Este
estudo é um pouquinho de tudo do que o Poetinha Vinicius de Moraes
nos ofereceu: de seus pensamentos, de suas reflexões, de suas advertências,
de suas tiradas de humor – como esta duas: 1ª)
Existem umas feias
potáveis; mas a maioria só serve mesmo para fazer sabão;
e 2ª) O
uísque é o melhor amigo do homem; ele é o cachorro
engarrafado)
– de seus poemas etc. Conhecemos, geralmente, o cheio de amor pra
dar poeta-letrista Vinicius, mas desconhecemos o Pensador Maçom Vinicius.
Então, para nós, resolvi garimpar na Internet uma pequena
parte – como eu disse, um pouquinho de tudo – do que Vinicius
pensou e divulgou, ainda que a maioria do que está neste estudo seja
do conhecimento de todos. Mas há algumas novidades, e, por isto,
espero que valha a pena. E, para quem não sabe, Vinicius –
um nome de origem latina – significa aquele que possui uma lucidez
incomum e que tem uma voz agradável.
Cronologia
da Vida e da Obra
Vinicius
Neném
1913
Marcos
Vinicius da Cruz de Mello Moraes – o Poetinha –
nasce, em meio a forte temporal, na madrugada de 19 de outubro, no antigo
nº 114 (casa já demolida) da rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico,
ao lado da chácara de seu avô materno, Antônio Burlamaqui
dos Santos Cruz. São seus pais Lydia Cruz de Moraes e Clodoaldo Pereira
da Silva Moraes, este, sobrinho do poeta, cronista e folclorista Mello Moraes
Filho e neto do historiador Alexandre José de Mello Moraes.
1916
A família
muda-se para a rua Voluntários da Pátria, nº 192, em
Botafogo, passando a residir com os avós paternos, Maria da Conceição
de Mello Moraes e Anthero Pereira da Silva Moraes.
1917
Nova
mudança para a rua da Passagem nº 100, ainda em Botafogo, onde
nasce seu irmão Helius. Vinicius e sua irmã Lygia entram para
a escola primária Afrânio Peixoto, na rua da Matriz.
1919
Transfere-se
para a rua 19 de fevereiro nº 127.
1920
Mudança
para a rua Real Grandeza nº 130. Primeiras namoradas na escola Afrânio
Peixoto. É batizado na Maçonaria, por disposição
de seu avô materno, cerimônia que lhe causaria grande impressão.
1922
Última
residência em Botafogo, na rua Voluntários da Pátria
nº 195. Impressão de deslumbramento com a exposição
do Centenário da Independência do Brasil e de curiosidade com
o levante do Forte de Copacabana, devido a uma bomba que explodiu perto
de sua casa. Sua família transfere-se para a Ilha do Governador,
na praia de Cocotá nº 109-A, onde o Poetinha passa suas férias.
1923
Faz
sua primeira comunhão na Matriz da rua Voluntários da Pátria.
1924
Inicia
o Curso Secundário no Colégio Santo Inácio, na rua
São Clemente. Começa a cantar no coro do colégio, durante
a missa de domingo. Por grande amizade, liga-se a seus colegas Moacyr Veloso
Cardoso de Oliveira e Renato Pompéia da Fonseca Guimarães,
este, sobrinho de Raul Pompéia, com os quais escreve o épico
escolar, em dez cantos, de inspiração camoniana: Os Acadêmicos.
A partir daí, participa sempre das festividades escolares de encerramento
do ano letivo, seja cantando, seja atuando nas peças infantis.
1927
Conhece
e torna-se amigos dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajoz, com os quais
começa a compor. Com eles e alguns colegas do Colégio Santo
Inácio, forma um pequeno conjunto musical que atua em festinhas,
em casa de famílias conhecidas.
1928
Compõe,
com os irmãos Tapajoz, Loura ou Morena e Canção
da Noite, que têm grande sucesso popular. Por essa época,
namora invariavelmente todas as amigas de sua irmã Laetitia.
1929
Bacharela-se
em Letras, no Santo Inácio. Sua família muda-se da Ilha do
Governador para a casa contígua àquela onde nasceu, na rua
Lopes Quintas, também já demolida.
1930
Entra
para a faculdade de Direito da rua do Catete, sem vocação
especial. Defende tese sobre a vinda de D. João VI para o Brasil
para ingressar no Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais
(CAJU), onde se liga de amizade a Otávio de Faria, San Thiago Dantas,
Thiers Martins Moreira, Antônio Galloti, Gilson Amado, Hélio
Viana, Américo Jacobina Lacombe, Chermont de Miranda, Almir de Andrade
e Plínio Doyle.
1931
Entra
para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR).
1933
Forma-se
em Direito e termina o Curso de Oficial da Reserva. Estimulado por Otávio
de Faria, publica seu primeiro livro, O Caminho para a Distância,
na Schimidt Editora.
1935
Publica
Forma e Exegese, com o qual ganha o prêmio Felipe d'Oliveira.
1936
Publica,
em separata, o poema Ariana, a Mulher. Substitui Prudente de Morais
Neto, como representante do Ministério da Educação
junto à Censura Cinematográfica. Conhece Manuel Bandeira e
Carlos Drummond de Andrade, dos quais se torna amigo.
1938
Publica
novos poemas e é agraciado com a primeira bolsa do Conselho Britânico
para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford
(Magdalen College), para onde parte em agosto do mesmo ano. Funciona
como assistente do programa brasileiro da BBC. Conhece, em casa de Augusto
Frederico Schimidt, o poeta e músico Jayme Ovalle, de quem se torna
um dos maiores amigos.
1939
Casa-se
por procuração com Beatriz Azevedo de Mello. Regressa da Inglaterra
em fins do mesmo ano, devido à eclosão da II Grande Guerra.
Em Lisboa encontra seu amigo Oswald de Andrade com quem viaja para o Brasil.
1940
Nasce
sua primeira filha, Susana. Passa longa temporada em São Paulo, onde
se liga de amizade com Mário de Andrade.
1941
Começa
a fazer jornalismo em A Manhã, como crítico cinematográfico
e a colaborar no Suplemento Literário ao lado de Rineiro Couto, Manuel
Bandeira, Cecília Meireles e Afonso Arinos de Melo Franco, sob a
orientação de Múcio Leão e Cassiano Ricardo.
