Quem
habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade
é a lei da Terra.
A
corrupção e a perversão são mais perniciosas
e, ao mesmo tempo, mais suscetíveis de ocorrer, em uma república
igualitária do que em qualquer outra forma de Governo. Falando esquematicamente,
esses males passam a ocorrer quando os interesses particulares invadem o
domínio público, isto é, quando eles vêm de baixo,
e não de cima.
O
principal vício de toda sociedade igualitária é a inveja
– o grande vício da sociedade grega livre. E a grande virtude
de todas as aristocracias parece-me ser que as pessoas sempre sabem quem
são e, portanto, não se comparam com outras. Esta comparação
constante é realmente a quintessência da vulgaridade.
As
mentiras sempre foram consideradas instrumentos necessários e legítimos,
não somente do ofício do político ou do demagogo, mas
também do estadista.
O
problema de mentir é que isso vai depender de o mentiroso ter uma
clara noção da verdade a ser escondida. Nesse sentido, a verdade,
mesmo aquela que não aparece em público, tem uma primazia
sobre toda falsidade.
É
na esfera política e pública que realizamos nossa condição
humana.
Aqueles
que compreendem corretamente a terrível eficiência da organização
e da polícia totalitárias tendem a subestimar a força
material dos países totalitários, enquanto aqueles que compreendem
a esbanjadora incompetência da Economia totalitária tendem
a subestimar a força material, o potencial de poder que pode ser
criado à revelia de todos os fatores materiais.
Faz
parte da própria natureza das coisas humanas que cada ato cometido
e registrado pela história da Humanidade fique com a Humanidade como
uma potencialidade muito depois da sua efetividade se ter tornado coisa
do passado. Nenhum castigo jamais possuiu poder suficiente para impedir
a perpetração de crimes.
O mais radical revolucionário
tornar-se-á um conservador no dia seguinte à revolução.
O
artifício humano deve ser um lugar adequado à ação
e ao discurso, a atividades não só inteiramente inúteis
às necessidades da vida, mas de natureza inteiramente diferente das
várias atividades da fabricação mediante a qual são
produzidos o mundo e todas as coisas que nele existem.
O
conservadorismo, no sentido da conservação, faz parte da essência
da atividade educacional, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger
alguma coisa.
A escola não é de modo
algum o mundo nem deve ser tomada como tal; é, antes, a instituição
que se interpõe entre o mundo e o domínio privado do lar.
A
nação concebe as leis como produto da sua substância
nacional que é única, que não é válida
além dos limites do seu próprio território, não
correspondendo aos valores e anseios dos outros povos.
Em
sua essência, o nacionalismo é a expressão de uma perversa
transformação do Estado em instrumento da nação
e da identificação do cidadão como membro da nação.
A
burguesia, que durante tanto tempo fora excluída do Governo pelo
Estado-nação e, por sua própria falta de interesse,
das coisas públicas, emancipou-se politicamente através do
imperialismo.
No imperialismo, a força tornou-se
a essência da ação política e o centro do pensamento
político quando se separou da comunidade política à
qual devia servir.
A
riqueza que não explora deixa de gerar até mesmo a relação
existente entre o explorador e o explorado; o alheamento sem política
indica a falta do menor interesse do opressor pelo oprimido.
A função da escola
é ensinar às crianças como o mundo é, e não
instruí-las na arte de viver.
A
cognição sempre tem um fim definido, que pode resultar de
considerações práticas ou de mera curiosidade; mas,
uma vez atingido este fim, o processo cognitivo termina.
A educação é
o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a
responsabilidade por ele.
Se
o pensar ricocheteia sobre si mesmo e encontra seu único objeto na
própria alma, torna-se reflexão, e sem dúvida adquire
(desde que permaneça racional) uma semelhança de poder ilimitado,
ao mesmo tempo precisamente em que se isola do mundo, se desinteressa deste,
entrincheira-se diante do único objeto 'interessante': o próprio
interior.
A essência dos Direitos Humanos
é o direito a ter direitos.
A cidadania deve ser concebida com
o 'direito a ter direitos', pois sem ela não se trabalha a igualdade
que requer o acesso ao espaço público. Os direitos –
todos os direitos – não são dados ('physei') mas construídos
('nomoi') no âmbito de uma comunidade política.
A
sociedade é a forma na qual o fato da dependência mútua
em prol da subsistência, e de nada mais, adquire importância
pública, e na qual as atividades que dizem respeito à mera
sobrevivência são admitidas em praça pública.
