Fernando
Pessoa morreu de cirrose hepática aos 47 anos, na cidade onde nasceu.
Sua última frase foi escrita em Inglês: I
don't know what tomorrow will bring… Não sei o
que o amanhã trará...
Reflexões
em Prosa
Fernando
Pessoa
Se
depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, não há
nada mais simples. Tem só duas datas – a da minha nascença
e a da minha morte. Entre uma e outra, todos os dias são meus.
Tenho pensamentos que, se conseguisse
exprimi-los e dar-lhes vida, acrescentariam uma nova luz às estrelas,
uma nova beleza ao mundo e um grande amor ao coração dos homens.
Por
mim, o meu egoísmo é a superfície da minha dedicação.
O meu espírito vive constantemente no estudo e no cuidado da Verdade,
e no escrúpulo de deixar – quando eu despir a veste que me
liga a este mundo –
uma obra que sirva o progresso e o bem da Humanidade.
Asseguro,
agora, e sempre assegurarei, que o homem ficou aquém do Mistério
Universal unicamente devido à relutância de pensar com profundidade.
Tudo é encontrar qualquer
coisa. Mesmo perder é achar o estado de ter essa coisa perdida. Nada
se perde; só se encontra qualquer coisa. Há no fundo deste
poço, como na fábula, a Verdade.
Não
se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe
que ele se afogue nelas. Se achar que precisa voltar, volte! Se perceber
que precisa seguir, siga! Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver
tudo certo, continue. Se sentir saudades, mate-a. Se perder um amor, não
se perca! Se o achar, segure-o!
O amor do corpo pelo corpo morre
com o corpo; o amor do Espírito pelo Espírito, no Espírito
dura sempre.
Sempre
é preciso saber quando uma etapa chega ao final... Se insistirmos
em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria
e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando
portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos;
o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já
se acabaram.
O
que passou não voltará. Não podemos ser eternamente
meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos
com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com
quem já foi embora e não tem a menor intenção
de voltar. As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que
elas realmente possam ir embora... Por isso, é tão importante
(por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar
de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que
tem.
Tudo
neste mundo visível é uma manifestação do mundo
invisível, do que está acontecendo em nosso coração...
e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir
espaço para que outras tomem o seu lugar.
Ninguém
está jogando nesta vida com cartas marcadas; portanto, às
vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
O
amor romântico é como um traje, que, como não é
eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos,
que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos.
O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão.
Só o não é quando a desilusão, aceite desde
o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente,
nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto
da criatura, por eles vestida.
O
meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações
de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento;
passado este, há um virar de página e a história continua,
mas não o texto.
Tudo
o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não
se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso,
o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto
dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço
diferença que se sinta.
O
verdadeiro sábio é aquele que assim se dispõe –
os acontecimentos exteriores o alterem minimamente. Para isso, precisa couraçar-se
cercando-se de realidades mais próximas de si do que os fatos, e
através das quais os fatos, alterados para de acordo com elas, lhe
chegam.
Sábio
é quem monotoniza a existência, pois, então, cada pequeno
incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões
não tem aventura para além do terceiro leão. Para o
meu cozinheiro monótono, uma cena de bofetadas na rua tem sempre
qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no
infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que
viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a Terra não
encontra, de cinco mil milhas em diante, novidade, porque encontra só
coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito
abstrato de novidade ficou no mar com a segunda delas.
Agir – eis a inteligência
verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito
está em ter êxito, e não em ter condições
de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra
larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?
A
maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem
vulgar, sentir é viver e pensar; é saber viver. Para mim,
pensar é viver; e sentir não é mais que o alimento
de pensar.
Querer
não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só
depois de poder. Quem quer nunca há de poder, porque se perde em
querer.
O
próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais
na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.
Conformar-se
é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso,
toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre
todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à
luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só
pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor.
Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima
sempre. O melhor e o mais púrpura é abdicar. O Império
Supremo é o do Imperador que abdica de toda a vida normal, dos outros
homens, em que o cuidado da supremacia não pesa como um fardo de
jóias.
