Não
estou muito preocupado porque os EUA e a China precisam e dependem um do
outro.
Sobre
países que desvalorizaram o câmbio:
É uma estratégia de risco.
Se
eu pudesse prever esse momento com total exatidão [quando
a Economia americana irá se recuperar],
eu seria mais rico do que alguns bilionários que têm ilhas
no Caribe. O mercado de trabalho americano continua muito fraco. Desde o
início da crise em 2008, mais de 7 milhões de pessoas perderam
o emprego, e 8,8 milhões estão trabalhando meio período
involuntariamente. Recentemente, o ritmo de demissões está
se reduzindo, mas o crescimento da criação de vagas continua
negativo, o que faz com que a taxa de desemprego esteja perto de 10%. Se
você considerar os subempregos, terá taxas bem acima de 17%.
Os preços das moradias subiram e o nível de estresse maior
provocado pelos financiamentos explicam o cenário adverso de desemprego.
Como a Economia americana é muito baseada em consumo, precisamos
olhar para as expectativas. Parece que a confiança do consumidor
está caindo nos últimos 12 meses. A capacidade de utilização
da indústria cresceu para 74,7%, ou seja, 4,7 pontos percentuais
acima do patamar em que estava há um ano atrás, mas ainda
6 pontos percentuais abaixo da média registrada entre 1972 e 2009.
E mais: os investimentos nos EUA estão extremamente baixos. Refletindo
essas condições, a retomada econômica deverá
ser gradual, particularmente quando os estímulos dados forem retirados.
Meus
pais eram cristãos. Mas eu estou preocupado com o meu trabalho. Meu
trabalho é o meu deus.
Carta
aberta a João Paulo II: Ao
aceitar vir apertar essas mãos sujas de sangue, dar a comunhão
a essas bocas cheias de mentira, ao aceitar benzer essas cabeças
cheias de ódio, estareis a ferir cruelmente a fé de quem pensa
que a Igreja Católica condena a mentira, a corrupção,
a tortura e o assassínio. E dareis crédito ao rumor que corre
nos Camarões, segundo o qual o vosso Deus se ri de nós.
Quando
é sua responsabilidade defender os valores morais de uma sociedade,
você tem que tomar uma posição firme contra qualquer
violação dos valores morais. Você deve se envolver na
luta para garantir o triunfo dos valores morais. Eu respeito os líderes
religiosos, mas eu acredito que eles não conseguiram fazer o que
era esperado deles.
Na África, a sociedade civil
é composta por aqueles que gerenciam a ira coletiva.
Eu
sou de Camarões, um país onde as pessoas são geneticamente
otimistas, mesmo diante de situações econômicas, políticas
e sociais adversas. Temos que ser assim. Senão, cometeríamos
suicídio… Então,
sou inclinado a não temer uma recessão nos EUA, mas devo dizer
que, com os balanços dos bancos ainda não totalmente recuperados
da crise, e com as perdas nos setores comercial e imobiliário, as
condições financeiras podem continuar sendo um empecilho ao
crescimento, particularmente para pequenos negócios que não
têm como acessar os mercados de capitais. Além disso, a securitização
de dívidas privadas continua inexistente, e esse era um canal de
financiamento de grande importância para a concessão de créditos
no período pré-crise. Uma contínua falta de securitização
impõe uma restrição crescente ao financiamento e ao
crescimento na América. A intervenção do Governo pode
certamente ajudar, mas, como você sabe, dado o aumento do nível
de endividamento, o espaço para fazer manobras é limitado,
mesmo para a maior Economia do mundo. Além do mais, com eleições
no Congresso, que acontecerão em algumas semanas, o calendário
político nos EUA poderá não ser favorável a
grandes estímulos.
Os
povos africanos são desajustados sociais e jogadores marginalizados
na construção da História.