O
homem que ignora ser sujeito à necessidade não pode ser livre,
uma vez que sua liberdade é sempre conquistada mediante tentativas,
nunca inteiramente bem-sucedidas, de se libertar da necessidade.
O
direito à informação, como condição essencial
para a manutenção de um espaço público democrático,
e o direito à intimidade, são indispensáveis para a
preservação do calor da vida humana na esfera privada.
Toda
dor poderá ser suportada, se sobre ela puder ser contada uma história.
A nossa crença na realidade
da vida e na realidade do mundo não são, com efeito, a mesma
coisa. A segunda provém basicamente da permanência e da durabilidade
do mundo, bem superiores às da vida mortal. Se o homem soubesse que
o mundo acabaria quando ele morresse, ou logo depois, este mundo perderia
toda a sua realidade, como a perdeu para os antigos cristãos, na
medida em que estes estavam convencidos de que as suas expectativas escatológicas
seriam imediatamente realizadas. A confiança na realidade da vida,
pelo contrário, depende quase exclusivamente da intensidade com que
a vida é experimentada, do impacto com que ela se faz sentir.
Há
uns que nos falam e não ouvimos; há uns que nos tocam e não
sentimos; há aqueles que nos ferem e nem cicatrizes deixam. Mas,
há aqueles que simplesmente vivem e nos marcam por toda vida.
Tudo
que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida
em que pode ser discutido.
A
pluralidade é a condição da ação humana
pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém
seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha
a existir.
A
burocracia é sempre um governo de peritos, de uma 'minoria experiente',
que tem de resistir da melhor forma possível à constante pressão
da 'maioria inexperiente'. Todo povo é basicamente formado por uma
maioria inexperiente e, portanto, não se lhe pode confiar um assunto
tão altamente especializado como política e negócios
públicos.
O
Governo que não é nem da lei, nem dos homens, mas de escritórios
ou computadores anônimos, cuja dominação inteiramente
despersonalizada pode vir a se tornar uma ameaça maior à liberdade
e àquele mínimo de civilidade, sem o qual nenhuma vida comunitária
é concebível, do que jamais foi a mais abusiva arbitrariedade
dos tiranos do passado.
Em
um Governo constitucional, as leis positivas destinam-se a erigir fronteiras
e a estabelecer canais de comunicação entre os homens, cuja
comunidade é continuamente posta em perigo pelos novos homens que
nela nascem.
A
pobreza força o homem livre a agir como escravo.
Uma
existência vivida inteiramente em público, na presença
de outros, torna-se, como diríamos, superficial.
A
solução para o problema da imprevisibilidade, da caótica
incerteza do futuro, está contida na faculdade de prometer e de cumprir
o que foi prometido.
No
instante em que uma boa obra se torna pública e conhecida, perde
o seu caráter específico de bondade, de não ter sido
feita por outro motivo além do amor à bondade. Quando a bondade
se mostra abertamente já não é bondade, embora possa
ainda ser útil como caridade organizada ou como ato de solidariedade.
Daí: 'Não dês esmolas perante os homens, para seres
visto por eles'.
O
amor à sabedoria e o amor à bondade, que se resolvem nas atividades
de filosofar e de praticar boas ações, têm em comum
o fato de que cessam imeditamente – cancelam-se, por assim dizer –
sempre que se presume que o homem pode ser sábio ou ser bom.
Só
a bondade deve se esconder de modo absoluto e evitar qualquer publicidade;
do contrário é destruída.
Estar
em solidão significa estar consigo mesmo; e, portanto, o ato de pensar,
embora possa ser a mais solitária das atividades, nunca é
realizado inteiramente sem um parceiro e sem companhia.
Os
pensamentos, como todas as coisas que devem sua existência à
memória, podem ser transformados em objetos tangíveis que,
como a página escrita ou o livro impresso, se tornam parte do artifício
humano. As boas obras, por deverem ser imediatamente esquecidas, jamais
podem se tornar parte do mundo; vêm e vão sem deixar vestígios;
e positivamente não pertencem a este mundo.
É
este caráter extramundano das boas obras que faz do amante da bondade
uma figura essencialmente religiosa, e torna a bondade, como sabedoria na
Antigüidade, uma qualidade essencialmente inumana e sobre-humana.