1942
Inicia
seu debate sobre cinema silencioso e cinema sonoro, a favor do primeiro,
com Ribeiro Couto, e em seguida com a maioria dos escritores brasileiros
mais em voga, e do qual participam Orson Welles e madame Falconetti. Nasce
seu filho Pedro. A convite do então prefeito Juscelino Kubitschek,
chefia uma caravana de escritores brasileiros a Belo Horizonte, onde se
liga de amizade com Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Hélio Pelegrino
e Paulo Mendes Campos. Inicia, com seus amigos Rubem Braga e Moacyr Werneck
de Castro, a roda literária do Café Vermelhinho, à
qual se misturam a maioria dos jovens arquitetos e artistas plásticos
da época, como Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Afonso Reidy,
Jorge Moreira, José Reis, Alfredo Ceschiatti, Santa Rosa, Pancetti,
Augusto Rodrigues, Djanira, Bruno Giorgi. Freqüenta, nessa época,
as domingueiras em casa de Aníbal Machado. Conhece e se torna amigo
da escritora Argentina Maria Rosa Oliver, através da qual conhece
Gabriela Mistral. Faz uma extensa viagem ao Nordeste do Brasil acompanhando
o escritor americano Waldo Frank, a qual muda radicalmente sua visão
política, tornando-se um antifacista convicto. Na estada em Recife,
conhece o poeta João Cabral de Melo Neto, de quem se tornaria, depois,
grande amigo.
1943
Publica
suas Cinco Elegias, em edição mandada fazer por Manuel
Bandeira, Aníbal Machado e Otávio de Faria. Ingressa, por
concurso, na carreira diplomática.
1944
Dirige
o Suplemento Literário de O Jornal, onde lança, entre
outros, Oscar Niemeyer, Pedro Nava, Marcelo Garcia, Francisco de Sá
Pires, Carlos Leão e Lúcio Rangel em colunas assinadas, e
publica desenhos de artistas plásticos até então pouco
conhecidos, como Carlos Scliar, Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti,
Eros (Martim) Gonçalves, Arpad Czenes e Maria Helena Vieira da Silva.
1945
Colabora
em vários jornais e revistas, como articulista e crítico de
cinema. Faz amizade com o poeta Pablo Neruda. Sofre um grave desastre de
avião perto da cidade de Rocha, no Uruguai. Em sua companhia estão
Aníbal Machado e Moacir Werneck de Castro. Faz crônicas diárias
para o jornal Diretrizes.
1946
Parte
para Los Angeles, como vice-cônsul, em seu primeiro posto diplomático.
Ali permanece por cinco anos sem voltar ao Brasil. Publica em edição
de luxo, ilustrada por Carlos Leão, seu livro, Poemas, Sonetos
e Baladas.
1947
Em Los
Angeles, estuda cinema com Orson Welles e Gregg Toland. Lança, com
Alex Viany, a revista Film.
1949
João
Cabral de Melo Neto tira, em sua prensa mensal, em Barcelona, uma edição
de cinqüenta exemplares de seu poema Pátria Minha.
1950
Viagem
ao México para visitar seu amigo Pablo Neruda, gravemente enfermo.
Ali conhece o pintor David Siqueiros e reencontra seu grande amigo, o pintor
Di Cavalcanti. Morre seu pai. Retorna ao Brasil.
1951
Casa-se
pela segunda vez com Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. Começa
a colaborar no jornal Última Hora, a convite de Samuel Wainer,
como cronista diário e posteriormente como crítico de cinema.
1952
Visita,
fotografa e filma, com seus primos, Humberto e José Francheschi,
as cidades mineiras que compõem o roteiro do Aleijadinho, com vistas
à realização de um filme sobre a vida do escultor que
lhe fora encomendado pelo diretor Alberto Cavalcanti. É nomeado delegado
junto ao festival de Punta Del Leste, fazendo paralelamente sua cobertura
para o jornal Última Hora. Parte logo depois para a Europa,
encarregado de estudar a organização dos festivais de cinema
de Cannes, Berlim, Locarno e Veneza, no sentido da realização
do Festival de Cinema de São Paulo, dentro das comemorações
do IV Centenário da Cidade. Em Paris, conhece seu tradutor francês,
Jean Georges Rueff, com quem trabalha, em Estrasburgo, na tradução
de suas Cinco Elegias.
1953
Nasce
sua filha Georgiana. Colabora no tablóide semanário Flan,
da Última Hora, sob direção de Joel Silveira.
Aparece a edição francesa das Cinq Élégies,
em edição de Pierre Seghers. Liga-se de amizade com o poeta
cubano Nicolás Guillén. Compõe seu primeiro samba,
música e letra, Quando Tu Passas Por Mim. Faz crônicas
diárias para o jornal A Vanguarda, a convite de Joel Silveira.
Parte para Paris como segundo secretário de Embaixada.
1954
Sai
a primeira edição de sua Antologia Poética.
A revista Anhembi publica sua peça Orfeu da Conceição,
premiada no concurso de teatro do IV Centenário do Estado de São
Paulo.
1955
Compõe,
em Paris, uma série de canções de câmara com
o maestro Cláudio Santoro. Começa a trabalhar para o produtor
Sasha Gordine, no roteiro do filme Orfeu Negro. No fim do ano vem
com ele ao Brasil, por uma curta estada, para conseguir financiamento para
a produção da película, o que não consegue,
regressando em fins de dezembro a Paris.
1956
Volta
ao Brasil em gozo de licença-prêmio. Nasce sua terceira filha,
Luciana. Colabora no quinzenário Para Todos a convite de
seu amigo Jorge Amado, em cujo primeiro número publica o poema O
Operário em Construção. Paralelamente aos trabalhos
da produção do filme Orfeu Negro, tem o ensejo de
encenar sua peça Orfeu da Conceição, no Teatro
Municipal, que aparece também em edição comemorativa
de luxo, ilustrada por Carlos Scliar. Convida Antônio Carlos Jobim
para fazer a música do espetáculo, iniciando com ele a parceria
que, logo depois, com a inclusão do cantor e violonista João
Gilberto, daria início ao movimento de renovação da
música popular brasileira que se convencionou chamar de Bossa
Nova. Retorna ao posto, em Paris, no fim do ano.
1957
É
transferido da Embaixada em Paris para a Delegação do Brasil
junto à UNESCO. No fim do ano é removido para Montevidéu,
regressando, em trânsito, ao Brasil. Publica a primeira edição
de seu Livro de Sonetos, em edição de Livros de Portugal.
