VIVER SEM TEMOR
(
1ª Parte)

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Introdução e Objetivo do Estudo

 

 

 

Este estudo se constitui da 1ª parte de um conjunto de fragmentos garimpados e eventualmente comentados na obra Viver Sem Temor, de autoria de Jiddu Krishnamurti.

 

 

 

Breve Biografia

 

 

 

Jiddu Krishnamurti

Jiddu Krishnamurti

 

 

 

Jiddu Krishnamurti (Madanapalle, 11 de maio de 1895 – Ojai, 17 de fevereiro de 1986) foi um filósofo, escritor, orador e educador indiano. Proferiu discursos que envolveram temas como revolução psicológica, meditação, conhecimento, liberdade, relações humanas, a natureza da mente, a origem do pensamento e a realização de mudanças positivas na sociedade global. Constantemente, ressaltou a necessidade de uma revolução na psique de cada ser humano, e enfatizou que tal revolução não poderia ser levada a cabo por nenhuma entidade externa seja religiosa, seja política, seja social. Uma revolução que só poderia ocorrer através do autoconhecimento, bem como da prática correta da meditação do ser-humano-aí-no-mundo liberto de toda e qualquer forma de autoridade psicológica.

O cerne dos seus ensinamentos consiste na afirmação de que a necessária e urgente mudança fundamental da sociedade só poderá acontecer através da transformação da consciência individual. A necessidade do autoconhecimento e da compreensão das influências restritivas e separativas das religiões organizadas, dos nacionalismos e de outros condicionamentos foram por ele constantemente realçadas.

 

 

Fragmentos Krishnamurtianos

 

 

É necessário que sejamos capazes de viver neste mundo insano e confuso com confiança, com clareza e com simplicidade, enfrentando a vida tal como ela se nos apresenta, sem nenhum pensamento relativo ao amanhã [e sem nenhuma vinculação prisional e ancilosante relativamente ao passado. Passado + Futuro = Miragens + Ilusões.]

 

As idéias guiam a nossa vida, moldando a nossa forma de pensar, [o nosso jeito de ser] e as nossas ações futuras, e, por isto, nunca vivemos uma vida completa, [integral e sem restrição] porque o passado está sempre a projetar sobre nós a sua sombra, [triturando o nosso presente e zerando o nosso futuro]. Ora, sem dúvida, o importante não é que se opere uma mudança, em que seja continuado, sob forma diferente, o que já existe, mas, sim, que aconteça uma revolução total do nosso modo de pensar, o que significa que devemos abandonar as coisas que conhecemos, para podermos ficar em estado de correspondência com o desconhecido. [Krishnamurti sabia muito bem que o desconhecido não existe; o que existe é o deslembrado.]

 

 

 

 

A mente confusa não poderá achar a claridade, porque tudo o que ela encontrar será também confuso. [Isto é equivalente a: a mente preconceituosa e cousista não poderá achar jamais nenhuma Verdade (Relativa), porque tudo o que ela encontrar, inevitavelmente, será uma mentira cousista e preconceituosa.]

 

 

Só quando descobrirmos o que é Verdadeiro, este descobrimento poderá produzir uma revolução em nós, uma libertação no nosso modo de pensar e no nosso modo de ser, mas, este descobrimento e esta libertação não poderão se realizar enquanto não soubermos o que e quem realmente somos não o que e quem [pensamos ser e] desejamos ser, mas, o que e quem somos de fato. Esta é a verdadeira base para a revolução ou o descobrimento do que é verdadeiro: sabermos exatamente o que e quem somos, conhecermos verdadeiramente O-QUE-É, sem nenhuma modificação, sem nenhum julgamento, sem nenhuma tentativa para alterá-lO ou moldá-lO. O-QUE-É não é um estado permanente, e, sim, um movimento[–mudança] constante, pois, nunca somos os mesmos de momento em momento, e, para descobrirmos o que é verdadeiro, é essencial percebermos o que somos e quem somos em todos os instantes da nossa existência. [Panta rei. . Tudo flui, tudo se move. Não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio, porque as águas se renovam a cada instante. (Heráclito de Éfeso).]