Pacto
estabelecido entre Alexander Search (um heterônimo da juventude de
Fernando Pessoa) e Jacob Satanás: Nunca desistir ou recuar
no propósito de fazer o bem à Humanidade. Nunca escrever coisas,
sensuais ou de outra forma más, que possam prejudicar ou fazer mal
aos que as leiam. Nunca esquecer, ao atacar a religião em nome da
verdade, que a religião dificilmente pode ser substituída,
e que o pobre homem chora na escuridão. Nunca esquecer o sofrimento
e a dor dos homens.
Considero
um sonho como considero uma sombra. Uma sombra é real, mas é
menos real que uma pedra. Um sonho é real –
senão não era sonho –
mas é menos real que uma coisa. Ser real
é ser assim.
Eu
não tenho teorias. Eu não tenho filosofia. Eu vejo, mas não
sei nada. Chamo a uma pedra uma pedra para a distinguir de uma flor ou de
uma árvore, enfim, de tudo quanto não seja pedra. Ora, cada
pedra é diferente de outra pedra, mas não é por não
ser pedra: é por ter outro tamanho e outro peso e outra forma e outra
cor. E também por ser outra coisa. Chamo a uma pedra e a outra pedra
– ambas pedras –
porque são parecidas uma com a outra naquelas
coisas que fazem a gente chamar pedra a uma pedra. Mas, na verdade, a gente
devia dar a cada pedra um nome diferente e próprio, como se faz aos
homens; isso não se faz porque seria impossível arranjar tanta
palavra, mas não porque fosse erro...
A
única coisa boa que há em qualquer pessoa é o que ela
não sabe.
Nós não podemos viver
sem idéias abstratas, porque sem elas não podemos pensar.
O que devemos é furtar-nos a atribuir-lhes uma realidade que não
derive da matéria de onde as extraímos. Assim acontece aos
deuses. As idéias
abstratas não têm realidade verdadeira: têm, porém,
uma realidade humana, relativa apenas ao lugar que o animal homem tem na
Terra. Os deuses pertencem à categoria das abstrações,
no que respeita à sua relação com a realidade; mas
não pertencem a essa categoria como abstrações, porque
o não são. Como as idéias abstratas nos servem para
nos conduzirmos entre as coisas, os deuses servem-nos também para
nos conduzirmos entre homens. Os deuses são, portanto, reais e irreais
ao mesmo tempo. São irreais porque não são realidades;
mas são reais porque são abstrações concretizadas.
Uma abstração concretizada passa a ser pragmaticamente real;
uma abstração não-concretizada não é
real mesmo pragmaticamente. Platão, erigindo em pessoas abstratas
as idéias, seguiu o velho processo pagão da criação
de deuses; colocou, porém, os seus deuses longe demais. Uma idéia
só se torna um Deus quando é devolvida à concreção.
Passa, então, a ser uma força da Natureza. Isso é um
Deus. Se isto é uma realidade ou não, não sei. Pessoalmente,
creio na existência dos deuses; creio no seu número infinito,
na possibilidade de o homem ascender a Deus. O criador de civilização
é uma força da Natureza; é, portanto, um Deus ou um
semi-deus.
Creio
na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses
mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subtilizando
até se chegar a um Ente Supremo – que presumivelmente criou
este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam
criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente
ou não. Por estas razões, e ainda outras, a Ordem Extrema
do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita (exceto a Maçonaria
anglo-saxônica) a expressão «Deus», dadas as suas
implicações teológicas e populares, e prefere dizer
«Grande Arquiteto do Universo», expressão que deixa em
branco o problema de se Ele é criador ou simples Governador do mundo.
Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação
direta com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual,
poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos. Há três
caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas
como as do espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que
é magia também), o caminho místico, que não
tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o que se chama
o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito
de todos, porque envolve uma transmutação da própria
personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os
outros caminhos não têm. Quanto à «Iniciação»
ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde
à sua pergunta: não pertenço a Ordem Iniciática
nenhuma.