O
escritor americano Mark Twain denegriu as estatísticas e o 'quase
místico' poder dos números usando uma citação,
que ele atribuiu ao primeiro-ministro britânico do século XIX
Benjamin Disraeli: 'Existem três tipos de mentiras: mentiras, mentiras
deslavadas e estatísticas!'. Pode parecer cinismo, mas é útil
ter isso em mente, para que a gente não se empolgue muito com os
números. É
claro que os
números são muito úteis, mas nunca são
capazes de contar a história inteira. O Banco Mundial projeta um
crescimento global entre 2,9% a 3,3% em 2010 e 2011, e entre 3,2% e 3,5%
em 2012, quando a queda de 2,1% de 2009 seria revertida. Afrouxamentos monetários
e fiscais substanciais foram dados, juntamente com outras políticas
aplicadas diretamente nos setores imobiliário e financeiro, o que
deu fôlego ao crescimento nos EUA. Mas a demanda privada ainda está
frágil e continua bem abaixo dos níveis pré-crise.
Os
responsáveis pela política cultural na África não
se deram conta da chegada da Modernidade.
A
recuperação da Economia global está sendo puxada pelos
países emergentes. Agora vivemos em um mundo 'multipolarizado', como
o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, já afirmou. A
fatia dos países em desenvolvimento no PIB mundial (em paridade de
poder de compra) aumentou de 33,7% em 1980 para 43,4% em 2010. Em poder
de compra, a fatia da Ásia na Economia global aumentou de 7% em 1980
para 21% em 2008. Os mercados de ações da Ásia agora
representam 32% da capitalização dos mercados mundiais, à
frente dos EUA, que têm 30%, e da Europa, com 25%. Poucas semanas
atrás, a China ultrapassou o Japão, e se tornou a segunda
maior Economia do mundo. Muito da recuperação no comércio
mundial se deve à forte demanda por importações entre
os países em desenvolvimento.
Na América Latina e no Caribe, 60 milhões de pessoas saíram
da pobreza entre 2002 e 2008, e uma classe média crescente impulsionou
as importações a uma taxa de 15% ao ano. A África Subsaariana
poderá crescer a uma taxa média acima de 6% até 2015,
enquanto o Sul da Ásia, onde metade da população pobre
mundial vive, poderá, no mesmo período, crescer em torno de
7% ao ano. Não
é possível resolver as grandes questões internacionais
sem Brasil, China, Índia, África do Sul e outras Economias
emergentes. Aqui estão as boas notícias: para os países
ricos, as relações internacionais com países emergentes
não são mais apenas um princípio moral de caridade
e solidariedade: é algo do seu do próprio interesse. Países
em desenvolvimento agora são novas fontes de crescimento e importadores
de bens de capital e produtos e serviços do Norte. Eles representam
novos mercados para criação de empregos, aumento de produtividade
e crescimento dos países ricos.
Não
se pode limitar o estudo dos países africanos à análise
das suas estruturas sócio-políticas ou econômicas. Quanto
ao futuro de Camarões, como nação, não se pode
deixar de examinar quanto tempo a cultura popular será capaz de ser
a última linha de defesa contra a investida da política étnica,
contra a injustiça social, contra a privação material
e contra a privação dos direitos políticos.
Com
a crise econômica global de 2008, os países da África
se sentiram traídos. Na última década, muitos deles
tiveram que fazer reformas que foram muito difíceis. Trabalharam
duro pela estabilidade macroeconômica e reduziram seus endividamentos.
Fizeram
programas de privatizações e abriram setores importantes da
Economia, como as telecomunicações. Eles também reduziram
o endividamento do setor público. Os investidores, tanto domésticos
quanto estrangeiros, gostaram, e o investimento estrangeiro direto subiu
para US$ 53 bilhões em 2008, contra US$ 2,4 bilhões em 1985,
antes do início das reformas. Os países africanos testemunharam
um período de crescimento econômico sustentável, apoiado,
em grande parte, pelo crescimento das exportações. Mas a crise
chegou e afetou essas pequenas Economias abertas por meio de vários
canais: comércio e fluxo financeiro. Muitos países sofreram
com a demanda menor por seus produtos no mercado global, o que afetou sua
balança comercial, as taxas de crescimento e a situação
fiscal dos Governos. Outros tiveram baixos níveis de investimentos
diretos e remessas. Obviamente, isto penalizou os programas de redução
da pobreza e criação de empregos. Mas ganhamos em experiência.
Como disse Oscar Wilde, 'experiência é o nome que todos dão
aos seus erros'.
