INTRODUÇÃO
Este
conto... Dhoffen era um jovem filho de austríacos que sempre
se interessara pelas questões magnas da Filosofia. Quando,
tardiamente, começou a falar — aos quatro anos e
meio de idade — em pouco tempo passou a fazer perguntas
e a dar respostas para as coisas da vida que deixavam seus pais
muito impressionados. Se não entendesse alguma coisa, não
se contentava com explicações triviais. A uma resposta
que não o satisfizesse, emendava outra pergunta. E outra...
Em casa, questionava sobre temas avançadíssimos
para a sua idade e, socialmente, discutia suas idéias com
qualquer um que estivesse disponível e com paciência
para aturá-lo. E assim, quase levou seus pais, os professores
e os amigos à loucura! Desde garoto, vasculhava a biblioteca
do pai em busca de livros que, de alguma forma, o pudessem esclarecer
sobre o propósito da vida e as questões metafísicas
que atormentavam sua mente. Os livros sagrados das diversas religiões
ele os lera praticamente todos. Neles não encontrou respostas
que acalmassem sua ânsia de conhecimento. Não sabia
o porquê nem o como, mas tinha a certeza de que haviam sido
adulterados ao longo dos séculos, e o que continham, em
grande medida, contrariava sua intuição. Não
conseguia entender também — nem muito menos aceitar
— por que os líderes mundiais de todos os tempos
fabricaram guerras em nome de deus e no interesse de políticas
normalmente perversas. Não compreendia o porquê de
o processo instaurado contra Jesus ter estado viciado desde a
origem. Tinha lido por acaso uma página de Rui Barbosa
e concordava que, no julgamento instituído contra Jesus,
tudo quanto se fez foi tumultuário, extrajudicial e atentatório
dos preceitos hebraicos. Sempre se perguntou se aquilo tinha mesmo
acontecido daquela escabrosa maneira. Havia sido educado na fé
católica, mas não atinava, por exemplo, com os motivos
que levaram à calcinação de Jacques De Molay,
de Joana D'Arc, de Savonarola e de Giordano Bruno. O santo ofício
e a inquisição, para ele, eram estigmas que marcaram
de maneira indelével sua religião. E isso o entristecia
muito, ainda que estivesse consciente de que a Religião
Católica mudara muito. Quando, certa vez, comentou esses
assuntos com um padre graduado, ficou chocado com as explicações
e com os argumentos apresentados pelo prelado. Esse fato fez com
que se afastasse definitivamente da Religião Católica,
mas não dos preceitos cristãos. Dhoffen era um místico
nato, mas não tinha consciência disso.
Não
sabia de onde viera, porque nascera naquela família que
tanto adorava, o que estava fazendo neste Planeta e para onde
iria depois de morrer. E isso o atormentava. Sabia, contudo, que
poderia alterar o rumo de sua vida, mas não tinha qualquer
dúvida de que a morte é inexorável. Sobre
ela admitia que não tinha qualquer poder. Por outro lado,
não conseguia aceitar e compreender a miséria, as
doenças, os sofrimentos, as contendas e a desafeição
entre os homens. Ora — pensava ele — Deus
não pode ser responsável por essas coisas.
Sabia algumas coisas por intuição, como, por exemplo,
que o Universo é orgânico, não-caótico,
ilimitado mas finito e que não caminhava, como propunha
sua religião de berço, para um télos
na glória de Deus. Dhoffen sentia que, em realidade, não
sabia absolutamente nada. Quando pensava que havia compreendido
uma lei natural ou um fenômeno qualquer, sobrevinham novas
dúvidas. E isso o desesperava!
Aos
dezanove anos prestou vestibular e passou em segundo lugar para
uma faculdade de filosofia do Rio de Janeiro. Ao estudar Filosofia
Antiga teve um contato mais aprofundado com as obras de Platão,
pois, aos dezasseis anos, já havia lido a República
duas vezes. Mas, o Mito da Caverna ele não conseguira
compreender, e continuava, agora, já com vinte e um anos,
sem entender o que Platão quis ensinar com esse Mito.
