Zenão (±490
a.C. - ±430 a.C.) – filho de Parmênides por adoção
e seu discípulo favorito – foi considerado por Aristóteles
e por Hegel o criador da Dialética (a argumentação
dialética consiste em tomar, como ponto de partida, uma tese
segura – ou pelo menos a posição do adversário
– conduzindo à rejeição pelo absurdo
tudo o que se lhe opõe, bem como todas as contradições
internas). Por isso, como está enfatizado na Enciclopédia
Simpozio: Nada é mais pernicioso em filosofia e em
teologia, do que a fé inicial não examinada adequadamente.
A fé só pode ter cabimento se estiver alicerçada
em uma experiência pessoal, pois, neste caso, será uma
firme adesão da inteligência a um fato experienciado. Fé
apoiada em argumento de autoridade é estupidez da grossa. Acabei
de me lembrar do Possante. Vou voltar a falar dele
mais abaixo.
Zenão –
o hábil dialético – acabou desenvolvendo
uma série de Argumentos para demonstrar que Parmênides
estava correto em seu pensamento, argumentos esses que pudessem ser
facilmente compredidos pelas pessoas. Neste texto pretendo discutir
rapidamente a questão do movimento que está vinculada
às noções de espaço e de tempo, e que, na
Antigüidade, ou eram tidos como infinitamente divisíveis
(sendo o movimento, neste caso, contínuo) ou eram compreendidos
como compostos de pedacinhos indivisíveis (e aqui o movimento
se faria por uma sucessão de saltos diminutos). Zenão
propôs quatro Argumentos contra essas teorias – dois pares
de Argumentos – tentando dialeticamente provar que o movimento
tanto é impossível para um corpo único, quanto
é impossível para mais de um corpo. Os Argumentos de Zenão
são:
1. A não existência
do movimento se baseia, segundo Zenão, no fato de que aquilo
que está em locomoção deve chegar ao meio do caminho
antes de chagar à meta. É impossível atravessar
um estádio, porque antes de atingir a meta é necessário
primeiro alcançar-se o ponto médio da distância
a percorrer. Antes de atingir esse ponto, deve-se atingir o ponto que
está a meio caminho desse ponto. E assim 'ad infinitum'.
2. Aquiles — o
'Pé Veloz' — jamais poderá alcançar a tartaruga,
porque... metade da metade... metade da metade... O mais lento
estará sempre um pouco a frente... Aquiles nunca poderá
alcançar a tartaruga porque na altura em que atinge o ponto de
onde a tartaruga partiu, ela ter-se-á deslocado para outro ponto;
na altura em que Aquiles alcança este segundo ponto, ela terá
se deslocado de novo. E assim sucessivamente 'ad infinitum'.
3. Uma flecha, ao ser
posta em movimento, está imóvel. Uma flecha atirada por
um arco na realidade está parada, admitiu Zenão. Em cada
um dos instantes do vôo da flecha, esta ocupa um espaço
idêntico, e o que ocupa um espaço idêntico está
em repouso. Logo, segundo Zenão, se a flecha está em repouso
em cada um dos instantes de seu movimento não pode haver movimento,
e ela está em repouso na totalidade (soma dos instantes) de todos
os instantes. Conclusão de Zenão: a flecha em vôo
repousa! Um objeto está em repouso quando ocupa um espaço
igual às suas próprias dimensões. Uma seta em vôo
ocupa, em qualquer momento dado, um espaço igual às suas
próprias dimensões. por conseguinte, uma seta em vôo
está em repouso.
4. Aristóteles,
na Física, examina este quarto Argumento, e explica:
O quarto Argumento é o que diz respeito a duas fileiras de
corpos, sendo cada fileira constituída por igual número
de corpos do mesmo tamanho, passando uma pela outra numa pista de corridas.
À medida que avançam, com igual velocidade, em direções
opostas, uma das fileiras ocupa inicialmente o espaço entre a
meta e o ponto médio da pista, e a outra o espaço entre
o ponto médio e a posição de partida. Isto, pensa
Zenão, implica a conclusão de que metade de um dado tempo
é igual ao dobro desse tempo. O equívoco de Zenão
é explicado por Aristóteles da seguinte forma: A falácia
do raciocínio reside na hipótese de que um corpo leva
o mesmo tempo a passar, com igual velocidade, por um corpo que está
em movimento e por um corpo do mesmo tamanho que está em repouso,
o que é falso. Observando o diagrama abaixo (de Alexandre
ap. Simplício) talvez se possa imaginar o que pensou
Zenão.