A
bondade só pode existir quando não é percebida, nem
mesmo por aquele que a faz. Quem quer se veja a si mesmo no ato de fazer
uma boa obra deixa de ser bom. Será, no máximo, um membro
útil da sociedade ou zelozo membro da Igreja. Daí: 'Que a
tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita'.
Se
não tivéssemos outras percepções sensoriais
além daquelas nas quais o corpo se percebe a si mesmo, a realidade
do mundo exterior não ficaria sujeita à dúvida, mas
não teríamos sequer noção do que viesse a ser
um mundo.
A
condição humana é tal que a dor e o esforço
não são meros sintomas que podem ser eliminados sem que mude
a própria vida; antes, são modos pelos quais a própria
vida, juntamente com a necessidade à qual está vinculada,
se faz sentir. Para os mortais, a 'boa vida dos deuses' seria uma vida sem
vida.
Só a ação é
prerrogativa exclusiva do homem. Nem um animal nem um deus são capazes
de ação, e só a ação depende inteiramente
da constante presença de outros.
É
da própria natureza de todo novo início o irromper no mundo
como uma improbabilidade infinita, e é, contudo, justamente este
infinitamente improvável que constitui de fato a verdadeira trama
de tudo que denominamos de real.
A
confiança na realidade da vida, ao contrário, depende quase
exclusivamente da intensidade com que a vida é experimentada, do
impacto com que ela se faz sentir.
Em
um mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de certa
duração e se transformar em meios para outros fins.
Esta materialização,
sem a qual nenhum pensamento pode se tornar coisa tangível, ocorre
sempre a um preço, e que o preço é a própria
vida: é sempre na 'letra morta' que o 'espírito vivo' deve
sobreviver.
A memória e o dom de lembrar,
dos quais provém todo desejo de imperecibilidade, necessitam de coisas
que os façam recordar, para que eles próprios não venham
a perecer.
Os processos do pensamento permeiam
tão intimamente toda a existência humana que o seu começo
e o seu fim coincidem com o começo e o fim da própria existência
humana.
O
desenvolvimento econômico sob nenhuma condição pode
levar à liberdade ou constituir uma prova de sua existência.
A ação e o discurso
são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros,
não como meros objetos físicos, mas enquanto homens.
Embora
todos comecem a vida se inserindo no mundo humano através do discurso
e da ação, ninguém é autor ou criador da história
de sua própria vida. Em outras palavras, as histórias, resultado
da ação e do discurso, revelam um agente, mas esse agente
não é autor nem produtor. Alguém a iniciou e dela é
o sujeito, na dupla acepção da palavra, mas ninguém
é seu autor.
A
diferença entre história real e a ficção é
precisamente que esta última é 'feita', enquanto a primeira
não o é.
O
mundo – artifício humano – separa a existência
do homem de todo ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece
fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece
ligado a todos os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência
vem se esforçando por tornar 'artificial' a própria vida,
por cortar o último laço que faz do próprio homem um
filho da natureza.
História
é uma série de eventos, e não de forças ou idéias
de curso previsível.
As idéias vêm e vão,
duram algum tempo, podem até alcançar certa imortalidade própria,
dependendo do seu poder de iluminar e de esclarecer, que vive e perdura
independentemente do tempo e da história.
A
morada da alma só pode ser construída com firmeza na sólida
fundação do mais completo desespero.
A
moderna Filosofia, desde Descartes, tem consistido na manifestação
e nas ramificações da dúvida.
Se
o Ser e a Aparência estão definitivamente separados –
e este, como observou Marx2
certa vez, é realmente o pressuposto básico de toda ciência
moderna – então nada resta que não possa ser aceito
de boa-fé; tudo deve ser posto em dúvida.
Precisamos
nos desfazer do atual preconceito que atribui o desenvolvimento da ciência
moderna, vista a sua aplicabilidade, a um desejo pragmático de melhorar
as condições da vida humana na Terra. A história mostra
claramente que a moderna tecnologia resultou não da evolução
daquelas ferramentas que o homem sempre havia inventado para atenuar o labor
e de erigir o artifício humano, mas exclusivamente da busca de conhecimento
inútil, inteiramente desprovido de senso prático. Assim, o
relógio, um dos primeiros instrumentos modernos não foi inventado
para os fins da vida prática, mas exclusivamente para a finalidade
altamente «teórica» de realizar certas experiências
com a Natureza. É certo que esta intervenção, logo
que a sua utilidade prática foi percebida, mudou o ritmo e a própria
fisionomia da vida humana; mas isto, do ponto de vista dos inventores, foi
um mero acidente. Se tivéssemos de confiar apenas nos chamados instintos
práticos do homem, jamais teria havido qualquer tecnologia digna
de nota; e, embora as invenções técnicas hoje existentes
tragam em si um dado impulso que, provavelmente, gerará melhoras
até um certo ponto, é pouco provável que o nosso mundo
condicionado à técnica pudesse sobreviver, e, muito menos,
continuar a se desenvolver, se conseguíssemos nos convencer de que
o homem é, antes de tudo, uma criatura prática.
