Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

 

Objetivo Deste Rascunho

 

 

 

Este rascunho – e é rascunho porque, nele, há pouca coisa original, e porque copiei e colei muita coisa de outros autores – tem por objetivo examinar muito sucintamente o que penso sobre o que são virtudes hipotéticas, virtudes episódicas e virtudes categóricas. E também, por ser um simples rascunho reflexivo, não me aprofundarei em complexas elucubrações filosóficas ou teológicas, pois este tema, mais do que conhecido, inclusive já foi discutido em outros trabalhos que publiquei.

 

 

 

 

Revisão da Literatura

 

 

 

 

irtude (do latim vírtus, útis) é uma característica inerente moral particular que patenteia uma disposição estável na direção de praticar o bem. É uma qualidade do que se conforma com o que é considerado correto e desejável do ponto de vista da moral, da religião, do comportamento social, do dever, da efetividade etc. Revela, portanto, mais do que uma simples potencialidade ou uma aptidão para uma determinada ação boa: trata-se de uma verdadeira inclinação interior que determina a essência ou a natureza de um ser. Virtudes são todos os hábitos constantes que conduzem o homem para o bem – e para o Sumo Bem – quer como indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente. Por isto, os Treze são UM!

 

 

 

 

Enfim, a virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Escreveu Aristóteles: A felicidade consiste em ações perfeitamente conformes à virtude, e entendo por virtude não a virtude relativa, mas a virtude absoluta. Entendo por virtude relativa a que diz respeito às coisas necessárias; e por virtude absoluta a que tem por finalidade a beleza e a honestidade. Francis Bacon ponderou: A prosperidade prontamente descobre o vício; mas a adversidade logo descobre a virtude. E Sêneca: A virtude é difícil de se manifestar; precisa de alguém para orientá-la e dirigi-la. Mas os vícios são aprendidos sem mestre. E, finalmente, Confúcio: O homem que é firme, paciente, simples, natural e tranqüilo está perto da virtude.

 

Segundo São Gregório de Nissa (330 – 395), a virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem, sendo o fim de uma vida virtuosa tornar-se semelhante a Deus. Em termos místicos, mais do que se tornar semelhante a Deus, isto poderia ser lido como, pelo mérito e pelo trabalho, se tornar o próprio Deus de seu Coração, porque como disse Santo Tomás de Aquino na sua Summa Theologiæ, homo est dominus suorum actuum et volendi et non volendi, isto é, o homem é senhor dos seus atos, tanto de querer como de não querer.

 

Geralmente, costuma-se discriminar e apresentar as virtudes agrupadas sob duas categorias: teologais e humanas. Todavia há outras classes. Aristóteles, por exemplo, como explica Bruno Amaro Lacerda no texto O Pensamento de Aristóteles e as Reflexões Jusfilosóficas Atuais, dividia as virtudes em dianoéticas (ou intelectuais), às quais se chega pelo ensinamento, e éticas (ou morais), às quais se chega pelo exercício, pelo hábito. As virtudes éticas, enquanto virtudes do saber prático, não se destinam ao conhecer, como as dianoéticas, mas à ação. Para sua aquisição o conhecimento tem pouca ou nenhuma importância. Das virtudes dianoéticas, a mais importante é a phrónesis (prudência), capacidade de deliberar sobre o que é bom ou mal, correto ou incorreto. Das virtudes éticas, a mais importante é a justiça. O Filósofo ainda distinguia a justiça em duas importantes classes: a universal e a particular. A justiça universal é o cumprimento da lei (lei, na Antigüidade, designava mais o modo de ser da pólis do que propriamente uma prescrição). O homem justo, portanto, é aquele que, como Sócrates, no diálogo platônico Críton, cumpre a lei. Neste caso, abrange as demais virtudes, pois o que a lei manda é cumprir todas as virtudes éticas particulares. A justiça particular é o hábito que realiza a igualdade, a atribuição a cada um do que lhe é devido. Neste caso, a justiça se coloca ao lado das demais virtudes, pois respeitar a igualdade implica, quando necessário, agir com coragem, com temperança etc. A justiça particular divide-se em duas: a justiça distributiva e a justiça corretiva. A justiça distributiva é a mais importante, pois é responsável pela manutenção da ordem e da harmonia da pólis. Consiste em atribuir a cada um o que lhe é devido, tendo em vista sua excelência, seu valor (areté) para a comunidade. Baseia-se em numa igualdade geométrica, na qual quem valha 8 receba 4, e quem valha 2 receba 1. Já a justiça corretiva, ou retificadora, não se baseia em uma igualdade geométrica, mas em uma igualdade aritmética. A justiça corretiva não trata das relações dos indivíduos com a comunidade, mas das relações dos indivíduos entre si (interpessoais), como, por exemplo, as de troca de bens.

