Lembrar
[ou
aprender] nada mais é
do que recordar.
A
Alma pensa melhor quando nada tem a perturbá-La, nem a vista
nem o ouvido, nem a dor nem o prazer de espécie alguma. Concentrada
ao máximo em si mesma, dispensa a companhia do corpo, evitando,
tanto quanto possível, qualquer comércio com ele,
e esforça-se por apreender a verdade.
Nenhuma
Alma é mais Alma ou menos Alma do que outra, o que equivale
a aceitar que nenhuma harmonia poderá ser mais harmonia ou
maior – ou o inverso – do que outra. Logo, nunca a Alma
poderá participar do vício, se ela for, de fato, harmonia,
pois a harmonia, evidentemente, sendo sempre de maneira perfeita,
o que é, a saber, harmonia, não participará
da desarmonia.
Quando
a Alma se serve do corpo para considerar alguma coisa por intermédio
da vista ou do ouvido ou por qualquer outro sentido – pois
considerar seja o que for por meio dos sentidos é fazê-lo
por intermédio do corpo – é arrastada por ele
para o que nunca se conserva no mesmo estado, passando a divagar
e a perturbar-se, ficando tomada de vertigens como se estivesse
embriagada, pelo fato de entrar em contato com tais coisas.
Os
que põem a persuasão em primeiro plano que, em qualquer
discussão, relegam para segundo plano a natureza real das
questões a tratar, e se empenham exclusivamente em convencer
os seus ouvintes das opiniões que eles mesmos sustentam.
O
Filósofo calando em si a violência das paixões,
segue na via do raciocínio para jamais a abandonar, e contempla
o que é verdadeiro, divino e não sujeito às
contingências da opinião.
Não
testar em todos os seus aspectos as afirmações que
se produzem ou renunciar a fazê-lo antes de ter esgotado todas
as possibilidades de exame é um sinal de fraqueza de espírito.
O
exercício próprio dos filósofos não
é precisamente libertar a Alma e afastá-la do corpo?
Tanto
os vivos provêm dos mortos como os mortos dos vivos. Sendo
assim, quer me parecer que as Almas dos mortos terão necessariamente
de estar em alguma parte, de onde voltam a viver.
O
reviver é um fato, os vivos provêm dos mortos, as Almas
dos mortos existem, sendo melhor a sorte das boas e pior a das más.
Se
as Almas existem antes do nascimento, e se, necessariamente, para
começarem a vida e existirem, não poderão provir
de outra parte a não ser da morte do que está morto,
não será forçoso que continuem a existir depois
da morte, para renascerem?
Quanto
a Deus, à idéia da Vida e a tudo o mais que possa
haver de imortal, todos estão de acordo em que nunca podem
parecer.
É
possível que todos os que se dedicam verdadeiramente
à Filosofia, a nada mais aspirem do que a morrer e estarem
mortos.
Se
a alma for imortal, exigirá cuidados de nossa parte não
apenas nesta porção do tempo que denominamos vida,
senão o tempo todo em universal.
Se,
de fato, existem coisas como essas que temos constantemente nos
lábios, um Belo, um Bem, e toda a espécie de realidade
afim, se é esta que tomamos como ponto de referência
de tudo o que os sentidos nos transmitem e a ela reportamos os dados
recebidos, em virtude de a redescobrirmos como coisa anterior e
nossa, forçosamente, então na medida em que tais realidades
existem, assim também a nossa Alma existia antes de nascermos.
A
realidade sensível é uma realidade visível
que podemos tocar, ver e aprender pelos sentidos. Já a Verdadeira
Realidade mantém a sua identidade própria e não
é acessível aos nossos sentidos. Jamais teremos meios
de captá-la a não ser pelo raciocínio e pela
inteligência, pois que se trata de coisa invisível
que a vista não capta.
É
por causa do Belo que as coisas são belas.
