OS ARGUMENTOS DE ZENÃO... E O CAOS

 

ZENÃO

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Música de fundo: Stardust
Fonte:
http://www.momentus.com.br/sound/mid/sound.html


High up in the sky the little stars climb...
Leaving me a song that will not die...

 

Stardust

 

Zenão (±490 a.C. - ±430 a.C.) – filho de Parmênides por adoção e seu discípulo favorito – foi considerado por Aristóteles e por Hegel o criador da Dialética (a argumentação dialética consiste em tomar, como ponto de partida, uma tese segura ou pelo menos a posição do adversário conduzindo à rejeição pelo absurdo tudo o que se lhe opõe, bem como todas as contradições internas). Por isso, como está enfatizado na Enciclopédia Simpozio: Nada é mais pernicioso em filosofia e em teologia, do que a fé inicial não examinada adequadamente. A fé só pode ter cabimento se estiver alicerçada em uma experiência pessoal, pois, neste caso, será uma firme adesão da inteligência a um fato experienciado. Fé apoiada em argumento de autoridade é estupidez da grossa. Acabei de me lembrar do Possante. Vou voltar a falar dele mais abaixo.

Zenão – o hábil dialético – acabou desenvolvendo uma série de Argumentos para demonstrar que Parmênides estava correto em seu pensamento, argumentos esses que pudessem ser facilmente compredidos pelas pessoas. Neste texto pretendo discutir rapidamente a questão do movimento que está vinculada às noções de espaço e de tempo, e que, na Antigüidade, ou eram tidos como infinitamente divisíveis (sendo o movimento, neste caso, contínuo) ou eram compreendidos como compostos de pedacinhos indivisíveis (e aqui o movimento se faria por uma sucessão de saltos diminutos). Zenão propôs quatro Argumentos contra essas teorias – dois pares de Argumentos – tentando dialeticamente provar que o movimento tanto é impossível para um corpo único, quanto é impossível para mais de um corpo. Os Argumentos de Zenão são:

1. A não existência do movimento se baseia, segundo Zenão, no fato de que aquilo que está em locomoção deve chegar ao meio do caminho antes de chagar à meta. É impossível atravessar um estádio, porque antes de atingir a meta é necessário primeiro alcançar-se o ponto médio da distância a percorrer. Antes de atingir esse ponto, deve-se atingir o ponto que está a meio caminho desse ponto. E assim 'ad infinitum'.

2. Aquiles — o 'Pé Veloz' — jamais poderá alcançar a tartaruga, porque... metade da metade... metade da metade... O mais lento estará sempre um pouco a frente... Aquiles nunca poderá alcançar a tartaruga porque na altura em que atinge o ponto de onde a tartaruga partiu, ela ter-se-á deslocado para outro ponto; na altura em que Aquiles alcança este segundo ponto, ela terá se deslocado de novo. E assim sucessivamente 'ad infinitum'.

3. Uma flecha, ao ser posta em movimento, está imóvel. Uma flecha atirada por um arco na realidade está parada, admitiu Zenão. Em cada um dos instantes do vôo da flecha, esta ocupa um espaço idêntico, e o que ocupa um espaço idêntico está em repouso. Logo, segundo Zenão, se a flecha está em repouso em cada um dos instantes de seu movimento não pode haver movimento, e ela está em repouso na totalidade (soma dos instantes) de todos os instantes. Conclusão de Zenão: a flecha em vôo repousa! Um objeto está em repouso quando ocupa um espaço igual às suas próprias dimensões. Uma seta em vôo ocupa, em qualquer momento dado, um espaço igual às suas próprias dimensões. por conseguinte, uma seta em vôo está em repouso.

 

 

4. Aristóteles, na Física, examina este quarto Argumento, e explica: O quarto Argumento é o que diz respeito a duas fileiras de corpos, sendo cada fileira constituída por igual número de corpos do mesmo tamanho, passando uma pela outra numa pista de corridas. À medida que avançam, com igual velocidade, em direções opostas, uma das fileiras ocupa inicialmente o espaço entre a meta e o ponto médio da pista, e a outra o espaço entre o ponto médio e a posição de partida. Isto, pensa Zenão, implica a conclusão de que metade de um dado tempo é igual ao dobro desse tempo. O equívoco de Zenão é explicado por Aristóteles da seguinte forma: A falácia do raciocínio reside na hipótese de que um corpo leva o mesmo tempo a passar, com igual velocidade, por um corpo que está em movimento e por um corpo do mesmo tamanho que está em repouso, o que é falso. Observando o diagrama abaixo (de Alexandre ap. Simplício) talvez se possa imaginar o que pensou Zenão.