 

As virtudes teologais, cuja origem, motivo e objeto imediato são o próprio Deus, são, segundo a cristandade, infundidas no homem com e pela graça santificante, e tornam os homens capazes de viver em relação com a Santíssima Trindade. Elas fundamentam e animam o agir moral do cristão, vivificando as virtudes humanas. Para os cristãos, elas são o penhor da presença e da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. São elas: fé, esperança e caridade.

 

Através da fé, os cristãos crêem em Deus, nas Suas verdades reveladas e nos ensinamentos da Igreja, visto que Deus é a própria Verdade. Pela fé, o homem entrega-se a Deus livremente. Por este motivo, o crente procura conhecer e fazer a vontade de Deus, porque a fé opera pela caridade. (Gálatas, V, 6). Na escolástica – pensamento cristão da Idade Média baseado na tentativa de conciliação entre um ideal de racionalidade, corporificado especialmente na tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência de contato direto com a verdade revelada – a fé era entendida como crença religiosa sem fundamento em argumentos racionais, embora eventualmente alcançando verdades compatíveis com aquelas obtidas por meio da razão. Na alta escolástica, período de culminância da tradição escolástica (século XIII), personalidades intelectuais como Alberto Magno (1200 – 1280) e Tomás de Aquino (1227 – 1274), que seguiam uma forte orientação aristotélica, supunham e defendiam a harmonia parcial entre a fé e a razão.

 

Por meio da esperança, os crentes, por ajuda da graça do Espírito Santo, esperam a Vida Eterna e o Reino de Deus, colocando a sua confiança perseverante nas promessas do Cristo. Para merecer e perseverar nesta confiança até ao fim da vida terrena, os cristãos acreditam que a ajuda da graça do Espírito Santo é fulcral. Sobre a esperança, disseram: 1º) Tales de Mileto – A esperança é o único bem comum a todos os homens; aqueles que nada mais têm ainda a possuem; 2º) Søren Kierkegaard – A inveja é admiração sem esperança; e 3º) Cartola (sambista) – Ora, se o verde representa a esperança e o rosa representa o amor, como o amor pode não combinar com a esperança?

 

O entendimento católico da caridade é que, através dela, devemos amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos – por amor de Deus. A caridade tem o mesmo significado que o ágape (uma das antigas designações da Eucaristia), que é uma das diversas palavras gregas para o amor. Jesus fez da caridade um mandamento novo, conformado à plenitude da lei. Para os crentes, a caridade é o vínculo da perfeição (Colossenses, III, 14), logo, o fundamento e a mais importante das virtudes. São Paulo disse que, de todas as virtudes, a maior é o amor ou caridade (Coríntios, XIII, 13). George Weigel, em A Verdade do Catolicismo escreveu que o amor é uma dádiva de si mesmo e o oposto de usar. Enfim, como ponderou Allan Kardec, o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entende Jesus, é benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas. O Amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer todo o bem possível... A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, mas abrange todas as relações com os nossos semelhantes, sejam nossos inferiores, sejam nossos iguais, sejam nossos superiores. Ela nos manda ser indulgentes... e nos proíbe de humilhar o infortúnio, ao contrário do que comumente se pratica. Se um rico nos procura, atendemo-lo com excesso de consideração e atenção, mas se é um pobre, parece que não devemos nos incomodar com ele. Quanto mais, entretanto, sua posição é lastimável, mais devemos temer aumentar sua desgraça pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar o inferior aos seus próprios olhos, diminuindo a distância entre ambos.

 

Já as virtudes humanas costumam ser admitidas como perfeições habituais e estáveis da inteligência e da vontade humanas. Elas regulam os atos humanos, ordenam as paixões humanas e guiam a conduta humana segundo a razão e a fé. Adquiridas e reforçadas por atos moralmente bons e repetidos, os cristãos acreditam que estas virtudes são purificadas e elevadas pela Graça Divina. Dentre as virtudes humanas, são constantemente destacadas as virtudes cardeais, que são consideradas as principais por serem os apoios à volta das quais giram as demais virtudes humanas. São elas: prudência, justiça, fortaleza e temperança.

 

A prudência (na mitologia é o nome romano de Métis, a deusa da prudência), por definição, faz prever e procura evitar as inconveniências e os perigos. Dispõe a razão para discernir, em todas as circunstâncias, o verdadeiro bem e a escolher os justos meios para o atingir. Ela conduz a outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida, sendo, por isto, considerada a virtude-mãe humana. Disse o poeta satírico romano Juvenal: Se a prudência te acompanha, nenhum poder celestial te desamparará.