No diagrama:
A = corpos estacionários
B = corpos que se movem
de P para M
C = corpos que se movem
de M para P
P = ponto de partida
M = meta
_____________
Bem, evidentemente que
esses conceitos de Zenão hoje estão superados no âmbito
da Filosofia. Aristóteles se incumbiu de demoli-los a todos.
Inclusive, em outro sentido, mas nem tanto, eu já tive oportunidade
de esclarecer em outros ensaios a diferença sensível entre
os conceitos (ou categorias) de finito e infinito e de limitado e ilimitado.
De qualquer sorte, nada pode ser realmente finito e infinito ao mesmo
tempo, como não pode ser simultaneamente limitado e ilimitado.
O que pode acontecer é que algo que seja limitado possa, temporariamente,
experimentar a sensação de ausência de limites.
Um místico sincero já passou por essa experiência
pelo menos uma vez em sua vida.
As coisas... Sim, são
uma só, mas muitas. Imaginar que um genocida e um santo sejam
um, é um absurdo. Mas, cosmicamente, são realmente um,
ainda que sejam dois. Isto realmente é muito difícil de
ser explicado, mas recorrendo ao velho exemplo do fio elétrico
com múltiplos bocais com diversas lâmpadas nele penduradas,
a energia que perpassa pelo fio e acende as lâmpadas é
uma e a mesma, ainda que as lâmpadas, que para se iluminarem necessitem
dessa energia, sejam muitas. Mas, é claro que essa energia cósmica
única é e não é una, isto é: suas
faixas freqüenciais vibratórias são ilimitadas e
elas não servem indiscriminadamente para acender todas e quaisquer
lâmpadas. Em outras palavras: uma lâmpada-assassina é
acesa por uma faixa freqüencial específica dessa energia,
assim como uma lâmpada-santa é iluminada por outra completamente
diferente. Este é um argumento forte e derrubador do Panteísmo,
até porque os seres têm origens cósmicas distintas.
Explicando mais claramente: não viemos todos do mesmo lugar.
Imaginar que um Deus, qualquer que seja esse Deus, tenha fabricado todos
os seres da mesma massinha de modelar é a mesma coisa que acreditar
no Possante – o rato bom que batia nos gatos
maus. Para os mais jovens... esse aí embaixo é o Possante,
que quando eu era garoto admirava muito! Paralelizar o Possante
com... é muito interessante e não é descabido.
Quanto aos argumentos-aporias
Aquiles-tartaruga e flecha, Aristóteles, na Física,
ponderou ainda: Querer que o precedente não seja alcançado,
é falso. Ele é alcançado, se se conceder que se
pode superar uma distância finita. De qualquer forma, nossa
própria experiência demonstra isso, como parece ser claro
que o passado é uma noção (algo aconteceu no Plano
Objetivo e foi objetivamente registrado) e que o futuro é uma
imaginação (uma projeção do presente para
além naquilo que é decodificado pela mente objetiva como
tempo). Mas, penso que esses estados sejam ilusões da mente experiencial
do homem. Já recordei anteriormente que Santo Agostinho tentou
resolver essa questão apresentando os conceitos de presente do
passado, de presente do presente e de presente do futuro. Mas, um tema
interessante para reflexão é: se o Todo é (nunca
teve princípio e nunca poderá ser extinto) passado e futuro
têm exatamente a mesma duração temporal e espacial.
O que leva a um ponto comum — o eterno presente, isto é:
na Atualidade cósmica não existe tempo nem espaço.
Tempo e espaço, assim, são meras realidades objetivas
necessárias à existência dos seres da Terceira Dimensão.
