FÉDON

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

FÉDON

(Fragmentos)

 

 

 

 

Introdução e Objetivo

 

 

 

Fédon é o título de uma obra filosófica escrita pelo Grande Iniciado Platão (Atenas, 428/27 – Atenas, 347 a.C.)) que, através de diálogos, relata os últimos ensinamentos do Filósofo Sócrates, antes de tomar a cicuta (pois fora condenado à morte pelo Estado por impiedade), na qual são discutidos, particularmente, temas relacionados com a morte, a idéia e o destino da alma depois da morte. Segundo alguns filósofos, este é um diálogo que não pertence à fase socrática de Platão. Por este motivo, admite-se que Platão estaria apenas usando a imagem de Sócrates para divulgar seu próprio projeto filosófico. Isto pode ser observado em determinadas passagens do Fédon, como, por exemplo, naquela em que Cebes comenta: Como o que costumas dizer amiúde: lembrar nada mais é que recordar. Este excerto mostra claramente a idéia de Platão acerca do Mundo das Idéias – sua máxima Teoria.

 

Platão recebeu uma influência marcante e muito significativa da Religião Órfica, que admitia a preexistência da personalidade-alma e a reencarnação (necessidade). O diálogo Fédon é uma reflexão literária desta influência, na qual Platão faz seu primeiro postulado acerca da personalidade-alma.

 

Em resumo, para Platão, o corpo, ao mesmo tempo em que pode atrapalhar o pensamento filosófico, como distração dos sentidos, também está ligado a esse pensar. Há, portanto, inevitavelmente, uma interdependência e uma diferença entre os planos da percepção e da inteligibilidade.

 

Neste sentido, este estudo, sob a forma de fragmentos (alguns ligeiramente editados), resume os aspectos principais do pensamento platônico, todos garimpados no Fédon, a respeito dos temas acima assinalados.

 

 

 

Sócrates
Platão
Sócrates
Platão

 

 

 

A Morte de Sócrates

A Morte de Sócrates
Jacques-Louis David (1748 – 1825)

 

 

 

 

Fragmentos Garimpados no Fédon

 

 

 

 

Lembrar [ou aprender] nada mais é do que recordar.

 

A Alma pensa melhor quando nada tem a perturbá-La, nem a vista nem o ouvido, nem a dor nem o prazer de espécie alguma. Concentrada ao máximo em si mesma, dispensa a companhia do corpo, evitando, tanto quanto possível, qualquer comércio com ele, e esforça-se por apreender a verdade.

 

Nenhuma Alma é mais Alma ou menos Alma do que outra, o que equivale a aceitar que nenhuma harmonia poderá ser mais harmonia ou maior – ou o inverso – do que outra. Logo, nunca a Alma poderá participar do vício, se ela for, de fato, harmonia, pois a harmonia, evidentemente, sendo sempre de maneira perfeita, o que é, a saber, harmonia, não participará da desarmonia.

 

Quando a Alma se serve do corpo para considerar alguma coisa por intermédio da vista ou do ouvido ou por qualquer outro sentido – pois considerar seja o que for por meio dos sentidos é fazê-lo por intermédio do corpo – é arrastada por ele para o que nunca se conserva no mesmo estado, passando a divagar e a perturbar-se, ficando tomada de vertigens como se estivesse embriagada, pelo fato de entrar em contato com tais coisas.

 

Os que põem a persuasão em primeiro plano que, em qualquer discussão, relegam para segundo plano a natureza real das questões a tratar, e se empenham exclusivamente em convencer os seus ouvintes das opiniões que eles mesmos sustentam.

 

O Filósofo calando em si a violência das paixões, segue na via do raciocínio para jamais a abandonar, e contempla o que é verdadeiro, divino e não sujeito às contingências da opinião.

 

Não testar em todos os seus aspectos as afirmações que se produzem ou renunciar a fazê-lo antes de ter esgotado todas as possibilidades de exame é um sinal de fraqueza de espírito.

 

O exercício próprio dos filósofos não é precisamente libertar a Alma e afastá-la do corpo?

 

Tanto os vivos provêm dos mortos como os mortos dos vivos. Sendo assim, quer me parecer que as Almas dos mortos terão necessariamente de estar em alguma parte, de onde voltam a viver.

 

O reviver é um fato, os vivos provêm dos mortos, as Almas dos mortos existem, sendo melhor a sorte das boas e pior a das más.

 

Se as Almas existem antes do nascimento, e se, necessariamente, para começarem a vida e existirem, não poderão provir de outra parte a não ser da morte do que está morto, não será forçoso que continuem a existir depois da morte, para renascerem?

 

Quanto a Deus, à idéia da Vida e a tudo o mais que possa haver de imortal, todos estão de acordo em que nunca podem parecer.

