1º
Ato:
Tempestade!
Noite trovoenta! Ventania! Relâmpados misturados com relâmpagos!
Chuvarada! São Pedro estava mandando água para Rio Amazonas
nenhum botar defeito! Santíssimo, um bairro de classe média-baixa
e classe baixa da Zona Oeste do Rio de Janeiro, próximo a Campo Grande,
estava debaixo d'água. Décima segunda badalada! Vigésima
quarta hora!
2º
Ato:
Um
tiro que não é ouvido;
um corpo
que cai!
Um gemido sentido;
uma
vida que se (es)vai!
3º
Ato:
Na
mansão dos Brancaleone di Norcia, em Santíssimo, no banheiro,
uma poça de sangue gigantesca! Sobrenadando no meio da poça,
o corpo de um homem com a boca aberta e os olhos esbugalhados! Mortinho,
claro.
4º
Ato:
Mais
tarde, às seis horas da manhã: —
È morto!
È morto! Il Signore Commendatore
è morto! Il Commendatore Brancaleone è
morto orizzontalmente nel bagno! Una tragedia!
—
grita Cicciolina, a empregada
napolitana de setenta anos, peidando
descontroladamente.
5º
Ato:
Corre
pra lá... Corre pra cá... Chora daqui... Chora dali... Quem
foi? Ninguém sabe; ninguém viu! Nem o Frajola nem o Piu-piu!
6º
Ato:
Chega
o famosíssimo detetive belga Hercule Pinaud e, depois de cofiar seu
bigodinho, dá início à inquirição.
Relata
a esposa, Signora
Matelda Silva di
Moraes Appolodoro:
— Eu
estava dormindo e sonhando com o Uguinho; não vi nem ouvi nada.
Relata
a
filha: — Eu
estava numa boa transando com o meu marido; não
vi nem ouvi nada.
Relata
o marido da filha: — Eu
estava transando com a filha da minha sogra; também
não vi nem ouvi nada. Pudera!
Relata
Cicciolina, a erótica empregada napolitana de
setenta anos: —
Confesso: eu estava bisbilhouvindo atrás da porta a ver se eu
bisbilhouvia a filha da minha patroa transar com o genro da
minha patroa; como eu estava muito 'intertida',
não vi nem ouvi nada. Quer dizer, bisbiver
eu não bisbivi
nada, pois, 'per mia sfortuna', a porta estava fechada; mas bisbilhouvir
– graças a San Genaro – eu
bisbilhouvi
sim. Bisbilhouvi mas, 'sul mio onore', não
posso contar o que eu bisbilhouvi. É muito por demais impróprio!
Valha-me Santíssima Santa Madre Paulina do Agonizante Coração
de Jesus! Nem quando eu era 'giovanotta' eu fazia aquelas coisas sacanocráticas!
'Un peccato mortale!'
Relata
o mordomo siciliota, Philippo Antonio Hoppkino: — Eu
estava fazendo a ronda costumeira da meia-noite. Confirmo 'ipsissima verba'
e 'ipsis litteris' que vi a 'vecchia deficiente, schifosa i ficcanasa donna
Cicciolina' – a empregada de setenta anos que
aparenta ter noventa – xeretando
atrás da porta para bisbilhouvir
a 'immacolata' transa da filha da nossa patroa, Signora Matelda Silva di
Moraes Appolodoro Figlia, com o genro da nossa patroa, Signore Bonapartino
Bonaparte di Bonanzza Pizzignacco. De repentíssimo, escutei
um canto: Branca, Branca, Branca, Leon, Leon, Leon... Fiii... Bum! Na hora,
não entendi nada. Depois, por mero acaso, encontrei o corpo do
Ilustrissimo
Signore Commendatore Ugo
Lodovico Cavalliere Francesco Carlo Giuseppi Pepoli Gasparo Randolfo
Domenico Pizzaiolo
Rosario Brancaleone Coimbra Silva di Moraes Appolodoro estatelado no banheiro,
boiando em uma poça de sangue azul. Fiquei chocadíssimo com
o sangue,
que era azul; com o corpo, nem tanto, pois o Signore
Commendatore
parecia estar serenamente
dormindo com os olhos bugalhudos.
Confesso, sim, que fui eu quem primeiro constatei o 'omicidio', à
meia-noite e um minuto, muito antes da 'vecchia ficcanasa donna Cicciolina'
ter se deparado com ele de manhãzinha; mas, como estava a começar
a altíssima madrugada, não quis incomodar 'i parenti con questa
tragedia'. Resolvi, então, esperar amanhecer para telefonar para
o senhor, Ilustríssimo Senhor
Detetive Belga Hercule Pinaud, para
vir descobrir 'chi ha commesso questo atto barbaresco', 'uccindo a
sangue freddo Il Signore Commendatore Ugo Lodovico Cavalliere
Francesco...'