O fato é que
questões como essas (e também, por exemplo, categorias
contraditórias como contingência e necessidade –
aquilo que tem de ser, não podendo não ser) podem perigosamente
levar a paralogismos intransponíveis para aqueles que coisificam
seus raciocínios em redomas de cristal, não conseguindo
ultrapassar a teia de elaborações mentais que produziram
esses pseudo-raciocínios. Isso é grave, é mesmo
gravíssimo, em política, em religião, em ciência,
em filosofia, em economia e mesmo em esoterismo. A incapacidade da maioria
das pessoas em avaliar uma situação 'do lado de fora'
da situação em si, impede que essa mesma situação
possa ser vista ou analisada com isenção, com imparcialidade
e com um mínimo de justeza e/ou de nitidez. Geralmente as pessoas
só conseguem ver e analisar/avaliar os eventos com os eventos
em andamento ou neles inseridos. Longe de mim ser cruel, mas será
que o último megatsunami que devastou diversos países,
ceifou a vida de trezentas mil pessoas e aniquilou (tomara que seja
provisoriamente) com as esperanças de cinco milhões de
seres terá sido mesmo o último? Quantos megatsunamis
(ou coisa pior) precisarão acontecer para que a Humanidade reflita
a respeito de suas misérias (pessoais e coletivas)?
Certamente, a corrente
incapacidade da maioria das pessoas em avaliar uma situação
'do lado de fora' da situação em si não
permite uma isenção de raciocínio nem mesmo a possibilidade
de que seja admitido que o evento possa ser uma ilusão fabricada
– o que acontece em 99,99% dos casos. Simples esse entendimento,
mas difícil de exercer: ou se costuma usar a fé, ou se
usa a razão científica ou se usa a razão filosófica,
quando para se poder ter uma visão panorâmica de um fenômeno
é preciso mais, isto é, deixar operar em nosso ser a Razão
Transintuitiva ou Transnoética. Metaforicamente é necessário
aprender a ouvir a Voz do Silêncio (Helena Petrovna Blavatsky
escreveu uma obra fantástica com esse título). Essa Voz,
quando se aprende a ouvi-La, fala silentemente, faça Sol ou faça
chuva, seja dia ou seja noite. Aquele que aprende a ouvir e a conversar
com essa Voz enfrenta qualquer situação com um duplo sentimento:
coragem inquebrantável e humildade ilimitada. Sabe que nada sabe,
que não se basta a si próprio e que é um com todos,
ainda que tenha certeza também de que não é o outro
nem que o outro possa ser ele mesmo, mas, curiosamente, tendo consciência
da unidade do múltiplo. Isso que acabei de expor não é,
definitivamente, uma salada de palavras nem uma sopa de letrinhas; é
assim que é e como funciona a Voz Interna. Quem se dispuser a
ouvi-La, irá ouvi-La, porque quando Ela começa a falar
não pára mais. Basta perguntar e Ela responde,
faça Sol ou faça chuva, seja dia ou seja noite.
Então, a título
de exemplo, se alguém admite afirmativamente a superioridade
dos homens brancos (dianoia) ou uma salvação
pela fé puramente religiosa (pistis), claro está
que esta visão é intratextual, contextual e produto irracional
de uma razão mal trabalhada. De certa forma, isto é muito
pior do que preconceito, porque pode mobilizar multidões que
aceitam (ou aceitem) argumentações ilógicas como
lógicas. É mais ou menos como engolir sem mastigar. Assim,
foram queimados vivos 'hereges' e 'bruxas', cremados
judeus (alguns também ainda vivos), massacrados índios,
assassinados 'infiéis', fuzilados 'desertores',
perseguidos místicos, crucificados libertadores e avatares etc.
Julgar ou condenar
o que quer que seja ou quem quer que seja não é um ato
de razão, antes é uma atitude de onipotência injustificada
perante o Todo Cósmico, só encontrando amparo e justificativa
na razão humana — que é falha por ser humana, seja
no nível dianoico, seja no plano noético.
Cada um pode e deve pensar e agir como bem entender, desde que esteja
ciente e consciente das responsabilidades e dos riscos dessa autonomia.
E ninguém tem nada com isso. Portanto, também só
se deve emitir uma opinião quando se é solicitado a fazê-lo.
E com muito cuidado, porque todo o cuidado que se possa ter ainda é
muito pouco! Um exemplo disso é a Grande Rede. Você visita
um Website... Ccomeça a ler um artigo... Não
gosta... Sai fora. Há maior exemplo de liberdade do que este?
Mas, aporias como as
de Zenão são exemplos maravilhosos do que o homem pode
fazer com a sua mente, com o seu raciocínio e com as suas crenças.