Seus professores lhe davam explicações insatisfatórias,
e os colegas de faculdade não estavam preocupados com o
que pudesse haver por detrás do Mito. Estavam
satisfeitos, sim, com as explicações dadas em sala
de aula. Mas, ele sentia em seu interior que havia algo muito
mais profundo naquele Mito do que pensavam e admitiam
as pessoas. O Mito da Caverna povoava seus pensamentos
diuturnamente.
Em
uma tarde de domingo, já no oitavo período da faculdade,
prestes a concluir seu curso de Filosofia, resolveu ler de novo
o Sétimo Capítulo da República.
Em meio às suas lucubrações, adormeceu em
seu quarto. Algum tempo depois, sentiu alguém tocá-lo
suavemente em seu braço direito. Moveu seu rosto para a
direção do toque, e, surpreso, viu, de pé
ao lado da poltrona em que adormecera, um venerável ancião
que estava a sorrir afetuosamente para ele.
|
A Escola de Atenas
(detalhe)
— Afresco pintado para o Papa Julio II por
Raffaelo com a idade de vinte e cinco anos —
Raffaelo Sanzio (1483-1520)
Platão
e Aristóteles. Platão simboliza a filosofia
abstrata, iniciática. Tem em sua mão esquerda
uma cópia do seu livro Timeu e aponta
para o alto, para o Plano das Formas Ideais. Aristóteles
segura em sua mão esquerda uma cópia da
sua Ética. Seu gestual parece indicar sua preocupação
com o Plano das Formas Material-Temporais, representando
a filosofia empírica e natural. Provavelmente,
segundo os especialistas, a intenção de
Raffaelo foi mostrar os diferentes e possíveis
caminhos que levam ao conhecimento. A orquestra...
|
A
INICIAÇÃO NOS MISTÉRIOS
A
princípio, Dhoffen se assustou. Mas, a bondade que aquele
homem de pé ao seu lado lhe transmitia acalmou-o rapidamente.
—
Quem é o Senhor? — perguntou Dhoffen,
emendando uma segunda pergunta: — E como entrou aqui?
O
venerável ancião fitou o jovem por alguns segundos
e respondeu com amabilidade: — Você me conhece,
só que não se recorda. Eu estive presente no seu
nascimento, e tenho, sem interferir, acompanhado sua vida até
o dia de hoje. Meu nome é Aristoclés. Faço
parte de um Colegiado no qual Todos São Um. Não
como membro do Círculo Mais Elevado, mas como Adepto. Contudo,
todos nós mantemos nossas individualidades, ainda que nossas
personalidades sejam uma. Isto é: nossas individualidades
não se sobrepõem à personalidade do Colégio
Cósmico ao qual eu e meus Irmãos pertencemos. Em
outras palavras: as individualidades são muitas, mas a
personalidade de Nossa Loja é uma e somente uma. Um dia
você compreenderá isso. Mas, você me conhece
pelo apelido que me deram por causa dos ombros muito largos que
eu tinha.
—
Platão? —
perguntou incrédulo o jovem Dhoffen. — Mas,
como...
—
Acalme-se. Não há motivo para temor
ou angústia. Estamos em uma dimensão diferente e
freqüencialmente muito elevada. Você adormeceu e eu
pude fazer contato com você, pois a esfera vibratória
em que você penetrou ao adormecer propiciou que este encontro
pudesse ser viabilizado, através desta forma simbólico-astral
que estou utilizando para que você possa se comunicar comigo.
Eu venho tentando 'acordá-lo' há algum tempo, mas
não tenho tido sucesso. Hoje, porém, conseguimos.
Estou feliz pelo acontecimento.
—
Sei que você está com dificuldades para compreender
o Sétimo Livro da 'República'. Vamos, juntos, examiná-lo.