Se
existe algo belo além do Belo-em-si, só poderá
ser belo por participar do Belo-em-si.
Ao
vires um homem se revoltar no instante de morrer, não será
isso prova suficiente de que não se trata de um amante da
sabedoria, porém, amante do corpo? Um indivíduo nessas
condições, também será, possivelmente,
amante do dinheiro ou da fama, se não o for de ambos ao mesmo
tempo.
Tanto
a Grandeza-em-si-mesma não deseja ser grande e pequena ao
mesmo tempo, como a própria grandeza presente em nós
não aceita jamais a pequenez nem consente em ser ultrapassada.
De duas uma terá de ser: ou ela foge e sai do caminho quando
dela aproxima seu contrário – a pequenez – ou,
com sua chegada, deixa de existir. O que de nenhum modo deseja é
consentir em ser pequena. O mesmo vale para a pequenez em nós,
que nunca se decide a se tornar grande ou a ser grande. Isto também
se dá com todos os contrários, enquanto cada um é
o que é, recusando-se a se tornarem e serem ao mesmo tempo
o seu contrário, retirando-se ou desaparecendo quando essa
conjuntura se apresenta.
Os
contrários não coexistem nem podem coexistir em um
mesmo sujeito.
Uma
coisa oposta tem origem na que lhe é oposta.
O
oposto, em si mesmo, jamais poderá se tornar o seu oposto,
tanto o que existe em nós como o que existe em a Natureza.
A
Alma é imortal.
Quando
a morte sobrevém ao homem, é a sua parte mortal que
morre; a outra, a imortal, subtrai-se à morte e escapa a
salvo, isenta de destruição.
Quem
se esforçou durante toda a sua vida por praticar a virtude,
viveu de acordo com a razão e submeteu o corpo ao seu controle
deverá acreditar que à sua Alma será reservado
o melhor dos destinos.
Cabe
ao corpo, por essência, obedecer, e à Alma, por essência,
comandar.
A
Alma do Filósofo, enquanto viver, deve, guiada pelo raciocínio
e cingindo-se sempre a ele, acalmar as paixões e não
afastar os olhos do que é verdadeiro, divino e superior à
opinião; depois da morte, há de ir para o que tem
afinidade e para o que lhe é semelhante, livre já
dos males que atormentam o homem.
A
aprendizagem é uma reminiscência.
A
misologia
[ódio, aversão à lógica, ao raciocínio
lógico, ao discurso lógico, à razão,
à arte do raciocínio]
e a misantropia [ódio
pela Humanidade] têm a mesma origem. O ódio
aos homens nasce do excesso de confiança sem razão
de ser, quando consideramos alguém fiel, sincero e verdadeiro,
e logo depois descobrimos que se trata de pessoa corrupta e desleal,
e depois outra mais nas mesmas condições. Vindo isso
a se repetir várias vezes com o mesmo paciente, principalmente
se se tratar de amigos íntimos e companheiros de alto crédito,
depois de decepções seguidas, acaba essa pessoa por
odiar os homens e acreditar que ninguém é sincero.
Não
permitamos o ingresso em nossa Alma da idéia de que não
há nada são em nosso raciocínio; digamos, isto
sim, que nós é que ainda não estamos suficientemente
sãos, mas que devemos nos esforçar para alcançar
esse desiderato.
O
mito não possui veracidade; mas fica bem sustentar que as
coisas se passam mais ou menos como o mito descreve.
Todo
e qualquer ato de geração se processa dos contrários
para os contrários.
Quando
olhamos para duas coisas que classificamos de iguais acontece o
seguinte processo: ao olharmos para essas coisas, recordamo-nos
da Idéia de igualdade, e só por isso podemos dizer
que essas coisas são iguais.
Donde se segue que antes de começarmos a ver, a ouvir e a
gozar dos restantes sentidos, deveríamos já ter um
conhecimento do Igual em Si.