 

A justiça é uma constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido. É uma qualidade que está em conformidade com o que é direito, com o que é justo, permitindo, por isto, perceber e avaliar aquilo que é direito, que é justo, ou seja, é um princípio moral em nome do qual o direito deve ser respeitado. Ensinou Francis Bacon: A vingança é uma espécie de justiça selvagem. E as últimas palavras de Papa Gregório VII foram: Dilexi iustitiam et odivi iniquitatem; propterea morior in exilio. Amei a justiça e odiei a iniqüidade; por isso morro no exílio.

 

A fortaleza assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura do bem. Neste sentido, a fortaleza permite resistir à ação ou às influências exteriores. Certa vez, Bruce Lee comentou: Entesouro a memória dos infortúnios passados. Eles acrescentam muito à minha fortaleza interior.

 

A temperança, moderação ou sobriedade refreia a atração pelos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos e proporciona o necessário equilíbrio no uso das coisas em geral. Por isto, é normalmente descrita como sendo a prudência aplicada aos prazeres. Segundo Theophrastus Bompart, nada é veneno, e tudo é veneno; a diferença está na dose. Não sei se isto é assim; até acho que não é, pois, por exemplo (e eu conheço gente que faz isto), tirar um dia na semana ou no mês para sentar a pua e mandar brasa nada tem a ver com temperança. Mas, penso que esteja certo o Mahatma Gandhi quando advertiu que todo aquele que possui coisas que não precisa é um ladrão. E também Santo Agostinho: Se eliminares o supérfluo, verás que pouco é bastante. Logo, temperança é moderação, comedimento; é o oposto de estroinice, de indecência, de lubricidade e de inconstância.

 

 

 

 

 

 

 

As Violações

 

 

 

Já quanto aos pecados (violações), a Igreja Católica, basicamente, classificou-os e selecionou-os em dois tipos: os pecados ditos veniais, que são perdoáveis sem a necessidade do sacramento da confissão, bastando o arrependimento sincero, e os pecados mortais, que fazem perder a graça divina. Quanto aos conhecidos pecados capitais, também merecedores de condenação, são, segundo Santo Tomás de Aquino, como todos nós sabemos, os seguintes: vaidade, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. Eu teria acrescentado mais um: a filhadaputice sacanocrático-criminosa e generalizada. Seja como for, em 1589, o teólogo alemão Peter Binsfeld agregou a cada um dos pecados capitais um demônio respectivo, seguindo os significados mais usados e conhecidos na época. De acordo com a Binsfeld's Classification of Demons, esta comparação segue o esquema abaixo, no qual acrescentei Legião como os demônios associados e açuladores da filhadaputice sacanocrático-criminosa e generalizada:

 

 

Pecado Capital
Demônio Associado
Luxúria
Asmodeus
Gula
Belzebu
Avareza
Mammon
Preguiça
Belphegor
Ira
Azazel
Inveja
Leviatã
Vaidade (Orgulho)
Lilith
Filhadaputice generalizada
Legião

 

 

Para contrariar e obstar os sete pecados capitais, há uma organização das virtudes baseada nas chamadas sete virtudes: castidade, generosidade, temperança, diligência, paciência, caridade e humildade. As sete virtudes são derivadas do épico Psychomachia, poema escrito pelo poeta romano cristão Aurelius Clemens Prudentius (348 – cerca de 413). Na Idade Média, a grande popularidade deste trabalho ajudou a espalhar este conceito pela Europa. É alegado que a prática destas virtudes protege a pessoa contra as tentações dos sete pecados capitais, com cada um tendo sua respectiva contraparte.

 

 

Pecado Capital
Contraparte Virtuosa
Luxúria
Castidade
Gula
Temperança
Avareza
Generosidade
Preguiça
Diligência
Ira
Paciência
Inveja
Caridade
Vaidade (Orgulho)
Humildade
Filhadaputice generalizada

 

 