Talvez eu possa ajudá-lo.
—
Obrigado — respondeu
Dhoffen.
—
Os homens — começou a explicar Platão
— são fisicamente gerados na mais completa
escuridão. Quando nascem, muito lentamente começam
a enxergar. Mas, esse enxergar se dá apenas com o órgão
da visão, que é meramente físico, e, portanto,
só permite que sejam vistas as coisas físicas e
os objetos físicos. Então, na verdade, é
como se continuassem dentro da caverna em que foram gerados. E,
assim, permanecem cegos desde o momento em que um espermatozóide
é aceito pelo ovócito que fecundará, praticamente
até o dia em que, de novo, morrerão. Isto é:
algemados de pernas e pescoços dentro da caverna em que
aceitaram viver, de tal maneira que só lhes é dado
permanecer no mesmo lugar e olhar apenas para a frente. São
incapazes de voltar a cabeça por causa dos grilhões.
—
Mas isso é muito triste — comentou
Dhoffen.
—
Sim — Respondeu Platão. — Essa
é a caverna da vida. Uns falam sobre o que não conhecem;
outros ouvem e seguem calados. Uns carregam estátuas de
homens e de animais; outros apenas olham. Vivem nas sombras e
não vêem mais do que sombras, que, para eles, são
a única realidade que conhecem. É como se vivessem
de cabeça para baixo enredados em uma teia sem-fim.


—
Os homens conseguem viver e nem sequer percebem a luz do Sol que
os aquece e os permite enxergar. Agora, se alguém os libertasse
de suas cadeias e repentinamente fossem curados de sua ignorância,
o que você acha que sucederia?
—
Acho que ficariam felizes e mudariam seus estilos de vida —
respondeu Dhoffen.
—
Não, Dhoffen — Disse Platão. Logo
que alguém fosse solto e fosse forçado a endireitar-se
de repente, a voltar a cabeça, a andar e a olhar para a
luz, sentiria dor. E o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os
objetos cujas sombras via outrora. Sua dificuldade seria imensa,
pois suporia que os objetos que via antes de sua libertação
eram mais reais do que os que agora estava vendo. Assim, se forçado
a olhar para a luz, correria para buscar refúgio junto
dos objetos para os quais podia olhar, e julgaria que estes eram,
na verdade, mais nítidos do que os que agora passara a
ver. Para podermos ver o Mundo Superior é necessário,
antes, habilitarmos e habituarmos nossa Visão Interior.
Mas, para, um dia, podermos olhar para o Sol, precisamos nos acostumar
primeiro com a luz da Lua, reflexo da luz do próprio Sol.
Esse, talvez, seja um fato ao qual a maioria dos que buscam um
Conhecimento Superior não dão a devida atenção.
A pressa, como diz o velho ditado, é inimiga da perfeição.

—
Sim. Penso que seja assim — respondeu amavelmente Dhoffen.
— Mas, quando ele visse realmente a luz do
Sol, o que aconteceria?
—
Platão ficou observando o rapaz por alguns segundos, e
falou: — Compreenderia, primeiro, que é
o Sol que causa as estações e os anos e que tudo
dirige no Mundo Visível, e que é o responsável
por tudo aquilo de que ele via um arremedo. Este novo conhecimento,
de um lado o regozijaria; de outro, o entristeceria, pois deploraria
os que ainda só enxergavam sombras, pois no âmago
de cada homem, oculto, há o reflexo da Luz que não
se extingue, e essa Luz amalgama todas as derivações
do BEM SUPREMO — o SUMMUM BONUM.
—
Com certeza. Isso eu entendo.
—
Na verdade, este homem experimentaria os mesmos sentimentos que
a sombra de Aquiles quando Ulisses o felicitou por continuar a
ser o Rei do Hades, isto é, preferiria 'servir junto de
um homem pobre, como servo de gleba', do que sofrer tudo de novo
e regressar àquelas ilusões de seu passado nas sombras
de sua consentida caverna.