A
objeção de Marx a Hegel3
diz: a dialética do espírito do mundo não se move ardilosamente
por trás dos homens, usando atos da vontade que parecem provir dos
homens para seus próprios fins, mas é, ao contrário,
o estilo e o método da própria ação humana
Se já não podemos confiar
nos sentidos nem no senso comum nem na razão, então, é
possível que tudo que julgamos que seja realidade não passe
de um sonho.
Se
tudo se tornou duvidoso, então, pelo menos, a dúvida é
certa e real.
Pelo fato de que se movimenta sempre
entre e em relação a outros seres atuantes, o ator nunca é
simples agente, mas também, e ao mesmo tempo, paciente. Agir e padecer
são como as faces opostas da mesma moeda, e a história iniciada
por uma ação se compõe de seus feitos e dos sofrimentos
deles decorrentes.
Embora não possa conhecer
a verdade como algo dado e revelado, o homem pode, pelo menos, conhecer
o que ele próprio faz.
Quem
deseje fazer do prazer o fim último de toda ação humana,
é levado a admitir que não o prazer, mas a dor, não
o desejo, mas o medo, são os seus verdadeiros guias.
O
conceito de direitos humanos, baseado na suposta existência de um
ser humano em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam
acreditar nele se confrontaram pela primeira vez com seres humanos que haviam
realmente perdido todas as outras qualidades e relações específicas
– exceto que ainda eram humanos. O mundo não viu nada de sagrado
na abstrata nudez de ser unicamente humano.
Sobre
os chamados 'indesejáveis da Europa', que, por força
da guerra, haviam sido transformados em refugiados, sem encontrar um lugar
no mundo:
Uma vez fora do pais de origem, permaneciam sem lar. Quando deixavam seu
Estado, tornavam-se apátridas. Quando perdiam seus direitos humanos,
perdiam todos os direitos; eram o refugo da Terra.1
O
homem, como 'homo faber',4
tende a se isolar com o seu trabalho, isto é, a deixar temporariamente
o terreno da política.
Historicamente, a última esfera pública, o último lugar
de reunião que de alguma forma se relaciona com a atividade do 'homo
faber', é o mercado de trocas onde seus produtos são exibidos.
O
'animal laborans' que, com o próprio corpo e a ajuda de animais domésticos,
nutre o processo da vida, pode ser o amo e senhor de todas as criaturas
vivas, mas ainda é servo da Natureza e da Terra; só o 'homo
faber' se porta como amo e senhor de toda a Terra.
Por
de trás da teoria dos interesses de Marx, há a convicção
de que a única satisfação legítima de um interesse
reside no trabalho. Como suporte desta convicção e nota fundamental
de todos os seus escritos, há uma nova definição do
homem, que vê a Humanidade essencial do homem não na sua racionalidade
('animal rationale'), nem na sua produção de objetos ('homo
faber'), nem no fato de ter sido feito à semelhança de Deus
('creatura dei'), mas, antes, no trabalho, que a tradição
unanimemente rejeitara como incompatível com a existência humana
livre e plena. Marx foi o primeiro a definir o homem como um 'animal laborans',
como uma criatura trabalhadora. Subsume nesta definição tudo
o que a tradição considerara como marcas distintivas da Humanidade:
o trabalho é o princípio da racionalidade e das suas leis,
que no desenvolvimento das forças produtivas determina a história
e torna a história compreensível para a razão. O trabalho
é o princípio da produtividade: é ele que produz, na
terra, o mundo verdadeiramente humano. E o trabalho é, como Engels5
declarou no seu epigrama intencionalmente blasfemo, que mais não
faz do que reduzir muitas das afirmações de Marx a uma simples
forma, 'o criador da Humanidade'.
O
labor é a atividade que corresponde ao processo biológico
do corpo humano, cujo crescimento espontâneo, metabolismo e eventual
declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas e
introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana
do labor é a própria vida.
