SOBRE O CASAMENTO

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Outro dia, recebi um e-mail muito interessante com esta historinha, que reproduzo (editado) abaixo:

 

Era uma vez, um rapaz muito bem-intencionado que perguntou a uma garota se ela queria se casar com ele. A garota, enfática, disse: — Não; nem pensar.

E, assim, ela viveu feliz para sempre.

Sem lavar...

 

 

Sem cozinhar...

 

 

Sem passar roupas para ninguém...

 

 

Saindo com suas amigas...

 

 

Ficando com quem queria...

 

 

Gastando seu dinheiro consigo...

 

 

E sem trabalhar para ninguém...

 

 

 

 


 

 


O problema é que não nos contam isto, continua o
e-mail, quando somos crianças. Ao contrário; nos enchem a cabeça com o maldito príncipe encantado! Para todos aqueles homens que perguntam para que comprar a vaca se posso ter o leite gratuito?, temos que dizer: — Hoje em dia, 80% das mulheres estão contra o matrimônio. Sabe o porquê? Porque as mulheres se deram conta de que não vale a pena comprar o porco inteiro por uma lingüicinha.

 

 

Comentando um Pouquinho

 

 

Comprar o porco inteiro por uma lingüicinha? Ora, convenhamos, na verdade, o casamento não é obrigatório para ninguém; nem pelo porco, nem pela lingüiça, nem por nada. Quem quer casar casa; quem não quer casar não casa. Mas, de uma forma ou de outra – solteiros, casados, separados, divorciados ou tico-ticos no fubá – um dia, haveremos de compreender o poema Eros e Psique de Fernando Pessoa, em seu sentido mais profundo e esotérico:

 

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

 

Não custa nada lembrar de novo: isto nada tem a ver com o esquisito, extravagante, excêntrico e incorreto conceito de almas gêmeas, que, cosmicamente, inexiste, só tendo curso mesmo na cachola dos sonhadores desinformados ou mal informados.

 

Seja como for, entre outras coisas, é o buraco existencial, que cada um sente dentro de si, que faz existir a estrada, que faz existir a interminável procura física e a irrevocável busca metafísica. Pensando bem, o ser-no-mundo encarna e vive para procurar, para buscar e para realizar, de permeio compensando o que educativamente deve ser compensado.

 

Por sermos seres incompletos... procuramos e buscamos. Por sermos seres desarmoniosos... fazemos tudo para nos harmonizar. Por estarmos meio perdidos... lutamos bravamente para encontrar e para nos encontrarmos. E onde e por meio de quê isto é possível? Onde: —› na Terra (por enquanto). Por meio de quê: —› pela encarnação. Apenas se nascermos, poderemos efetivar nossas expectativas e ir corrigindo o rumo do nosso barco. Se não nascermos, nada feito. Daí, o crescei, multiplicai-vos e enchei a Terra... do Gênesis I, 28, cujo sentido iniciático-esotérico é: fraternamente e categoricamente oportunizai. Mas isto não sugere e muito menos quer dizer ter ou fazer filhos irresponsavelmente a três por dois e à bangu. Por outro lado, é muito melhor que não tenhamos filhos, do que tê-los e não os alimentarmos adequadamente, não os educarmos convenientemente, não os provermos do que é necessário, não isto e não aquilo. Ter filhos para os deixar largados no mundo a pão e margarina? Neste caso, por que não a camisinha? O que há de tão demoníaco com ela? Agora, quem teve um filho cumpriu direitinho o que deveria ter sido cumprido.

 

Então, pense comigo: quando evitamos ou impedimos, seja lá pelo meio que for, o nascimento de uma personalidade-alma, estamos, desfraternalmente, determinando que ela permaneça como é e onde está. Mais do que egoísmo, esta decisão impediente funciona como uma espécie de contraceptivo/retardativo do movimento cósmico. Quanto aos casais que, por alguma disfunção orgânica, não podem ter filhos, isto é outra coisa.

 

Eu poderia ficar examinando esta matéria quase indefinidamente, mas deixarei que você chegue às suas conclusões sobre o assunto. Concluirei dizendo que, talvez, o maior ato compensatório – de amor e de abnegação – seja mesmo permitir que, por meio de nós, casando ou não casando, uma personalidade-alma possa encarnar, se reciclar e se reengenheirar, para seguir em frente em sua trajetória/peregrinação universal.

 

Enfim, o inquestionável é que – seja a princesa encantada, seja o infante de além do muro da estrada, seja você, seja eu, seja quem seja – todos nós precisamos sair do sono. E ninguém poderá despertar sozinho; todos nós precisamos do auxílio e do concurso cordial de todos, particularmente de nossos pais. Isto, muito corretamente, é chamado de fraternidade. Somos todos um!

 

 

 

 

 

 

Bibliografia:

PESSOA, Fernando. Obra poética e em prosa (introduções, organização biobibliografia e notas de António Quadros e Dalila Pereira da Costa). Volume I; poesia. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1986.

 

Música de fundo:

Tico-Tico no Fubá
Composição: Zequinha de Abreu
Interpretação: Ray Conniff e sua orquestra

Fonte:

http://www.4shared.com/get/4Kc0jE6t/
tico_tico_no_fub-_ray_conniff.html

 

Página da Internet consultada:

http://clarissasbox.blogspot.com/2011/
03/are-you-wearing-green-today.html

 

Direitos autorais:

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