—
Suponho que também seria dessa forma.
—
E se descesse de novo para o seu antigo posto, primeiro seus
olhos se encheriam de trevas, e depois seria motivo de riso e
de reprovação por parte daqueles que continuavam
prisioneiros. Se tentasse conduzi-los à força para
cima, talvez fosse apedrejado, envenenado, crucificado e morto.
Ninguém muda abruptamente nem quer ser auxiliado sem solicitar.
E mesmo quando pede amparo, proteção ou ajuda, os
homens costumam se revoltar com o bem que receberam. Incomoda
muito aos homens receberem qualquer tipo de caridade ou de socorro.
A ingratidão é mais poderosa e mais forte do que
a gratidão!
—
Mas, foi exatamente isso que aconteceu com Sócrates e com
Jesus!
—
Sim, foi isso — Disse Platão. — Mas,
aquele que quiser divisar o Bem e fazer o Bem deve estar ciente
de que corre esse risco. É tão-somente no limite
do cognoscível que o homem poderá avistar, a muito
custo, a idéia de Bem. Uma vez percebida, compreende-se
que ela é, para todos e em relação a tudo,
a causa de quanto há de justo e de belo; que no mundo visível
foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no Mundo
Inteligível, é ela a senhora da Verdade e da Inteligência,
e que é preciso vê-la para se ser sensato tanto na
vida particular quanto na pública. Ao ensinarem esses princípíos
elementares, os Illuminados aos quais você se referiu causaram
medo e rancor simultaneamente. Sócrates foi acusado de
impiedade. Jesus de conspirar contra o Império Romano.
Por isso ambos foram sacrificados.
—
Concordo.
—
E os que alcançaram esta compreensão mais elevada
não querem mais tratar dos assuntos dos homens nem se envolver
nas disputas humanas, pois desejam manter suas almas nas alturas.
Quando se envolvem com a Humanidade, estão a serviço
desinteressado da Santa Luz que vislumbraram em seus corações.
—
Sim. Penso que seja assim.

—
Mas, há um outro ponto que precisamos examinar —
Disse Platão. — As perturbações
humanas, em realidade, geralmente são duplas. Uma é
a passagem da Luz à sombra; outra, da sombra à Luz.
Há almas que vivem ofuscadas por terem vindo da esfera
de uma Vida Luminosa; outras há que, por viverem em ignorância,
percebem, de repente, uma réstia da Luz, e ficam atordoadas.
Então, é preciso educar todas as almas para que
possam suportar a contemplação do Ser-Luz. Aquele
que veio das proximidades da Luz deve aprender a reconhecê-la
e nela mergulhar e viver; aquele que momentaneamente a vislumbrou
deve ter disponíveis os meios de poder efetivamente alcançá-la
e compreendê-la. Em ambos, a meta a ser alcançada
deve ser a mesma, e o procedimento para trilhar a senda que levará
à essa meta é: formar-se por si e não dever
alimentação a ninguém. Isto eu escrevi na
'República'. Mas, o que isto significa?
—
Realmente não compreendo.
—
Significa que devemos nos esforçar ao máximo para
encontrarmos sozinhos o Caminho para a Luz. Não devemos
imaginar nem querer que alguém faça esse trabalho
por nós, pois isso não poderá ser feito jamais.
Devemos aprender que a nossa emancipação depende
exclusivamente de nós. A categoria que regula estes conceitos
que estou lhe explicando é apenas o MÉRITO. É
óbvio, Dhoffen, que é preciso trabalhar muito e
ter muita perseverança e ilimitada paciência. Mas,
se não houver MÉRITO, nada poderá acontecer.
Você está compreendendo?
—
Sim, Platão, isso eu posso compreender inteiramente.