O
labor assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo,
mas a vida da espécie. O trabalho e seu produto, o artefato humano,
emprestam certa permanência e durabilidade à futilidade da
vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano. A ação,
na medida em que se empenha em fundar e preservar corpos políticos,
cria a condição para a lembrança, ou seja, para a história.
É
a durabilidade do mundo que empresta às coisas do mundo sua relativa
independência dos homens que a produziram.
As
razões particulares que falam pela possibilidade de repetição
dos crimes cometidos pelos nazistas são ainda mais plausíveis.
A assustadora coincidência da explosão populacional moderna
com a descoberta de aparelhos técnicos que, graças à
automação, tornarão ‘supérfluos’
vastos setores da população, até mesmo em termos de
trabalho, e que, graças à energia nuclear, possibilitam lidar
com esta dupla ameaça – com o uso de instrumentos ao lado dos
quais as instalações de gás de Hitler pareceriam brinquedos
de uma criança maldosa – tudo isso deve bastar para nos fazer
tremer.
O
que é exterminado em uma guerra é muitíssimo mais do
que o mundo do adversário derrotado. É, sobretudo, o espaço
intermédio entre os parceiros da guerra e entre os povos, que em
sua totalidade formam o mundo na Terra.
Pode-se
dizer que o mal radical surgiu em relação a um sistema, no
qual todos os homens se tornaram supérfluos. Os que manipulam este
sistema acreditam na própria superfluidade tanto quanto na de todos
os outros, e os assassinos totalitários são os mais perigosos,
porque não se importam se estão vivos ou mortos; se jamais
viveram ou se nunca nasceram.
Sobre
as conseqüências da ruptura da tradição ocorrida
na Alemanha após o final da I Guerra: Politicamente
falando, foi o declínio e a queda do Estado-nação;
socialmente, foi a transformação de um sistema de classes
em uma sociedade de massas; espiritualmente, foi a ascensão do niilismo,
que por longo tempo fora preocupação de poucos, mas, então,
subitamente, se convertia em fenômeno de massas.
O
poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não
se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos
não são brutais, quando as palavras não são
empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades,
e os atos não são usados para violar ou destruir, mas para
criar relações e novas realidades.
Qualquer
pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não
deveria ter crianças e deveria ser proibida de tomar parte na educação.
Somente
onde ocorrer mudança, no sentido de um novo princípio, onde
a violência for utilizada para constituir uma forma de Governo completamente
diferente, para dar origem à formação de um novo corpo
político, onde a libertação da opressão almeje,
pelo menos, a constituição da liberdade, é que podemos
falar de revolução.
A única solução
possível para o problema da irreversibilidade – a impossibilidade
de se desfazer o que se fez, embora não se soubesse ou não
se pudesse saber o que se fazia – é a faculdade de perdoar.
O perdão é a chave
da ação e da liberdade.
Se não fôssemos perdoados,
eximidos das conseqüências daquilo que fizemos, a nossa capacidade
de agir ficaria, por assim dizer, limitada a um único ato do qual
jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas
das suas conseqüências, à semelhança do aprendiz
de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para
desfazer o feitiço. Se não nos obrigássemos a cumprir
as nossas promessas, não seríamos capazes de conservar a nossa
identidade; estaríamos condenados a errar desamparados e desnorteados
nas trevas do Coração de cada homem, enredados nas suas contradições
e equívocos – trevas que só a luz derramada na esfera
pública pela presença de outros que confirmam a identidade
entre o que promete e o que cumpre poderia dissipar. Ambas as faculdades,
portanto, dependem da pluralidade; na solidão e no isolamento, o
perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são,
no máximo, um papel que a pessoa encena para si mesma.
A
suposição de que a identidade de uma pessoa transcende, em
grandeza e importância, tudo o que ela possa fazer ou produzir é
um elemento indispensável da dignidade humana. Só os vulgares
consentirão em atribuir a sua dignidade ao que fizeram; em virtude
dessa condescendência serão «escravos e prisioneiros»
das suas próprias faculdades, e descobrirão, caso lhes reste
algo mais que mera vaidade estulta, que ser escravo e prisioneiro de si
mesmo é tão ou mais amargo e humilhante do que ser escravo
de outrem.
Não
há pensamentos perigosos; o pensamento é que pode se tornar
perigoso.
Tudo
o que constitui a grandeza continua sendo essencialmente o mesmo através
dos séculos.