Minha
colega, Ngozi Okonjo-Iweala1,
sempre surpreende seus ouvintes perguntando o seguinte: 'Que Economia de
US$ 1 trilhão está crescendo mais do que o Brasil e a Índia,
entre 2000 e 2010, em termos nominais em dólares, e que deverá
crescer mais rapidamente do que o Brasil entre 2010 e 2015? A resposta é:
a África Subsaariana. Em 2009, a crise levou a uma queda no crescimento
da África de 1%. Mas a região deverá ter uma expansão
de quase 4%, e até mais, em 2010 e 2011, mais rápido do que
América Latina, Europa e Ásia Central. As coisas poderiam
ser ainda melhores, se algumas questões fossem resolvidas. Do lado
da demanda, um dos principais itens é a estabilidade cambial. A apreciação
do franco CFA,2
por exemplo, que é a moeda usada por 14 países, sugere perda
de competitividade e deverá reduzir o ritmo das exportações.
Com o recente enfraquecimento do euro, os países do CFA vão
ganhar alguma competitividade. Mas a questão fundamental de gerenciar
o câmbio de forma sustentável continua em aberto. Do lado do
abastecimento, também existem empecilhos, como a adequação
da infra-estrutura e da regulamentação, do acesso a financiamentos
e à qualidade de mão-de-obra. Felizmente, a mão-de-obra
da África está crescendo, em contraste com o que ocorre no
restante do mundo. O continente tem mais de 500 milhões de pessoas
em idade de trabalho. Até 2040, o número vai exceder 1 bilhão
— superior ao da China e da Índia. Com estratégias apropriadas
de melhoria e um bom empurrão em infra-estrutura para atingir Economias
de escala, que poderiam ser financiadas pelos países mais ricos como
rentáveis investimentos de risco, a África poderia se tornar
um grande pólo da Economia mundial. O
presidente Lula entendeu isto bem quando promoveu a cooperação
Sul-Sul. As empresas públicas brasileiras, como a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Fundação Oswaldo
Cruz (FIOCRUZ), têm excelente experiência técnica e um
bom histórico em cooperação internacional. Investir
em países em desenvolvimento agora é uma decisão inteligente
porque os retornos serão grandes.
Eu,
recentemente, usei a dialética 'do senhor e do escravo' do filósofo
alemão Hegel para interpretar a simbiótica relação
entre China e EUA. Muito
tem sido dito sobre essa relação fascinante entre as duas
maiores Economias do mundo, mas eu não estou muito preocupado porque
ambas precisam e dependem uma da outra. A China é um mercado indispensável
para a maior parte dos produtos americanos, desde agricultura, manufaturados
e serviços. Para dar alguns exemplos: a China foi o maior mercado
para a soja americana no ano passado, importando mais de US$ 9 bilhões.
No setor de manufaturas, os EUA já exportaram perto de US$ 3,5 bilhões
em aeronaves para a China só neste ano, e as exportações
americanas de automóveis e peças para a China já cresceu
mais de 200%. Acabo de voltar de uma viagem à China. Sim, existem
bolhas em alguns setores, como o imobiliário. Mas, dado o nível
de controle da Economia, eles conseguirão lidar com isso. O aumento
das taxas de crescimento nas últimas três décadas é
um reflexo do surgimento do paradigma da inovação tecnológica.
A China adotou um estilo de aproximação pragmático
e gradual em duas vias. De um lado, o Governo continua providenciando proteção
a empresas não-viáveis em setores prioritários, e,
por outro, liberou o investimento privado, as joint ventures3
e os investimentos estrangeiros diretos para segmentos de mão-de-obra
intensiva. Enquanto
essa estratégia permitiu que a China tivesse estabilidade e crescimento
nas últimas três décadas, ela também trouxe uma
série de problemas estruturais, particularmente na disparidade entre
distribuição de renda, consumo, poupança e contas externas.
Justin
Lin, que é economista do Banco Mundial, é chinês. Eu
concordo com sua avaliação de que o País precisa resolver
este desequilíbrio estrutural removendo as distorções
no segmento financeiro, nos recursos naturais e em serviços. Reformas
específicas deveriam incluir a permissão para o desenvolvimento
de pequenas instituições financeiras, incluindo bancos locais,
para aumentar a oferta de serviços financeiros, em especial, acesso
ao crédito para famílias do campo e pequenas e médias
empresas de manufaturas e serviços, reforma da previdência
para remover o fardo de aposentados do setor de mineração,
um nível apropriado de 'royalties' sobre os recursos naturais e incentivo
à concorrência em telecomunicações, em energia
e no setor financeiro.