—
Você se lembra quando, no início do nosso encontro,
eu lhe disse: 'Eu estive presente no seu nascimento, e tenho,
sem interferir, acompanhado sua vida até o dia de
hoje? Pois é, Dhoffen. Acompanhar é uma coisa; interferir
é outra, e, assim, nenhuma interferência pode acontecer,
e não acontece. Contudo, quando há mérito,
pela aplicação da Lei da A..., podemos 'semear'
idéias construtivas e iluminadoras nas mentes daqueles
que se esforçaram e merecem. Por outro lado, da mesma forma
que não interferimos nas escolhas humanas, as atividades
humanas não podem macular Nossa Confraternidade. Nossa
Loja está imune aos desmandos humanos. Se você compreendeu
estes princípios, deve se esforçar para compreender
também que encontrar o Caminho da Luz significa lutar e
trabalhar para se tornar seu próprio Mestre. Significa
alcançar a faixa vibratória na qual a desagregação
e a reciclagem não dissolvem a existência. Peregrinar
em direção à Santa Luz, realizar o Sumo Bem
e conquistar a Plena Libertação, estas devem ser
as Três Metas Primordiais dos seres que desejarem ser aceitos
em Nossa Loja.
—
Esta peregrinação — continuou
Platão
— obriga, entre outras renúncias, a que cada um desça
à habitação comum dos outros e aos desvãos
do horror para se habituar a observar as sombras e as trevas,
o que cada imagem é no Plano das Realidades e o que representa
essa mesma imagem. Isto não significa envolvimento emocional.
Na verdade, isto não deve acontecer. É meramente
um aprendizado, ao mesmo tempo em que permite o exercício
da solidariedade e do amor fraternos. Reconhecer, compreender
e identificar a representação de cada imagem fará
do homem um Iniciado Verdadeiro e servidor incógnito de
sua comunidade e da cidade em que vive, e isto, como disse Homero
na 'Odisséia', 'não é um sonho, mas uma visão
autêntica que há-de se cumprir'. Mas, Dhoffen, lembre-se:
Tudo que estou a lhe dizer não se assemelha em nada ao
jogo de atirar um caco, mas um retornar da alma das trevas da
ignorância para o Verdadeiro Dia, ou seja, sua elevação
ao Plano das Atualidades Neguentrópicas — Plano da
Verdadeira Philo–ShOPhIa que é o Amor pela Sabedoria
Universal. Quando nos despedirmos, você deverá decifrar
o significado da igualdade:
ShOPhIa
= 300 + 6 + 80 + 10 = 396
Você
— continuou
Platão —
deverá aprender a chegar à contemplação
da natureza dos números em si unicamente pelo pensamento,
pois isto facilitará a passagem da sua própria alma
da mutabilidade à Essência e à Fonte da Verdade,
onde é possível adquirir o conhecimento do que existe
sempre, e não daquilo que, pelas Lei da Entropia e da Reestruturação,
é destruído e gerado. Aprenda isto: a devoção
ao cálculo, à aritmética, à geometria
e à astronomia purifica e reaviva um órgão
da alma que se tornou corrupto e cego pelas ocupações
e ilusões mundanas — tornando útil, de inútil
que era, a parte naturalmente inteligente da alma — e cuja
recuperação importa mais do que a de mil órgãos
da visão, porquanto só através dele se pode
avistar a Luz Maior e compreender o que a Vida é. Mas,
não se esqueça Dhoffen: a Unidade é indivisível.
Ela é o que é — mas inconsciente do que é
— em meio à sua música perpétua.

Platão
ficou observando o jovem Dhoffen e percebeu que ele estava acompanhando
suas explicações. Assim, continuou: — Outro
ponto que devemos refletir é sobre a Dialética.
O método dialético é o único que,
ao destruir sucessivamente as hipóteses, permite à
alma apreender de cada objeto sua mesma e própria essência.