O
mal não é nunca 'radical', só é extremo; e carece
de toda profundidade e de qualquer dimensão demoníaca. Pode
crescer desmesuradamente e reduzir todo o mundo a escombros, precisamente
porque pode se expandir como um fungo pela superficie.
Cultura
se relaciona com os objetos; é um fenômeno do mundo. Hospitalidad
se relaciona com as pessoas; é um fenômeno da vida.
O
Terceiro Mundo jamais se tornará uma realidad sem uma ideologia.
Os
'tempos sombrios', no sentido mais amplo que aqui proponho, não são,
em si, idênticos às monstruosidades deste século, que,
de fato, se constituem em uma horrível realidade. Os 'tempos sombrios',
pelo contrário, não só não são novos,
como não constituem uma raridade na história, embora fossem
talvez desconhecidos na história americana, que, por outro lado,
tem a sua bela parcela, passada e presente, de crimes e de catástrofes.
Que mesmo no tempo mais sombrio que temos o direito de esperar alguma iluminação,
e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e
conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e freqüentemente fraca
que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar
em quase todas as circunstâncias, e irradiarão pelo tempo que
lhes foi dado na Terra – esta convicção constitui o
pano de fundo implícito contra o qual se delinearam esses perfis.
Olhos tão habituados às sombras, como os nossos, dificilmente
conseguirão dizer se sua luz era a luz de uma vela ou a de um sol
resplandecente. Mas tal avaliação objetiva me parece uma questão
de importância secundária que pode ser seguramente legada à
posteridade.
As
armas e a luta pertencem à atividade da violência, e a violência,
distinguindo-se do poder, é muda; a violência tem início
onde termina a fala. Quando usadas com o propósito de lutar, as palavras
perdem sua qualidade de fala; transformam-se em clichês.
Pense
com o Coração e sinta com a cabeça.
Para
viver junto com os outros é necessário começar por
viver junto a si mesmo.
A
relevância política da descoberta socrática reside em
sua afirmação de que a solidão, que, antes e depois
de Sócrates era tida como prerrogativa e hábito profissional
apenas do filósofo, e naturalmente vista pela pólis como suspeita
de ser antipolítica, é, ao contrário, a condição
necessária para o bom funcionamento da pólis, uma garantia
melhor do que as regras de comportamento impostas por leis e pelo medo do
castigo.
O
pensamento como tal traz bem poucos benefícios à sociedade,
muito menores do que a sede de conhecimento, que usa o pensamento como um
instrumento para outros fins. Ele não cria valores; ele não
encontrará o que é o ‘bem’ de uma vez por todas;
ele não confirma regras de conduta; ao contrário, dissolve-as.
E ele não tem relevância política, a não ser
em situações de emergência. Quando todos estão
se deixando levar, impensadamente, pelo que os outros fazem e por aquilo
em que crêem, aqueles que pensam são forçados a se mostrar,
pois a sua recusa em aderir se torna patente, e se torna, portanto, um tipo
de ação.
Eu
não sou apenas para os outros, mas sou também para mim mesma;
e, neste último caso, claramente eu não sou apenas um. Uma
diferença se instala na minha Unicidade.
O
pensamento é um estar-só, mas não é solidão;
o estar-só é a situação em que me faço
companhia. A solidão ocorre quando estou sozinha, mas incapaz de
me dividir no dois-em-um, incapaz de me fazer companhia, quando, como Jaspers6
dizia, ‘eu falto a mim mesmo’ ('ich bleib mir aus') ou, em outras
palavras, quando sou um e sem companhia.
Os
fatos e os acontecimentos são coisas infinitamente mais frágeis
do que os axiomas, as descobertas e as teorias – mesmo os mais loucamente
especulativos – produzidos pelo espírito humano. Uma vez perdidos,
nenhum esforço racional poderá fazê-los voltar.
A
compreensão7
é uma atividade interminável, por meio da qual, em constante
mudança e variação, aprendemos a lidar com nossa realidade
e nos reconciliamos com ela, isto é, tentamos nos sentir em casa
no mundo.
Das
coisas tangíveis, as menos duráveis são as necessárias
ao próprio processo da vida. O seu consumo mal sobrevive ao ato da
sua produção; no dizer de Locke,8
todas essas «boas coisas» que são «realmente úteis
à vida do homem», à «necessidade de subsistir»,
são «geralmente de curta duração, de tal modo
que - se não forem consumidas pelo uso, se deteriorarão e
perecerão por si mesmas». Após breve permanência
neste mundo, retomam ao processo natural que as produziu, seja através
de absorção no processo vital do animal humano, seja através
da decomposição; e, sob a forma que lhes dá o homem,
através da qual adquirem um lugar efêmero no mundo das coisas
feitas pelas mãos do homem, desaparecem mais rapidamente que qualquer
outra parcela do mundo.