1958
Sofre
um grave acidente de automóvel. Casa-se com Maria Lúcia Proença.
Parte para Montevidéu. Sai o LP Canção do Amor
Demais, de músicas suas com Antônio Carlos Jobim, cantadas
por Elizete Cardoso. No disco, ouve-se, pela primeira vez, a batida da Bossa
Nova, no violão de João Gilberto, que acompanha a cantora
em algumas faixas, entre as quais o samba Chega de Saudade, considerado
o marco inicial do movimento.
1959
Sai
o Lp Por Toda Minha Vida, de canções suas com Jobim,
pela cantora Lenita Bruno. O filme Orfeu Negro ganha a Palme
d'Or do Festival de Cannes e o Oscar, de Hollywood, como melhor
filme estrangeiro do ano. Aparece o seu livro Novos Poemas II.
Casa-se sua filha Susana.
1960
Retorna
à Secretaria de Estado das Relações Exteriores. Em
novembro, nasce seu neto, Paulo. Sai a segunda edição de sua
Antologia Poética, pela Editora de Autor e a edição
popular da peça Orfeu da Conceição, pela livraria
São José e Recette de Femme et Autres Poèmes,
tradução de Jean-Georges Rueff, em edição Seghers,
na coleção Autour du Monde.
1961
Começa
a compor com Carlos Lira e Pixinguinha. Aparece Orfeu Negro, em
tradução italiana de P. A. Jannini, pela Nuova Academia
Editrice, de Milão.
1962
Começa
a compor com Baden Powell, dando inicio à série de afro-sambas,
entre os quais, Berimbau e Canto de Ossanha. Compõe,
com música de Carlos Lyra, as canções de sua comédia-musicada
Pobre Menina Rica. Em agosto, faz seu primeiro show,
de larga repercussão, com Antônio Carlos Jobim e João
Gilberto, na boate Au Bom Gourmet, que daria início aos chamados
pocket-shows, e onde foram lançados pela primeira vez grandes
sucessos internacionais como Garota de Ipanema e o Samba da
bênção. Faz um show
com Carlos Lyra, na mesma boate, para apresentar Pobre Menina Rica,
e onde é lançada a cantora Nara Leão. Compõe
com Ari Barroso as últimas canções do grande compositor
popular, entre as quais Rancho das Namoradas. Aparece a primeira
edição de Para Viver um Grande Amor, pela Editora
do Autor, livro de crônicas e poemas. Grava, como cantor, seu disco
com a atriz e cantora Odete Lara.
1963
Começa
a compor com Edu Lobo. Casa-se com Nelita Abreu Rocha e parte em posto para
Paris, na delegação do Brasil junto a UNESCO.
1964
Regressa
de Paris e colabora com crônicas semanais para a revista Fatos
e Fotos, assinando paralelamente crônicas sobre música
popular para o Diário Carioca. Começa a compor com
Francis Hime. Faz show
de grande sucesso com o compositor e cantor Dorival Caymmi, na boate Zum-Zum,
onde lança o Quarteto em Cy. Do show
é feito um LP.
1965
Sai
Cordélia e o Peregrino, em edição do Serviço
de Documentação do Ministério da Educação
e Cultura. Ganha o primeiro e o segundo lugares do I Festival de Música
Popular de São Paulo, da TV Record, em canções de parceria
com Edu Lobo e Baden Powell. Parte para Paris e St. Maxime para escrever
o roteiro do filme Arrastão, indispondo-se, subseqüentemente,
com seu diretor, e retirando suas músicas do filme. De Paris, voa
para Los Angeles a fim de se encontrar com seu parceiro Antônio Carlos
Jobim. Muda-se de Copacabana para o Jardim Botânico, morando na rua
Diamantina, nº 20. Começa a trabalhar com o diretor Leon Hirszman,
do Cinema Novo, no roteiro do filme Garota de Ipanema. Volta ao
show
com Caymmi, na boate Zum-Zum.
1966
São
feitos documentários sobre o poeta pelas televisões americana,
alemã, italiana e francesa, sendo que os dois últimos são
realizados pelos diretores Gianni Amico e Pierre Kast. Aparece seu livro
de Crônicas Para uma Menina Com Uma Flor pela Editora do Autor. Seu
Samba da Bênção, em parceria com Baden Powell,
é incluído, em versão de compositor e ator Pierre Barouh,
no filme Un Homme… Une Femme, vencedor do Festival de Cannes
do mesmo ano. Participa do jurí do mesmo festival.
1967
Aparecem,
pela Editora Sabiá, a 6ª edição de sua Antologia
Poética e a 2ª do seu Livro de Sonetos (aumentada).
É posto à disposição do Governo de Minas Gerais
no sentido de estudar a realização anual de um Festival de
Arte em Ouro Preto, cidade à qual faz freqüentes viagens. Faz
parte do júri do Festival de Música Jovem, na Bahia. Estréia
do filme Garota de Ipanema.
1968
Falece
sua mãe no dia 25 de fevereiro. Aparece a primeira edição
de sua Obra Poética, pela Companhia José Aguilar
Editora. Tem poemas traduzidos para o italiano por Ungaretti. A convite
do crítico Ricardo Cravo Albin, Vinicius prestou histórico
depoimento para o Museu da Imagem e do Som (de onde era membro do Conselho
Superior de MPB).
1969
É
exonerado do Itamaraty. Casa-se com Cristina Gurjão.
1970
Casa-se
com a atriz baiana Gesse Gessy. Nasce Maria, sua quarta filha. Início
da parceria com Toquinho.
1971
Muda-se
para a Bahia. Viagem para a Itália.
1972
Retorna
à Itália com Toquinho onde gravam o LP Per Vivere Un Grande
Amore.
1973
Publica
A Pablo Neruda.
1974
Trabalha
no roteiro, não concretizado, do filme Polichinelo.
1975
Excursiona
pela Europa. Grava, com Toquinho, dois discos na Itália.
1976
Escreve
as letras de Deus Lhe Pague, em parceria com Edu Lobo. Casa-se
com Marta Rodrigues Santamaria.
1977
Grava
um LP em Paris, com Toquinho. Show
com Tom, Toquinho e Miúcha, no Canecão.
1978
Excursiona
pela Europa com Toquinho. Casa-se com Gilda de Queirós Mattoso, que
conhecera em Paris.
