INTRODUÇÃO
O
que é um Papa? O nome Papa foi dado originariamente a todos
os bispos da Igreja Católica. Com o passar do tempo, esta nobilitação
foi reservada ao Bispo de Roma, que é também o Patriarca
do Ocidente e Primaz da Itália, ou seja, o supremo dirigente
da Igreja Católica – o Sumo Pontífice, o Santo
Padre. Ele é também o soberano temporal e o guia espiritual
da Igreja. Seu domínio é o Vaticano. Nessa qualidade,
tem à sua disposição um corpo diplomático,
já que o Vaticano é uma Cidade-Estado. Dentre os ornamentos
que lhe são reservados, distinguem-se a tiara (que simboliza
o poder do Papa) e o anel do Pescador (referência histórica
a São Pedro). Seu principal colaborador é o Secretário
de Estado, cargo de confiança semelhante em atribuições
ao de Ministro das Relações Exteriores. Das organizações
visíveis do tempo do Império Romano, o Papado é
a única que se mantém intata até a contemporaneidade.
Nos primeiros tempos, a escolha do Papa era feita pelo povo de Roma
e depois ratificada pelo clero romano. Na história do Papado,
a Instituição sofreu distintos e sérios revezes
em diversos níveis, mas, hoje, no que concerne à escolha
do sucessor do Papa falecido, esta é feita por um Colégio
de Cardeais formado por 119 cardeais de várias nacionalidades
com menos de 80 anos. O processo de escolha por votação
- chamado de Conclave - é secreto e a portas fechadas, e é
inaugurado, mais ou menos, 15 a 20 dias após a morte do Papa.
As votações têm início e continuam até
que um candidato receba mais de dois terços dos votos. Se a
escolha não se efetivar depois de 30 escrutínios, os
cardeais estão autorizados a encerrar o processo, sendo o novo
Papa escolhido por maioria simples, isto é, metade dos votos
mais um. Para esta eleição (2005), se isto vier a acontecer,
o Papa poderá ser eleito com um mínimo de 60 (sessenta)
votos, o que será péssimo para a Igreja e para o Catolicismo.
Particularmente, não acredito que isso ocorrerá.
Para
a escolha do sucessor de João Paulo II, o Colégio dos
Cardeais está composto por 119 cardeais ao invés de
120 – conforme foi afirmado um pouco mais acima – isto
porque o cardeal polonês Henryk Gulbinowicz reconheceu ter modificado
sua idade de nascimento. Um livro publicado anualmente pelo Vaticano
informa que o cardeal Gulbinowicz nasceu em 17 de Outubro de 1923,
data distinta da que ele havia anunciado anteriormente, estando, hoje,
o Cardeal com 82 anos incompletos. Este fato se deve a uma correção
na data do aniversário do Cardeal feita pelo Conselho dos Comandantes
do Exército Polonês, em 1942, quando a região
de Vilnius (capital da Lituânia) foi ocupada pelos alemães,
para evitar que ele fosse mandado como força de trabalho para
a Alemanha. Assim, como cardeais com mais de 80 anos são inelegíveis
em votações para escolha de Papas, Gulbinowicz, de acordo
com o Direito Canônico, está impedido de participar do
Conclave. Contudo, é necessário assinalar que o cardeal
Gulbinowicz informou a Karol Wojtyla este fato antes de sua eleição
e de se tornar Papa, e justificou que o fato era comum na Polônia
durante a 2ª Grande Guerra, devido ao qual muitos jovens escaparam
de ser enviados para os campos de concentração do Terceiro
Reich.