Eu
não fiz muitos estudos sobre o Brasil para responder em detalhes
se o País aumentou seus gastos e elevou a dependência de exportações
de 'commodities'. Mas aprendendo com o trabalho de análises da equipe
de Makhtar Diop, nosso diretor no Brasil, posso dizer que as políticas
econômicas e as medidas anticíclicas ajudaram o Brasil. A
crise financeira de 2009 teve um impacto relativo menor, com o país
já se recuperando dele. O Brasil deverá crescer bem acima
de 6% este ano. O País tem recursos naturais imensos e um forte potencial
de desenvolvimento industrial, mas ainda sofre com uma vala entre pobres
e ricos. Programas
sociais inovadores e um crescimento maior da inclusão nos últimos
anos foram gradualmente reduzindo a desigualdade.
Aprendi
com Rudi
Dornbusch – meu
orientador em minha tese de graduação e um economista que
é bem conhecido por todos os profissionais do Brasil –
a importância de uma política monetária estável
e crível, de forma que ela seja tão chata e desinteressante
que os participantes do mercado não tenham chances de especular.
Mas a manutenção da competitividade externa também
é muito importante, especialmente para uma Economia aberta como a
do Brasil, que se beneficia enormemente de oportunidades do mercado global.
O Brasil
tem um Banco Central respeitado com excelentes profissionais.
A
Economia global enfrenta muitos riscos importantes no médio prazo,
incluindo a redução de fluxo de capitais, altas taxas de desemprego
e capacidade ociosa excedendo 10% em muitos países. Dados recentes
de consumo tiveram recordes negativos no Japão e também na
zona do Euro. Na
realidade, a despeito de ser lenta e desigual entre Economias da Zona do
Euro, a recuperação ainda é muita incerta. Em parte,
por causa da consolidação fiscal e das dificuldades enfrentadas
pelo mercado de crédito. Não
seria uma surpresa muito grande se alguns países interviessem no
câmbio em uma escala muito substancial para limitar a pressão
das forças do mercado sobre sua moeda. Mas é claro que essa
é uma estratégia de risco. Sim,
uma moeda subvalorizada ajuda o setor exportador, mas também significa
importações mais caras para o mercado local. Esta estratégia
reduz o poder de compra das famílias e pode ser injusta com outros
países, levando à retaliação, o que obviamente
não é bom para nenhum país.
Meu
tio, que é do ramo imobiliário, sempre diz que você
nunca deve comprar apenas uma casa, mas a vizinhança também.
A metáfora se aplica às Economias em desenvolvimento. Ao
mesmo tempo em que a globalização cria oportunidades para
pequenas Economias alcançarem as benesses do mercado mundial, estar
localizado em meio a vizinhanças dinâmicas também dá
excelentes oportunidades para o desenvolvimento regional. Estas Economias
precisam ter uma estratégia real de melhoria de seu parque industrial
e tecnológico, considerando suas vantagens comparativas. O fato de
o Brasil estar crescendo por um longo tempo leva a melhores salários,
o que eventualmente faz com que ele seja menos competitivo em determinados
setores. Quando isto acontece, com salários mais baixos, os países
vizinhos podem atrair essas empresas que terceirizam mão-de-obra
para manter suas margens de lucro. Então, o sucesso do Brasil é
também, eventualmente, o sucesso do Uruguai e da Bolívia.
Já houve muita conversa sobre os Tigres Asiáticos. Talvez
seja hora de pensar sobre 'os jaguares da América Latina'. Mas para
a América Latina reivindicar seu lugar no cenário mundial,
o Brasil precisa aumentar ainda mais seu papel como líder.
A África é uma região
de Economias pequenas. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) africano
foi de US$ 1,3 trilhão, ao passo que o Brasil, sozinho, registrou
US$ 1,5 trilhão. Mesmo assim, há boas notícias. O continente
está crescendo depressa e resistiu bem à crise financeira.
Mais importante do que o PIB africano, porém, é a população.
A África hoje tem um bilhão de pessoas, muitas delas são
jovens e os países da região podem investir muito em infra-estrutura
nos próximos anos.