1979
Leitura
de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, a
convite do líder sindical Luís Inácio da Silva. Voltando
de viagem à Europa, sofre um derrame cerebral no avião. Perdem-se,
na ocasião, os originais de Roteiro Lírico e Sentimental
da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
1980
É
operado em 17 de abril para a instalação de um dreno cerebral.
Morre, na manhã de 9 de julho, de edema pulmonar, em sua casa, na
Gávea, em companhia de Toquinho e de sua última mulher. Extraviam-se
os originais de seu livro O Dever e o Haver.
1998
É
anistiado (post-mortem)
pela Justiça brasileira.
2006
É
oficialmente reintegrado na carreira diplomática.
2010
Em fevereiro,
a Câmara dos Deputados brasileira aprovou a promoção
póstuma do Poetinha ao cargo de ministro de primeira classe do Ministério
dos Negócios Estrangeiros – o equivalente a embaixador, que
é o cargo mais alto da carreira diplomática.
Para
Sempre
Deixará
saudades.
Fragmentos
Vinicianos
A
vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.
Que
hei de fazer de mim, neste quarto sozinho,
Apavorado, lancinado, corrompido,
A solidão ardendo em meu corpo despido,
E em volta apenas trevas e a imagem do carinho!
Quem
de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém...
Precisa-se
de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é
bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para
se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado
em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou
chorando, mas que nos chame de amigo, para se ter a consciência de
que ainda se vive.
A
maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão
é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que
se recusa a participar da vida humana.
Com
as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha
poesia.
A
vida é uma grande ilusão! Só sei que ela está
com a razão!
De
manhã escureço,
De dia tardo,
De tarde anoiteço,
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo;
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem,
Passo por passo:
Eu morro ontem.
Nasço amanhã,
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
A
vida só se dá para quem se deu.
Tomara
que a tristeza te convença que a saudade não compensa e que
a ausência não dá paz.
Quanta
tristeza
Há nesta vida!
Só incerteza...
Só despedida...
Pensem
nas crianças
Mudas telepáticas...
Pensem nas meninas
Cegas inexatas...
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas...
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas...
Mas, oh!, não se esqueçam
Da rosa da rosa...
Da rosa de Hiroxima,
A rosa hereditária,
A rosa radioativa,
Estúpida e inválida,
A rosa com cirrose,
A anti-rosa atômica,
Sem cor sem perfume,
Sem rosa sem nada.
Mesmo
que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem, os amigos devem ser amigos
para sempre. Mesmo que não tenham nada em comum, para somente compartilhar
as mesmas recordações.
Ele
te amou... E te plasmou na visão da manhã e do dia. Na visão
de todas as horas... Ó hora dolorosa e roxa das emoções
silenciosas.
O
maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de
ferir e de se ferir, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo.
Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também
tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele
é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção,
as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro
privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
E
você tem que ser a estrela derradeira
– Minha amiga e companheira –
No infinito de nós dois.
Mesmo
o amor que não compensa é melhor que a solidão.
As
muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental.
Amai,
porque não há nada melhor para a saúde que um amor
correspondido.
E
de amar assim, muito amiúde, é que um dia, em teu corpo de
repente, hei de morrer de amar mais do que pude.
A
mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza!
Meu
Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios;
Tem sete cores nos seus cabelos,
Sete esperanças na boca fresca!
Oh!, como és linda, mulher que passas!
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Não
ando só! Só ando em boa companhia! Com meu violão,
com minha canção e com a poesia!
O
uísque é o melhor amigo do homem – ele
é o cachorro engarrafado.
Quem
pagará o enterro e as flores, se eu me morrer de amores?
Resta,
acima de tudo, essa capacidade de ternura,
Essa intimidade perfeita com o silêncio.
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
— Perdoai! Eles não têm culpa de ter nascido...
De
tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face de meu maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo
em cada vão momento.
E, em seu louvor, hei de espalhar meu canto,
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais
tarde me procure,
Quem sabe a morte – angústia de quem vive –
Quem sabe a solidão, fim de quem ama,
Eu possa me dizer do
amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure.
Ser
feliz é viver morto de paixão.
Hoje
eu acordei possuído da maior ternura por Otto Lara Resende.1
Otto tem sido para mim, ao longo de vinte anos de convívio, um amigo
exemplar: desses que a pessoa não sabe bem o que fez para merecer.
É
curioso como, com o avançar dos anos e o aproximar da morte, vão
os homens fechando portas atrás de si, numa espécie de pudor
de que o vejam enfrentar a velhice que se aproxima.
Rostos
irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem mudamente.
A gente pega o abacate
Bate bem no batedor.
Depois do bate-que-bate,
Que é que parece? – Cocô.
Ô abacate biruta:
Tem mais caroço que fruta!
...
tendo ao lado seu velhinho, todo elegante em seu
paletó de alpaca, e cuja entrada no Céu só obteve pelo
muito que rezou e por todo o bem que fez em vida.
Desfazendo-se
em lágrimas azuis,
Em mistério nascia a madrugada...
Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das luzes que
vais acender e dos bens que repartirás com todos os homens... Bem
haja aquele que envolveu sua poesia da luz piedosa e tímida da aurora!
Por
mais longa que seja a caminhada, o mais importante é dar o primeiro
passo.
Creio
firmemente que o confinamento em si mesmo, imposto a toda uma legião
de criaturas pela guerra, é dinamite se acumulando no subsolo das
almas para as explosões da paz. No seio mesmo da tragédia,
sinto o fermento da meditação crescer. Não tenho dúvida
de que poderosos artistas surgirão das ruínas ainda não
reconstruídas do mundo, para cantar e contar a beleza e reconstruí-lo
livre. Pois, na luta onde todos foram soldados, a minoria nos campos de
batalha, a maioria nas solidões do próprio eu, lutando a favor
da liberdade e contra ela, a favor da vida e contra ela – os sobreviventes,
de corpo e espírito, e os que aguardaram em lágrimas a sua
chegada imprevisível, hão de se estreitar num abraço
tão apertado, que nem a morte os poderá separar. E o pranto
que chorarem juntos há de ser água para lavar dos corações
o ódio e das inteligências o mal-entendido.
Eu
poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos
os meus amores. Mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!