 

 

É um evidente fato psicológico que, se estamos confusos, infelizes, sobrecarregados e presos nas redes de inumeráveis crenças, 'cousismos' e experiências, a própria busca com o fim de acharmos a Realidade, a Verdade, a Felicidade e a LLuz só nos levará a uma confusão ainda maior. Isto ocorre porque, se a nossa mente estiver confusa e frustrada, qualquer ação, qualquer decisão, qualquer livro e qualquer instrutor que sigamos ou qualquer disciplina que imponhamos a nós mesmos estarão sempre dentro da esfera da confusão [e da desarmonia]. A mente confusa, [desarmônica], qualquer que seja a sua ação, haverá de estar sempre confusa [e dessintônica]. Toda decisão que tomar estará na área da confusão [e da dissonância]. A mente que está confusa jamais poderá compreender o que se lhe puser à frente. Ela traduzirá tudo o que vê de acordo com suas idiossincrasias, suas predisposições, seu especial padrão de pensamentos ou suas próprias experiências. Por conseguinte, a mente desconexa e incoerente é incapaz da verdadeira percepção. O pior é que a mente confusa é incapaz de escutar, porque está sempre traduzindo, justificando, julgando, condenando, aceitando ou rejeitando alguma coisa. Neste sentido, o primeiro passo a ser dado no processo de compreensão-libertação é aprender-saber escutar de maneira correta, ou seja, integralmente, não parcialmente. Isto significa estar ou se colocar em um estado de correspondência com o desconhecido, pois, só assim poderá haver e nascer a ação criadora da Realidade. Quando aprendermos-soubermos escutar, este próprio ato de escutar, em si, já será uma Primeira Libertação. Aprender-saber escutar é não traduzir, isto é, não interpor os próprios conhecimentos, desejos, idéias e experiências pessoais. Todavia, nada mudará em nós, se não nos emanciparmos de toda e qualquer idéia de autoridade, seja a autoridade externa, seja a autoridade interna da experiência pessoal vivenciada. E assim, importa, pois, que cada um de nós descubra, por si mesmo, O-QUE-É, mediante o abandono da autoridade, pois, a percepção de O-QUE-É o descobrimento de O-QUE-É será a bússola do nosso processo libertador. Tenhamos em mente que nada é novo; novos sempre são a nossa percepção e o nosso descobrimento das coisas. E para percebermos-descobrirmos as coisas, e, particularmente, quem de fato somos, deveremos investigar exatamente como as coisas são e como somos [presente], e não como as coisas foram e como fomos [passado] ou como desejamos que as coisas venham a ser e como nós desejamos vir a ser [futuro]. Devemos estar atentos, pois, o passado (tanto o de ontem como o de há dois mil anos) e a tradição são condicionamentos. O mais grave de tudo é que somos condicionados para crer, e aquele que crê vive tão-só o conhecido, e nunca poderá se achar em um estado de revolução, jamais poderá produzir aquele estado que torna a mente acessível à Verdade. De maneira geral, o que fazem as pessoas? Projetam o seu próprio passado no amanhã, e no amanhã adoram o passado. Ou mudamos isto ou permaneceremos cegos e escravos.

 