A
Consciência é, para nós, incognoscível; só
podemos saber que Ela é Consciência. Mas não é
só isto. Não pode ser conhecida; não há que
haver conhecimento dela. Aquilo a que se chama «conhecimento»
é uma coisa que só se pode ter do mundo exterior. Conhecer
uma coisa é apreendê-la sob quantos aspectos ela comporta sob
os nossos sentidos. Não pode, portanto, haver conhecimento da Consciência;
porque, mesmo que conhecimento signifique propriamente consciência,
não há consciência da Consciência, por muito que
pareça que a há. A Consciência é.
O
mundo-exterior é real como nos é dado. A diferença
que há entre a minha visão do mundo e a dos outros é
uma diferença de sistemas nervosos. Os sistemas nervosos são
partes dessa realidade exterior. A ciência estuda – não
as leis fundamentais do mundo-exterior ou Realidade, porque não há
leis fundamentais do mundo-exterior: ela é a sua própria lei
–
mas as normas segundo as quais os fenômenos
se manifestam, isto, não com o fim de saber, mas com o fim de utilizar
para nosso conforto e proveito os «conhecimentos» adquiridos.
Toda
a Filosofia labora num p[rimeir]o erro que consiste fundamentalmente em
atribuir à Matéria qualidades que nos vêm de analisar
ou «ter consciência» do nosso espírito, e num segundo
erro maior que consiste em atribuir ao (nosso) espírito, à
Consciência em geral, qualidades que provêm de termos cada um
um psiquismo; o que afinal depende de termos, cada um, um corpo. A Filosofia
é um antropomorfismo em todos os sistemas; atribuímos à
Natureza as qualidades que nós temos – ter um todo, como nós
etc. E a espontânea atitude poética de atribuir sentimentos
aos rios, às pedras etc. provém precisamente do mesmo antropomorfismo
fundamental do nosso espírito.
Quanto
mais a evolução se complica, mais complexo e nítido
vai sendo o nosso senso da Realidade. Ela é cada vez mais real, mais
material. Se a «espiritualidade» importa um apagamento do senso
das coisas, nada há tão espiritual como uma ameba, e um pargo
ou uma pescada têm vantagens espirituais sobre o homem. O espiritualismo
e o idealismo são estados regressivos da mentalidade humana; como
que saudades de épocas pré-humanas do cérebro em que
o exterior era menos complexo. A tendência espiritualista ou idealista
é uma incapacidade de arcar de frente com a complexidade da Natureza.
Querer simplificar a Natureza é querer ter dela um sentido de peixe
ou de invertebrado mesmo.
Querer
encontrar às coisas um íntimo sentido, uma «explicação»
qualquer é, no fundo, querer simplificá-las, querer pô-las
em um nível em que caiam sob um sentido só – o que aconteceu
em épocas idas a bichos nossos antepassados pouco abundantes de sentidos.
A
função própria da inteligência é servir
à vida. O emprego da inteligência, em filosofar, só
pode ter, pois, legitimamente, um qualquer sentido utilitário. (Querer
descobrir a verdade pode ter um fim utilitário no conceito religioso
de querer saber qual deve ser a nossa conduta, para obter o paraíso,
por exemplo). A Ciência deve servir à vida. A arte tem por
fim repousar o espírito. É o sono das civilizações.
A Filosofia entra na categoria da arte. A Filosofia foi primeiro uma «ciência»:
tinha por fim descobrir a verdade para o fim utilitário de nos governarmos
na vida; porque, se se julga que há uma vida futura, com castigos
e recompensas, não é por certo pouco importante saber-se o
que se deve fazer para evitar uns e merecer outros. Hoje, a Filosofia deve
passar a ser uma arte – a arte de construir sistemas do Universo,
sem outro fim que o de entreter e distrair, publicando belos sistemas.
O
essencial na arte é exprimir; o que é expresso não
interessa... A arte é auto-expressão, fazendo por ser absoluta...
A obra de arte é primeiro 0bra, depois obra de arte.
O
espírito, à medida que aumenta a sua atividade, busca novos
modos de repouso. A arte é o mais elevado deles.