Quem
já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe
menos do que eu…
Sofre
ainda o mundo de tirania e de opressão, da riqueza de alguns para
a miséria de muitos, da arrogância de certos para a humilhação
de quase todos. Sofre o mundo da transformação dos pés
em borracha, das pernas em couro, do corpo em pano e da cabeça em
aço. Sofre o mundo da transformação das mãos
em instrumentos de castigo e em símbolos de força. Sofre o
mundo da transformação da pá em fuzil, do arado em
tanque de guerra, da imagem do semeador que semeia na do autômato
com seu lança-chamas, de cuja sementeira brotam solidões.
A esse mundo, só a poesia poderá salvar, e a humildade diante
da sua voz. Parece tão vago, tão gratuito, e, no entanto,
eu o sinto de maneira tão fatal! Não se trata de desencantá-la,
porque creio na sua aparição espontânea, inevitável.
Surgirá de vozes jovens fazendo ciranda em torno de um mundo caduco;
de vozes de homens simples, operários, artistas, lavradores, marítimos,
brancos e negros, cantando o seu labor de edificar, criar, plantar, navegar
um novo mundo; de vozes de mães, esposas, amantes e filhas, procriando,
lidando, fazendo amor, drama, perdão. E contra essas vozes não
prevalecerão as vozes ásperas de mando dos senhores nem as
vozes soberbas das elites. Porque a poesia ácida lhes terá
corroído as roupas. E o povo, então, poderá cantar
seus próprios cantos, porque os poetas serão em maior número
e a poesia há de velar.
Ah,
meus amigos, não vos deixeis morrer assim...
Não
sei. Tenho horror à idéia de me tornar literário, de
começar a redigir no ato de escrever. O que me dificulta, hoje em
dia, a leitura dos escritores em geral, com pouquíssimas exceções,
é justamente esse detestável defeito. Mal sinto, em lugar
de estilo, o menor maneirismo, a menor fita, largo o livro de mão.
Acho-os, na maioria, uns chatos; só contam o que todo mundo já
sabe ou logo adivinha. A vida é infinitamente mais rica que suas
palavras – e estou certo de que mesmo os mais medíocres são
portadores de experiências, que nas mãos de um bom romancista
ou um bom biógrafo, dariam matéria de interesse universal.
Pois tudo tem interesse, mesmo o coito de duas moscas, desde que provoque
no ser que o observa um reflexo vital.
Nádegas
é importantíssimo. Grave, porém, é o problema
das saboneteiras. Uma mulher sem saboneteiras é como um rio sem pontes.
O
gênio do apelido é virtude brasileira, diria quase carioca.
Não conheço, em outros povos, uma tal espontaneidade na caracterização
de tipos através de apelidos. Aqui no Rio, então, se o sujeito
não tiver sido muito bem-feitinho, a régua e compasso, dificilmente
o seu defeito ou modo peculiar de ser passará despercebido ao olho
do carioca... Há um amigo meu a quem apelidaram Mal Necessário.
Um bom sujeito. Há um outro, que um dia, nu, foi se olhar no espelho
sobre uma penteadeira, que tinha uma gaveta aberta e perdeu o equilíbrio
(contam seus amigos que o berro que deu foi tremendo!), a quem só
chamam de Gaveta.
Arma Secreta
A notícia dada por
um vespertino de que dez mil pintinhos de raça estavam sendo
eletrocutados por ordem da Inspetoria Sanitária Animal do
Ministério da Agricultura, por estarem contaminados de perigoso
mal, foi recebida com a maior indignação por todos
os galinheiros livres da cidade. O terrível morticínio,
que nem de longe se compara a outros de memória recente,
como as chacinas de Guernica, Lídice e Ouradour, sem falar
nos 6 milhões de judeus torturados e assassinados pelos nazistas,
causou, no entanto, grande mal-estar no seio da família galinácea
do Brasil, sobretudo por serem as vítimas pobres crianças
indefesas.
Como
é sabido, cinco mil pintinhos já haviam sido sacrificados
até sábado último, devendo os outros enfrentar
o poleiro elétrico nos dias a seguir. Quer dizer: por essas
horas o pintalhame todo já deve ter encontrado o seu Criador,
e não é difícil, com um pouco de imaginação,
ver os bichinhos a piar tristemente pelas verdes e enevoadas pastagens
do céu das galinhas, na saudade de seus inconsoláveis.
De
posse da notícia, andou o cronista percorrendo vários
galinheiros da cidade, encontrando, por toda parte, um ambiente
misto de desolação e revolta, principalmente entre
os galináceos prisioneiros, a cujas gaiolas e samburás
teve acesso, graças a uma permissão dificilmente conseguida
com o Fomento da Produção Animal.
— É
uma barbaridade! — disse um garnisé de pés atados.
— Se eu conseguir sair daqui eles vão ver comigo!
— E
eu que tinha vários sobrinhos lá... — soluçou
uma Rhode Island rolando dolorosamente os olhos cheios de lágrimas.
— Não
se importe não, minha filha — retrucou uma galinha-de-pescoço-pelado,
que se fazia notar por um certo ar subversivo. — A coisa está
por pouco. O 'revertere' vem aí!
—
Qual! — cacarejou uma bela Leghorn. —
Você ainda acredita em justiça? Pois bem: eu, minha
filha, quero é me divertir. Assim que sair daqui, você
vai ver só o galinheiro grã-fino que eu vou pegar.
É preciso é aparência... Que é que adianta
lutar? Eles são mesmo os mais fortes... Eu não, eu
vou é com jeitinho...
— Galinha!
— cacarejou-lhe de volta um pedrês.
Diante
do que, resolveu o cronista bater em retirada, mal habituado que
está a um certo cacarejo mais vulgar. Mas, a visita a alguns
galinheiros particulares, onde o regime de iniciativa privada é
evidente, e a outros em franco processo de socialização,
produziu efeito idêntico.
— Soube
que morreram como heróis! — disse um galinho carijó.
— Apesar de crianças, enfrentaram a morte com a bravura
característica da raça! Estamos providenciando uma
reunião no sentido de erguer-lhes um monumento que perdure
como o símbolo da nossa revolta. Pobres pintinhos...