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que ucraniano bom é ucraniano morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que judeu bom é judeu morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que gazense bom é gazense morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que yanomami bom é yanomami morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que quilombola bom é quilombola morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que sete @s bom é sete @s morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que preservacionista bom é preservacionista morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que conservacionista bom é conservacionista morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que pobre bom é pobre morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que esmoleiro bom é esmoleiro morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que sem-teto bom é sem-teto morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que pivete bom é pivete morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que negro bom é negro morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que bom é morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que ateu bom é ateu morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que bom é morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que bom é morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que bom é morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que bom é morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que comunista bom é comunista morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que lulista bom é lulista morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que bolsonarista bom é bolsonarista morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que libertário bom é libertário morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que democrata bom é democrata morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que republicano bom é republicano morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que constitucionalista bom é constitucionalista morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que defensor dos direitos humanos bom é defensor dos direitos humanos morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que defensor das liberdades fundamentais bom é defensor das liberdades fundamentais morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que Ministro do bom é Ministro do morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que Ministro do é Ministro do morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que Ministro do é Ministro do morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que membro da é membro da morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que membro da é membro da morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que membro do é membro do morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que membro da é membro da morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que membro da é membro da morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que digno
/honesto/honrado bom é digno/honesto/honrado morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que patriota
/eleitor bom é patriota/eleitor morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

Sempre acreditei, defendi e pretendo continuar a acreditar e a defender
que cumpridor do dever
bom é cumpridor do dever morto.
Por isso, permaneço cego, surdo, paralítico e escravo de mim mesmo,
e nunca fui e não sou quem poderia/deveria Ser.

 

A mente de todos nós é o resultado do passado, não só a mente consciente, mas, também, a inconsciente, a mente que está sempre a funcionar, quer estejamos acordados, quer estejamos dormindo.

 

As muitas camadas do inconsciente, os ocultos temores, os impulsos, os motivos, os obstáculos tudo isso é resultado do passado.

 

Tenho medo do escuro,
tenho medo do trovão,
tenho medo do dedo-duro,
tenho medo do João.

Tenho fome de viver,
tenho fome de transar,
tenho fome de poder,
tenho fome de viajar.

Tenho ódio de adesista,
tenho ódio de comuna,
tenho ódio de achadista,
tenho ódio de caripuna.

Tenho pavor de cafetão,
tenho pavor de urubu,
tenho pavor de mandão,

tenho pavor de baiacu.

Tenho birra com pato,
tenho birra com sacrista,
tenho birra com beato,

tenho birra com alarmista.

Tenho paixão por puta,
tenho paixão por futebol,
tenho paixão por batuta,

tenho
paixão por voleibol.

Tenho cisma com cagüete,
tenho cisma com anchaci,
tenho cisma com alegrete,

tenho cisma com saci.

Tenho apego ao dinheiro,
tenho apego ao passado,
tenho apego ao violeiro,

tenho apego ao quadrado.

Tenho tudo contra vampe,
tenho tudo contra cego,
tenho tudo contra enzampe,

tenho tudo contra prego.

 

Só quando o espírito se encontra em um estado de correspondência com o desconhecido haverá a possibilidade de Criação, e Criar é a Verdade.

 

A verdadeira tranqüilidade mental só poderá vir com o autoconhecimento. Sem o autoconhecimento, a tranqüilidade da mente é pura ilusão, uma espécie de conveniência, uma coisa arranjada pela mente para a sua própria segurança. E em uma tranqüilidade desta ordem nunca a mente será capaz de perceber, de conhecer ou de receber o desconhecido.

 

Se pertencermos a alguma sociedade, a algum grupo ou a alguma religião, se aceitarmos algum tipo de crença, seremos incapazes de escutar, pois, a nossa mente, de antemão, já estará condicionada. A mente condicionada não poderá escutar; não será livre para escutar.

 

O nosso maior problema é como operar uma completa transformação em nós mesmos, e não um mero ajustamento a uma determinada sociedade, ou a um determinado grupo, ou a uma determinada situação, o que é deveras infantil e inútil. O simples fato de nos ajustarmos ao que quer que seja não é liberdade. Ajustamento é prisão.

