irtude
(do latim vírtus, útis)
é uma característica inerente moral particular que patenteia
uma disposição estável na direção de
praticar o bem. É uma qualidade do que se conforma com o que é
considerado correto e desejável do ponto de vista da moral, da religião,
do comportamento social, do dever, da efetividade etc. Revela, portanto,
mais do que uma simples potencialidade ou uma aptidão para uma determinada
ação boa: trata-se de uma verdadeira inclinação
interior que determina a essência ou a natureza de um ser. Virtudes
são todos os hábitos constantes que conduzem o homem para
o bem – e para o Sumo Bem – quer como indivíduo, quer
como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente. Por isto, os
Treze são UM!
Enfim,
a virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades
essenciais que constituem o homem de bem. Escreveu Aristóteles: A
felicidade consiste em ações perfeitamente conformes à
virtude, e entendo por virtude não a virtude relativa, mas a virtude
absoluta. Entendo por virtude relativa a que diz respeito às coisas
necessárias; e por virtude absoluta a que tem por finalidade a beleza
e a honestidade. Francis Bacon ponderou: A
prosperidade prontamente descobre o vício; mas a adversidade logo
descobre a virtude. E Sêneca: A
virtude é difícil de se manifestar; precisa de alguém
para orientá-la e dirigi-la. Mas os vícios são aprendidos
sem mestre. E, finalmente, Confúcio: O
homem que é firme, paciente, simples, natural e tranqüilo está
perto da virtude.
Segundo
São Gregório de Nissa (330 – 395), a
virtude é uma disposição habitual e firme para fazer
o bem, sendo o fim de uma vida virtuosa tornar-se semelhante a Deus.
Em termos místicos, mais do que se
tornar semelhante a Deus, isto poderia ser lido como, pelo mérito
e pelo trabalho, se tornar o próprio Deus de seu Coração,
porque como disse Santo Tomás de Aquino na sua Summa Theologiæ,
homo est dominus
suorum actuum et volendi et non volendi, isto é, o homem
é senhor dos seus atos, tanto de querer como de não querer.
Geralmente,
costuma-se discriminar e apresentar as virtudes agrupadas sob duas categorias:
teologais e humanas. Todavia há outras classes. Aristóteles,
por exemplo, como explica Bruno Amaro Lacerda no texto O Pensamento
de Aristóteles e as Reflexões Jusfilosóficas Atuais,
dividia as virtudes em dianoéticas (ou intelectuais), às quais
se chega pelo ensinamento, e éticas (ou morais), às quais
se chega pelo exercício, pelo hábito. As virtudes éticas,
enquanto virtudes do saber prático, não se destinam ao conhecer,
como as dianoéticas, mas à ação. Para sua aquisição
o conhecimento tem pouca ou nenhuma importância. Das virtudes dianoéticas,
a mais importante é a phrónesis (prudência),
capacidade de deliberar sobre o que é bom ou mal, correto ou incorreto.
Das virtudes éticas, a mais importante é a justiça.
O Filósofo ainda distinguia a justiça em duas importantes
classes: a universal e a particular. A justiça universal é
o cumprimento da lei (lei, na Antigüidade, designava mais o modo de
ser da pólis do que propriamente uma prescrição).
O homem justo, portanto, é aquele que, como Sócrates, no diálogo
platônico Críton, cumpre a lei. Neste caso, abrange
as demais virtudes, pois o que a lei manda é cumprir todas as virtudes
éticas particulares. A justiça particular é o hábito
que realiza a igualdade, a atribuição a cada um do que lhe
é devido. Neste caso, a justiça se coloca ao lado das demais
virtudes, pois respeitar a igualdade implica, quando necessário,
agir com coragem, com temperança etc. A justiça particular
divide-se em duas: a justiça distributiva e a justiça corretiva.