 

É possível que todos os que se dedicam verdadeiramente à Filosofia, a nada mais aspirem do que a morrer e estarem mortos.

 

Se a alma for imortal, exigirá cuidados de nossa parte não apenas nesta porção do tempo que denominamos vida, senão o tempo todo em universal.

 

Se, de fato, existem coisas como essas que temos constantemente nos lábios, um Belo, um Bem, e toda a espécie de realidade afim, se é esta que tomamos como ponto de referência de tudo o que os sentidos nos transmitem e a ela reportamos os dados recebidos, em virtude de a redescobrirmos como coisa anterior e nossa, forçosamente, então na medida em que tais realidades existem, assim também a nossa Alma existia antes de nascermos.

 

A realidade sensível é uma realidade visível que podemos tocar, ver e aprender pelos sentidos. Já a Verdadeira Realidade mantém a sua identidade própria e não é acessível aos nossos sentidos. Jamais teremos meios de captá-la a não ser pelo raciocínio e pela inteligência, pois que se trata de coisa invisível que a vista não capta.

 

É por causa do Belo que as coisas são belas.

 

Se existe algo belo além do Belo-em-si, só poderá ser belo por participar do Belo-em-si.

 

Ao vires um homem se revoltar no instante de morrer, não será isso prova suficiente de que não se trata de um amante da sabedoria, porém, amante do corpo? Um indivíduo nessas condições, também será, possivelmente, amante do dinheiro ou da fama, se não o for de ambos ao mesmo tempo.

 

Tanto a Grandeza-em-si-mesma não deseja ser grande e pequena ao mesmo tempo, como a própria grandeza presente em nós não aceita jamais a pequenez nem consente em ser ultrapassada. De duas uma terá de ser: ou ela foge e sai do caminho quando dela aproxima seu contrário – a pequenez – ou, com sua chegada, deixa de existir. O que de nenhum modo deseja é consentir em ser pequena. O mesmo vale para a pequenez em nós, que nunca se decide a se tornar grande ou a ser grande. Isto também se dá com todos os contrários, enquanto cada um é o que é, recusando-se a se tornarem e serem ao mesmo tempo o seu contrário, retirando-se ou desaparecendo quando essa conjuntura se apresenta.

 

Os contrários não coexistem nem podem coexistir em um mesmo sujeito.

 

Uma coisa oposta tem origem na que lhe é oposta.

 

O oposto, em si mesmo, jamais poderá se tornar o seu oposto, tanto o que existe em nós como o que existe em a Natureza.

 

A Alma é imortal.

 

Quando a morte sobrevém ao homem, é a sua parte mortal que morre; a outra, a imortal, subtrai-se à morte e escapa a salvo, isenta de destruição.

 

Quem se esforçou durante toda a sua vida por praticar a virtude, viveu de acordo com a razão e submeteu o corpo ao seu controle deverá acreditar que à sua Alma será reservado o melhor dos destinos.

 

Cabe ao corpo, por essência, obedecer, e à Alma, por essência, comandar.

 

A Alma do Filósofo, enquanto viver, deve, guiada pelo raciocínio e cingindo-se sempre a ele, acalmar as paixões e não afastar os olhos do que é verdadeiro, divino e superior à opinião; depois da morte, há de ir para o que tem afinidade e para o que lhe é semelhante, livre já dos males que atormentam o homem.

 

A aprendizagem é uma reminiscência.

 

A misologia [ódio, aversão à lógica, ao raciocínio lógico, ao discurso lógico, à razão, à arte do raciocínio] e a misantropia [ódio pela Humanidade] têm a mesma origem. O ódio aos homens nasce do excesso de confiança sem razão de ser, quando consideramos alguém fiel, sincero e verdadeiro, e logo depois descobrimos que se trata de pessoa corrupta e desleal, e depois outra mais nas mesmas condições. Vindo isso a se repetir várias vezes com o mesmo paciente, principalmente se se tratar de amigos íntimos e companheiros de alto crédito, depois de decepções seguidas, acaba essa pessoa por odiar os homens e acreditar que ninguém é sincero.

 

Não permitamos o ingresso em nossa Alma da idéia de que não há nada são em nosso raciocínio; digamos, isto sim, que nós é que ainda não estamos suficientemente sãos, mas que devemos nos esforçar para alcançar esse desiderato.

 

O mito não possui veracidade; mas fica bem sustentar que as coisas se passam mais ou menos como o mito descreve.

 

Todo e qualquer ato de geração se processa dos contrários para os contrários.

 

Quando olhamos para duas coisas que classificamos de iguais acontece o seguinte processo: ao olharmos para essas coisas, recordamo-nos da Idéia de igualdade, e só por isso podemos dizer que essas coisas são iguais. Donde se segue que antes de começarmos a ver, a ouvir e a gozar dos restantes sentidos, deveríamos já ter um conhecimento do Igual em Si.