 

Tornei-me religioso,
e me ajustei aos dogmas.
Tornei-me partidário,
e me ajustei ao programa.
Tornei-me fora-da-lei,
e me ajustei ao esquema.
Tornei-me corrupto,
e me ajustei às propinas.
Tornei-me inocente útil,
e me ajustei às imposições.
Tornei-me maridado,
e me ajustei ao ramerrão.
Tornei-me sem-bulhufas,
e me ajustei à míngua.
Tornei-me supermilionário,
e me ajustei à boa vida.
Tornei-me sacanocrata,
e me ajustei à imoralidade.
Tornei-me um conspirador,
e me ajustei ao conventículo.
Tornei-me um
serial killer,
e me ajustei à matança.
Tornei-me um terrorista,
e me ajustei às degolas.
Tornei-me um
hacker,
e me ajustei à ilegalidade.
Tornei-me um Discípulo,

e me desajustei de tudo.

 

Ver-nos tão claramente como vemos os nossos rostos em um espelho, sem desfiguração, em um percebimento sem escolha nenhuma, é o começo da [Compreensão da] Verdade.

 

Escolher é agir de acordo com um determinado condicionamento. No Verdadeiro Percebimento não há escolha [e não há apego].

 

A Verdade [ainda que seja sempre relativa] não poderá ser encontrada por intermédio de ninguém, em nenhum livro, em nenhuma religião. A Realidade só se tornará existente quando a mente estiver de todo tranqüila. A tranqüilidade só poderá advir com o autoconhecimento. O autoconhecimento não nos poderá ser dado por ninguém. O autoconhecimento terá que ser descoberto por nós, pessoalmente, momento por momento, todos os dias, eternamente. Então, por certo, quando isto começar a acontecer, aparecerá uma tranqüilidade mental, que não é morte, mas, uma paz realmente criadora, e, então, surgirá o Eterno [que também é relativo].

Ontem,
olhei para o céu,
e vi mil estrelas.
Hoje,
olho para o céu,
e vejo o Sistema Solar.
Amanhã,
olharei para o céu,
e verei a Via Láctea.
Um dia,
olharei para o céu,
e verei o Unimultiverso!

 

Se escutarmos, com o fim de fazermos descobrimentos por nós mesmos, então, neste caso, obteremos resultados extraordinários.

 

Escutei,
mas, saí macaqueando.
Empaquei,
e continuo ignorando.

 

As palavras são apenas símbolos, e, portanto, têm significação limitada. Logo, precisamos ultrapassar tanto as palavras quanto os símbolos. Precisamos nos libertar das definições verbais e deixar de viver circunscritos e adstritos por estas definições. [Na realidade, precisamos nos esforçar para nos libertar de todas as miragens e de todas as ilusões.]

 

 Quem peca
vai pro inferno.
Quem não peca
vai pro céu.
Quem se confessar
será perdoado.
Quem não se confessar
será castigado.
Quem isto,
então, aquilo.
Quem não-isto,
então, não-aquilo.

 

Queremos paz, mas, enquanto o mundo estiver fracionado em tantas nacionalidades, dividido em tantas seitas, em tantas crenças e em tantos dogmas, não poderá haver paz nenhuma em lugar nenhum. Só haverá paz quando o nacionalismo desaparecer e quando desaparecerem todas as crenças que estão desunindo os homens. Só haverá paz quando não estivermos mais condicionados a nenhum dos padrões que temos cultivado e aceitado há sei lá quantas gerações. Então, precisamos aprender a ESCUTAR, pois, o próprio ato de ESCUTAR desfaz as barreiras e os condicionamentos, porque ESCUTAR não implica em resistência. Todavia, ESCUTAR corretamente implica em investigar a nossa própria mente a mente que funciona todos os dias e também, se pudermos, deveremos investigar o nosso subconsciente. Tudo se resume, enfim, em libertar a mente dos condicionamentos de todo e qualquer condicionamento.

 

Se quisermos ter paz no mundo, não poderemos mais pertencer a nenhuma nacionalidade nem a nenhuma religião, porque é justamente esta separação de nacionalidades e de crenças religiosas que nos está destruindo, e, se não dermos a devida atenção a este problema, ele causará sofrimentos maiores ainda.