A justiça distributiva é a mais importante, pois é
responsável pela manutenção da ordem e da harmonia
da pólis. Consiste em atribuir a cada um o que lhe é
devido, tendo em vista sua excelência, seu valor (areté)
para a comunidade. Baseia-se em numa igualdade geométrica, na qual
quem valha 8 receba 4, e quem valha 2 receba 1. Já a justiça
corretiva, ou retificadora, não se baseia em uma igualdade geométrica,
mas em uma igualdade aritmética. A justiça corretiva não
trata das relações dos indivíduos com a comunidade,
mas das relações dos indivíduos entre si (interpessoais),
como, por exemplo, as de troca de bens.
As
virtudes teologais, cuja origem, motivo e objeto imediato são o próprio
Deus, são, segundo a cristandade, infundidas no homem com e pela
graça santificante, e tornam os homens capazes de viver em relação
com a Santíssima Trindade. Elas fundamentam e animam o agir moral
do cristão, vivificando as virtudes humanas. Para os cristãos,
elas são o penhor da presença e da ação do Espírito
Santo nas faculdades do ser humano. São elas: fé, esperança
e caridade.
Através
da fé, os cristãos crêem em Deus, nas Suas verdades
reveladas e nos ensinamentos da Igreja, visto que Deus é a própria
Verdade. Pela fé, o
homem entrega-se a Deus livremente. Por este motivo, o crente procura conhecer
e fazer a vontade de Deus, porque a fé opera pela caridade.
(Gálatas, V, 6). Na escolástica – pensamento
cristão da Idade Média baseado na tentativa de conciliação
entre um ideal de racionalidade, corporificado especialmente na tradição
grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência de contato direto
com a verdade revelada – a fé era entendida como crença
religiosa sem fundamento em argumentos racionais, embora eventualmente alcançando
verdades compatíveis com aquelas obtidas por meio da razão.
Na alta escolástica, período de culminância da tradição
escolástica (século XIII), personalidades intelectuais como
Alberto Magno (1200 – 1280) e Tomás de Aquino (1227 –
1274), que seguiam uma forte orientação aristotélica,
supunham e defendiam a harmonia parcial entre a fé e a razão.
Por
meio da esperança, os crentes, por ajuda da graça do Espírito
Santo, esperam a Vida Eterna e o Reino de Deus, colocando a sua confiança
perseverante nas promessas do Cristo. Para merecer e perseverar nesta confiança
até ao fim da vida terrena, os cristãos acreditam que a ajuda
da graça do Espírito Santo é fulcral. Sobre a esperança,
disseram: 1º) Tales de Mileto – A
esperança é o único bem comum a todos os homens; aqueles
que nada mais têm ainda a possuem; 2º) Søren
Kierkegaard – A
inveja é admiração sem esperança;
e 3º) Cartola (sambista) – Ora,
se o verde representa a esperança e o rosa representa o amor, como
o amor pode não combinar com a esperança?
O
entendimento católico da caridade é que, através dela,
devemos amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a
nós mesmos – por amor de Deus. A caridade tem o mesmo significado
que o ágape (uma das antigas designações da Eucaristia),
que é uma das diversas palavras gregas para o amor. Jesus fez da
caridade um mandamento novo, conformado à plenitude da lei. Para
os crentes, a caridade é o vínculo
da perfeição (Colossenses, III, 14),
logo, o fundamento e a mais importante das virtudes. São Paulo disse
que, de todas as virtudes, a
maior é o amor ou caridade (Coríntios, XIII, 13).
George Weigel, em A Verdade do Catolicismo escreveu que o amor
é uma
dádiva de
si mesmo e
o oposto
de usar. Enfim, como ponderou Allan Kardec, o
verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entende Jesus, é benevolência
para com todos, indulgência para com as imperfeições
alheias e perdão das ofensas. O Amor e a caridade são o complemento
da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer todo
o bem possível... A caridade, segundo Jesus, não se restringe
à esmola, mas abrange todas as relações com os nossos
semelhantes, sejam nossos inferiores, sejam
nossos iguais,
sejam
nossos
superiores. Ela nos manda ser indulgentes... e nos proíbe de humilhar
o infortúnio, ao contrário do que comumente se pratica. Se
um rico nos procura, atendemo-lo com excesso de consideração
e atenção, mas se é um pobre, parece que não
devemos nos
incomodar
com ele. Quanto mais, entretanto, sua posição é lastimável,
mais devemos temer aumentar sua desgraça pela humilhação.
