
Fiódor
Mikhailovich Dostoiévski
Eu,
por exemplo, triunfo sobre todos; todos, naturalmente, ficam reduzidos
a nada e são forçados a reconhecer voluntariamente
as minhas qualidades, e eu perdôo a todos.
A
falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado,
e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inefável
é não se poder estar sozinho.
Durante toda a vida, eu não
podia sequer conceber em meu íntimo outro amor, e cheguei
a tal ponto que, agora, chego a pensar, por vezes, que o amor consiste
justamente no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede
de exercer tirania sobre ele.
Decididamente, não
compreendo o porquê de ser mais glorioso bombardear uma cidade
do que assassinar alguém a machadadas.
Ninguém
se salva sozinho!
Compara-se,
muitas vezes, a crueldade do homem à das feras; mas, isto
é injuriar estas últimas.
A
fé e as demonstrações matemáticas são
duas coisas inconciliáveis.
Penso
até que a melhor definição do homem seja: um
bípede ingrato. Mas isto ainda não é tudo,
ainda não é o seu maior defeito; o seu maior defeito
é a sua permanente imoralidade.
Não será preferível
corrigir, recuperar, e educar um ser humano que lhe cortar a cabeça?
Conhecemos
um homem pelo seu riso. Se na primeira vez que o encontramos ele
ri de maneira agradável, o íntimo é excelente.
Tens
medo, apesar de tudo. Dizes inépcias, mas sentes-te feliz
com elas. Dizes insolências, mas tens medo e te desculpas.
Declaras que não receias ninguém, mas buscas as nossas
boas graças. Tu nos asseguras que ranges os dentes, mas gracejas
ao mesmo tempo, para nos fazer rir. Sabes que as tuas sentenças
não valem nada...
É
muito fácil adquirir hábitos de luxo, e muito difícil
se livrar deles quando se faz necessário.
Tudo
compreender, tudo ver e vê-lo muitas vezes, de modo incomparavelmente
mais nítido do que o fazem todas as nossas inteligências
mais positivas; não se conformar com coisa alguma e com ninguém,
mas, ao mesmo tempo, não desdenhar de nada...
A
tirania é um hábito com a propriedade de se desenvolver
e dilatar a ponto de se tornar uma doença.
Há homens que nunca
mataram, e que, no entanto, são piores do que os que mataram
seis pessoas.
Meu
Deus, que tenho eu com as Leis da Natureza e com a aritmética,
se, por algum motivo, não me agradam essas Leis e o dois
e dois são quatro? Está claro que não romperei
esse muro com a testa, se realmente não tiver forças
para fazê-lo, mas não me conformarei com ele unicamente
pelo fato de ter pela frente um muro de pedra e de terem sido insuficientes
as minhas forças.
Nós
somos cidadãos da eternidade.
O
homem tem tudo nas mãos, e se deixa escapar tudo, é
porque tem medo...
O que mais receamos é
o que nos faz sair dos nossos hábitos.
As
coisas mais insignificantes têm, às vezes, maior importância.
E é geralmente por elas que a gente se perde.
Não
procures um prêmio, pois tens uma grande recompensa sobre
a Terra: a alegria espiritual que só o justo possui.
Bem,
e se eu estiver enganado? Se, de fato, o homem, quero dizer, o gênero
humano, não for canalha? Então, tudo o mais não
passa de preconceitos, tão-somente espalhados para pôr
medo. Então não há qualquer limite; e é
assim mesmo que deve ser!
Não
há nada mais desesperador para o homem do que, vendo-se livre,
encontrar a quem se sujeitar.
A
Beleza salvará o mundo.
A
Natureza corrige-se, emenda-se; se assim não fosse, ficava-se
sempre amarrado a preconceitos. Sem isso, não haveria grandes
homens.
O
erro é uma coisa positiva, porque, por ele, chega-se a descobrir
a verdade.
Para
proceder com inteligência, a inteligência só
não basta.
Não
há assunto tão velho que não possa ser dito
algo de novo sobre ele.
O
sofrimento acompanha sempre uma inteligência elevada e um
coração profundo. Os homens verdadeiramente grandes
devem, parece-me, experimentar uma grande tristeza.
A
mentira é o único privilégio do homem sobre
todos os outros animais. Mente, que vais acabar atingindo a verdade.
Se
tenho agora tanto medo, o que será quando for de verdade?
A
situação mais simpática é aquela em
que as pessoas não se envergonham umas das outras, mas agem
franca e abertamente. E para quê enganar-se? É a mais
vã e imprudente das ocupações.
É
como na religião: quanto pior vive um homem ou quanto mais
desamparado ou mais pobre é todo um povo, mais obstinadamente
ele sonha com a recompensa no paraíso!
Há
momentos – e você chega a esses momentos! – em
que, de repente, o tempo pára e acontece a eternidade.
Tenho
consciência de que, neste momento, estou 'à la hauteur
de tout ce qu'il y a de plus sacré...'
Se
Deus existe, então toda a vontade é Dele, e fora da
vontade Dele nada posso. Se não existe, então toda
a vontade é minha e sou obrigado a proclamar o arbítrio.
Para
mim, não existe idéia superior à de que Deus
não existe. Tenho atrás de mim a história da
Humanidade. O homem não tem feito outra coisa senão
inventar um deus para viver, sem se matar; nisso tem consistido
toda a história do mundo até hoje.
A delicadeza e a dignidade
é o próprio coração que ensina, e não
um mestre de dança.
De
fato, não existe nada mais deplorável do que, por
exemplo, ser rico, de boa família, de boa aparência,
de instrução regular, não tolo, até
bom, e, ao mesmo tempo, não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade,
inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma idéia própria,
ser terminantemente como todo mundo.
É
preciso amar, de fato, não por um instante, mas até
o fim.
O
inferno é não confiar.
Eu penso que, se o Diabo
não existe e foi simplesmente criado pelo homem, este o fez
à sua imagem e semelhança.
Deus só nos deixou
enigmas.
Com
a força que sinto em mim, creio-me capaz de suportar todos
os sofrimentos, contanto que me possa dizer a cada instante: 'Eu
existo'. Entre tormentos, crispado pela tortura, mas existo!
Todos somos responsáveis
por tudo, perante todos.
Nada
há de mais belo, de mais profundo, de mais perfeito, do que
Cristo. Não só não há nada, mas nem
sequer pode haver.
Fiódor
Mikhailovich Dostoiévski (1821 – 1881)