 

O ato de se libertar de todo condicionamento não significa procurar um condicionamento melhor. Só quando a mente não estiver mais condicionada, ela será capaz de resolver o problema do viver, como um processo total, e não apenas em um dado nível, em um segmento particular da existência.

 

 

Nós Somos Religiosos

Nós Somos Religiosos

 

 

Nós Somos Patriotas

Nós Somos Patriotas

 

 

Nós Estamos Querendo ser Alguma Coisa

Nós Estamos Querendo Ser Alguma Coisa

 

 

Nós Não Somos Nada

Nós Não Somos Nada
(Porém, Somos Tudo)

 

Todos os condicionamentos produzem relações de resistência, criando seus problemas peculiares.

 

O maior de todos os busílis é pensar com simplicidade, porque, interiormente, somos muito complicados.

 

 

Nó Mental

Nó Mental

 

 

O esforço para quebrar ou superar um condicionamento (que impede a paz, cria a guerra, gera a destruição e produz o sofrimento) é apenas procurar um substituto para o condicionamento anterior. Para haver paz e não existir sofrimento, a mente deve estar totalmente descondicionada de tudo, [o que inclui de tentar quebrar ou superar um condicionamento, seja externamente imposto, seja interiormente cultivado.] A verdadeira paz é ser capaz de viver como um ente feliz, criador, sem medo e sem que a nossa segurança dependa de nenhum pensamento ou de uma maneira determinada de viver.

 

A mente condicionada, limitada, aprisionada, resignada, bem-mandada, amedrontada, acanhada, encegueirada etc. jamais será capaz de descobrir o que é verdadeiro. Ser livre não é “tornar-se livre”; ser pacífico não é “tornar-se pacífico”. Não há um progresso gradual para a liberdade e para a paz. [Ou somos livres ou não somos livres]; ou somos pacíficos ou não somos pacíficos. [Quem espera um milagre não recebe o milagre (porque milagre não existe) e não alcança bulhufas; fica na mesma e na mesma fica, rodando como peru bêbado na Quarta-feira de Cinzas.] Por outro lado, só poderemos ser livres e pacíficos quando não houver mais ação da vontade [fiat voluntas mea], quando compreendermos que estamos condicionados, e não fizermos mais nenhum esforço para nos libertar do nosso condicionamento, porque o próprio ego que atua está condicionado, e, portanto, não pode quebrar ou romper os elos da cadeia de condicionamentos. Só conseguiremos nos descondicionar, se deixarmos de pensar segundo qualquer padrão [filosófico, político, social, tradicional, religioso etc.], pois, aí, estaremos livres para pensar por nós mesmos [sem que haja um modelo para impor regras, métodos, princípios, normas, preceitos, dogmas etc.]. Enfim, quando se compreende, e só quando se compreende, finda o esforço, e, ipso facto, finda o condicionamento.

 

[Meditação não é fiat voluntas mea.] Meditação não é concentração [para, hipoteticamente, conhecer ou obter alguma coisa]. A Verdadeira Meditação é de todo independente de qualquer ação da vontade [do ego]. A mente que está sempre entregue ao desejo, à consecução de algum resultado, que quer isto, que quer aquilo, [que quer sei-lá-o-quê], nunca poderá ser ou estar tranqüila; e quando a mente limitada medita, os resultados da sua meditação são muito pouco significativos. Por mais que uma mente medíocre possa se expandir, por mais que se enriqueça de saber, por mais que tudo, ela permanecerá banal, vulgar, grosseira, pequena e mesquinha, e seus problemas, por conseqüência, serão sempre insolúveis, pois, jamais descobrirá o que é verdadeiro, o que é real, [ainda que a Verdade e a Realidade, por nós, sejam sempre percebidas de forma limitada e relativamente]. Enfim, a Verdade e a Realidade só surgirão com a completa cessação do condicionamento, ou seja, quando a mente se tornar livre e estiver livre, não de alguma coisa, mas livre 'in se', e, portanto, tranqüila, imperturbada e silenciosa.