 

 

No diagrama:

A = corpos estacionários

B = corpos que se movem de P para M

C = corpos que se movem de M para P

P = ponto de partida

M = meta

_____________

 

Bem, evidentemente que esses conceitos de Zenão hoje estão superados no âmbito da Filosofia. Aristóteles se incumbiu de demoli-los a todos. Inclusive, em outro sentido, mas nem tanto, eu já tive oportunidade de esclarecer em outros ensaios a diferença sensível entre os conceitos (ou categorias) de finito e infinito e de limitado e ilimitado. De qualquer sorte, nada pode ser realmente finito e infinito ao mesmo tempo, como não pode ser simultaneamente limitado e ilimitado. O que pode acontecer é que algo que seja limitado possa, temporariamente, experimentar a sensação de ausência de limites. Um místico sincero já passou por essa experiência pelo menos uma vez em sua vida.

As coisas... Sim, são uma só, mas muitas. Imaginar que um genocida e um santo sejam um, é um absurdo. Mas, cosmicamente, são realmente um, ainda que sejam dois. Isto realmente é muito difícil de ser explicado, mas recorrendo ao velho exemplo do fio elétrico com múltiplos bocais com diversas lâmpadas nele penduradas, a energia que perpassa pelo fio e acende as lâmpadas é uma e a mesma, ainda que as lâmpadas, que para se iluminarem necessitem dessa energia, sejam muitas. Mas, é claro que essa energia cósmica única é e não é una, isto é: suas faixas freqüenciais vibratórias são ilimitadas e elas não servem indiscriminadamente para acender todas e quaisquer lâmpadas. Em outras palavras: uma lâmpada-assassina é acesa por uma faixa freqüencial específica dessa energia, assim como uma lâmpada-santa é iluminada por outra completamente diferente. Este é um argumento forte e derrubador do Panteísmo, até porque os seres têm origens cósmicas distintas. Explicando mais claramente: não viemos todos do mesmo lugar. Imaginar que um Deus, qualquer que seja esse Deus, tenha fabricado todos os seres da mesma massinha de modelar é a mesma coisa que acreditar no Possante – o rato bom que batia nos gatos maus. Para os mais jovens... esse aí embaixo é o Possante, que quando eu era garoto admirava muito! Paralelizar o Possante com... é muito interessante e não é descabido.

 

 

Quanto aos argumentos-aporias Aquiles-tartaruga e flecha, Aristóteles, na Física, ponderou ainda: Querer que o precedente não seja alcançado, é falso. Ele é alcançado, se se conceder que se pode superar uma distância finita. De qualquer forma, nossa própria experiência demonstra isso, como parece ser claro que o passado é uma noção (algo aconteceu no Plano Objetivo e foi objetivamente registrado) e que o futuro é uma imaginação (uma projeção do presente para além naquilo que é decodificado pela mente objetiva como tempo). Mas, penso que esses estados sejam ilusões da mente experiencial do homem. Já recordei anteriormente que Santo Agostinho tentou resolver essa questão apresentando os conceitos de presente do passado, de presente do presente e de presente do futuro. Mas, um tema interessante para reflexão é: se o Todo é (nunca teve princípio e nunca poderá ser extinto) passado e futuro têm exatamente a mesma duração temporal e espacial. O que leva a um ponto comum — o eterno presente, isto é: na Atualidade cósmica não existe tempo nem espaço. Tempo e espaço, assim, são meras realidades objetivas necessárias à existência dos seres da Terceira Dimensão.