O
primeiro Papa foi Pedro, que reinou de 0 à 67 d.C. Nasceu em
Betsaida, na Galiléia, onde trabalhava como pescador com o
pai e o irmão, quando Jesus o encontrou em Cafarnaum e lhe
assegurou que se tornaria pescador de homens. Em Cesaréia,
segundo a Vulgata – nome da tradução dos textos
bíblicos para o latim, a partir de seus idiomas originais(
hebraico, grego e aramaico) – que possuo há anos, Jesus
lhe disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a
minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus, e tudo
que ligares na Terra será ligado também nos céus,
e tudo que desatares sobre a Terra será desatado também
nos céus. (Mt. 16, 18 e 19). No final da vida, São
Pedro foi preso e martirizado durante a perseguição
que o Imperador Nero impôs aos cristãos, após
o incêncio de Roma, ocorrido no ano 64 dC., e ordenado pelo
próprio Nero, que, para tentar abafar os boatos que circulavam
sobre sua pessoa, acusou e entregou às torturas mais deprimentes
e humanamente inconcebíveis uma comunidade detestada pelos
romanos por seu comportamento, e que o poviléu denominava de
cristãos. Assim, em 29 de Junho de 67, Pedro foi condenado
à pena de crucifixão no Coliseu, e, a seu pedido, foi
crucificado com a cabeça para baixo, pois não se achava
digno de ser morto como seu Mestre. Isto, depois do 'Quo Vadis,
Domine?' e de mais um arrependimento ao ouvir a criança
dizer que estava indo para Roma para ser martirizada com as suas ovelhas
que haviam sido abandonadas. A criança, na tradição
católica, era Jesus – o Cristo. O túmulo de São
Pedro, segundo o Catolicismo, está situado sob a Basílica
de São Pedro, no Vaticano.
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Crucificação
de São Pedro - Michelangelo |
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São
Pedro
António Francisco Lisboa
– o Aleijadinho |
João
Paulo II |
UMA
PERIGOSA DIALÉTICA
Até
João Paulo II, que chefiou a Igreja de 1978 a 2005, 264 Papas
ocuparam o trono de Pedro. Quem será o 266º Papa? Segundo
São Malaquias, o novo Papa será De Gloria Olivæ
(A Glória da Oliveira) e deverá ser um conciliador.
Coincidentemente, as Profecias de um beneditino – o Monge de
Pádua – que foram publicadas em Veneza pela primeira
vez em 1527 sob o título De Magnis Tribulationibus et Statu
Ecclesiæ, prevêem que este novo Papa será
um semeador de paz e de esperança. Mas, haverá mesmo,
no futuro, como previu São Malaquias, um Petrus Romanus?
E acontecerá o que confirma o Monge de Pádua?
Disse ele: Na suprema desolação do mundo, reinará
Pedro Romano — último Pontífice do Deus verdadeiro!
Roma criminosa será destruída e o juiz tremendo julgará
triunfante todos os povos. Honestamente, acho isso apocalíptico
demais. Para mim, a interpretação é outra.
Mas,
o que importa refletir um pouco é sobre os descaminhos
que trilhou a Igreja Católica nestes últimos dois milênios.
Sem forçar a mão, eu recordo todas as perseguições
a não-católicos, as discriminações multifacetadas,
os apoios hipotéticos e tendenciosos a reis, imperadores, déspotas
e chefes de Estado, a intolerância contra o pensamento científico
e filosófico, as apócopes e ocultações
do sagrado, a visão retrógrada e niilista relativamente
às diversas contemporaneidades, as conspirações
vaticanas, as concordatas interesseiras, as sustentações
dogmáticas obscurantes, as adulterações macabras
e as supressões inaceitáveis interpostas ao primitivo
Cristianismo, as múltiplas manipulações das consciências
– isto, para mim, o mais grave – etc. Então, já
deixo uma pergunta para reflexão: Os interesses da(s) Igreja(s)
globalizada(s) representam – se em alguma época chegaram
mesmo a representar – os objetivos traçados pelo Mestre
Jesus? Para que esta reflexão possa ser frutificativa, deverá
ser isenta. Para ser isenta, não poderá estar apoiada
em conceitos religiosos. E, para que alguém possa refletir
(ou meditar) desagrilhoado de todo e qualquer dogma, será necessário
que o pesquisador do Sagrado não aceite a priori que
o que é difundido no âmbito do Catolicismo seja certo
e indiscutível, ou que a presumida verdade seja aceita sem
nenhum questionamento. Bem, estou convicto de que quem assim proceder
encontrará respostas em seu coração que serão
mais do que esclarecedoras — serão realmente iluminadoras.