7º
Ato:
Chega,
porra! —
Falou o detetive belga Hercule Pinaud já irritadíssimo.
—
Você não pretende repetir o nome
completo
do falecido outra vez, pois não? É só Uguinho; e pronto.
Ademais, já estou cheio de tudo isto e não vou inquirir mais
ninguém; já sei quem homicidiou o velho Branca. Foi...
8º
Ato:
Um
tiro que (agora) por todos foi
ouvido. Uma voz que se calou para sempre; outra vida que já
era sem querer deixar de ser! Desta vez –
céus! – mataram o famosíssimo detetive belga Hercule
Pinaud. Quem foi? Ninguém sabe; ninguém viu. Nem o Frajola
nem o Piu-piu! Até parece romance
policial do Sílvio Eduardo de Abreu, da novela 'Passione'.
9º
Ato:
Por
uma gentilíssssima e especialíssssima delicadeza da viúva
do Comendador, Signora
Matelda Silva di
Moraes Appolodoro,
Ugo – Il
Signore Commendatore – e Hercule
– o
Senhor Detetive Belga – foram enterrados, lado a lado, no jazigo
perpétuo da família, com direito, antes, à uma concorrida
missa campal de corpo presente e extrema-unção póstuma.
A Signora
Matelda pediu ao padre oficiante que desse a comunhão aos falecidos,
mas o padre disse que não. — Ora
Dona Matelda, extrema-unção vá lá; mas defunto
não comunga! —
argumentou sabiamente o padre.
10º
Ato:
Depois
da cerimônia, abatido e cheio de remorso, o mordomo Philippo Antonio
Hoppkino se enforcou em uma árvore do jardim da mansão dos
Brancaleone di Norcia. No corpo pendurado, deixou pendurada uma carta no
pescoço (a quem interessar possa), na qual dizia se sentir culpado
pela morte do Comendador, e não poderia mais continuar a viver com
aquele peso na consciência impossível de ser suportado. Afinal,
segundo o mordomo deixou escrito na carta que estava pendurada no pescoço,
se eu tivesse feito
a ronda da meia-noite às onze horas, cinqüenta e nove minutos
e cinqüenta
e nove segundos,
Il
Signore Commendatore
Ugo
Lodovico...
di
Moraes
Appolodoro ainda
poderia estar respirando o ar de Santíssimo. Todo mundo
acabou pensando que ele era o assassino, principalmente depois de ele ter
sido o primeiro a dar de cara com o presunto, e de ter esperado amanhecer
para telefonar para o senhor Ilustríssimo Senhor Detetive Belga Hercule
Pinaud.
11º
Ato:
O
motorista da família, Cícero Alencastro dos Prazeres Prazerosos,
que nem sequer foi ouvido pelo detetive belga Hercule Pinaud, pois se escondera
na mala do Uno Mille dos Brancaleone, adorou o suicídio do mordomo
Philippo.
12º
Ato:
Não
há décimo segundo ato. Agora, apesar de todo mundo ter ficado
convencido de que o assassino do Senhor Comendador Brancaleone foi o mordomo
Philippo, não fique aí, contrariando a vontade dos parentes
do defunto, a imaginar que o assassino é o motorista da família
dos Branca. Eu tenho certeza que não foi ele, como também
sei que não foi o mordomo. Cícero Alencastro dos Prazeres
Prazerosos apenas adorou que o mordomo tenha se auto-apagado porque, certa
vez, o viu... Bem, eu não posso dizer o que o motorista da família
Brancaleone viu porque ele me pediu para não contar pra ninguém.
Mas que ele tinha uma certa pinimbazinha com Philippo, isto, com efeito,
ele tinha.

Post-Scriptum
1a: O motorista
da família morreu uma semana depois da morte do mordomo. Um raio
caiu na cabeça dele e rachou a caixa óssea que continha e
protegia o seu modesto encéfalo bem no meio. Foi massa encefálica
pra todo lado. Devido à ensurdecedora e gigantesca explosão
cranial, até na Faixa de Gaza acharam um pedaço! Dizem que
um outro pedaço caiu bem no cocuruto do Presidente Barack Hussein
Obama II, escorrendo por sua testa, justamente quando ele dava uma declaração
importantíssima sobre a Microsoft Corporation do Bill Gates, nos
jardins da White House. Não há informações
precisas, mas parece que a mobilização dos secretas foi geral,
que as forças armadas entraram em prontidão em todo o país
e que soou o alerta vermelho, pois, a princípio, se pensou que se
tratasse de um atentado terrorista de proporções avassaladoras.