Ora bem, até aí, nada de novo. O que eu pretendo sucintamente examinar a seguir é o que se poderia denominar de virtudes hipotéticas, virtudes episódicas e virtudes categóricas. Mas antes, rapidamente, recordando Immanuel Kant (1724 – 1804), um imperativo categórico vem a ser o dever de agir em conformidade com os princípios que se quer que sejam aplicados por todos os seres humanos. Já um imperativo hipotético, ao contrário do imperativo categórico, não é uma obrigação, mas, sim, uma condição para chegar a um determinado fim. Então, como especula e teoriza Denis Coutinho Silveira, os imperativos hipotéticos são aqueles que determinam que se queres uma determinada coisa deves fazer uma determinada ação (faz x para alcançar y), quer dizer: o imperativo hipotético é meio para a realização de um fim exterior à ele. O imperativo hipotético afirma que a ação é boa em vista de qualquer intenção possível ou real. Por sua vez, continua Denis, os imperativos categóricos são objetivamente necessários, isto é, são fins em si mesmos e operam com um princípio apodítico prático [que exprime uma necessidade lógica], quer dizer, necessário, constituindo o verdadeiro imperativo da moralidade. O imperativo categórico impõe-se a si mesmo, e não pela finalidade que quer atingir; ele é necessário e tem um caráter de lei prática. O imperativo categórico é expresso em uma proposição sintética 'a priori', pois possui uma possibilidade 'a priori'. O imperativo categórico ou lei moral é uma imposição do sujeito noumênico1 à sua dimensão fenomênica e, por isto, é o único imperativo da moralidade. É necessário buscar de maneira apriorística a possibilidade dos imperativos categóricos. Só o imperativo categórico possui o caráter de uma lei prática, pois os imperativos hipotéticos podem ser classificados como princípios da vontade. Porque é incondicional, o imperativo categórico não oportuniza à vontade a possibilidade de escolha, tendo o caráter de uma lei prática que obriga necessariamente a conformidade da máxima à lei – lei esta universal. O seu conteúdo é constituído pela lei e a necessidade de adequação da máxima (vontade subjetiva) à lei universal: Age apenas segundo uma máxima tal que possas, ao mesmo tempo, querer que ela se torne lei universal, podendo derivar desta lei todos os outros imperativos do dever. Pode-se identificar nesta primeira formulação do imperativo categórico o princípio da universalidade e, como a realidade (Natureza) é determinada por leis universais, temos a segunda formulação do imperativo categórico: Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da Natureza.

 

 

 

 

 

 

Virtudes Hipotéticas, Episódicas e Categóricas

 

 

 

Feita esta breve revisão, discutirei, para concluir este ensaio, o que penso sobre o que são virtudes hipotéticas, virtudes episódicas e virtudes categóricas.

 

Uma virtude hipotética não deixa de ser uma virtude, mas, por ser hipotética, dita um dado curso de uma ação qualquer para que se alcance um fim específico, que poderá ser mais ou menos nobre, mais ou menos sofrível, mais ou menos retilíneo.

 

 

 

 

Então, se, por um lado, tomar um remédio para ficar curado de uma doença é um imperativo hipotético aceitável e racional, por outro, dizimar para aplacar a ira de Deus e para comprar um lugarzinho no paraíso é um imperativo hipotético bonacheirão e infecundo. Se, por um lado, respeitar a Lei Seca apenas para não ir em cana é um imperativo hipotético razoável, por outro, caridar para compensar os peculatos, as concussões, os excessos de exação, as corrupções passivas, as prevaricações, as condescendências criminosas e as advocacias administrativas que foram ilicitamente praticadas é um imperativo hipotético desarrazoado. Se, por um lado, não roubar para não ver o Sol nascer quadrado é um imperativo hipotético plausível, por outro, ser casto e nem sequer se masturbar por um tempo para se redimir das traições e das devassidões perpetradas é um imperativo hipotético babaquérrimo. Se, por um lado, você quer ir à maior mercearia de Oxford e resolve ir à Grimbly Hughes é, em princípio, um imperativo hipotético gastronômico sem maior conseqüência (mas altamente conseqüente se for para comprar produtos derivados do sacrifício de animais), por outro, ser generoso para minimizar as avarezas cometidas é mesmo um imperativo hipotético meio que meio inexplicável e socancra. E por aí vai, vai, vai... Ora, estes imperativos são bons? Sim, ainda que inspirados ou praticados por interesse, bonacheirões, infecundos, desarrazoados, babaquérrimos e meio que meio inexplicáveis e socancras não deixam de ser bons ou mais para bons do que maus ou mais para maus, porque funcionam como se fosse uma espécie de apitar da consciência ou uma necessidade hipotética real – como é o caso de se tomar um remédio quando se está doente ou de se beber água quando se está com sede. É mais ou menos assim: a consciência, o Eu Superior em nós, quase a morrer afogado em sacanagens, em esquerdices e em desmandos, dá um grito, e nós reagimos – quando reagimos! – ainda que hipoteticamente, a este grito.