A etapa subseqüente é saber o que fazer com o resultado
dessas especulações. Não encorajo aos fracos
de espírito que procedam à essa dialética, pois
poderá ser desastrosa.
Em
decorrência disso e considerando, apenas
para efeito especulativo, a história, a vida e os ensinamentos
de Jesus transmitidos pela própria Igreja como autênticos,
aquela definição de Papa que discuti no início
deste ensaio está, no mínimo, incompleta. Ou, a coisa
foi de tal maneira torcida e temporalizada que, hoje, é praticamente
impossível desatar o nó em que se meteu o Catolicismo
purpurado. Preliminarmente, vou levantar apenas dois absurdos: o celibato
e a proibição do uso de camisinha. Esses dois diplomas
só conduzem, como sempre conduziram, pelo menos a quatro monstros:
padres sexualmente desesperados e mentalmente adoentados, as alucinadoras
práticas masturbatórias, múltiplas doenças
venéreas e abortos. Satisfação de apetites sexuais
+ aborto = assassinato. O contrapeso desses absurdos são a
pedofilia (e outras aberrações sexuais pouco divulgadas)
e o embrutecimento do eu. Curiosa e hipocritamente, a Igreja condena
veementemente os homossexuais – homossexualismo só no
próprio âmbito interno da Igreja, por trás das
cortinas e nos cantos escuros; condena a camisinha – mas nunca
comentou o incontável número de abortos que foram praticados
no perímetro dos conventos; impõe o celibato –
mais por uma questão econômico-financeira do que propriamente
por algum tipo de princípio espiritual (que não tem
o menor sentido ou valor se for impositivo); surripia informações
– porque admite que só os 'altos' dignitários
podem ter acesso privilegiado à essas informações
etc. Tristemente, basta olhar a forma como se comporta a maioria daqueles
que receberam as ordens sacerdotais que ninguém poderá
se sentir confortável e muito menos seguro ou confiante, e
não se precisará fazer nenhum esforço para se
concluir que há uma permanente desarmonia em tudo que esses
religiosos fazem e em tudo que dizem. Em duas palavras: não
convencem. As contradições são tão flagrantes
que só o medo do inferno e o temor de Deus podem manter unido
o que, em essência e nas entranhas, está há muitos
séculos desunido. E a Igreja Católica está de
tal forma contaminada que os bons padres e os poucos santos que à
ela continuam vinculados nada podem fazer. Os que tentam pôr
em execução alguma idéia progressista, ou são
excluídos, ou se excluem por conta própria porque não
conseguem suportar as pressões. Continuam padres, porque uma
vez padre, padre para sempre. Mas só que afastados (fora) do
Ministério, isto é, não podem ministrar os sacramentos.
Podem recebê-los, mas não podem dá-los. Isso é
muito triste e, ao mesmo tempo, é angustiante e pavoroso. Pode
ser que eu vá cometer um exagero com o que vou deixar gravado,
mas penso que a Igreja Católica é, de longe, a Instituição
mais autoritária sobre a Terra. Então, que se medite
profundamente e não se confunda Catolicismo com Cristianismo.
A
simplicidade, o desapego, a humildade, a renúncia e o nada
desejar do Cristianismo primevo foram substituídos pelo luxo,
pela pompa, pela prepotência, pela ostentação
e pela mentira do Catolicismo. No mínimo. Reexaminando a História,
eu pergunto: há termo de comparação entre, por
exemplo, a santa vida de São Francisco, e a exibição
de luxo do Vaticano e das diversas cúrias espalhadas pelo mundo?
Há termo de comparação entre as convicções
de Santa Joana D'Arc e a esquizofrenia assassina do dominicano Tomás
de Torquemada, que, em 1483, foi nomeado Inquisidor Mor para todos
os territórios de Fernando e Isabel, e mandou torturar e matar
um número incontável de 'hereges'? Há
termo de comparação entre o pontificado de João
XXIII e, por exemplo, o do Papa Sixto IV, que nomeou Torquemada? Este
ato de Sixto IV foi mais do que uma imprudência político-religiosa
– foi uma carta branca para que fossem executados assassinatos
em massa. E foram. Em massa. E ainda: é possível comparar
Jacques De Molay com o Papa Clemente V, assecla de Filipe IV, o Belo?