Há
mais países dispostos a fazer negócios na África. Hoje,
China, Brasil, Índia e países árabes investem e financiam
as empresas africanas. Isto não ocorria há 30 anos, quando
só havia dinheiro no Banco Mundial ou no Fundo Monetário Internacional
(FMI). Há reformas em andamento e as estratégias nacionais
de investimento são mais racionais.
As
oportunidades estão em todos os campos. Falando especificamente sobre
o Brasil, o País tem uma grande experiência em agricultura.
A capacidade técnica brasileira é fabulosa. A África
possui terra e mão-de-obra baratas, mas não tem capacidade
técnica nem financeira. Juntar as duas competências é
uma estratégia de desenvolvimento realista.
Muitos países africanos fizeram
a coisa errada nos anos 60. Eles decidiram desenvolver atividades muito
à frente de suas possibilidades. Alguns quiseram construir fábricas
de aviões em lugares onde não havia comida. É preciso
que os africanos sejam realistas e escolham empresas condizentes com as
vantagens comparativas da África, indústrias que possam usar
o fator de produção que temos disponível e a mão-de-obra
barata. Em vez de escolher indústrias de capital intensivo ou que
precisam de tecnologias ultra-sofisticadas, podemos dar preferência
a pequenas indústrias. A África ainda importa quase tudo.
Muitas coisas que não requerem especialização podem
ser produzidas localmente.
Há
diversas Economias emergentes na África. A mais importante é
a da África do Sul, mas há países de médio porte
como Líbia, Guiné Equatorial, Gabão e Botsuana. São
países onde o PIB 'per capita' está entre US$ 5 mil e US$
10 mil. Outros dez países devem se unir a este grupo nos próximos
dez anos. Além disto, a população africana é
jovem, o que significa que haverá novos consumidores por muito mais
tempo. É importante que o Brasil não perca esta oportunidade.
A
atuação brasileira, na África, ainda está aquém
do seu potencial. As companhias brasileiras estão focando países
onde as pessoas falam português. É um bom começo, mas
é necessário ir além e testar Nigéria, Camarões,
Senegal e Quênia, porque há oportunidades em todos os lugares.
As empresas deveriam ser mais agressivas porque as oportunidades estão
lá.
A
África poderá vir a se tornar o mercado externo mais importante
para o Brasil. Mas isto precisa ser uma decisão estratégica
das companhias brasileiras. O Governo Brasileiro pode até ajudar,
mas a escolha cabe ao setor privado. Os empresários brasileiros precisam
entender que os riscos são elevados, que o ambiente de negócios
não é fácil e que há problemas de infra-estrutura,
mas, quando você supera essas dificuldades, o ganho é enorme.
Então,
por onde começar? Os empresários brasileiros e os empresários
africanos devem decidir estratégias em conjunto, e sempre com a participação
de câmaras de comércio e Governos. É preciso identificar
as empresas corretas para cada país e os obstáculos que deverão
ser superados. É importante decidir que indústrias devem ser
desenvolvidas e quais produtos devem ser produzidos em cada país.
As
empresas brasileiras podem terceirizar parte de sua produção;
isto é uma das vantagens competitivas. O Brasil cresceu depressa,
os salários subiram e alguns setores da Economia ficaram menos competitivos.
Atividades que não são competitivas no Brasil podem ser transferidas
para os países africanos, onde há uma mão-de-obra muito
mais barata, e, em alguns casos, há boa infra-estrutura. Onde há
carência de infra-estrutura podem ser construídas o que chamamos
de zonas de exportação – pequenas áreas geográficas
próximas a portos. Isto pode ser feito sem dificuldade.
A
crise financeira afetou a África de várias formas. Muitos
países são exportadores de 'commodities'. Quando veio a crise,
a demanda por 'commodities' caiu. Do lado financeiro, alguns investidores
nos Estados Unidos e na Europa, que estavam dispostos a trazer dinheiro
para a África, mudaram de idéia. Além disso, muitos
africanos que trabalham na Europa ou nos Estados Unidos enviam dinheiro
para suas famílias. As remessas para o exterior representam uma parte
importante dos orçamentos nacionais. Eu mesmo envio 30% do meu salário
todo mês. Quando as pessoas perderam seus empregos, mandaram menos
dinheiro, o que desequilibrou as contas. Já os bancos africanos sofreram
pouco, pois não são muito conectados com o sistema financeiro
internacional.
