentes ao indivíduo,
sem dar maior atenção à forma como compartilhamos
nossas experiências, nossos pensamentos e nossos sentimentos.
Com a descoberta dos neurônios-espelhos, isto mudou radicalmente.

Dr.
Spock
Estas células foram
descobertas por acaso em 1994, na Universidade de Parma, Itália,
pelos neurocientistas Giacomo Rizzolatti, Leonardo Fogassi e Vittorio
Gallese. Eles constataram que a simples observação de
ações alheias ativava as mesmas regiões do cérebro
dos observadores normalmente estimuladas durante a ação
do próprio indivíduo. Ao que tudo indica, nossa percepção
visual inicia uma espécie de simulação ou duplicação
interna dos atos de outros.
Em
2001, um grupo coordenado por um de nós (Giovanni Buccino),
também de Parma, resolveu estudar esses neurônios mais
a fundo. Usando Ressonância Magnética Funcional (fMRI),
os pesquisadores mediram a atividade cerebral de voluntários,
enquanto eles assistiam a um vídeo que mostrava seqüências
de movimentos de boca, mãos e pés. Dependendo da parte
do corpo que aparecia na tela, o córtex motor dos observadores
se ativava com maior intensidade na região que correspondia
à parte do corpo em questão, ainda que eles se mantivessem
absolutamente imóveis. O cérebro parece associar a visão
de movimentos alheios ao planejamento de seus próprios movimentos.
Poderia esta propriedade-espelho ser útil no tratamento de
certos distúrbios neurológicos?
Os
neurônios-espelhos têm despertado o interesse de um número
cada vez maior de médicos e de fisioterapeutas que lidam com
pacientes com seqüelas motoras decorrentes de Acidente Vascular
Cerebral (AVC). Tais seqüelas costumam ser minimizadas, até
certo ponto, graças à fisioterapia e à plasticidade
cerebral, fenômeno em que regiões próximas à
área lesionada, pouco a pouco, vão assumindo as funções
comprometidas. No entanto, esta recuperação parcial
depende de treinamento intensivo durante longo tempo. A pergunta que
intriga os especialistas da área é: a observação
prévia dos movimentos a serem reaprendidos não aceleraria
o processo? É bem possível que a coordenação
seja mais fácil, se os neurônios-espelhos – responsáveis
por esses movimentos – forem estimulados em uma espécie
de preaquecimento.
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Ferdinand Binkofski é neurologista do Hospital Universitário
de Schleswig-Holstein, em Lübeck, Alemanha.
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Giovanni Buccino, também neurologista, é professor e
pesquisador da Universidade de Parma, Itália.
Fonte:
http://www2.uol.com.br/vivermente/
reportagens/a_imitacao_pode_curar.html