E
assim, foi em todos os galinheiros. Num último, por sinal
localizado no quintal de uma parenta nossa, tivemos oportunidade
de falar com um líder da raça. O encontro foi cercado
das maiores precauções, mas nos foram feitas revelações
que não podemos deixar de transmitir aos leitores, embora
sem citar o santo, ou melhor, o galo. Disse-nos o circunspecto bípede:
— Trata-se
de um ato de desespero, um ato de medo, meu caro plumitivo. Eles
não sabem, no entanto, que a coisa está muito mais
avançada do que eles pensam. As condições mudaram.
O senhor não vê, por exemplo, essa galinha que apareceu
em Rondolândia, em Goiás, e que põe ovos brancos
e azuis através de dois sistemas de fecundação
e postura independentes? Isso é uma arma com que eles não
contam. No fundo, ficam atribuindo mais esse fenômeno à
bomba atômica, mas se enganaram redondamente... Para nós,
isso é pinto!
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Arte
não é só 'fazer': é também esperar. Quando
o veio seca, nada melhor para o artista que oferecer a face aos ventos,
e viver, pois só da vida lhe poderão advir novos motivos para
criar. Nada pode resultar mais esterilizante que o encontro de uma síntese,
se ela não for, como na vida, a conseqüência de uma análise
que se retoma a partir dela... A arte não ama os covardes: e essa
afirmação não pode ser mais antifascista. A arte, há
que domá-la como a um miúra: e, para tanto, é preciso
viver sem medo. Não a coragem idiota dos que se arriscam desnecessariamente,
em franco desrespeito a esse terrível postulado da vida, que ordena
uma preservação constante, de maneira a se estar sempre apto
para os seus grandes momentos.
E
como as páginas dos jornais estivessem mais sujas de sangue do que
as que embrulham o peso de carne nos açougues, eu resolvi desligar
e buscar um pouco de beleza no mundo.
Realmente,
o que pode existir de pior que a impossibilidade de arrancar à morte
o ser amado, que fez Orfeu descer aos Infernos em busca de Eurídice,
e acabou por lhe calar a lira mágica?
Depois
da Guerra vão nascer lírios nas pedras, grandes lírios
cor de sangue, belas rosas desmaiadas. Depois da Guerra vai haver fertilidade,
vai haver natalidade, vai haver felicidade. Depois da Guerra, ah meu Deus,
depois da Guerra, como eu vou tirar a forra de um jejum longo de farra!
Dia
de Sábado
Porque hoje é Sábado,
comprei um violão para minha filha Susana, a fim de que
ela aprenda dó maior e cante um dia, ao pé do leito
de morte de seu pai, a valsa 'Lágrimas de dor', de Pixinguinha,
e seu pai possa, assim, cerrar para sempre os olhos entre prantos,
e galgar a eternidade ajudado pela mão negra e fraterna
do grande valsista...
Porque
hoje é Sábado, desejarei ser de novo jovem e tremer,
como outrora, à idéia de encontrar a mulher casada,
de pés de açucena; desejarei ser jovem e olhar,
como outrora, meus bícepes fortes diante do espelho...
Porque
hoje é Sábado, desejarei estar num trem indo de
Oxford para Londres, e à passagem da estação
de Reading lembrar-me de Oscar Wilde, a escrever na prisão
que o homem mata tudo o que ele ama...
Porque
hoje é Sábado, desejarei estar de novo num botequim
do Leblon, com meu amigo Rubem Braga, ambos negros de sol e com
os cabelos, ai, sem brancores; desejarei ser de novo moreno de
Sol e de amores, eu e meu amigo Rubem Braga, pelas calçadas
luminosas da praia atlântica, a pele salgada de mar e de
saliva de mulher, ai...
Porque
hoje é Sábado, desejarei receber uma carta súbita,
contendo sobre uma folha de papel de linho azul a marca em batom
de uns grossos lábios femininos, e ver carimbado no timbre
o nome Florença...
Porque
hoje é Sábado, desejarei que a Lua nasça
em castidade, e que eu a olhe no céu por longos momentos,
e que ela me olhe também com seus grandes olhos brancos
cheios de segredo…
Porque
hoje é Sábado, desejarei escrever novamente o poema
sobre o dia de hoje, sentindo a antiga perplexidade diante da
palavra escrita em poesia e como dantes, levantar-me com medo
da coisa escrita e ir olhar-me ao espelho para ver se eu era eu
mesmo...
Porque
hoje é Sábado, desejarei ouvir cantar minha mãe
em velhas canções perdidas, quando a tarde deixava
um alto silêncio na casa vazia de tudo que não fosse
sua voz infantil...
Porque
hoje é Sábado, desejarei ser fiel, ser para sempre
fiel; ser com o corpo, com o espírito, com o coração
fiel à amiga, àquela que me traz no seu regaço
desde as origens do tempo, e que, com mãos de pluma, limpa
de preocupações e angústia, a minha fronte
imensa e tormentosa...
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Quem,
dentre vós, já não teve vontade de ver um passarinho
lhe vir pousar na mão? Quem já não sentiu a adorável
sensação da repentina falta de temor de um bicho esquivo?
A cutia que, num parque, faz uma pose rápida para o fotógrafo
- em quem já não despertou o impulso de lhe afagar o dorso
tímido? Quem já não invejou Francisco de Assis em suas
pregações aos cordeirinhos da úmbria? Quem já
não sorriu ao esquilo quando o animalzinho volta-se curioso para
nos mirar? Quem já não se deliciou ao contato dulcíssimo
de uma pomba malferida, a tremer medrosa em nossa palma?
Eu
sei e você sabe, já que a vida quis assim,
Que nada nesse mundo levará você de mim.
Eu sei e você sabe que a distância não existe,
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste.
Por isso, meu amor,
Não tenha medo de sofrer,
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você.
Assim
como o oceano
Só é belo com luar,
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar,
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover,
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer,
Assim como viver
Sem ter amor não é viver,
Não há você sem mim
Eu não existo sem você.
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De
que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar e um barco
com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar? E enquanto pescando,
enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos,
uma pro caniço, outra pro queixo, que é pra ele poder se perder
no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco
de pensamento pra pensar até se perder no infinito... Sim, de que
mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher –
as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela
terra, pelo amigo...
Meninas
sozinhas, perdidas no mundo e dentro de si. Meninas sozinhas, meninas perdidas,
perdidas sozinhas, sozinhas no mundo, meninas imundas, sozinhas no mundo,
meninas imundas perdidas nas fossas do mundo... Tende piedade de nós!
