É
que não foram tão poucas... as vezes que vi
a piedade se enganar. Nós, que governamos os homens, aprendemos a
sondar-lhes os Corações, para só ao objeto digno de
estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais não faço do que
negar essa piedade às feridas de exibição que comovem
o coração das mulheres. Assim como também a nego aos
moribundos, e, além disso, aos mortos. E sei bem o porquê.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e
pelas suas úlceras. Até chegava a apalavrar curandeiros e
a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me, de uma
ilha longínqua, ungüentos derivados do ouro, que têm a
virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim até
descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável
fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pústulas,
como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de púrpura.
Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridão e gabavam-se
das esmolas recebidas. Aquele que mais ganhara comparava-se a si próprio
ao sumo sacerdote que expõe o ídolo mais prendado. Se consentiam
em consultar o meu médico, era na esperança de que o cancro
deles o surpreendesse pela pestilência e pelas proporções.
Chegavam a empregar os cotos para conquistar um lugar no mundo. Daí
também o aceitarem os cuidados como uma homenagem e oferecerem os
membros a abluções bajuladoras. Mas, apenas o mal os deixava,
descobriam-se sem importância. Já nada alimentavam que fosse
deles próprios; davam-se por inúteis. O único remédio
era ressuscitar de novo essa úlcera que vivia à custa deles.
E, uma vez envoltos de novo no seu mal, gloriosos e vãos, pegavam
na escudela, e tornavam a empreender o caminho das caravanas. Voltavam a
espoliar os viajantes em nome dos seus sórdidos deuses.
(Antoine de Saint-Exupéry, in Cidadela).
Comentário:
Não
nos cabe jamaisnunca julgar.
Não
nos cabe colocar à parte.
Quem
é quem para montar esta arte?
Arrebatavam-me
os espetáculos teatrais, cheios de imagens das minhas misérias
e de alimento próprio para o fogo das minhas paixões. Mas,
por que quer o homem se condoer, quando presencia cenas dolorosas e trágicas,
se de modo algum deseja suportá-las? Todavia, o espectador anseia
por sentir esse sofrimento que, afinal, para ele constitui um prazer. Que
é isto senão rematada loucura? Com efeito, tanto mais cada
um se comove com tais cenas quanto menos curado se acha de tais afetos (deletérios).
Mas ao sofrimento próprio chamamos ordinariamente desgraça,
e à comparticipação das dores alheias, compaixão.
Que compaixão é essa em assuntos fictícios e cênicos,
se não induz o espectador a prestar auxílio, mas, somente,
o convida à angústia e a comprazer o dramaturgo na proporção
da dor que experimenta? E se aquelas tragédias humanas, antigas ou
fingidas, se representam de modo a não excitarem a compaixão,
e espectador retira-se enfastiado e criticando. Pelo contrário, se
se comove, permanece atento e chora de satisfação. Amamos,
portanto, as lágrimas e as dores. Mas todo o homem deseja o gozo.
Ora, ainda que a ninguém apraz ser desgraçado, apraz-nos,
contudo, a ser compadecidos. Não gostaremos nós dessas emoções
dolorosas pelo único motivo de que a compaixão é companheira
inseparável da dor? A amizade é a fonte destas simpatias.
(Santo
Agostinho, in Confissões).
Comentário:
Quem
explora as patologias humanas,
quem se beneficia das fraquezas humanas,
é
um desnaturado milmil vezes desgraçado,
que
retribuirá milmil e uma vezes ao quadrado.
A
piedade é um sentimento natural, que, moderando em cada indivíduo
a atividade do amor de si próprio, concorre para a conservação
mútua de toda a espécie. É ela que nos leva sem reflexão
em socorro daqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza,
faz as vezes de lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém
é tentado a desobedecer à sua doce voz; é ela que impede
todo o selvagem robusto de arrebatar a uma criança fraca ou a um
velho enfermo a sua subsistência adquirida com sacrifício,
se ele mesmo espera poder encontrar a sua alhures; é ela que, em
vez desta máxima sublime de justiça raciocinada, faz a outrem
o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima
de bondade natural, bem menos perfeita, porém mais útil, talvez,
do que a precedente: faz o teu bem com o menor mal possível a outrem.