Todas
as manifestações do espírito humano passam por três
períodos. No primeiro, elas, rudimentares então, são
um modo de procurar repouso e variedade. No segundo, são um modo
de procurar repouso ainda, mas buscando-o não já pelo sossego
dos sentidos, senão que pelo sossego dos sentimentos. No terceiro
período, procura-se ainda obter repouso, mas, então, o processo
é procurar sossegar a inteligência. O espírito humano
evolui do simples para o complexo, e é preciso notar que o clássico
é que é o complexo e o romântico é que é
o simples. Na arte, exemplificando: o primitivo, que vive só de sentidos
ou predominantemente dos sentidos, busca com a sua arte rudimentar, repousar
da vida entretendo os sentidos com cores vivas, ruídos violentos,
movimentos excitantes; o homem que avançou mais um passo, e é
já civilizado, procura, porque criou sentimentos definidos, sossegar
esses sentimentos, entretê-los, e entretê-los é dar expressão
ao seu conteúdo; o homem chegado ao limite do seu desenvolvimento
criou já um estado definido de inteligência, e esse procura
sossegar a sua inteligência não já dando expressão
a sentimentos ou satisfazendo as rudimentares exigências dos sentidos.
No terceiro período atingiu-se a plena abstração, isto
é, o poder pleno de medir uma coisa intelectualmente.
O pensamento é um ato que
não se socializa.
O
mundo tem o usufruto
da realidade que pertence ao Ser.
Com
os gregos nasceu a ciência propriamente dita – o espírito
científico, a mentalidade superior. Antes disso bastava, ao fazer
Filosofia, criar um sistema que não se contradissesse a si próprio;
depois passou a ser preciso criar um sistema que não contradissesse
os fatos. Os fatos nasceram na Grécia. Só na Grécia
é que a Filosofia começou propriamente a separar-se da religião
– a não buscar, portanto, satisfazer os nossos sentimentos,
mas a noção das coisas.
Deus
é o existirmos...
Alguns
têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não
têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.
O
Buraco Negro do Não-sonho
A minha curiosidade por todas as
coisas, ligada à minha curiosidade por mim próprio, conduz
à tentativa de entender a minha personalidade.
Considerar a nossa maior angústia
como um incidente sem importância, não só na vida do
Universo, mas da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria.
O provincianismo consiste em pertencer
a uma civilização sem tomar parte do desenvolvimento superior
dela; em segui-la, pois, mimeticamente com uma insubordinação
inconsciente e feliz.
Viver
é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente
como ontem se sentiu. Sentir hoje o mesmo que ontem não é
sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver
vivo do que ontem foi a vida perdida.
Nunca
amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a idéia que fazemos
de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é
a nós mesmos –
que amamos. Isso é verdade em toda a escala
do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio
de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso
dado por intermédio de uma idéia nossa.
Ver
e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém.
Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia
é nunca tocar.
O
pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na
proporção em que não tiver elegância, perderá
a ação sobre os outros. A força sem a destreza é
uma simples massa.
Tudo
o que existe existe, talvez, porque outra coisa existe. Nada é, tudo
coexiste: talvez assim seja certo.
A vida é para nós o
que concebemos dela. Para o rústico, cujo campo lhe é tudo,
esse campo é um império. Para o César, cujo império
lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre
possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não
possuímos mais do que as nossas próprias sensações;
nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar
a realidade da nossa vida.
Tudo,
em nós, está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso
conceito do mundo é modificar o mundo para nós; isto é,
é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós,
senão o que é para nós.
Pode ser que nos guie uma ilusão;
a consciência, porém, é que nos não guia.
O povo nunca é humanitário.
O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção
estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre
que possível, dos interesses alheios.
Para
realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele
a atenção. Por isso, realizar é não
realizar.
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Despreza
tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te
julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso.
O
gênio, o crime e a loucura provêm, por igual, de uma anormalidade:
representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.
Renúncia
é libertação. Não querer é poder.
Todos temos por onde sermos desprezíveis.
Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma
lhe pede para fazer.
A
liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível
viver só, nasceste escravo.
A única atitude intelectual
digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão
por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa
atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é
tão invejável que é preciso tê-la.
A celebridade é uma contradição.
Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas
as desvaloriza e enfraquece.
O
fim da arte inferior é agradar; o fim da arte média é
elevar; o fim da arte superior é libertar.