Só
raramente nos lembramos que bichos pequenos também morrem de morte
natural. Quando, por acaso, encontramos sobre uma mesa ou no chão
uma mosca, hirta, nunca nos vem a idéia de que ela faleceu dentro
das regras: isso porque, para todo mundo, a mosca é um inseto que
não morre – é morto. E assim, para a grande maioria
dos bichinhos. Quem é que vai se lembrar de que uma joaninha pode
morrer, ou um mosquitinho, ou uma baratinha de praia, ou uma pulga, ou uma
minhoca? São bichos de tal modo submissos aos azares da morte violenta,
de tal modo sujeitos a serem comidos por um outro bicho, pisados, batidos,
espremidos, dedetizados, que acabam, no consenso do homem, sem direito a
morte própria. Daí o espanto que se tem ao ver o raro espetáculo
de uma mosca moribunda agitando as patinhas nas vascas da agonia.
Muitos
dormiam sem saber de nada. Muitos cansados do trabalho braçal do
dia, do massacre das filas, da miséria dos bondes e trens superlotados.
Muitos exaustos de dar pulo para conseguir o amanhã da família,
muitos que a vida vem gastando, que a carestia vem submetendo, que as humilhações
vêm afligindo, que o nervoso, a anemia, a úlcera do estômago,
a velhice precoce vêm roendo sem remissão. Esses dormiam, sem
rádio ou telefone para saber a notícia. Mas é para
eles, mais que para os outros, que meu Coração se volta neste
momento. A Hora da Libertação se aproxima. É para eles
que aquela mulher da sacada da travessa Santa Amélia grita o seu
grito de amor e de anunciação: — Brasileiros! Despertai,
brasileiros!
Homem
e mulher são, em sua constante atração e repúdio,
a imagem mesma da Vida em Movimento, e que sua longa jornada de mãos
juntas, a se afastar cada vez mais do Paraíso Perdido, tende a uma
alfombra cada vez menos distante, onde se aninharão melhor e onde
fecundarão seres cada vez mais próximos da Terra.
Freqüentemente,
a velhice, mesmo sábia, não tem nenhuma noção
do ridículo nos momentos de alegria, podendo mesmo chegar a dançar
rodas e sarabandas, numa curiosa volta à infância.
Mas
é isso mesmo. Hoje somos nós, amanhã são eles,
depois de amanhã são os filhos deles, nossos possíveis
netos. Esta joça toda caminha para a Constelação de
Órion, desde há alguns milhares de séculos.
Na
hora que corre, quase todas as mulheres estão fazendo regime para
emagrecer (e o advérbio representa aqui algumas poucas e honrosas
exceções). O ideal da forma feminina passou a ser o esqueleto
acolchoado, 'ma non troppo', de maneira que certos ossos fundamentais aos
últimos padrões da moda – como a coluna vertebral, os
ilíacos, as clavículas, as rótulas e os fêmures
– fiquem francamente à mostra. E obedientes a essa nova extravagância
do sexo, outrora considerado fraco, os especialistas, transformados em mágicos,
formulam esquemas dietéticos de toda sorte: macrobióticos,
hipocalóricos, astronáuticos, líquidos, o diabo. Os
consultórios vivem repletos, o faturamento é altíssimo,
as mulheres se sentem divinas-maravilhosas quando começam a ranger
nas dobradiças. Tirante conversa de futebol e análise de grupo,
é o tópico sobre que mais se fala atualmente. Fulana perdeu
quinze quilos em um mês! Sicrana, imaginem só, está
reduzindo um quilo por dia com a dieta líquida: que bárbaro!
Viram Beltraninha depois que saiu da clínica? Como é que pode!…
E os homens – eu digo: os homens! – vêem, compungidos,
evaporar-se aquelas partes do corpo da mulher consideradas, desde séculos,
como as mais responsáveis pela preservação da espécie.
Quanto
tempo, meu Deus, vai-se passar ainda até que um homem, rodando por
essas estradas brasileiras de conservação tão precária,
mas, assim mesmo, tão lindas, possa-se dizer, como se diz um americano,
um alemão, um russo, um holandês, um canadense, um sueco, e
pelo menos isto: não há fome? Até quando essas faces
terrosas, esses olhos opacos, esses braços finos, essa pasmaceira
filha de uma longa indigência sem remédio? Quando virá
o dia em que, ao se parar num botequim para um café, não nos
chegará de mão estendida uma criança imunda e endefluxada
a nos exigir uma esmola com um duro olhar adulto? Ou um idiota de boca torta,
os braços ainda saudosos da posição fetal, para nos
dizer de sua angústia em sons afásicos, fazendo-nos olhar
para outro lado como se não o estivéssemos vendo? Sim, porque
o que é que adianta [só]
ver?
Para
viver um grande amor, preciso é muita concentração
e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande
amor. Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só
mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... – não
tem nenhum valor.
A
poesia é a amante espiritual dos homens, aquela com quem eles traem
a rotina do cotidiano.
Fica
aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em
branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...
Há
mulheres altas e mulheres baixas; mulheres bonitas e mulheres feias; mulheres
gordas e mulheres magras; mulheres caseiras e mulheres rueiras; mulheres
fecundas e mulheres estéreis; mulheres primíparas e mulheres
multíparas; mulheres extrovertidas e mulheres inconsúteis;
mulheres homófagas e mulheres inapetentes; mulheres suaves e mulheres
wagnerianas; mulheres simples e mulheres fatais... Há mulheres de
toda sorte e toda sorte de mulheres no nosso mundo de homens. Mas, do que
pouca gente sabe é que há duas categorias antagônicas
de mulheres, cujo conhecimento é da maior utilidade, de vez que pode
ser determinante na relação desses dois sexos que eu, num
dia feliz, chamei de 'inimigos inseparáveis'. São as mulheres
'ácidas' e as mulheres 'básicas', qualificação
esta tirada à designação coletiva de compostos químicos
que, no primeiro caso, são hidrogenados, de sabor azedo; e no segundo,
resultam da união dos óxidos com a água e devolvem
à tintura do tornassol, previamente avermelhada pelos ácidos,
sua primitiva cor azul.
Ao
acordar, naquele dia preliminar da Primavera, senti imediatamente que alguma
coisa tinha acontecido de muito fundamental na ordem do mundo. Eu, homem
de despertar difícil, pulei da cama tão bem-disposto e leve
que, por um momento, assustei-me com a sensação indizível
que sentia. Ao pegar o copo habitual para a minha água matutina,
notei que se achava cheio de uma substância volátil, penetrada
de uma linda cor violeta. E não sei por que bebi do copo vazio, estranguladamente,
o ar da Primavera, de gosto azul e fragrância fria, com um peso específico
de sonho.
