Rodolfo Domenico Pizzinga


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eram mais ou menos seis horas da tarde do primeiro sábado da primavera. Zan havia terminado a conferência que fora fazer em uma fraternidade iniciática pouco conhecida, e, nos lindos jardins da Residência, conversava animadamente com alguns irmãos e oficiais da organização, quando uma senhora de uns quarenta anos se aproximou, e disse:

 

Gostei muito da sua conferência, meu irmão; não compreendi tudo, mas, para mim, foi deveras educativa.

 

Zan voltou-se para o lado de onde viera a voz, e seus profundos olhos azuis viram uma jovem senhora sentada em uma cadeira de rodas. Ao seu lado, estava um rapaz de uns vinte anos, que a jovem senhora se apressurou em apresentar:

 

Este é meu filho, Eduardo. Ele sempre me acompanha, pois não posso andar. É o meu anjo protetor.

 

Zan ficou em silêncio por alguns instantes, e perguntou:

 

E qual é o seu nome, minha irmã?

 

Eu recebi o nome da minha minha avó materna; eu me chamo Marta.

 

Zan voltou a ficar em silêncio, dirigindo seu olhar para o centro da testa da jovem senhora. De repente, um calor agradável começou a subir pela sua coluna vertebral, e uma mudança vibratória começou a se manifestar naquele lindo jardim. O ar pareceu se tornar mais leve, e, em volta da jovem senhora, um arco luminoso começou a se formar, embelezando ainda mais aquele lindo sábado de primavera. Entretanto, nenhum dos presentes percebeu qualquer mudança; apenas Zan sabia o que estava acontecendo e o que iria acontecer em seguida.

 

Imediatamente, como em um filme, Zan pôde, então, ver psiquicamente o porquê de aquela jovem senhora estar aprisionada àquela cadeira de rodas há exatos dezenove anos. Depois de ter dado à luz ao seu filho, ela nunca mais pôde ficar de pé. Mas, não havia rancor nem revolta ou frustração em seu Coração. Marta sempre fora muito espiritualizada, e aceitava aquele fardo com resignação. Sabia perfeitamente que era uma dura compensação que estava cumprindo, mas, talvez, por medo ou por vergonha, nunca se interessou, direta ou indiretamente, em pesquisar o motivo daquela dolorosa provação. Ela acreditava que ficaria presa àquela cadeira de rodas até o último dos seus dias; logo, saber ou não saber o porquê daquela retribuição incapacitante não resolveria nada.

 

O interessante nesta história, que bem poderia ter acontecido, é que, em um dado momento, Zan percebeu que Marta, por seu nobre comportamento frente à paralisia psicológica que sucedera logo após o parto, já havia compensado integralmente os desvios do passado, e as causas que haviam posto em ação a Lei de Conseqüência (também conhecida como Lei da Reciprocidade, Lei da Ação e Reação, Lei de Causa e Efeito, Lei da Compensação, Lei da Retribuição ou, ainda, Lei de Causação Ética) já haviam produzido os efeitos educativos necessários. Basicamente, pode-se dizer que a causa é primária; o efeito é secundário. Mas, o efeito só poderá se manifestar, se as causas entrarem em ação. Logo, não pode haver compensação para algo que não aconteceu; mas, o que acontecer, em qualquer época, deverá ser compensado. Remissão por remissão, mesmo que haja arrependimento, não existe no Universo. O arrependimento sincero poderá aliviar a compensação; entretanto, jamais a suprimirá integralmente. Marta, entretanto, não tomara propriamente consciência das falhas que suscitaram aquela específica compensação, mas, desde que ficou impossibilitada de andar, em um superlativo esforço de regeneração, lutou para corrigir as máculas e os maus costumes de sua personalidade na presente encarnação. Hoje, na verdade, depois de diuturno e incansável empenho, poder-se-ia dizer que ela quase havia se tornado uma santa, pois vivia retamente em pensamentos, palavras e ações. As práticas inferiores e desarmonizadoras de encarnações passadas, ainda que, para preservação de sua própria sanidade, dela fossem desconhecidas, certamente, tinham sido transmutadas e foram ultrapassadas. Era como se Marta tivesse escrito em seu Átomo-semente: 'a partir desta vida, eu e o meu Deus seremos um; não me esconderei mais da Santa LLuz.' Em resumo: Zan constatou que o necessário e educativo ajuste estava completado, e se Marta permanecesse presa àquela cadeira de rodas, seria inteiramente inútil.

 

Então, Zan se aproximou de Marta, ajoelhou-se ao seu lado e a abraçou carinhosamente. Mentalmente, pronunciou uma Santa Palavra só conhecida dos Altos Iniciados, induzidora e redentora, e, à sua orelha, sussurrou:

 

Minha irmã Marta: o tempo de suas dores está concluído. Levante! Eu a ajudarei.

 

Ao terminar de proferir estas palavras, o calor agradável que subira pela coluna vertebral de Zan, agora, se transformara em um Fogo Alquímico abrasador. Marta tremia convulsivamente, e uma sensação de paz profunda logo invadiu todo o seu corpo. Então, um som inaudível ressoou em seu interior. O que foi misticamente programado para se consumar estava consumado completamente.

 

Levante! Agora! — insistiu fraternalmente Zan.

