COZINHANDO FEIJÕES

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Diz a lenda que um monge, proximinho da idade para se aposentar, precisava encontrar um sucessor.

Entre seus discípulos, dois já haviam dado mostras de que eram os mais aptos, mas, claro, apenas um poderia sucedê-lo.

Para poder escolher quem seria o melhor monge-sucessor, o mestre lançou um desafio, para colocar a sabedoria dos dois candidatos à prova. Ambos receberam alguns grãos de feijão, que deveriam colocar dentro dos sapatos, para, então, empreenderem a subida de uma alcantilada montanha. Quem chegasse primeiro ao cimo da montanha seria o escolhido para o substituir.

Dia e hora marcados. Começa a prova.

Nos primeiros quilômetros, um dos discípulos começou a mancar. No meio da subida, parou e tirou os sapatos. As bolhas em seus pés sangravam, causando-lhe imensa dor. Por causa disto, ficou para trás, observando seu oponente, lépido e lampeiro, sempre subindo, sumir de vista.

Prova encerrada, os dois candidatos voltaram ao pé da montanha para ouvir do monge o óbvio anúncio.

Após o festejo, o derrotado aproxima-se e pergunta ao seu oponente como é que ele havia conseguido subir e descer com os feijões nos sapatos.

Antes de colocar os feijões nos sapatos, eu os cozinhei — foi a resposta do vencedor.

 

 

E por falar em bean...

 

 

 

 

As vidas podem ser vividas

sem feijões e sem feridas.1

mas todos são contornáveis.

 

Há solução para tudo;

São nossas idiossinmanias2

que geram as misantropias.

 

Não há spray anticapeta;3

não há maldição de boceta.3a

basta só cozinhar os feijões.

 

Então, cuidado! Pelaí, tá cheio

de zoiúdão de zoio no alheio!

É um tal de olhudo badalhoco!

Bença, meu santo do pau oco!4

 

 

 

 

Santo do Pau Oco

 

 

 

______

Notas:

1. Mas, de uma feridinha aqui, de outra ali, ninguém escapa. Quando eu disse que as vidas podem ser vividas sem feijões e sem feridas, quis afirmar que, na realidade, as chagas avassalantes, estas sim, são desnecessárias.

2. Idiossinmania = idiossincrasia + mania.

3 e 3a. Você pensa que não existe spray anticapeta? Existe sim. Sua fabricação é recente, e já está disponível no mercado ao módico preço de R$ 100,00 o frasco, com a garantia garantida do fabricante de que dá para remover o capeta do couro de umas vinte pessoas endemoniadas. Dê uma pesquisada na Internet; você vai achar rapidinho. Bem, eu acho que se o sacerdote agostiniano e professor de Teologia alemão Martin Luther (1483 – 1546) soubesse de antemão que as coisas chegariam ao ponto de fabricarem spray anticapeta e outras baboseiras inócuas, não precursaria o movimento reformista católico posto em movimento no início do século XVI, denominado de Reforma Protestante. Quanto à maldição da boceta maldita, que é outra coisa, se Pandora (panta dôra – a que possui todos os dons – ou pantôn dôra – a que é detentora do dom de todos os deuses) não tivesse embezerrado e aberto a boceta (que não era dela, e, portanto, não tinha nada que mexer e, muito menos, que abrir) – boceta amaldiçoada que continha todos os males do mundo, e que Epimeteu, marido de Pandora, determinou à mulher que não abrisse a tal da boceta de jeito maneira e para ninguém – muita coisa ruim não teria acontecido e não estaria acontecendo à Humanidade, hoje, totalmente embocetada, sem saber o porquê de tanta embocetação. Conta-se à boca pequena que, depois que abriu a boceta e viu o fudevu de bucetolê que causou, madame Pandora bem que tentou fazer careta e tocar clarineta, alegando que era cegueta e maneta. Não adiantou nada; a bocetice já havia sido feita! Bem, na Teogonia, de Hesíodo, que viveu e faleceu em Ascra, no fim do século VIII a.C., Pandora é descrita como um mal belo. Seja como for, rodolfices à parte, pense nisto: na Filosofia Pagã, Pandora não é vista como a fonte do mal; ela é reverenciada como a fonte da força, da dignidade e da beleza. Portanto, sem as adversidades (que os místicos costumam chamar de provas), o ser humano não poderia melhorar nem evolucionar. Então, é, mais ou menos, como eu (que sou e não sou pagão) disse no poeminha: Problemas e obstáculos são inevitáveis; mas todos são contornáveis. Logo, não pode haver maldição de boceta; nós, por ignorância, é que, geralmente, em nossos pesadelos deslumbrantes, transformamos Pulex irritans em Hippopotamus amphibius, e, se bobear, acabamos pondo a culpa na boceta da Pandora!

 

 

 

 

4. Santo do pau oco é uma expressão popular utilizada no Brasil para designar pessoas dissimuladas, cuja origem mítica é derivada de aspectos históricos. Segundo o imaginário popular, o santo do pau oco era, nas regiões mineradoras brasileiras e durante o período colonial, um símbolo do contrabando do ouro em pedra ou em pó ou de diamantes, ou seja, as imagens devocionais eram utilizadas como esconderijo aos olhos do fisco. Governadores, escravos e clérigos estavam envolvidos neste tipo de contrabando. Esta versão é tida como lenda, assim como muitas histórias em Minas Gerais derivadas deste tipo de imagem, com pouca comprovação desta utilização. Provavelmente, este tipo de imagem era feito pelos mesmos motivos que na Europa, onde, desde a Idade Média, as esculturas em madeira eram escavadas para que as peças rachassem menos e ficassem mais leves.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_do_pau_oco

http://biraviegas.blogspot.com/
2009/01/expresses-populares.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pandora

http://www.fleamarketmobile.com/

http://www.animationlibrary.com/
sc/137/Hippos_and_Rhinos/

 

Fundo musical:

Mr. Bean

Fonte:

http://mp3bear.com/?q=mr+bean