Lentamente, então, a alma é arrastada do lodo bárbaro
em que vive mergulhada e está atolada, para as alturas
em seu próprio interior. Pela Dialética é
possível compreender claramente que, assim como a essência
está para a mutabilidade, está a inteligência
para a opinião, e como a inteligência está
para a opinião, está a ciência para a fé
e o entendimento para a suposição. Você me
acompanhou?
—
Sim, Platão. Acho que a meta é a compreensão
o mais plena possível da idéia de Bem. E a Dialética
facilita e propicia isso, pois representa o fastígio do
saber. Estou correto?

—
Sim, Dhoffen. Todo aquele que — pelas ciências que
revisamos e com o auxílio do processo dialético
— penetra e queda em silêncio em seu interior, confirmará
aquilo que os antigos nos legaram:

Essência |
Ciência |
Inteligência |
Entendimento |
Mutabilidade |
Fé |
Opinião |
Suposição |
—
Mas, de nada valerá qualquer tipo de conhecimento
se não houver humildade. O reconhecimento de que o
homem é, em potência, Deus, deve fazer com que perceba
também a unidade do Todo. Isto significa, Dhoffen, que
um grão de areia tem o mesmo valor de uma galáxia,
e um microorganismo é tão importante quanto um ser
humano. Quando hierarquizamos as coisas erramos, pois nós
as organizamos de acordo com uma ordem hierárquica segundo
processos opinativos, não sendo a opinião mais do
que incerta, duvidosa e discutível, e isto é o patamar
mais baixo da consciência, qual seja, o da Suposição.
—
Também
isto está claro para mim.
—
Logo — continuou Platão — a Ciência
Cósmico–Iniciática não pode ser aprendida
como escravatura, e a Iniciação nos Santos Mistérios
não pode se fazer em sete minutos, sete dias, sete meses
ou sete anos. Na alma não permanece nada que tenha entrado
pela violência, nem a Iniciação pode ser apreendida
tão-só com o intelecto. A percepção
psíquica em um lance iniciático deverá, sim,
ser compreendida pela razão humana, mas a razão
humana não decifrará 'per se' os mistérios
do Universo, que devem ser observados em seu conjunto. Mas, para
tudo isso que estamos a revisitar um outro ponto é importante:
ninguém deve se pôr a estudar essas matérias
e a meditar se estiver cansado. A fadiga e o sono são inimigos
do estudo. E muito menos ter pressa.
—
Compreendo. Acho que, resumindo o que você me ensinou até
agora, posso dizer que pela Dialética – prescindindo
dos olhos e dos outros sentidos – o homem caminhará
em direção ao próprio Ser pela via da Verdade
interior. Estou correto nestas conclusões?
—
É isso. Mas, entenda bem: este Ser está fora e está
dentro, fora e dentro perfazendo uma Unidade indissociável.
Fora não poderá ser vislumbrado, pois os sentidos
físicos são incapazes de reconhecê-lo. Só
no âmago de cada ente o 'quid' das coisas manifestas e não-manifestas
poderá ser conhecido e decifrado.
—
Bem, meu jovem amigo, penso que conversamos bastante. Agora devo
partir. Antes quero repassar alguns pontos do que conversamos.
As aparências são sombras que a nada conduzem, já
que os sentidos em funcionamento de que são dotados os
homens não podem ver a essência dos objetos. Geralmente,
só enxergam a ausência — que se constitui na
realidade objetiva e é sentida como presença —
nunca o que subjaz à própria realidade, aquilo que
dá sustentação à Atualidade Universal,
que é imutável.
NOESIS
(Inteligência ou
Razão Intuitiva) |
Mundo
Inteligível Superior
(Noeta Superiores) |
DIANOIA
(Entendimento ou Razão Discursiva) |
Mundo
Inteligível Inferior
(Noeta Inferiores) |
PISTIS
(Fé) |
Mundo
Concreto
(Zoa) |
EIKASIA
(Ilusão) |
Mundo
da Suposição (Eikones) |
—
Enquanto o ente viver prisioneiro de seus sentidos viverá
nas sombras da ilusão e só perceberá as aparências
sensíveis dos objetos ou suas estátuas.