 

 

O fato é que questões como essas (e também, por exemplo, categorias contraditórias como contingência e necessidade – aquilo que tem de ser, não podendo não ser) podem perigosamente levar a paralogismos intransponíveis para aqueles que coisificam seus raciocínios em redomas de cristal, não conseguindo ultrapassar a teia de elaborações mentais que produziram esses pseudo-raciocínios. Isso é grave, é mesmo gravíssimo, em política, em religião, em ciência, em filosofia, em economia e mesmo em esoterismo. A incapacidade da maioria das pessoas em avaliar uma situação 'do lado de fora' da situação em si, impede que essa mesma situação possa ser vista ou analisada com isenção, com imparcialidade e com um mínimo de justeza e/ou de nitidez. Geralmente as pessoas só conseguem ver e analisar/avaliar os eventos com os eventos em andamento ou neles inseridos. Longe de mim ser cruel, mas será que o último megatsunami que devastou diversos países, ceifou a vida de trezentas mil pessoas e aniquilou (tomara que seja provisoriamente) com as esperanças de cinco milhões de seres terá sido mesmo o último? Quantos megatsunamis (ou coisa pior) precisarão acontecer para que a Humanidade reflita a respeito de suas misérias (pessoais e coletivas)?

Certamente, a corrente incapacidade da maioria das pessoas em avaliar uma situação 'do lado de fora' da situação em si não permite uma isenção de raciocínio nem mesmo a possibilidade de que seja admitido que o evento possa ser uma ilusão fabricada – o que acontece em 99,99% dos casos. Simples esse entendimento, mas difícil de exercer: ou se costuma usar a fé, ou se usa a razão científica ou se usa a razão filosófica, quando para se poder ter uma visão panorâmica de um fenômeno é preciso mais, isto é, deixar operar em nosso ser a Razão Transintuitiva ou Transnoética. Metaforicamente é necessário aprender a ouvir a Voz do Silêncio (Helena Petrovna Blavatsky escreveu uma obra fantástica com esse título). Essa Voz, quando se aprende a ouvi-La, fala silentemente, faça Sol ou faça chuva, seja dia ou seja noite. Aquele que aprende a ouvir e a conversar com essa Voz enfrenta qualquer situação com um duplo sentimento: coragem inquebrantável e humildade ilimitada. Sabe que nada sabe, que não se basta a si próprio e que é um com todos, ainda que tenha certeza também de que não é o outro nem que o outro possa ser ele mesmo, mas, curiosamente, tendo consciência da unidade do múltiplo. Isso que acabei de expor não é, definitivamente, uma salada de palavras nem uma sopa de letrinhas; é assim que é e como funciona a Voz Interna. Quem se dispuser a ouvi-La, irá ouvi-La, porque quando Ela começa a falar não pára mais. Basta perguntar e Ela responde, faça Sol ou faça chuva, seja dia ou seja noite.

Então, a título de exemplo, se alguém admite afirmativamente a superioridade dos homens brancos (dianoia) ou uma salvação pela fé puramente religiosa (pistis), claro está que esta visão é intratextual, contextual e produto irracional de uma razão mal trabalhada. De certa forma, isto é muito pior do que preconceito, porque pode mobilizar multidões que aceitam (ou aceitem) argumentações ilógicas como lógicas. É mais ou menos como engolir sem mastigar. Assim, foram queimados vivos 'hereges' e 'bruxas', cremados judeus (alguns também ainda vivos), massacrados índios, assassinados 'infiéis', fuzilados 'desertores', perseguidos místicos, crucificados libertadores e avatares etc.

 



 

Julgar ou condenar o que quer que seja ou quem quer que seja não é um ato de razão, antes é uma atitude de onipotência injustificada perante o Todo Cósmico, só encontrando amparo e justificativa na razão humana — que é falha por ser humana, seja no nível dianoico, seja no plano noético. Cada um pode e deve pensar e agir como bem entender, desde que esteja ciente e consciente das responsabilidades e dos riscos dessa autonomia. E ninguém tem nada com isso. Portanto, também só se deve emitir uma opinião quando se é solicitado a fazê-lo. E com muito cuidado, porque todo o cuidado que se possa ter ainda é muito pouco! Um exemplo disso é a Grande Rede. Você visita um Website... Ccomeça a ler um artigo... Não gosta... Sai fora. Há maior exemplo de liberdade do que este?