Assim, impérios foram construídos, religiões foram
estabelecidas e códigos foram criados. Mas, inexoravelmente,
nada pode resistir ao processo de mudança, que é permanente,
cíclico e educativo. Quando digo educativo, pode parecer que
há um propósito nesse conceito. Não há.
É educativo porque sendo o Universo macro (somatório de
todos os possíveis universos) um Ser (sempre) em movimento perpétuo,
as partículas constituintes desse(s) Universo(s) estão
em perpétuo processo de ajuste e de busca (consciente ou inconsciente)
de um estado superior daquilo (e naquilo) que comumente se denomina
de harmonia — consigo, com as outras partículas e com o
Todo. Nessa faina, erros são cometidos; mas avanços também
são alcançados. Quando esses simples conceitos são
devidamente compreendidos, o medo desaparece e cada ser-partícula
aprende que é necessária, que está inserida em
um esquema multifacetado e que pode se tornar senhora e dirigente de
sua existência. O Caos necessário que sobrevirá
à (des)Ordem será seguido de nova Ordem, mais concertada,
mais adequada e mais harmônica, e isto é aceito sem temor
porque é compreendido.
Com a animação
abaixo intentei fixar o conceito de Caos-Ordem, ascensionalmente, ainda
que esteja consciente de que, algumas vezes, certos modelos podem mais
atrapalhar do que ajudar. Mas, acho que este não é o caso,
porque se fosse eu não colocaria esta animação
neste texto. A mudança de cores entre os instantes pretende simbolicamente
ilustrar esse princípio.
Muitos indivíduos,
comunidades inteiras, acreditam que uma boa construção
só poderá surgir de uma devastadora destruição.
Quanto pior melhor, pois do pior advirá o melhor — pensam
eles. Essa (tentativa de) imitação grotesca, monstruosa
e deformada do movimento perene construção —›
desorganização —› construção
de porções do Todo (e do próprio Todo) é
decorrente de um olhar microscópico (às avessas) do Summum
Bonum Universal, pois enquanto esse Bonum promove (também
pela ação do Caos), os boçais que querem imitar
essa ação destroem pela ação do ódio.
O que eles não sabem é que na própria desordem
há ORDEM.
Negar o Movimento
é negar a Vida; negar a Vida
é negar a Liberdade; negar a Liberdade
é negar a Autonomia; negar a Autonomia
é desistir de Viver; e desistir de Viver
é Ignorância. Um estudo interessante que
ainda pretendo divulgar neste Website é o que concerne
à Relatividade einsteiniana, particularmente essa questão
do tempo que está objetivamente atrelado ao movimento. Já
comentei esse tema em outros trabalhos, mas superficialmente. Acredito
que se as pessoas lessem o pensamento físico de Einstein –
o que está ao alcance de uma compreensão sem muita matemática
– seriam, pelo menos, mais humildes. E a humildade é o
primeiro degrau da Escada que leva à porta do Reino
Interno.
Enfim, aquele que necessitar
de comprovações objetivas para ter que constatar os fatos
examinados neste ensaio, não os constatará. O que é
certo é que nada poderá ser solucionado pela violência,
nem ninguém poderá transferir sua experiência pessoal
para ninguém. Uma aporia não justifica outra e nenhum
coração mudará pela guerra. O Reino
está no interior de cada um.
Para ler mais sobre
o conceito místico de Caos visite, pela ordem,
os endereços abaixo:
1. http://svmmvmbonvm.org/leitri.htm
2. http://svmmvmbonvm.org/kaos.htm
3. http://svmmvmbonvm.org/kaos1.htm
4. http://svmmvmbonvm.org/kaos2.htm
5. http://svmmvmbonvm.org/kaos3.htm
Websites
Consultados
http://www.accio.com.br/Nazare/1946/fhe-07.htm
http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/Megahist-filos/Prim-fil/0335y560.htm
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/fregerussel/logica.htm
http://www.culturaesaude.med.br/revista/
http://www.projetozk.ufjf.br/base_p/ensaios/ensaio3/ant_monadas.htm
Bibliografia
KIRK, G. S.
e RAVEN, J. E. Os filósofos pré-socráticos.
2ª edição. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1982.
PLATÃO.
A República. 5ª edição. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1987.