Tudo
quanto vive vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre.
Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa; constantemente se nega,
se furta à vida.
A experiência direta é
o subterfúgio ou o esconderijo daqueles que são desprovidos
de imaginação. Os homens de ação são
os escravos dos homens de entendimento. As coisas não valem senão
na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que os
outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas.
Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.
Adoramos
a perfeição porque não a podemos ter; repugna-la-íamos,
se a tivéssemos. O perfeito é desumano porque o humano é
imperfeito.
Os
homens são fáceis de afastar. Basta não nos aproximarmos.
Nenhuma idéia brilhante consegue
entrar em circulação, se não agregando a si qualquer
elemento de estupidez. O pensamento coletivo é estúpido porque
é coletivo: nada passa às barreiras do coletivo sem deixar
nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que
traga consigo.
Possuir é perder. Sentir sem
possuir é guardar porque é extrair de uma coisa a sua essência.
Outras
vezes ouço passar o vento... E acho que só para ouvir passar
o vento vale a pena ter nascido.
Se
tenho de sonhar, porque não os meus próprios sonhos?
Ó
noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa do
tamanho do Universo, torna-me, corpo e alma, parte do teu corpo; que eu
me perca em ser mera treva e me torne noite também, sem sonhos que
sejam estrelas em mim, nem Sol esperado que ilumine do futuro.
O verdadeiro cadáver não
é o corpo, mas aquilo que deixou de viver...
Pedras no caminho? Guardo todas.
Um dia vou construir um castelo...
A
existência do dom de profecia é afirmada por muitos e negada
por muitos. Na maioria dos casos, ou a linguagem profética é
tão obscura que dela se pode fazer aplicação a qualquer
fato, ou a abundância de pormenores é tão grande que
dificilmente se encontrará um fato a que um ou outro dos pormenores
se não possa ajustar. De sorte que o problema fundamental fica na
mesma. Os que afirmam a existência do dom profético apontam
o fato justificativo; os que lhe negam a existência apontam que qualquer
fato, ainda que fosse contrário do que se deu, serviria igualmente,
e, portanto, com igual inutilidade, de justificação. Há,
contudo, profecias que são simples e claras, como a célebre
quadra das Centúrias de Nostradamo, em que, com mais de dois séculos
de antecedência, o advento de Napoleão se indica e o seu caráter
se define. É a quadra que começa: «Um imperador nascerá
ao pé de Itália» — Un Empereur naistra prés
d'Italie... Estas profecias que são claras versam em geral fatos:
são como pequenos artigos de pequena enciclopédia, resumindo
a história às avessas, isto é, antes de ela existir.1
Há, porém, um caso curioso de profecia clara, que contém,
com vinte e dois anos de antecipação, não a indicação
de fatos futuros, mas o comentário justo e preciso deles, como se
os supusesse conhecidos. E esse vaticínio tem ainda de mais curioso
o não ser, suponho, de um profissional da profecia. No jornal italiano
Avanti, de 21 de janeiro de 1913, vem inserto um artigo em que se lê
o seguinte, que peço ao leitor que, palavra a palavra, acompanhe
e medite:
Ignoro
a que propósito imediato se escreveram essas linhas. Ignoro e não
importa. São elas o mais justo, o mais claro e o mais cruel comentário
de quanto hoje, vinte e dois anos depois, se está passando na Itália,
ou, melhor, com a Itália. Ao jornalista casual coube um lampejo de
verdadeiro espírito profético. Felizmente o artigo é
assinado, de sorte que não falta o nome, nem, portanto, a honra ao
iluminado dessa súbita inspiração. O autor do artigo
do Avanti é o Sr. Benito Mussolini.2
Não
é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que
fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena
fazer nada…
Não há normas. Todos
os homens são exceção a uma regra que não existe.
Nunca
ninguém se perdeu. Tudo é Verdade e Caminho.
Sentir
é criar. Sentir é pensar sem idéias, e, por isso, sentir
é compreender, visto que o Universo não tem idéias.
Não
conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la
grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha
desse fogo.
Tudo
vale a pena quando a alma não é pequena.
A
dupla essência, masculina e feminina, de Deus – a Cruz. O mundo
gerado, a Rosa, crucificado em Deus.
