PRIMEIRA CARTA ROSACRUZ

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

O Website da Fraternidade Rosacruz Max Heindel divulga em sua biblioteca on-line amplo e diversificado material sobre o Rosacrucianismo de vertente heindeliana. Nesta oportunidade, estou começando a publicar algumas cartas escritas por antigos membros da Ordem, que remontam ao século XVIII. Ao final, apresentarei alguns comentários.

 

 

 

Carta I

SABEDORIA DIVINA

 

 

Não tentes estudar a mais elevada de todas as ciências se, de antemão, não resolvestes entrar na via da virtude; os incapazes de sentir a verdade não compreenderão minhas palavras. Só os que entram no Reino de Deus podem compreender os mistérios divinos e aprender a verdade e a sabedoria, na medida da sua capacidade para receber a LLuz Divina da Verdade. Aqueles que se guiam unicamente pela luz da inteligência não compreendem os mistérios divinos da Natureza; as suas almas não podem ouvir a(s) Palavra(s) que a LLuz pronuncia. Mas aquele que abandona o próprio ego pessoal pode conhecer a verdade. A verdade só pode ser conhecida na região do Bem Absoluto. Tudo o que existe é produto da atividade do espírito. É a mais elevada de todas as ciências a que permite ao homem aprender a conhecer o laço de união entre a Inteligência Espiritual e as formas corpóreas. Entre o espírito e a matéria não existem linhas de separação porque entre os extremos, se encontram todas as gradações possíveis.

 

 

 

 

Deus é Fogo que irradia puríssima LLuz. Esta LLuz é Vida. As gradações entre a LLuz e as Trevas estão para além da compreensão humana. Quanto mais nos aproximamos do centro da LLuz tanto maior é a energia que recebemos e tanto mais poder e atividade resultam. É destino do homem elevar-se até ao Centro Espiritual da LLuz. O homem primordial era um filho da LLuz. Permanecia em estado de perfeição espiritual bem mais elevada do que no presente; Dela desceu a um estado mais material, tomando uma forma corpórea e rude. Para volver à sua primeira condição terá de percorrer o caminho por onde desceu.

 

 

O Caminho de volta não é bem assim,
mas é mais ou menos assim.

 

Cada um dos seres animados deste mundo obtém sua vida e sua atividade do Poder do Espírito. Os elementos grosseiros estão regidos pelos mais sutis e estes por outros de maior sutileza, até chegarmos no Poder puramente Espiritual e Divino. Deste modo, Deus influi em tudo e tudo governa. O homem possui um germe do Poder Divino que pode se desenvolver e se transformar em árvore de frutos maravilhosos. A expansão deste germe só pode se fazer pelo calor que irradia do centro flamígero do Grande Sol Espiritual. Quanto mais nos aproximamos desta LLuz, mais recebemos o seu calor. Do centro ou Causa Suprema Original, irradiam continuamente poderes ativos que se infundem nas formas oriundas da Sua atividade eterna. Destas formas revertem novamente à Causa Primeira, dando lugar a uma cadeia ininterrupta de atividade, luz e vida. O homem, ao abandonar a radiante esfera de LLuz, incapacitou-se para contemplar o pensamento, a atividade e a vontade do Infinito em sua Unidade.

 

Daí resulta que, na atualidade, tão-só percebe a imagem de Deus em uma multiplicidade de imagens. Contempla Deus sob um número de aspectos quase infinito, mas Deus permanece sempre Uno. Todas estas imagens devem lhe recordar a exaltada situação que outrora manteve e para cuja reconquista devem tender todos os seus esforços. Se não se esforçar por se elevar a maior altura espiritual, irá sumindo-se cada vez mais na sensualidade e, depois, ser-lhe-á muito mais difícil voltar ao primeiro estado.

 

Durante a vida terrestre, estamos rodeados de perigos, e é bem pequeno o nosso poder de defesa. Os corpos materiais nos encadeiam ao reino do sensível e mil tentações nos assaltam todos os dias. Sem a reação do espírito, a natureza animal afundaria o homem na sensualidade. Todavia, este contato com o sensível é necessário: proporciona a força que o faz progredir. O poder da vontade o eleva; e aquele que identifica a sua vontade com a vontade de Deus pode, durante a vida na Terra, chegar à espiritualidade que lhe concede a contemplação e a compreensão da sua Unidade no Reino da Inteligência. Tal homem pode realizar o que quiser porque, unido com o Deus Universal, todos os poderes da Natureza são seus poderes e nele se manifestarão a harmonia e a Unidade do Todo. Então, vivendo no Eterno, não está sujeito às condições do espaço e do tempo; participa do poder de Deus sobre todos os elementos e poderes do mundo visível e invisível e tem a consciência do eterno.