Países
diferentes deveriam ter estruturas financeiras diferentes. Não acho
que haja um modelo ótimo. Países pequenos e mais pobres não
deveriam tentar desenvolver um mercado de capitais muito sofisticado ou
bancos comerciais muito grandes. Estes países precisam de pequenos
bancos locais, focados, de fato, em indivíduos e em pequenas empresas.
Mas, isto não vem ocorrendo, pois muitos países africanos
estão tentando copiar os países grandes. Estão obcecados
em ter um mercado de capitais sofisticado, mas há pouquíssimas
empresas capazes de ser listadas. Os investidores africanos não estão
interessados em bolsa de valores. Este produto financeiro requer um desenvolvimento
elevado. O que os países africanos de fato precisam é de bancos
pequenos, com produtos e serviços muito simples. Na África,
há grandes empresas, que podem acessar o mercado internacional a
qualquer momento. É preciso criar um sistema financeiro e um sistema
bancário que correspondam às necessidades de quem não
tem essa possibilidade.
Os
africanos têm muito para fazer, mas a comunidade internacional também
deve fazer a sua parte. Veja o que aconteceu na Europa Oriental depois da
queda do Comunismo. A comunidade internacional se apressou em apoiar os
novos Governos democráticos na Polônia, na Estônia, na
Ucrânia, e na Romênia. Não vimos isto acontecer na África.
Existe um desprezo em relação à África. A comunidade
internacional não olha para essa questão. As pessoas em Nova
York, em Paris ou em Londres não pensam que a África mereça
o mesmo respeito do que o Leste Europeu. Quando dez pessoas são mortas
em uma manifestação na Ucrânia, vemos o Presidente americano
Barack Obama condenando esse terrível ato. Se noticiarmos que 100
mil mulheres foram estupradas no Congo, não ouviremos Barack Obama
condenar esta tragédia. Há diferenças de tratamento
e uma falta de sensibilidade da comunidade internacional. Este é
o principal problema.
Costumo dizer que a África
possui quatro 'deficits'. O primeiro – o grande deficit – é
o deficit de auto-estima, de amor-próprio. Os africanos não
se levam a sério o suficiente devido à violência, à
escravidão e ao colonialismo, que acabou há 50 anos, mas que
ainda está na mente das pessoas. Os novos líderes se comportam
como antigos colonizados. O segundo é o deficit de liderança.
É preciso desenvolver pessoas com visão e estratégias
realistas para levar os africanos aonde querem chegar. O terceiro é
o deficit de conhecimento, um deficit de curiosidade intelectual, pois os
africanos não são curiosos o suficiente. Ainda não
tiramos vantagem das oportunidades de aprendizagem em todo o mundo geradas
pela globalização. As pessoas, na África, podem viajar
mais, vir para o Brasil, ir para a Índia, para a China, e aprender,
mas não fazem. O último deficit é o de comunicação.
É a incapacidade de lidar e de resolver os conflitos que existem
em todas as sociedades, e que fazem parte da História da Humanidade.
Na África, não nos antecipamos aos problemas. Não fazemos
nada com relação aos pequenos conflitos e, quando percebemos,
eles se transformaram em guerras civis.
Se
você construir, por exemplo, uma fábrica de aviões em
um local onde não há o conhecimento técnico necessário
nem a mão de obra qualificada, haverá inúmeros riscos.
E se não houver condições para manter a fábrica
pelos próximos cem anos, então, não construa, ou você
vai jogar dinheiro público fora. E este dinheiro vem dos impostos
que as pessoas pagam, inclusive as pobres. É preciso ser muito cuidadoso.
Não
encorajo investimentos em infra-estrutura, como a construção
de estádios e sistemas de transportes, sem que antes seja feita uma
rigorosa análise econômica. O ponto central é garantir
a sustentabilidade das obras. É preciso assegurar que a quantia investida
não gerará retornos negativos. Isto geraria gastos de manutenção
que tornam a obra insustentável. Se estas preocupações
forem consideradas, você não correrá o risco de construir
elefantes brancos.