Não
há que olhar para o passado. O passado é a neurose. O futuro
é que conta.
Deixe
o espírito vagar. Tem que ter plá!
É
isso que você tem que fazer, execrável leitor, se quiser ser
moderno. Pergunte a esse grande ator Hugo Carvana, que me forneceu muitos
dos elementos que estão aqui. O resto é papo furado. Se você
não estiver nessa nunca vai ser um praça-boa, uma pedra-90.
Senão, bicho, quando você for buscar o milho, eles já
fizeram a pipoca. Em rio que tem piranha, mosquito não dá
rasante. Quem se mete a avestruz tem que agüentar o ovo. Ou como diz
o fotógrafo filósofo e 'gentleman' tijuco-ipanemense Paulinho
Garcez: — Ajoelhou, tem que rezar!
Amar
é querer estar perto, se longe; e mais perto, se perto.
Ela
é de Capricórnio, eu sou de Libra.
Eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã.
A mim me enerva o ardor com que ela vibra.
O
dinheiro de quem não dá é o trabalho de quem não
tem.
O
seu denominador
É o amor.
Você
nunca avance
Em uma mulher de câncer.
Seu planeta é a Lua
E a Lua, é sabido,
Só vive na sua.
É muito apegada.
E quando pegada,
Pega da pesada.
É a mulher que ama
Com muito saber...
No tocante à cama,
Não sei lhe dizer...
Serei
delicado. Sou delicado. Morro de delicadeza.
São
demais os perigos desta vida. Para quem tem paixão, principalmente.
Um
operário parte de um monte de tijolos sem significação
especial senão serem tijolos para – sob a orientação
de um construtor, que, por sua vez, segue os cálculos de um engenheiro
obediente ao projeto de um arquiteto – levantar uma casa. Um monte
de tijolos é um monte de tijolos. Não existe nele beleza específica.
Mas uma casa pode ser bela, se o projeto de um bom arquiteto tiver a estruturá-lo
os cálculos de um bom engenheiro e a vigilância de um bom construtor
no sentido do bom acabamento, por um bom operário, do trabalho em
execução. Troquem-se tijolos por palavras, ponha-se o poeta,
subjetivamente, na quádrupla função de arquiteto, engenheiro,
construtor e operário, e aí tendes o que é poesia.
A comparação pode parecer orgulhosa, do ponto de vista do
poeta, mas, muito pelo contrário, ela me parece colocar a poesia
em sua real posição diante das outras artes: a de verdadeira
humildade. O material do poeta é a vida, e só a vida, com
tudo o que ela tem de sórdido e sublime. Seu instrumento é
a palavra. Sua função é a de ser expressão verbal
rítmica ao mundo informe de sensações, sentimentos
e pressentimentos dos outros, com relação a tudo o que existe
ou é passível de existência no mundo mágico da
imaginação. Seu único dever é fazê-lo
da maneira mais bela, simples e comunicativa possível, do contrário
ele não será nunca um bom poeta, mas um mero lucubrador de
versos.
O
destino dos homens é a liberdade.
Pra
quê chorar, se o Sol já vai nascer, se o dia vai amanhecer.
Pra quê chorar, se há sempre um novo amor em cada amanhecer.
Em
busca de luz, um rio nasceu.
De
repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma,
E das bocas unidas fez-se a espuma,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De
repente, da calma fez-se o vento,
Que dos olhos desfez a última chama.
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.
De
repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante,
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se
do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante.
De repente, não mais que de repente.
|
Se
eu morrer antes de você, faça-me um favor: chore o quanto quiser,
mas não brigue com Deus por Ele haver me levado. Se não quiser
chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se
preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum
fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão. Se me elogiarem
demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me. Se me quiserem
fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de
santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer
um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio,
mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo. Se falarem mais de mim
do que de Jesus Cristo, chame a atenção deles. Se sentir saudade
e quiser falar comigo, fale com Jesus, e eu ouvirei. Espero estar com Ele
o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde
estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas
uma frase: 'Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!'
Aí, então, derrame uma lágrima. Eu não estarei
presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão
isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha
nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha
na direção de Deus. Você não me verá,
mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele. E, quando chegar
a sua vez de ir para o Pai, aí, sem nenhum véu a separar a
gente, vamos viver, em Deus, a amizade que aqui nos preparou para Ele. Você
acredita nessas coisas? Sim?Então, ore para que nós dois vivamos
como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver
direito. Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto
da gente, e se inaugura, aqui mesmo, o seu começo. Eu não
vou estranhar o céu... Sabe por quê? Porque ser seu amigo já
é um pedaço dele!
O
sofrimento é o intervalo entre duas felicidades.
Ai
quem me dera, terminasse a espera...
Tantos
caminhos sem-fim... Amigo, não se perca de você. Não
se negue... E assim, não se perderá de nós!
E
a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
Não
te quero ter porque
em meu ser está tudo terminado.
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados.
Cuidado!
A vida é pra valer.E não se engane não: tem uma só.
Duas mesmo que é bom, ninguém vai me dizer que tem sem provar
muito bem provado, com certidão passada em cartório do céu,
e assinada embaixo: Deus! E com firma reconhecida. A vida não é
de brincadeira, amigo.
Deveria
chamar-te claridade
Pelo modo espontâneo
Franco e aberto
Com que encheste de cor meu mundo escuro...
A
hora do sim é um descuido do não.
Quem
é homem de bem não trai o amor que lhe quer seu bem.
E
por falar em saudade, onde anda você?
Nada
renasce antes que se acabe. E o Sol que desponta tem de anoitecer.
Sou
um crente – e por que não o ser? A fé desentope as artérias;
a descrença é que dá câncer!
É
melhor ser alegre
que ser triste.
Alegria é a melhor
coisa que existe.
O
passado é como o último morto que é preciso esquecer
para ter vida.
A
vida é a espera da morte. Faça da vida um bom passaporte.
Eu
sem você
sou só desamor.
Um barco sem mar,
um campo sem flor.
Sinto-me
só.
Da
morte, apenas, nascemos imensamente.2