 

Auxiliada por Zan e por seu filho, ainda que meio temerosa, Marta se pôs de pé. Afinal, foram dezenove anos!

 

Claudicante, Marta deu alguns passos, e percebeu que podia andar novamente.

 

Meu Deus! Meu Deus! O que aconteceu?

 

Não se preocupe — disse Zan. Em nossa Irmandade, você aprendeu o funcionamento da Lei de Conseqüência, que não pune nem premia; apenas educa. Como está escrito em Gálatas, VI: 7, 'o que o homem semear, isto mesmo colherá', o que repete a sentença dos Puranas hinduístas: 'Todo homem colhe as conseqüências de suas próprias obras.' Por esta Lei, justiça absoluta é assegurada para todos os seres humanos, justiça que não fica aquém nem vai além do que é necessário. A coisa toda, minha irmã, é exatamente como está escrito em O Caibalion – livro que contém a essência dos ensinamentos de Hermes Trismegistus, tal como foi ensinado nas escolas herméticas do Antigo Egito e da Grécia: 'Tudo tem fluxo e refluxo; tudo tem suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilações compensatórias; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda; enfim, o ritmo é a compensação. Toda causa tem seu efeito, todo efeito tem sua causa. Tudo acontece de acordo com a Lei. O acaso é simplesmente o nome dado a uma Lei desconhecida. Há muitos Planos de Causalidade, porém, nada pode escapar à Lei.' Minha irmã: em sua antepenúltima encarnação, aqui na Terra, você cometeu certos atos que necessitavam ser compensados. Você os compensou com dignidade e galhardia. Ficar tolhida nesta cadeira de rodas até o final desta vida seria, ao mesmo tempo, um desperdício e uma imprestabilidade. Eu pude ver todo o quadro do seu passado e sua maneira de agir no presente, e apenas tive o privilégio de auxiliar você a se libertar desta carga. Como você sabe muito bem, aqui, hoje, não aconteceu um milagre, pois milagres inexistem; minha interferência foi apenas altruística e equilibradora. Então, compreenda: o mérito é exclusivamente seu.

 

Mas, Marta não se conteve, e disse: — Oh! muito, muito obrigado. Que Deus o abençoe por toda a eternidade.

 

Não, minha querida irmã; não me agradeça. Agradeça a você e ao Deus de seu Coração, que a tem Illuminado. O mérito é seu, repito; não meu. Todavia, na verdade, os agradecimentos são tão desnecessários e inócuos quanto as ingratidões. O que tiver de acontecer, acontecerá. Sempre. As Leis Cósmicas da Necessidade e de Conseqüência não podem ser abolidas nem substituídas. É por meio delas – e só por meio delas que seremos reintegrados. Morrer e viver são aspectos ou fases indissociáveis e essenciais da mesma moeda. Mas, tanto encarnar nesta Terra quanto compensar o que já foi compensado no que concerne ao espírito educacional intrínseco a estas duas Leis se tornam inúteis, quando o aprendizado está concluído, e o ser, digamos assim, foi diplomado. E, por assim dizer, entenda bem, eu só pude intervir porque pude intervir; se não pudesse, não interviria. Em outro sentido, é por isto que os Nirmânâkâyas que aqui se projetam – 'sem qualquer recompensa futura na ordem evolutiva, pois, no sentido comum desta palavra, não há renascimentos para eles,' como ensina Madame Blavatsky em sua Doutrina Secreta – fazem-no volitivamente e exclusivamente por amor à Humanidade. Como eu disse, e Eles sabem muito bem, não há prêmio nem castigo no Universo. A opção de aqui retornar é o ato mais sublime que um Illuminado poderá praticar.

 

Marta ouviu atentamente as palavras de Zan, e disse: — Então agradecerei em silêncio, mas agradecerei. Se não fosse por seu intermédio, provavelmente, eu não me levantaria desta cadeira até passar pela transição.

 

Está bem — disse Zan — não vamos discutir por isto. Eu é que deveria agradecer a você pela oportunidade de ter podido servir. Agora, acho melhor você descansar um pouco, pois suas pernas estão enfraquecidas pelos dezenove anos de inatividade. Logo que puder, recomendo que você contrate os serviços profissionais de um fisioterapeuta por algum tempo. Vá em paz, minha irmã.

 

 

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Três anos depois, totalmente recuperada, Marta reencontrou Zan no mesmo lindo jardim daquela augusta Residência. Abraçaram-se ternamente por algum tempo, e ela, enfim, disse:

 

Não adianta, meu querido irmão. Você poderá até se aborrecer comigo. Eu não me importo; mas, todos os dias, agradeço a você o bem que recebi.

 

Zan apenas sorriu.

 

 

 

A medida do movimento à direita
é a medida do movimento à esquerda.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fundo musical:

Love Theme From Romeo & Juliet
Composição: Nino Rota
Interpretação: Andre Rieu

Fonte:

http://pt.dilandau.eu/baixar_musica/
romeo-and-juliet-nino-rota-1.html

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Caibalion

http://www.stum.com.br/conteudo/
conteudo.asp?id=3469

http://books.google.com.br/

http://www.fraternidaderosacruz.org/page35.htm

http://simply--mystique.blogspot.com/2010/05/
once-there-was-breathtakingly-beautiful.html