 

Dirige todos os teus esforços no cultivo da tenra planta da virtude que cresce em teu seio. Purifica tua vontade e não permitas que as ilusões dos sentidos te alucinem. A cada passo que deres na senda da Vida Eterna, encontrarás um ar mais puro, uma vida nova, uma luz mais clara e, em proporção à ascensão para o alto, aumentará o teu horizonte mental.

 

A inteligência, só por si, não conduz à Sabedoria [SOPhIa]. O Espírito conhece tudo e, no entanto, nenhum homem O conhece. Sem Deus, a inteligência enlouquece, adora-se a si, repele a influência do Espírito Santo. Quanto é decepcionante e enganosa a inteligência sem a espiritualidade! Em pouco tempo perecerá. O Espírito é causa de tudo; a luz da mais brilhante inteligência deixará de brilhar se for abandonada pelos raios de Vida do Sol Espiritual. Para compreender os segredos da Sabedoria não basta teorizar, é necessário alcançar esta mesma Sabedoria. Só o que se conduz sabiamente realmente é sábio, ainda que não tenha recebido a menor instrução intelectual.

 

Para ver necessitamos de olhos, e para ouvir, de ouvidos. Similarmente, para atingir as coisas do Espírito, precisamos de percepção espiritual. É o Espírito e não a inteligência que dá vida a todas as coisas, desde o Anjo Planetário até ao mais pequeno ser do fundo do oceano. A influência espiritual vem de cima para baixo e nunca de baixo para cima; por outros termos, irradia do centro para a periferia e nunca em sentido contrário. Isto explica porque a inteligência, produto ou efeito da LLuz do Espírito que brilha na matéria, não pode nunca se sobrepor à LLuz do Espírito.

 

A inteligência humana só pode compreender as verdades espirituais quando a sua consciência entra no reino da LLuz Espiritual. É uma verdade que a grande maioria dos intelectuais não quer compreender. Não podendo se elevar a um estado superior ao intelectual, consideram tudo que está fora de seu alcance como fantasia e sonho ilusório.

 

Sua compreensão é obscura e no Coração abrigam as paixões que os impedem de contemplar a LLuz da Verdade. O que ajuíza a partir dos sentidos externos não pode compreender as Verdades Espirituais. Preso ao ilusório, ao ego pessoal, repete as verdades espirituais que lhe destroem a personalidade. O instinto e o ego inferior levam-no a se considerar um ser distinto do Deus universal. O conhecimento da Verdade desfaz esta ilusão, razão porque o homem sensual odeia a Verdade. O Homem Espiritual é filho da LLuz. O Homem Regenerado retorna ao seu primeiro estado de perfeição, e esta regeneração, que o põe acima dos outros seres do Universo, depende do apagamento das obscuridades que velam sua natureza interna.

 

O homem, por assim dizer, é um fogo concentrado no interior de uma casca material e rude. O seu destino é abrasar neste fogo a natureza animal, os materiais grosseiros, e se unir de novo com o flamígero centro, do qual é uma centelha durante a vida terrestre. Se a consciência e a atividade do homem continuamente se concentram nas coisas externas, a LLuz que irradia da centelha, no interior do Coração, vai enfraquecendo a pouco e pouco... e acaba por desaparecer. Mas, se o fogo interno é cultivado e alimentado, destrói os elementos grosseiros, atrai outros mais etéricos, faz o homem cada vez mais espiritual e lhe concede poderes divinos. Não só expande a atividade interna, mas também aumenta a receptividade às influências puras e divinas. Purifica e nobilita por completo a constituição do homem e o converte, finalmente, no verdadeiro senhor da criação.

 

Fonte:

http://www.fraternidaderosacruz.org/cartasrc1.htm

 

 

 

 

Três Comentários

 

 

Se, por exemplo, perguntarmos a um religioso católico o que é entrar no Reino de Deus, ele certamente dirá que é, por mérito, depois da morte, ir para o céu (ou paraíso). Então, ele espera que isto aconteça e há uma esperança de que isto aconteça. Esperar acontecer e esperança que aconteça parecem ser a mesma coisa, mas não são, porque esperar é (quase) ter certeza de que irá acontecer (um exemplo disto é a decorrência da Grande Promessa1), e ter esperança (por definição, sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja) poderá acontecer ou dar em águas amassadas. Como já discuti este tema à saciedade em textos anteriores, (re)direi apenas, nesta oportunidade, que não existe um Reino de Deus além da vida, uma espécie de casa dos bem-comportados ou o que seja, cuja porta está vedada aos desmerecedores e acanalhados. Mas o Reino de Deus poderá vir a existir, sim; isto, se vier a ser construído por nós, agora, em vida. O que pensarmos, o que dissermos e o que fizermos agora – encarnados – serão os alicerces (os fundamentos ou os sustentáculos) no quais se apoiará nossa próxima encarnação. Logo, creio que está bem claro que somos responsáveis por tudo, particularmente pelo reino do nosso Deus Interior, pelo Deus de nosso Coração. Nosso futuro sucesso (ou insucesso), nossa saúde (ou enfermidades conatas e adquiridas), nossas maiores ou menores facilidades (ou dificuldades), tudo, enfim, dependerá dos tijolos com que estamos construindo, hoje, a mansão do Deus do nosso Coração. Decididamente, somos o arquiteto, o engenheiro, o mestre-de-obras e o peão do Reino de Deus em nosso Coração.