 

Outra causa não têm as guerras senão o amor ao dinheiro e aos bens que nos vemos forçados a adquirir por causa do corpo, visto sermos obrigados a servi-lo.

 

Não é permitido ao impuro entrar em contato com o Puro.

 

Só há uma moeda verdadeira pela qual tudo deva ser trocado: a Sabedoria.

 

Muitos são os portadores de tirso, porém, pouquíssimos são os verdadeiros inspirados.

 

Se a Alma é pura e viveu recolhida em si mesma, no rigoroso sentido da expressão, tendo sempre como preocupação exclusiva o filosofar, no momento de sua libertação se dirige para o que se lhe assemelha, para o invisível, divino, imortal e inteligível, onde, ao chegar, vive feliz, liberta do erro, da ignorância, do medo, dos amores selvagens e dos outros males da condição humana, passando – tal como se diz dos Iniciados – a viver o resto do tempo na companhia dos deuses.

 

No caso, porém, de a Alma estar manchada e impura ao se separar do corpo, por ter convivido sempre com ele, cuidado dele e de o ter amado e de estar fascinada por ele e por seus apetites e deleites – a ponto de só aceitar como verdadeiro o que tivesse forma corpórea, que se pode ver, tocar, beber, comer ou servir para o amor – no momento em que deixa o corpo, em todo saturada de elementos corpóreos que com ela cresceram como resultado de sua familiaridade, continua sua comunicação com ele, de que nunca se separou e de que sempre cuidou. A Alma, com essa sobrecarga, torna-se pesada, é arrastada para a região visível e rola por entre os monumentos e os túmulos, na proximidade dos quais têm sido vistos fantasmas tenebrosos.

 

A Alma que se acha impura pela prática do mal, de homicídios injustos ou de crimes semelhantes, tomada de grande perplexidade, vagueia por todos os lugares até escoar-se certo tempo, depois do que a arrasta a Necessidade para a moradia que lhe foi determinada.

 

Para a Raça dos Deuses não é permitido passar os que não praticaram a Filosofia nem partiram inteiramente puros, mas apenas os amigos da Sabedoria.

 

A Filosofia [a Iniciação] fala com doçura e procura libertar a Alma, mostrando-lhe quão cheio de ilusões é o conhecimento adquirido por meio dos olhos, quão enganador é também o conhecimento dos ouvidos e dos demais sentidos, aconselhando-a a abandoná-los e a não fazer uso deles (mas apenas o necessário), e a recolher-se e concentrar-se em si-mesma e só a acreditar em si própria e no que ela em si mesma apreender da realidade-em-si, bem como o inverso, ou seja: a não aceitar como verdadeiro tudo o que ela considerar por meios que, em cada caso, se modificam, pois as coisas desses gênero são sensíveis e visíveis, ao passo que é inteligível e invisível o que ela vê por si-mesma.

 

A Alma do Filósofo [Iniciado] não admite que a Filosofia deva libertá-La, para, depois de livre, entregar-se de novo aos prazeres e às dores e voltar a acorrentar-se, deixando nulo seu esforço anterior. Ao contrário: alcançando a calmaria das paixões e guiando-se pela razão, sem nunca a abandonar, contempla o que é verdadeiro e divino e que paira acima das opiniões, certa de que precisará viver assim a vida toda, para, depois da morte, unir-se ao que lhe for aparentado e da mesma natureza, liberta das misérias humanas.

 

Se o imortal também for imperecível, a Alma, sempre que a morte se aproximar dela, não poderá morrer, pois, ela não admitirá a morte nem virá a morrer, da mesma forma que o três nunca poderá ser par [e a Santa Vida, que, em um certo sentido, é par, nunca poderá levar à morte, que, em outro sentido, é ímpar].

 

 

 

 

Só se deve morrer com palavras de bom agouro... Critão, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!

 

 

 

 

 

 

 

A Título de Epílogo

 

 

 

 

É uma desoladora desventura

existir para depois desviver.

de Morrer para poder Viver!

 

 

Outra insensatez-fedentina

é, sem saber, erudição arrotar.

O Iniciado mantém a disciplina

de conhecer sem cargosear.

 

 

Por fim, o que é a vida?

A vida é um reflexo da Santa LLuz

– uma expressão da Eterna Vida

à qual só o Mérito (re)conduz!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/cv000031.pdf

http://pt.wikipedia.org/
wiki/F%C3%A9don

 

Fundo musical:

Ta Pedia Tou Peiraia (Manos Xantzidakis)

Fonte:

http://www.astrofegia.com/Music.htm