A
fonte imediata da obra de arte é a capacidade humana de pensar, da
mesma forma que a «propensão para a troca e o comércio»
é a fonte dos objetos de uso. Tratam-se de capacidades do homem,
e não de meros atributos do animal humano, como sentimentos, desejos
e necessidades, aos quais estão ligados, e que, muitas vezes, constituem
o seu conteúdo. Estes
atributos humanos são tão alheios ao mundo, que o homem cria
como seu lugar na Terra, como os atributos correspondentes de outras espécies
animais; se tivessem de constituir um ambiente fabricado pelo homem para
o animal humano, este ambiente seria um não-mundo, resultado de emanação
e não de criação. A capacidade de pensar relaciona-se
com o sentimento, transformando a sua dor muda e inarticulada, do mesmo
modo que a troca transforma a ganância crua do desejo, e o uso transforma
o anseio desesperado da necessidade – até que todos se tornem
dignos de entrar no mundo transformados em coisas, reificados. Em cada caso,
uma capacidade humana que, por sua própria natureza, é comunicativa
e voltada para o mundo, transcende e transfere para o mundo algo muito intenso
e veemente que estava aprisionado no ser.
Ser
diferente não equivale a ser outro, ou seja, não equivale
a possuir essa curiosa qualidade de «alteridade»,9
comum a tudo o que existe e que, para a Filosofia Medieval, é uma
das quatro características básicas e universais que transcendem
todas as qualidades particulares. A alteridade é, sem dúvida,
um aspecto importante da pluralidade; é a razão pela qual
todas as nossas definições são distinções
e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem
a distinguir de outra. Na sua forma mais abstrata, a alteridade está
apenas presente na mera multiplicação de objetos inorgânicos,
ao passo que toda a vida orgânica já exibe variações
e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie.
Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença
e distinguir-se; só ele é capaz de se comunicar a si próprio
e não apenas comunicar alguma coisa – como sede, fome, afeto,
hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo
o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que
vive, tornam-se singularidades, e a pluralidade humana é a paradoxal
pluralidade dos seres singulares.
O
único fator material indispensável para a geração
do poder é a convivência entre os homens. Estes só retêm
poder quando vivem tão próximos uns dos outros que as potencialidades
da ação estão sempre presentes; e, portanto, a fundação
de cidades que, como as cidades-estado, se converteram em paradigmas para
toda a organização política ocidental, foi, na verdade,
a condição prévia material mais importante do poder.
O que mantém unidas as pessoas depois de ter passado o momento fugaz
da ação (aquilo que hoje chamamos «organização»)
e o que elas, por sua vez, mantêm vivo ao permanecerem unidas é
o poder. Todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa
desta convivência renuncia ao poder e se torna impotente, por maior
que seja a sua força e por mais válidas que sejam as suas
razões.
Normalmente,
a ausência de dor é apenas a condição física
necessária para que o indivíduo sinta o mundo. Somente quando
o corpo não está irritado, e devido à irritação
voltado para dentro de si mesmo, podem os sentidos do corpo funcionar normalmente
e receber o que lhes é oferecido. A ausência de dor geralmente
só é «sentida» no breve intervalo entre a dor
e a não-dor; mas a sensação que corresponde ao conceito
de felicidade do sensualista é a libertação da dor,
e não a sua ausência. A intensidade de tal sensação
é indubitável; na verdade, só a sensação
da própria dor pode igualá-la.
Mesmo
quando você estiver sozinho e aparecer apenas para si mesmo, apareça
sempre como quer aparecer para os outros... Alguém que se contradiz
não é confiável.

______
Notas:
1. Conforme aponta Celso
Lafer (introdutor do pensamento de Arendt no Brasil) em seu estudo fundamental,
A Reconstrução dos Direitos Humanos – um Diálogo
com o Pensamento de Hannah Arendt, a reflexão que Hannah efetua
em torno da condição de apátrida permite-lhe concluir
que, em um mundo como o do século XX, inteiramente organizado politicamente,
perder a cidadania significava ser expulso da Humanidade, de nada valendo
os direitos humanos aos expelidos da trindade Estado/povo/território.