 

Quanto à LLuz Divina da Verdade, só recordo que não é possível – sob qualquer aspecto, para ninguém, sem exceção, por enquanto – acesso à Verdade Absoluta. Aquisição meritosa de verdades progressivas, sim; mas, sempre, inevitavelmente, relativas, mais ou menos como o geocentrismo que foi substituído pelo heliocentrismo, e os conceitos independentes de espaço e de tempo, da Teoria de Newton, que foram atualizados pela idéia relativística de espaço-tempo como uma entidade geométrica unificada. O fato é que a tomada de consciência total e absoluta da Verdade Cósmica implicaria (e, quem sabe, um dia haverá de implicar) em uma espécie fusão místico-alquímico-iniciática irreversível com esta mesma Verdade Cósmica, ou seja, com a Consciência Universal, desde sempre una e idêntica a Si Mesma. Isto corresponde, por assim dizer, à Última Iniciação, impossibilitando qualquer tipo de retornança à mais mínima individualidade, ao mais mínimo personalismo. Muito mais do que Eu e o Pai somos Um, isto é equivalente a Eu e a Consciência Cósmica somos Um. Mas, penso que aquele que chega a este ponto, de maneira geral, abre mão desta Derradeira Iniciação, para auxiliar os seres do Universo. Não há desprendimento e sacrifício voluntário maiores do que este.

 

Finalmente, como último comentário à esta Primeira Carta Rosacruz, direi que para entrar no reino da LLuz Espiritual é irredutivelmente necessário que seja transmutado o fiat voluntas mea em Fiat Voluntas Tua. Entretanto, talvez, mais do que apenas transmutar – como se apenas transmutar fosse uma coisa simples e fácil! – uma fusão destas duas voluntas seja mais adequada e concertada, pois, em realidade, acabaremos por descobrir que a meta (provisória, ainda que muito árdua de ser conseguida) é nos tornarmos e sermos um com o Um e no Um, mantendo nossa personalidade na Unidade (já que não existimos para ser nem autômatos nem bonifrates). Isto só se extinguirá se e quando a Consciência do Eu e a Consciência Cósmica se tornarem uma Unidade permanente – uma única Consciência. A coisa é como eu disse no parágrafo anterior: esta Unidade permanente equivale à Última Iniciação, impossibilitando qualquer tipo de retorno à mais ínfima individualidade, pois a real e efetiva Unidade, se vier a se completar, definitivamente se completou. O resumo da Carta e do que comentei é:

 

 

 

 

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Nota:

1. A Grande Promessa é uma das Doze Promessas de Jesus aos devotos de Seu Sagrado Coração. Eu prometo, na excessiva misericórdia do meu Coração, que meu amor todo-poderoso concederá a todos aqueles que comungarem, em nove primeiras sextas-feiras do mês seguidas, a graça da penitência final, que não morrerão na minha desgraça, nem sem receberem seus sacramentos e que o meu Divino Coração será o seu asilo seguro no último momento. Para merecer a graça da Grande Promessa, é necessário: 1º) receber a Santa Comunhão na primeira sexta-feira de cada mês, por nove meses seguidos; 2º) para comungar, é indispensável estar na graça de Deus; e 3º) quem tiver pecado grave, deve se confessar antes de comungar. A consagração do dia da primeira sexta-feira de cada mês deve ser preparada, de véspera, pelo piedoso exercício da Hora Santa, prática revelada por Jesus a Santa Margarida Maria: E para me acompanharem na humilde oração que eu apresentei a meu Pai, no meio de todas as minhas angústias, todas as quintas-feiras levantar-te-ás, entre as onze horas e a meia-noite, para comigo te prostrares durante uma hora, com o rosto em terra, para aplacar a ira divina, pedindo misericórdia para os pecadores, como para adoçar, de alguma maneira, a amargura que eu sentia com o desamparo em que me deixavam meus apóstolos, o qual me obrigou a lhes lançar em rosto o não terem podido velar uma hora comigo.

 

Música de fundo:

Lost Horizon
Composição: Burt Bacharach & Hal David
Interpretação: Shawn Phillips

Fonte:

http://beemp3.com/