As
pessoas esquecem que o dinheiro do Governo vem dos impostos que todos nós
pagamos, incluindo as pessoas pobres. Sempre digo a meus colegas camaroneses
que o dinheiro do Governo foi obtido com os impostos que a minha avó,
uma senhora pobre de 90 anos, paga. Os Governos deveriam ser muito cuidadosos
ao usar os recursos públicos. É preciso haver um debate aberto,
envolvendo especialistas de diferentes pontos de vista, antes que as decisões
sejam tomadas.
Quanto
à Copa do Mundo de 2010, realizada na África do Sul, o saldo
foi positivo. Entretanto, não foi em infra-estrutura. O que a África
do Sul e o continente como um todo ganharam foi um grande benefício
em termos de auto-estima. O campeonato mundial de futebol serviu para que
a imagem negativa do continente fosse modificada. Todo mundo ficou surpreso
ao ver um País, como a África do Sul, ser capaz de organizar
algo de forma tão rigorosa. Os próprios africanos perceberam
que, quando se empenham de verdade em algo, eles conseguem fazer, e tão
bem quanto qualquer outro país. Esta foi a melhor parte. Não
o turismo, não a infra-estrutura.
O
grande mérito do Brasil nos últimos anos foi ter conseguido
conciliar o desenvolvimento da competitividade com políticas para
reduzir as desigualdades sociais. Uma das melhores coisas que Lula fez foi
ao mesmo tempo lutar para que os negócios tivessem uma condição
ótima para se desenvolver, com incentivos aos investimentos, e tentar
resolver a questão da enorme distância entre os grupos sociais.
Trata-se de um equilíbrio muito delicado e difícil de ser
obtido.
Definir
a sociedade civil é uma tarefa particularmente ambiciosa por causa
da amplitude da literatura recente sobre o conceito. Sociedade civil é
um (novo) espaço de comunicação e de discussão
sobre o qual o Estado não tem nenhum controle.
Acredito
que mais importante do que os líderes são as instituições
porque os governantes vêm e vão. Para mim, um grande líder
é alguém que faz de sua própria gestão algo
secundário. Ele deve ser capaz de criar instituições
mais fortes do que sua própria liderança. Portanto, por mais
extraordinário que Lula possa ter sido, ninguém é insubstituível,
e o povo brasileiro precisa perceber isto. Se ele foi um bom líder,
provavelmente criou condições para tornar irrelevante a discussão
sobre quem será o próximo presidente. O trabalho dele era
tornar as instituições sólidas o bastante. Um governante
forte precisa ter dons, mas seu maior talento deve ser o de criar condições
que sobrevivam a ele.
Uma
área na qual o Brasil faz um trabalho realmente bom é a agricultura.
Isto é algo que a África deveria aprender. A África
deveria ter foco em objetivos mais dependentes da mão-de-obra farta
e barata que há no continente, do que no Capital, que é escasso.
A agricultura é um exemplo ideal. Os africanos podem aprender com
o Brasil a habilidade de desenvolver a agroindústria e o processamento
de alimentos.
Todo
camaronês pensa em si mesmo como um brasileiro, porque lá,
como aqui, todos jogam futebol. Sei tudo sobre este esporte no Brasil, pois
eu o acompanho desde criança. Sócrates, Falcão, Toninho
Cerezo e Júnior são os meus jogadores favoritos; acho que
a seleção de 1982 representou a melhor fase do futebol brasileiro.
Quanto ao fracasso da seleção na África do Sul, fiquei
desapontado. Como um time daqueles, cheio de talentos, ficou sem o título?
Nunca gostei do Dunga, nem como treinador, nem como jogador, e acho que
aquele time e seus erros refletiam o estilo dele. Sei que o Dunga ama o
Brasil e queria vencer, mas estou feliz que ele tenha ido embora... e desejo
boa sorte a ele.
Nós
vivemos em um mundo, hoje, que é globalizado, o que faz com que tudo
o que acontece no Rio de Janeiro ou em São Paulo seja de conhecimento
imediato em Douala, no Camarões, ou em Nairóbi, no Quênia.
Muitas coisas que as pessoas fazem no Brasil são copiadas, imitadas,
na África.
Os
sons, os ruídos e as formas de arte musical africanos mostram o crescente
ritmo de mudança social em curso. A arte não é apenas
o vetor que transporta os nossos problemas para o mundo; mas, também,
é uma maneira de nos informar o que o futuro reserva.