2. Karl Heinrich Marx
(Tréveris, 5 de maio de 1818 – Londres, 14 de março
de 1883) foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador
da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo,
historiador, teórico político e jornalista. O pensamento de
Marx influencia várias áreas, tais como Filosofia, História,
Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Psicologia, Economia,
Comunicação, Arquitetura, Geografia e outras. Em uma pesquisa
realizada pela Radio 4, da British Broadcasting Corporation (BBC), em 2005,
foi eleito o maior filósofo de todos os tempos.
3. Georg Wilhelm Friedrich
Hegel (Estugarda, 27 de agosto de 1770 – Berlim, 14 de novembro de
1831) foi um filósofo alemão.
4. Homo
faber é uma locução latina que significa
'o homem que faz ou que fabrica'. Usa-se principalmente em contraposição
a Homo sapiens,
a denominación biológica da espécie humana, locução
também latina que significa 'o homem que sabe'. A locução
Homo faber
foi usado pela escritora Hannah Arendt para enfatizar a capacidade humana
de controlar seu meio com o uso de ferramentas.
5. Friedrich Engels
(Barmen, 28 de novembro de 1820 – Londres, 5 de agosto de 1895) foi
um teórico revolucionário alemão que, junto com Karl
Marx, fundou o chamado Socialismo Científico ou Marxismo. Ele foi
co-autor de diversas obras com Marx, sendo que a mais conhecida é
o Manifesto Comunista. Também ajudou a publicar, após
a morte de Marx, os dois últimos volumes de O Capital, principal
obra de seu amigo e colaborador.
6. Karl Theodor Jaspers
(Oldenburg, 23 de fevereiro de 1883 – Basiléia, 26 de fevereiro
de 1969) foi um filósofo e psiquiatra alemão.
7. Tenho dito e vou
repetir: só a compreensão liberta.
8. John Locke (Wringtown,
29 de agosto de 1632 – Harlow, 28 de outubro de 1704) foi um filósofo
inglês e ideólogo do Liberalismo, sendo considerado o principal
representante do Empirismo Britânico e um dos principais teóricos
do Contrato Social.
9. Alteridade (ou outridade)
é a concepção que parte do pressuposto básico
de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos.
Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência
do 'eu-individual' só é permitida mediante um contato com
o outro (que, em uma visão expandida, se torna o Outro – a
própria sociedade diferente do indivíduo). Desta
forma, nós existimos apenas a partir do outro, da visão do
outro, o que nos permite também compreender o mundo a partir de um
olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de nós mesmos,
sensibilizados que estamos pela experiência do contato.
Páginas
da Internet consultadas:
http://www.sanjuancollege.edu/
lib/researchguides/
http://nene.modthesims.info/
showthread.php?t=361439
http://media.photobucket.com/
http://www.boredomisyourfault.com/
blog/2007/12/17/lie-ins-and-tigers/
http://www.thewestgeorgian.com/2.919/
science-explosion-on-campus-1.40234
http://www.citador.pt/pensar.php?op=
10&refid=200505130005&author=20360
http://www.citador.pt/pensar.php?op=10&refid=
200501091646&author=20360&theme=194
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10&refid=200412112355&author=20360
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http://citador.pt/pensar.php?op=
10&refid=201007240730&author=20360
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http://www.ec.ubi.pt/ec/02/pdf/
Morgado-a-verdade-dos-factos.pdf
http://www.cchla.ufrn.br/humanidades
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http://www.revistaimpacto.com/forum/
viewtopic.php?f=10&t=173&start=90
http://www.frasesypensamientos.com.ar/
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13/frases-que-me-inspiram/
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05/hannah-arendt-politica.html
http://escritacasual.blogspot.com/
2007/11/animal-laborans.html
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php
/politica/article/viewFile/7645/6998
http://super.abril.com.br/superarquivo/
1997/conteudo_122980.shtml
http://hannaharendt.incubadora.fapesp.br/portal/
biografia/os-100-anos-de-hannah-arendt/
http://www.consciencia.org/responsabilidade
-pessoal-e-coletiva-em-hannah-arendt
http://sarauxyz.blogspot.com/2009/01/
hanna-arendt-frases-e-fragmentos.html
http://diegocanhada.blog.br/?p=240
http://www.pensador.info/
hannah_arendt_1906-1975/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hannah_Arendt
http://pt.wikiquote.org/wiki/Hannah_Arendt
Fundo
musical:
Agios
Fonte:
http://www.greekbiblos.gr/midis.htm