O homem verdadeiramente bom procura elevar o inferior aos seus próprios
olhos, diminuindo a distância entre ambos.
Já
as virtudes humanas costumam ser admitidas como perfeições
habituais e estáveis da inteligência e da vontade humanas.
Elas regulam os atos humanos, ordenam as paixões humanas e guiam
a conduta humana segundo a razão e a fé. Adquiridas e reforçadas
por atos moralmente bons e repetidos, os cristãos acreditam que estas
virtudes são purificadas e elevadas pela Graça Divina. Dentre
as virtudes humanas, são constantemente destacadas as virtudes cardeais,
que são consideradas as principais por serem os apoios à volta
das quais giram as demais virtudes humanas. São elas: prudência,
justiça, fortaleza e temperança.
A
prudência (na mitologia é o nome romano de Métis, a
deusa da prudência), por definição, faz prever e procura
evitar as inconveniências e os perigos. Dispõe a razão
para discernir, em todas as circunstâncias, o verdadeiro bem e a escolher
os justos meios para o atingir. Ela conduz a outras virtudes, indicando-lhes
a regra e a medida, sendo, por isto, considerada a virtude-mãe humana.
Disse o poeta satírico romano Juvenal: Se
a prudência te acompanha, nenhum poder celestial te desamparará.
A
justiça é uma constante e firme vontade de dar aos outros
o que lhes é devido. É uma qualidade que está em conformidade
com o que é direito, com o que é justo, permitindo, por isto,
perceber e avaliar aquilo que é direito, que é justo, ou seja,
é um princípio moral em nome do qual o direito deve ser respeitado.
Ensinou Francis Bacon: A
vingança é uma espécie de justiça selvagem.
E as últimas palavras de Papa Gregório VII foram: Dilexi
iustitiam et odivi iniquitatem; propterea morior in exilio. Amei a justiça
e odiei a iniqüidade; por isso morro no exílio.
A
fortaleza assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura
do bem. Neste sentido, a fortaleza permite resistir à ação
ou às influências exteriores. Certa vez, Bruce Lee comentou:
Entesouro a memória
dos infortúnios passados. Eles acrescentam muito à minha fortaleza
interior.
A
temperança, moderação ou sobriedade refreia a atração
pelos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos
e proporciona o necessário equilíbrio no uso das coisas em
geral. Por isto, é normalmente descrita como sendo a prudência
aplicada aos prazeres. Segundo Theophrastus Bompart, nada
é veneno, e tudo é veneno; a diferença está
na dose. Não sei se isto é assim; até acho
que não é, pois, por exemplo (e eu conheço gente que
faz isto), tirar um dia na semana ou no mês para sentar a pua e mandar
brasa nada tem a ver com temperança. Mas, penso que esteja certo
o Mahatma Gandhi quando advertiu que todo
aquele que possui coisas que não precisa é um ladrão.
E também Santo Agostinho: Se
eliminares o supérfluo, verás que pouco é bastante.
Logo, temperança é moderação, comedimento; é
o oposto de estroinice, de indecência, de lubricidade e de inconstância.
As
Violações
Já
quanto aos pecados (violações), a Igreja Católica,
basicamente, classificou-os e selecionou-os em dois tipos: os pecados ditos
veniais, que são perdoáveis sem a necessidade do sacramento
da confissão, bastando o arrependimento sincero, e os pecados mortais,
que fazem perder a graça divina. Quanto aos conhecidos pecados capitais,
também merecedores de condenação, são, segundo
Santo Tomás de Aquino, como todos nós sabemos, os seguintes:
vaidade, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. Eu
teria acrescentado mais um: a filhadaputice
sacanocrático-criminosa e generalizada. Seja como for, em 1589, o
teólogo alemão Peter Binsfeld agregou a cada um dos pecados
capitais um demônio respectivo, seguindo os significados mais usados
e conhecidos na época. De acordo com a Binsfeld's Classification
of Demons, esta comparação segue o esquema abaixo, no
qual acrescentei Legião como os demônios associados e açuladores
da filhadaputice
sacanocrático-criminosa e generalizada:
Pecado
Capital |
Demônio
Associado |
Luxúria |
Asmodeus |
Gula |
Belzebu |
Avareza |
Mammon |
Preguiça |
Belphegor |
Ira |
Azazel |
Inveja |
Leviatã |
Vaidade
(Orgulho) |
Lilith |
Filhadaputice
generalizada |
Legião |
Para
contrariar e obstar os sete pecados capitais, há uma organização
das virtudes baseada nas chamadas sete virtudes: castidade, generosidade,
temperança, diligência, paciência, caridade e humildade.