 

 

 

 

Então, condescendo: melhor hipotético do que nada, ainda que, misticamente, uma ação hipotética, praticamente, não tenha qualquer valor. Não adianta lá grande coisa dar com a mão direita, e gritar: — Olha lá, mão esquerda; estou dando aqui para apaziguar meu espírito ali.

 

Uma virtude episódica é aquela que se manifesta de vez em quando, em intervalos irregulares de tempo. É uma espécie de virtude relativa, não no sentido aristotélico, mas que não é absoluta, ou seja, é uma virtude que se subordina ou que depende de outra coisa para se descerrar. O indivíduo, por exemplo, ouve um relato que o enternece ou vê uma cena que o comove e pratica um ato fraternal, compassivo, magnânimo, virtuoso. Ou vê uma coisa que o deprime e resolve mudar de atitude. Darei um exemplo concreto. Certa vez, assisti a um documentário que mostrava o sofrimento dos animais em abatedouros e a crueldade humana praticada contra esses animais. A pessoa que assistiu a este filme didático-informativo comigo ficou horrorizada com o que viu e se prontificou a fazer um esforço para não mais se alimentar de carne animal. — Baby Beef – jurou – nunca mais! Passou, então, episodicamente, um curto tempo cultivando o vegetarianismo, mas acabou cedendo e voltou a ingerir carne animal. Por isto, é uma má pessoa? Não, pelo contrário; é um ser humano formidável. Apenas ainda não conseguiu se soltar do vencilho da carne animal. Muito bem; seguindo. Penso que a virtude episódica seja um pouco melhor, que esteja em um plano de consciência mais elevado, por assim dizer, do que a virtude hipotética, mas demonstra que a Senda da Perfeição é difícil e requer determinação. Não foi dito que estreita é a Porta e acanhado é o Caminho que conduz à Santa Vida, e poucos são os que os acham? Se eu pudesse, ainda que eu saiba que não esteja certo fazer isto, eu rompia todos os vencilhos e punha, no peito e na raça, todo mundo na linha. Nada me comove mais do que a dor e a ignorância alheias. Nada me deixa mais entristado do que saber a solução e o caminho e não poder...

 

Enfim, temos, por último, as virtudes categóricas, isentas de tintas, vernizes, adereços, plumas e paetês. O que são? São todas as virtudes – silentes e incolores, fidedignas e universais – praticadas por um impulso-Coração ético-místico. Não há porque, não há para, não há se, não há por isso, não há, enfim, um motivo específico, necessário ou urgente para que sejam praticadas nem subordinação genuflexa ao que quer que seja. Simplesmente são porque são simplesmente. Não são exercitadas para evitar castigos ou para obter recompensas. Não são levadas a efeito para aplacar a ira de Deus nem para afugentar o maligno. Não são realizadas para comover os espectadores nem para reduzir ao mínimo as inevitáveis dores da vida. Não são executadas por isto ou por aquilo, pelo sim, pelo não ou pelo quem sabe; simplesmente são postas em movimento. Nem mesmo a máxima sede virtuosos para que possais alcançar a felicidade entra em pauta, e a mão esquerda não soube, não sabe e não saberá jamais o que a mão direita fez, faz ou fará ou deixou, deixa ou deixará de fazer.

 

Seja como for, sei e reconheço que é extremamente difícil agir sempre com categoricidade, mas devemos nos esforçar para isto. E confesso: ainda que eu seja uma espécie de EPP (Esforço Personificado Permanente), eu nem sempre consigo. Há só um problema: só a compreensão liberta. E assim, enquanto ficarmos presos aos (pre)conceitos que nos enfiaram goela abaixo, inevitavelmente cairemos na goela do lobo uivante.

 

 

 

 

 

 

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Nota:

1. Númeno ou coisa-em-si, no kantismo, é a realidade tal como existe em si mesma, de forma independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o conhecimento humano.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.paginaespirita.com.br/caridade.htm

http://pt.wikiquote.org/wiki/Esperan%C3%A7a

http://www.ditext.com/hare/lm3.html

http://74.125.47.132/

http://fanart.lionking.org/Artists/Shoka/

http://www.nj.com.br/kanji/index.php

http://pt.wikisource.org/

http://nz.answers.yahoo.com/
question/index?qid=20080507135738AAZCBF6

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sete_Virtudes

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Pecado_capital_(cristianismo)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Virtude

 

Música de fundo:

Pinga de Goela Abaixo
Composição: Rick/João Márcio/Fabiano
Intérpertes: Rick e Renner

Fonte:

http://www.mauxhomepage.com/
cantinhomusical/sertaneja6.htm