Outra
causa não têm as guerras senão o amor ao dinheiro
e aos bens que nos vemos forçados a adquirir por causa do
corpo, visto sermos obrigados a servi-lo.
Não
é permitido ao impuro entrar em contato com o Puro.
Só
há uma moeda verdadeira pela qual tudo deva ser trocado:
a Sabedoria.
Muitos
são os portadores de tirso, porém, pouquíssimos
são os verdadeiros inspirados.
Se
a Alma é pura e viveu recolhida em si mesma, no rigoroso
sentido da expressão, tendo sempre como preocupação
exclusiva o filosofar, no momento de sua libertação
se dirige para o que se lhe assemelha, para o invisível,
divino, imortal e inteligível, onde, ao chegar, vive feliz,
liberta do erro, da ignorância, do medo, dos amores selvagens
e dos outros males da condição humana, passando –
tal como se diz dos Iniciados – a viver o resto do tempo na
companhia dos deuses.
No
caso, porém, de a Alma estar manchada e impura ao se separar
do corpo, por ter convivido sempre com ele, cuidado dele e de o
ter amado e de estar fascinada por ele e por seus apetites e deleites
– a ponto de só aceitar como verdadeiro o que tivesse
forma corpórea, que se pode ver, tocar, beber, comer ou servir
para o amor – no momento em que deixa o corpo, em todo saturada
de elementos corpóreos que com ela cresceram como resultado
de sua familiaridade, continua sua comunicação com
ele, de que nunca se separou e de que sempre cuidou. A Alma, com
essa sobrecarga, torna-se pesada, é arrastada para a região
visível e rola por entre os monumentos e os túmulos,
na proximidade dos quais têm sido vistos fantasmas tenebrosos.
A
Alma que se acha impura pela prática do mal, de homicídios
injustos ou de crimes semelhantes, tomada de grande perplexidade,
vagueia por todos os lugares até escoar-se certo tempo, depois
do que a arrasta a Necessidade para a moradia que lhe foi determinada.
Para
a Raça dos Deuses não é permitido passar os
que não praticaram a Filosofia nem partiram inteiramente
puros, mas apenas os amigos da Sabedoria.
A
Filosofia [a
Iniciação]
fala com doçura e procura libertar a Alma, mostrando-lhe
quão cheio de ilusões é o conhecimento adquirido
por meio dos olhos, quão enganador é também
o conhecimento dos ouvidos e dos demais sentidos, aconselhando-a
a abandoná-los e a não fazer uso deles (mas apenas
o necessário), e a recolher-se e concentrar-se em si-mesma
e só a acreditar em si própria e no que ela em si
mesma apreender da realidade-em-si, bem como o inverso, ou seja:
a não aceitar como verdadeiro tudo o que ela considerar por
meios que, em cada caso, se modificam, pois as coisas desses gênero
são sensíveis e visíveis, ao passo que é
inteligível e invisível o que ela vê por si-mesma.
A
Alma do Filósofo [Iniciado]
não admite que a Filosofia deva libertá-La, para,
depois de livre, entregar-se de novo aos prazeres e às dores
e voltar a acorrentar-se, deixando nulo seu esforço anterior.
Ao contrário: alcançando a calmaria das paixões
e guiando-se pela razão, sem nunca a abandonar, contempla
o que é verdadeiro e divino e que paira acima das opiniões,
certa de que precisará viver assim a vida toda, para, depois
da morte, unir-se ao que lhe for aparentado e da mesma natureza,
liberta das misérias humanas.
Se
o imortal também for imperecível, a Alma, sempre que
a morte se aproximar dela, não poderá morrer, pois,
ela não admitirá a morte nem virá a morrer,
da mesma forma que o três nunca poderá ser par [e
a Santa Vida, que, em um certo sentido, é par, nunca poderá
levar à morte, que, em outro sentido, é ímpar].
Só
se deve morrer com palavras de bom agouro... Critão, devemos
um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar
essa dívida!