pifenômeno
Alzheimer da Silva – Epi para os amigos e Epizinho para os seus mais
de mil amores – era um homem bonitão e inteligente, sexualmente
insaciável e comerciante espertíssimo que não estava
nem aí para o playback. Com ar de galhofa, costumava dizer:
— Dane-se
o planeta; eu me chamo Epifenômeno e sou mais traquinas que o capeta.
Se vacilar, não refresco. Ponho o sabre epifenomenal pra
funcionar.
Não
havia mulher que Epi não paquerasse, e em cada duas ganhava uma –
quando não faturava as duas! – o que, estatisticamente, é
inusitado e formidável, de dar inveja mesmo até no agente
secreto a serviço do Governo de Sua Majestade James Bond ou no diplomata,
jogador de pólo, piloto de automóveis e playboy
internacional Porfirio "Rubi" Rubirosa, que, segundo o escritor
norte-americano Truman Capote, possuía um membro genital com onze
polegadas rigorosamente exatas de comprimento!!! Nada mais nada menos. Ainda
hoje, os moedores de pimenta extralongos usados nos bistrôs franceses
são meigamente chamados de Rubirosas. Bem, para quem não
sabe, 1 polegada = 2,54 centímetros; agora, é só fazer
a conta. Eu, que já fiz rapidinho a conta de cabeça e fiquei
horripilado, só não sei como o senhor Capote, que adorava
chocolates com licor, conseguiu medir o fenômeno com tanta precisão.
Entretanto, cabe a pergunta: onze polegadas em posição de
sentido ou em posição de descançar? Oh!, dúvida
existencial atormentadora! Seja como for, Epi, que também jogava
no time dos epifenomenais, mas nem tanto, tinha uma garçonnière
na Avenida Prado Júnior, em Copacabana, no Rio de Janeiro, que era
freqüentada pelas mais belas mulheres da Cidade Maravilhosa. Deus?
Masculino? Nem pensar. — Agora,
se o supremo mandatário do Universo fosse uma deusa...
— troçava com bom humor. Acho isto meio desrespeitoso, mas...

Aos
cinqüenta anos, contrariando todas as expectativas e pegando os amigos
de surpresa, acabou se apaixonando por Maria, a cozinheira de uma lanchonete
da Rua do Lavradio, no Rio, em que costumava almoçar com uma certa
regularidade, e, inesperadamente, acabou se casando. De papel passado e
tudo; no civil e no religioso! No religioso, claro, só para satisfazer
o amor da sua vida. Como nos contos de fadas, os primeiros anos do casamento
foram esplendíssimos, mas, derrepentemente,
Epi começou a manifestar uma progressiva perda de memória,
passando a confundir, inclusive, ave esfenisciforme da família dos
esfeniscídeos com freira mendicante. Pode um treco destes? Confundir
pingüim com freira?
Se,
por exemplo, a esposa perguntava se ele queria almoçar, ou ele não
respondia ou dava uma resposta extravagante. Às vezes ficava imóvel
e mudo por horas. Outras vezes fazia xixi no sofá e cocô na
varanda do apartamento. O pior era a fedentina. Era bodum para maligno nenhum
botar defeito!
A
coisa foi piorando tanto, que a dedicada esposa o convenceu
a ir ao médico. Após alguns testes neuropsicológicos,
o médico deu o diagnóstico: — Seu
Alzheimer, é Alzheimer brabo misturado com debilidade senil no mais
alto grau. Eu,
se fosse o senhor, faria umas sessõezinhas de acupuntura e tomava
'Anacardium orientale'. Para
o seu caso, cairiam como uma luva. Epi deu de ombros, mas Maria
desmaiou.
Já
em casa, Maria comentou: —
E agora, Epizinho, o que vamos fazer? Estou preocupadíssima.
—
Você,
eu não sei; eu vou comer um sanduíche de melancia.
Espetadela de 'apuncuruta'
e ana-sei-lá-o-quê, nem morto.
—
Está
bem. Mas, sanduíche
de melancia,
querido? Agora? Acho meio indigesto. Daqui a pouco você vai dormir.
—
Vai
ser de melancia, sim, porque de jaca mole eu já enjoei. E a culpa
é sua, sua bruxa. Eu pedi para você comprar abóbora
e você me apareceu com dois quilos jiló. Sanduíche de
jiló, nem pra pagar promessa. Bruxa! Alcéia! Meméia!

Dois
anos depois, Maria, esgotada, desalentada pelo bochorno de uma vida que
prometia tudo, mas que deu em água de barrela, não resistiu:
teve um infarto fulminante e morreu em pé, na cozinha, com um olho
esbugalhado e outro fechado, enquanto preparava um sanduíche de lima-da-pérsia
para o seu amado Epizinho. Um horror horripilético! Olga –
uma abnegada empregada que, quando jovem, também não escapou
do sabre epifenomenal do Epifenômeno – passou a cuidar maternalmente
de Epi, como se ele fosse uma criança recém-nascida. Mas Epi,
que à essa altura já apresentava um quadro complicadíssimo
de agnosia e apraxia, só chamava Olga de Maria, e, sempre que ela
dava sopa, gemebunda e voluptuosamente ele a bolinava. Se ela se livrava
da situação embaraçosa, num rasgo de luzente lucidez,
Epi choramingava no diminutivo: — Maria,
não foge de minzinho; deixa o Epizinho pegar no peitinho... Só
um pouquinho... Prometo que eu não aperto 'elezinho'. Eu tô
tão 'precisandinho'! Só
um pouquinho... Bem
devagarinho... Só um pouquinho...
Olga
sempre repetia mais ou menos a mesma chorumela: —
Nem devagarinho
nem um pouquinho.
Epizinho querido, já lhe falei, tô fechada pra balanço.
E vê se me chama Olguinha, como antigamente, lá na 'garçô'.
Maria já era; tá lá no céu.

Pouco
tempo depois, em um sete de setembro cinzento e chuvoso, aos sessenta e
cinco anos, aquele homem bonitão e inteligente, femeeiro que se gabava
de ter transado com mais de mil mulheres, finalmente encontrou sua independência.
Olga o encontrou caído no chão do seu quarto, morto, cara
de bosta e corpo vermelho como uma melancia madura, todo cagado e mijado,
com o dedo enfiado no nariz. Nem na morte Epi conseguiu se livrar daquela
maniazinha de tirar cagaita! E mesmo já morto – acredite se
quiser – ainda dava umas escarafunchadas! Agora, dantesco mesmo, mais
difícil de acreditar ainda, era um cocozão, muito simpático
por sinal, que, abichornado e inconsolado com a morte do seu dono, boiava
solitário no xixi, de um lado para o outro, em volta do cadáver,
sem saber como e qual seria o seu futuro dali em diante. Para a latrina
é que ele não queria ir.

Morais
do conto: 1ª) não há, no Universo, o excepcional ou o
acidental; 2ª) não há bonitão ou rufião
que não acabe tendo que dar plantão; e 3ª) somos causas
e efeitos de nós mesmos.