Mas, aporias como as de Zenão são exemplos maravilhosos do que o homem pode fazer com a sua mente, com o seu raciocínio e com as suas crenças. Assim, impérios foram construídos, religiões foram estabelecidas e códigos foram criados. Mas, inexoravelmente, nada pode resistir ao processo de mudança, que é permanente, cíclico e educativo. Quando digo educativo, pode parecer que há um propósito nesse conceito. Não há. É educativo porque sendo o Universo macro (somatório de todos os possíveis universos) um Ser (sempre) em movimento perpétuo, as partículas constituintes desse(s) Universo(s) estão em perpétuo processo de ajuste e de busca (consciente ou inconsciente) de um estado superior daquilo (e naquilo) que comumente se denomina de harmonia — consigo, com as outras partículas e com o Todo. Nessa faina, erros são cometidos; mas avanços também são alcançados. Quando esses simples conceitos são devidamente compreendidos, o medo desaparece e cada ser-partícula aprende que é necessária, que está inserida em um esquema multifacetado e que pode se tornar senhora e dirigente de sua existência. O Caos necessário que sobrevirá à (des)Ordem será seguido de nova Ordem, mais concertada, mais adequada e mais harmônica, e isto é aceito sem temor porque é compreendido.

Com a animação abaixo intentei fixar o conceito de Caos-Ordem, ascensionalmente, ainda que esteja consciente de que, algumas vezes, certos modelos podem mais atrapalhar do que ajudar. Mas, acho que este não é o caso, porque se fosse eu não colocaria esta animação neste texto. A mudança de cores entre os instantes pretende simbolicamente ilustrar esse princípio.

 

 

Muitos indivíduos, comunidades inteiras, acreditam que uma boa construção só poderá surgir de uma devastadora destruição. Quanto pior melhor, pois do pior advirá o melhor — pensam eles. Essa (tentativa de) imitação grotesca, monstruosa e deformada do movimento perene construção —› desorganização —› construção de porções do Todo (e do próprio Todo) é decorrente de um olhar microscópico (às avessas) do Summum Bonum Universal, pois enquanto esse Bonum promove (também pela ação do Caos), os boçais que querem imitar essa ação destroem pela ação do ódio. O que eles não sabem é que na própria desordem há ORDEM.

 

 

Negar o Movimento é negar a Vida; negar a Vida é negar a Liberdade; negar a Liberdade é negar a Autonomia; negar a Autonomia é desistir de Viver; e desistir de Viver é Ignorância. Um estudo interessante que ainda pretendo divulgar neste Website é o que concerne à Relatividade einsteiniana, particularmente essa questão do tempo que está objetivamente atrelado ao movimento. Já comentei esse tema em outros trabalhos, mas superficialmente. Acredito que se as pessoas lessem o pensamento físico de Einstein – o que está ao alcance de uma compreensão sem muita matemática – seriam, pelo menos, mais humildes. E a humildade é o primeiro degrau da Escada que leva à porta do Reino Interno.

Enfim, aquele que necessitar de comprovações objetivas para ter que constatar os fatos examinados neste ensaio, não os constatará. O que é certo é que nada poderá ser solucionado pela violência, nem ninguém poderá transferir sua experiência pessoal para ninguém. Uma aporia não justifica outra e nenhum coração mudará pela guerra. O Reino está no interior de cada um.

 

NÃO

 

Para ler mais sobre o conceito místico de Caos visite, pela ordem, os endereços abaixo:

1. http://svmmvmbonvm.org/leitri.htm

2. http://svmmvmbonvm.org/kaos.htm

3. http://svmmvmbonvm.org/kaos1.htm

4. http://svmmvmbonvm.org/kaos2.htm

5. http://svmmvmbonvm.org/kaos3.htm

 

Websites Consultados

http://www.accio.com.br/Nazare/1946/fhe-07.htm

http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/Megahist-filos/Prim-fil/0335y560.htm

http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/fregerussel/logica.htm

http://www.culturaesaude.med.br/revista/

http://www.projetozk.ufjf.br/base_p/ensaios/ensaio3/ant_monadas.htm

 

Bibliografia

 

KIRK, G. S. e RAVEN, J. E. Os filósofos pré-socráticos. 2ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.

PLATÃO. A República. 5ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.