 

Não há respostas ou soluções; só há problemas. A mente que está em busca da solução de algum problema, só encontrará uma solução conforme seus próprios desejos. Quase todos nós temos problemas, e estamos sempre a lutar em busca de uma solução. É por isto que há igrejas e salões de conferências. Todos queremos encontrar, em alguma parte, uma solução, uma resposta, e é provável que a encontremos, mas, esta resposta não será a coisa real. O que é verdadeiro é o problema. Se houver compreensão do problema, teremos o desaparecimento do problema, e não uma solução do ou para o problema. E, como regra, a solução de qualquer problema se encontra no próprio problema. Enfim, devemos, pois, saber nos manter concertadamente em presença do problema, examinando-o, sem traduzi-lo de acordo com os nossos desejos, de acordo com nossa crença, de acordo com nossa tradição. Foram a tradição, as crenças e os dogmas que criaram todos os problemas que enfrentamos hoje, e, se quisermos compreender o problema, teremos de estar livres de todas estas coisas e examiná-lo corretamente.

 

O que é um ideal? Um ideal é uma criação [fantasiosa] da nossa mente na sua busca por segurança, por respeitabilidade, por aceitação, por bem-estar e por conforto. Mas, os ideais, de maneira geral, são desunidores e destrutivos, porque são catalisadores de separação. Eles são a projeção dos nossos próprios desejos, e acendem o conflito entre o que sou, o que é a Realidade e o que desejo ser. Todo idealista é um ente que está lutando entre O-QUE-É e o que deveria ser [ou o que ele gostaria que fosse]. A questão é: por que dar atenção ao que deveria ser? O grande problema humano é o medo, porque nos impede de compreende O-QUE-É. Os problemas, portanto, só existem porque a nossa mente resiste. Agora, preste atenção nisto: quando a mente não tem nenhum ideal, quando não está tentando se tornar algo, há um “estado de ser”, em que não existe o espaço-tempo. Criar uma antítese, para, depois, lutar contra a antítese, para produzir uma síntese não adianta nada e não leva a nada.

 

Eu queria me salvar,
então, criei um éden.
Eu queria não pecar,
então, criei a automutilação.
Eu queria culpar alguém,
então, criei Adão e Eva.
Eu queria evitar o inferno,
então, criei o sacrifício.
Eu queria não ter cagaço,
então, criei a água benta.
Eu queria ser perdoado,
então, criei um deus.
Eu queria zerar o Pecado Original,
então, criei o Batismo.
Eu queria receber o Espírito Santo,
então, criei a Crisma.
Eu queria zerar a heresia,
então, criei a inquisição.
Eu queria anular a heterodoxia,
então, criei a guerra santa.
Eu queria estar protegido,
então, criei o escapulário.
Eu queria obter um milagre,
então, criei o fideísmo ajoelhante.
Eu queria me justificar,
então, criei o tentador.
Eu queria ser arrebatado,
então, criei o Dia do Juízo.
Eu queria negociar,
então, criei o dízimo.
Eu queria me punir,
então, criei o cilício.
Eu queria me purificar,
então, criei o celibato.
Eu queria me isolar,
então, criei o eremitismo.
Eu queria não transar,
então, criei o cinto de castidade.
Eu queria sei-lá-o-quê,
então, criei um monstro de sete cabeças.
Eu queria, queria, queria...
Então, criei, criei, criei...
E na mesma, na mesma, na mesma...
Eu fiquei, fiquei, fiquei...

 

 


Criei... Criei... Criei...

 

 

Continua...


Música de fundo:

Symphony Nº 6 (Pastorale), em Fá Maior, opus 68
Compositor: Ludwig van Beethoven
Interpretação: DuPage Symphony Orchestra (condução de: Barbara Schubert)

Fonte:

https://imslp.org/wiki/Symphony_No.6,_Op.68_(Beethoven,_Ludwig_van)

 

Páginas da Internet consultadas:

https://br.freepik.com/

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Heráclito

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