Deus
é o sentido para onde tendem todas as inteligências que governam
este mundo contra a vontade satânica da sua matéria inerte.3
Como o ponto para onde tendem existe já, porque o tempo é
uma ilusão, Deus é; como tendem para a Absoluta Perfeição,
Deus é Perfeição Absoluta; como tendem para a Suprema
Beleza, Deus é a Beleza Suprema. O Universo está já
onde estará, e já isto é Deus.
Morrer
é a curva da Estrada.
Cada
vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica
do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria
e de contribuir para a evolução da Humanidade.
A
Verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa!
Na
eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são
verdade.
Tudo
que se passa no onde vivemos é em nós que se passa. Tudo que
cessa no que vemos é em nós que cessa. Tudo que foi, se o
vimos quando era, é de nós que foi tirado quando partiu.

______
Notas:
1.
Acho que aqui se equivocou Fernando Pessoa. Não há profecia
que, resumindo a
história às avessas, isto é, antes de ela existir,
possa vaticinar nada. Ora, se o passado é presente, se o presente
é presente e se o futuro também é presente, uma profecia
nada mais é do que o presente que está a acontecer, mas que
ainda não foi percebido, sentido, vivenciado. O tempo é; não
foi nem será. Tanto quanto o passado, o futuro é uma ilusão
dos nossos sentidos.
2. Benito
Amilcare Andrea Mussolini (Predappio, 29 de julho de 1883 – Mezzegra,
28 de abril de 1945) foi um político italiano que liderou o Partido
Nacional Fascista e é creditado como sendo uma das figuras-chave
na criação do Fascismo. Tornou-se o Primeiro-ministro da Itália
em 1922, e começou a usar o título Il Duce desde 1925. Após
1936, seu título oficial era Sua
Excelência Benito Mussolini, Chefe de Governo, Duce do Fascismo e
Fundador do Império. Mussolini também criou e
sustentou a patente militar suprema de Primeiro Marechal do Império,
junto com o Rei Vítor Emanuel III da Itália, quem lhe deu
o título, tendo controle supremo sobre as forças armadas da
Itália. Mussolini permaneceu no poder até ser substituído
em 1943; por um curto período, até a sua morte, ele foi o
líder da República Social Italiana.
3. Isto
só pode ser entendido em termos simbólicos ou alegóricos,
pois, como não há propriamente inércia (falta de ação
ou de atividade) no Universo, não pode haver inércia na matéria.
Na aparente inércia da matéria sempre há algum tipo
intrínseco de [re]ação, de agitamento ou de movimento.
(Na Mecânica Clássica e na Teoria da Relatividade Restrita,
sistemas inerciais podem ser identificados de uma forma muito simples, a
saber: sistema inercial é aquele em que os Símbolos de Christoffel,
obtidos a partir da função lagrangeana, se anulam.)
Bibliografia:
PESSOA,
Fernando. Obra
poética e em prosa. Volume II, prosa; volume
III, prosa. Organização, introduções e notas
do meu querido e saudoso amigo António Quadros. Porto: Lello &
Irmão - Editores, 1986.
Páginas
da Internet consultadas:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Referencial_inercial
http://sushibandit.com/?cat=408
http://www.ronaud.com/frases-
pensamentos-citacoes-de/fernando-pessoa/1/
http://www.ronaud.com/frases-
pensamentos-citacoes-de/fernando-pessoa
http://arquivopessoa.net/textos/1155
http://pensador.uol.com.br/
autor/Fernando_Pessoa/5/
http://media.photobucket.com/
http://meta-humanas.blogspot.com/2010/06/
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labirinto/filosofia/1
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labirinto/heteronimia/13
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labirinto/heteronimia/7
http://pensador.uol.com.br/
autor/Fernando_Pessoa/
http://pensador.uol.com.br/
autor/Fernando_Pessoa/
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Fernando_Pessoa
Música
de fundo:
Foi
Deus
Composição: Alberto Janes
Interpretação: Amalia Rodrigues
Fonte:
http://mp3skull.com/mp3/
foi_deus_amalia_rodrigues.html