Duas
coisas são muito difíceis de conciliar após uma ditadura:
o dever de justiça (para apagar o passado sem dar a impressão
que este passado é aceitável) e não se tornar refém
de um rancor do passado, para que seja possível construir um país
estável, no qual os grupos sociais se integram para edificar um futuro
comum.
Em
cinco anos, cinco milhões de pessoas foram massacradas na República
Democrática do Congo. Cinco milhões de pessoas em um País
cuja população total é inferior a setenta milhões
de seres humanos! Seria como se no Brasil catorze milhões de pessoas
fossem massacradas em cinco anos. Ninguém fala disto. Então,
há uma lógica terrível de justificar o injustificável.
Como temos o desprezo da comunidade internacional, nós, os africanos,
internalizamos este desprezo e nos menosprezamos... É, de fato, um
círculo vicioso. E, infelizmente, há também, e sobretudo,
o autodesprezo das elites.
Patrice
Lumumba4
foi um grande personagem da História da África, um homem admirável
e corajoso, mas quando você analisa com atenção sua
trajetória e seu trabalho políticos, percebe que ele foi extraordinariamente
ingênuo. Não havia como mobilizar toda a população
congolesa contra o poder colonial belga, sem se assegurar de ter feito um
trabalho interno, junto a seus próprios partidários, junto
às organizações da sociedade civil, junto ao exército,
junto às pessoas que têm força, para se certificar de
que estas pessoas estão do seu lado. Do contrário, você
será morto, e será apenas um capítulo em um livro de
história.
Quando
se fala da sociedade civil africana, temos a surpresa de ver, principalmente,
grandes organizações internacionais, – que, umas vezes,
têm boas intenções, outras vezes, têm intenções
mais obscuras e uma agenda que desconhecemos – manifestar quase exclusivamente
interesses econômicos.
Em
nenhum país do mundo, em nenhum país africano, em nenhum país
em desenvolvimento, o Banco Mundial provê mais do que 3% a 4% do orçamento
do Estado. Em geral, é de 1% a 2%. Isto quer dizer que 99% do dinheiro
do qual o Estado dispõe vem do interior do país. Então,
o problema não é o Banco Mundial; o problema é aquilo
que é feito com o dinheiro, com sua estratégia. Você
sabe aonde vai? Se não souber, o Banco Mundial não poderá
ajudar. E, infelizmente, este é o problema de muitos países
africanos.
A
antiga colonização durou cinco séculos. Se você
der um passeio nos países da África francesa e procurar o
que esta colonização trouxe de concreto, não encontrará
nada. Vá aos Camarões e procure uma estrada – não
digo duas estradas, digo uma só estrada – não há.
Não há uma estrada entre as duas maiores cidades do País:
Douala e Yaoundé. Não há uma só estrada cinqüenta
anos após a independência, e quase dois séculos depois
da colonização. Então, o debate sobre a antiga colonização...
A
negritude é a visão de um mundo negro, idílico e imaginário.
As
pessoas que me oprimiram e que ainda oprimem a África são
africanos, como eu. Então, não posso falar de negritude como
uma reação ao outro, mas de uma reação ao ocidental,
porque o ocidental, na minha reflexão, é periférico.
Este é o ponto principal. Hoje em dia, não há uma forma
única de negritude. Há diferentes maneiras de pensar a negritude.
A África é complexa; não há uma negritude única,
mas há, sim, uma infinidade de negritudes.
Na
minha aldeia, quando você vai ver o Chefe e diz: — Eu tenho
um problema e gostaria de uma solução. O Chefe não
diz: — Ok, aqui está a solução. O Chefe diz:
— Eu entendo, volte amanhã. E, à noite, ele se reunirá
com o conselho de anciãos, ele se reunirá com a sociedade
secreta, e colocará o problema, e eles irão oferecer soluções.
No dia seguinte, ele lhe dará uma resposta. Então, um Chefe
Africano tem de ser verdadeiramente um Chefe Africano.
Epílogo
– Um Verso de Pé Quebrado5
–
Mão-de-obra
barata é mais-valia;6
Mão-de-obra
edificante é guindagem;
mão-de-obra
dignificante é alforria.
Oh!,
acuda-nos São
Karl Heinrich Marx!6a