Em uma palavra, é nesse sentimento natural, mais do que em argumentos
sutis, que é preciso buscar a causa da repugnância que todo
o homem experimentaria em fazer mal, mesmo independentemente das máximas
da educação. Embora possa competir a Sócrates e aos
espíritos da sua têmpera adquirir a virtude pela razão,
há muito tempo que o gênero humano não mais existiria
se a sua conservação tivesse dependido exclusivamente dos
raciocínios dos que o compõem. (Jean-Jacques
Rousseau, in Discurso Sobre a Origem da Desigualdade).
Comentário:
Devemos
fazer o que deve e precisa ser feito.
Fazer
aquilo que queremos que nos façam?
Quem
faz
a outrem o que quer que lhe façam
está
agindo de forma casuística e hipotética
–
uma dupla nescidade: aMoral e anÉtica!
É
preciso reconsiderar e corrigir este malfeito.
A
compaixão é que nos torna verdadeiramente humanos e impede
que nos transformemos em pedra, como os monstros de impiedade das lendas.
(Anatole
France).
Comentário:
Já
fui microorganismo, árvore e rochedo;
já
arqueei, já padeci e já tive medo.
Hoje,
sou tão-só um falível ser humano.
Amanhã,
sim, serei super-humano!
Todas
as almas nobres têm como ponto comum a compaixão. (Friedrich
Schiller).
Comentário:
Alma
de nobre ou de sandeu,
alma
de pobre ou de corifeu,
alma
plebéica ou de soldão:
miseração,
consternação, compaixão.
Nenhum
ser humano poderá encontrar a felicidade enquanto a seu lado existir
o sofrimento de outros seres. A felicidade só poderia realmente existir
se todas as pessoas, todos os seres, pudessem participar dela. Se cada ser
humano, cada animal, cada planta, cada mineral, são todos parte de
uma única Essência Cósmica Universal, tudo o que acontece
a uma dessas partes reflete no Todo. Assim, se somente alguns seres promovem
o bem para si, esquecendo os demais, estão apenas acentuando o desequilíbrio
da Grande Engrenagem do Universo. Para que fosse possível a ocorrência
da felicidade, esta deveria abranger todos os seres, quando então
não haveria qualquer tipo de desequilíbrio ou desarmonia.
Por outro lado, sentir pena de algum ser ou do que quer que seja significa
que estamos nos sentindo em uma condição superior a daquele
ser, no sentido de que nos encontramos em uma situação melhor
do que a dele, por não estarmos passando pelo mesmo sofrimento que
ele vive naquele momento. E, neste caso, geralmente, nos permitimos algum
tipo de julgamento quanto a este ser ou mesmo quanto à situação
que originou este sofrimento. Assim, ter compaixão significa colocar-se
incondicionalmente ao lado do outro, sem qualquer tipo de julgamento quanto
à situação que ele está vivenciando, sem nenhum
outro sentimento que não seja o de propiciar alívio à
situação na qual aquele ser se encontra. Compassividade é,
portanto, um abrir incondicional do próprio Coração,
uma doação incondicional da própria energia, para que
o outro ser consiga superar suas dificuldades, desde que ele aceite receber
esta energia, ou seja, a pessoa precisa querer ser ajudada, precisa querer
reagir, caminhar. A compaixão exige de nós uma atitude, uma
ação. Exige que nos coloquemos na situação em
questão, e que nos ofertemos, ou a algo de nós mesmos, para
que esta situação se resolva. Exige que estejamos presentes,
que sejamos atuantes, que nos posicionemos.
(Fragmento editado de um texto sobre Psicologia Gnóstica).
Comentário:
A
compaixão perguntou à compaixão
qual
deve ser o tamanho da compaixão.
A
compaixão respondeu à compaixão
que
o tamanho da compaixão
Melhorar
o mundo é melhorar os seres humanos. A compaixão é
a compreensão da igualdade de todos os seres, é o que nos
dá força interior. Se só pensarmos em nós mesmos,
nossa mente fica restrita. A Medicina já constatou que quem é
mais feliz tem menos problemas de saúde. Quando cultivamos a compaixão
temos mais saúde. (Dalai Lama).
Comentário:
Os
seres humanos longe estão de ser iguais;
na
verdade, são inteiramente diferentes.
Todavia,
não é por serem desiguais
que
deverão continuar ad
æternum indigentes!
(Sei
que S. S., o Dalai Lama, sabe isto).