As sete virtudes são derivadas do épico Psychomachia,
poema escrito pelo poeta romano cristão Aurelius Clemens Prudentius
(348 – cerca de 413). Na Idade Média, a grande popularidade
deste trabalho ajudou a espalhar este conceito pela Europa. É alegado
que a prática destas virtudes protege a pessoa contra as tentações
dos sete pecados capitais, com cada um tendo sua respectiva contraparte.
Pecado
Capital |
Contraparte
Virtuosa |
Luxúria |
Castidade |
Gula |
Temperança |
Avareza |
Generosidade |
Preguiça |
Diligência |
Ira |
Paciência |
Inveja |
Caridade |
Vaidade
(Orgulho) |
Humildade |
Filhadaputice
generalizada |
|
Ora
bem, até aí, nada de novo. O que eu pretendo sucintamente
examinar a seguir é o que se poderia denominar de virtudes hipotéticas,
virtudes episódicas e virtudes categóricas. Mas antes, rapidamente,
recordando Immanuel Kant (1724 – 1804), um imperativo categórico
vem a ser o dever de agir em conformidade com os princípios que se
quer que sejam aplicados por todos os seres humanos. Já um imperativo
hipotético, ao contrário do imperativo categórico,
não é uma obrigação, mas, sim, uma condição
para chegar a um determinado fim. Então, como especula e teoriza
Denis Coutinho Silveira, os imperativos hipotéticos são aqueles
que determinam que se
queres uma determinada coisa deves fazer uma determinada ação
(faz x para alcançar y), quer dizer: o imperativo hipotético
é meio para a realização de um fim exterior à
ele. O imperativo hipotético afirma que a ação é
boa em vista de qualquer intenção possível ou real.
Por sua vez, continua Denis,
os imperativos categóricos são objetivamente necessários,
isto é, são fins em si mesmos e operam com um princípio
apodítico prático [que
exprime uma necessidade lógica], quer dizer, necessário,
constituindo o verdadeiro imperativo da moralidade. O imperativo categórico
impõe-se a si mesmo, e não pela finalidade que quer atingir;
ele é necessário e tem um caráter de lei prática.
O imperativo categórico é expresso em uma proposição
sintética 'a priori', pois possui uma possibilidade 'a priori'. O
imperativo categórico ou lei moral é uma imposição
do sujeito noumênico1
à sua dimensão fenomênica e, por isto, é o único
imperativo da moralidade. É necessário buscar de maneira apriorística
a possibilidade dos imperativos categóricos. Só o imperativo
categórico possui
o caráter de uma lei prática, pois os imperativos hipotéticos
podem ser classificados como princípios da vontade.
Porque é incondicional, o
imperativo categórico não oportuniza à vontade a possibilidade
de escolha, tendo o caráter de uma lei prática que obriga
necessariamente a conformidade da máxima à lei – lei
esta universal. O seu conteúdo é constituído pela lei
e a necessidade de adequação da máxima (vontade subjetiva)
à lei universal: Age apenas segundo uma máxima tal que possas,
ao mesmo tempo, querer que ela se torne lei universal, podendo derivar desta
lei todos os outros imperativos do dever. Pode-se identificar nesta primeira
formulação do imperativo categórico o princípio
da universalidade e, como a realidade (Natureza) é determinada por
leis universais, temos a segunda formulação do imperativo
categórico: Age como se a máxima da tua ação
se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da Natureza.