A libertação dessa prisão é desejável
e é possível. Liberto — porque trabalhou incansavelmente
para atingir essa liberação —
o ser ascensionará no seio do Verdadeiro Sol rumo à
Luz Inextinguível. Mas, compreenderá 'ipso facto'
que não existe liberdade individual, solitária.
Sentirá, indefectivelmente, que o Universo é orgânico
e que todas as coisas e todas as criaturas são uma só.
Esta Percepção Iniciática fará com
que retorne à todas as cavernas para auxiliar na manumissão
de todos aqueles que ainda continuam a viver — como ele
um dia viveu — como escravos de suas cobiças, de
suas paixões e de seus desejos. Mas, deverá estar
preparado e consciente dos riscos que esse desprendimento solidário
e fraterno pode acarretar. Todo aquele que testemunhe em uma dimensão
socrática ou Iniciática corre risco de não
ser entendido, de ser humilhado, de ser proclamado louco, de ser
excluído e de ser cobardemente assassinado. Contudo, ele
verificou pelas Iniciações que recebeu que esta
vida é transitória, efêmera e ilusória.
E é isso que se disporá a ensinar aos seus irmãos.

—
A caverna, Dhoffen, simboliza a vida encarnativa no Plano Terra
com todos os seus ilusórios atrativos e todas as injunções
das sucumbências ao Corpo Astral, sede das misérias
que são construídas pela ignorância, pela
vaidade, pelo orgulho, mas, principalmente, pelo egoísmo.
Enquanto o homem não se tornar seu próprio Senhor,
será escravo e viverá em escravidão.
Nesse
exato momento, quando Platão acabara de pronunciar a última
palavra de seu discurso, tocou o telefone no quarto de Dhoffen.
O som da campainha soou como se fosse o de uma orquestra completa.
Dhoffen se assustou, mas tentou resistir para não sair
do Plano em que se encontrava e da companhia de Platão,
contudo seu esforço foi em vão. Viu Platão
ir desaparecendo rapidamente de sua tela mental com um sorriso
nos lábios. Em poucos instantes havia retornado à
consciência. Decidiu atender ao telefonema. Não era
ninguém. Na realidade, o telefone não tocara.

PONDERAÇÕES
1ª)
Terá Dhoffen, realmente, tido um contato psíquico
com Platão?
2ª)
Terá, efetivamente, Dhoffen passado por uma Iniciação,
na qual um certo tipo de Conhecimento lhe foi revelado?
3ª)
Dada a ânsia de Dhoffen em compreender exatamente o significado
do Mito da Caverna, não terá seu Eu Interno
construído um mecanismo psíquico para que ele pudesse
ter acesso a um entendimento mais concertado do Mito?
4ª)
Ou terá acontecido uma síntese das três primeiras
ponderações?
5ª)
Ou, em termos junguianos, terá Dhoffen vivenciado uma atualização
do Arquétipo do Velho Sábio em seu 'sonho'?
6ª)
Ou, por último, a descrição deste conto exemplifica
e tipifica uma reação psicótica ou, ainda,
uma espécie de transe hipnagógico ou uma vivência
na 'zona crepuscular'?

Nenhum
místico — se for realmente um Místico consciente
— aceita nada como definitivo, principalmente se
a experiência não tiver acontecido consigo. Experiências
alheias servem somente como referência preliminar, jamais
como ponto final de nada.

WEBSITES
CONSULTADOS
http://www.fflch.usp.br/dh/heros/cursos/
http://dana.ucc.nau.edu/~mac33/backgrounds.html
http://www.ba.infn.it/~zito/bigf1.html
http://www.ifa.hawaii.edu/images/hyakutake/
LIVRO
BÁSICO DE CONSULTA
PLATÃO.
A República. Introdução, tradução
e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 5ª edição.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, 513
p.