Afinal, Obama é o homem mais importante e mais poderoso do Planeta
Azul, e Usamah, bin-arquiinimigo do seu País, quando está
acordado, fica sempre com um olho no padre e o outro na missa, e quando
dorme – se dorme! – (pois, na realidade, ninguém sabe
se ele dorme ou se ele não dorme) dorme piscando – sempre com
um olho aberto e o outro semi-aberto! Isto deve ser um inferno, mas, enfim...
Quando
soube do acontecido, Usamah Bin Muhammad bin 'Awæd bin Ladin, o doutor-terror,
que estava em Nova Iorque a passeio, morreu de rir, e foi comemorar almoçando
mijadra com tabule e café com cardamomo. Hugo Rafael
Chávez Frías, Presidente da República Bolivariana da
Venezuela, de tão contente, mandou reabrir tudo o que havia mandado
fechar. O bonitão Juan Evo Morales Ayma – líder do Partido
Movimento para o Socialismo, líder do Movimento Boliviano dos Camponeses
Cocaleros e Presidente do Estado Plurinacional da Bolívia –
aproveitou o inusitado cocurutaço para reafirmar, como bom
cocalero, que hoja
de coca nunca fue, no es y nunca será droga. Kim Jong-il,
Líder Supremo da República Democrática Popular da Coréia
(que tem por lema Cada
um tem a certeza de ganhar se acreditar e depender do povo),
que ia fazer três testes nucleares consecutivos, mandou suspender
dois. Benjamin Netanyahu, Primeiro-ministro do Estado de Israel, prometeu
reduzir à metade os assentamentos judeus no território da
Cisjordânia. Já Mahmoud Ahmadinejad, Presidente da República
Islâmica do Irão, por recomendação expressa do
Líder Máximo, Ayatul-Lah Ali Khamenei, diplomaticamente,
preferiu não comentar o incidente, apesar de o Presidente Lula ter
lulamente insistido para que ele, de leve, desse uma declaraçãozinha
formal sobre a cocurutada obâmica. Mahmoud, em telegrama
pessoal ao Presidente Lula, informou: Excelentíssimo
Senhor Presidente Lulalá: Não posso declarar bulhufas sobre
o recente cocurutaço presidencial. Se eu disser alguma coisa, o Khamenei
me demite. E eu não quero ser demitido. Ser presidente é 'mutcho'
bom. Confira se é ou se não é com o Excelentíssimo
Senhor Presidente Hugo Rafael Chávez Frías, Presidente da
República Bolivariana da Venezuela, que não quer largar o
osso de jeito nenhum. Saudações islâmicas.
Post-Scriptum
1b:
Donna
Cicciolina, a empregada napolitana de setenta anos, também morreu.
De apoplexia! Uns dizem que ela morreu de madrugada vendo um filme de sacanagem
no canal 62; outros afirmam que era o programa Talk Sex With Sue Johanson,
que passa no canal 41. Sei lá; isto não me interessa. Mas
a viúva do Signore
Commendatore
Brancaleone, Signora
Matelda
Silva di
Moraes Appolodoro,
continua vivinha da silva. Está com 113 anos, e, segundo consta,
andou paquerando o arquiteto Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares
Filho (que vai fazer 103 anos em 15 de dezembro de 1907) em uma festinha
íntima (para poucos paniguados) na Granja do Torto. O Presidente
Lula aprovou a paquera, a esposa do Presidente,
Senhora Marisa Letícia, incentivou, Dilma Vana Rousseff achou melhor
não dar pitaco, José Dirceu só disse uai,
José Serra, que também estava lá, fez como Benedito
Valadares (declarou oficialmente: — Eu
não sou contra, nem a favor, muito pelo contrário!),
Henrique de Campos Meirelles, o inflexível presidente do Banco Central
do Brasil, até prometeu baixar os juros se o namoro se efetivasse,
mas o Oscar não topou de jeito nenhum; mandou a velha procurar a
tchurma
dela, lá em Santíssimo. O Oscar tá certo.
Post-Scriptum
1c:
Não tenho mais informações sobre a mansão
dos Brancaleone di Norcia e seus moradores.
Música
de fundo:
La
Marcia di Brancaleone
(do filme L'armata Brancaleone)
Compositor: Carlo Rustichelli
Fonte:
http://www.sacatrapo.net/?cat=5&paged=4
Página
da Internet consultada:
http://www.cartoonstock.com/
directory/b/big_eyes.asp