Pelo que se pode observar da História, as contradições
são duplas: intra e extra corpus. Isto é: no
âmbito da própria Igreja e entre ela e a sociedade.
Enfim, eu acho que a maioria dos religiosos modernos e contemporâneos
não leu a Imitação de Cristo de Tomás
Kempis. Se esses senhores leram, ou esqueceram, ou não entenderam,
ou, ainda, jogaram o livrinho no lixo para não terem que olhar
para ele. Acho que, pelo menos, não custa nada pesquisar e
dar uma espiada no Capítulo I desta obra ímpar. Não
sou eu que digo, mas Kempis que ensina que devemos nos esforçar
para moldar nEle (em Jesus) nossa própria vida. Amontoar riquezas,
ambicionar honras, desejar viver muito e descuidar viver bem e para
o Bem,
preocupar-se só com a vida presente e não prever e se
importar com a vida futura (que, na realidade, formam uma unidade),
amar e cultuar o passageiro em detrimento do que é eterno são
simples exemplos de vaidade e de ignorância consentida apontadas
por Kempis. Enfim, resumindo todo o pensamento de Tomás Kempis,
penso mesmo e concordo com este Santo que devemos desapegar nosso
coração do amor às coisas visíveis –
porque são ilusórias – para transportá-lo
ao Plano da Atemporalidade e da Inespacialidade, porque os que se
deixam levar pela sensualidade pessoal e pelo que a vida oferece a
cada instante mancham a consciência e comprometem a desejada
reintegração consciente na Consciência Cósmica.
AS
EXÉQUIAS DE JOÃO PAULO II
E
A CONTEMPORANEIDADE
Nesta
última parte, vou tecer uns breves comentários a respeito
da 'festa vaticana' em honra ao cadáver do digníssimo
Papa Peregrino do Bem e da Paz – Joannes Paulus II,
e algumas contradições Igreja Católica versus
contemporaneidade. A primeira coisa que me ocorre é se ele
gostaria e aprovaria que seu funeral sucedesse daquela forma espalhafatosa
– a 'celebração vaticano-político-internacional'.
Eu me dei à pachorra de assistir às exéquias
pela TV. Foi a coisa mais monumental que vi em homenagem a um corpo
sem vida. Sem exagero, acho que foi o maior funeral da história
contemporânea. De passgem recordo que o Mahatma Gandhi –
que permanecerá para sempre como símbolo da resistência
pela via da não-violência – depois de ter sido
assassinado por um hindu, teve seu corpo cremado e suas cinzas lançadas
nas águas do Rio Jumna. No século passado, impressionou
a todos nós o funeral do Aiatolá Khomeini, e, na Antigüidade,
apenas os Faraós receberam homengens semelhantes.
|
Mahatma
Gandhi |
Roma
foi invadida nos últimos dias por milhões fiéis
vindos de todas as partes do mundo e por chefes de Estado e de Governo
nas últimas horas (comentarei mais abaixo a respeito dos milhões
de dólares que foram gastos nesse exagero). As autoridades
romanas chegaram a afirmar que a população da Cidade
dobrou, não havendo acomodações suficientes para
todos os peregrinos! Nessas horas me vem à cabeça o
poder da mídia, que, também, no caso, por exemplo, da
1ª Guerra do Golfo, mostrava em tempo real a pirotecnia colorida
dos bombardeios, mas ocultava a dor, os esfacelamentos e o sofrimento
deles decorrentes. Já a inumação de Jesus, se
se considerar o que ensina a Bíblia (que eu não aceito
sob alegação alguma), foi a mais simples e a menos divulgada
da história (na época em que é dita que sucedeu,
segundo a Bíblia, que, repito, entendo de maneira diversa).
Mas, o que é divulgado é que, praticamente, apenas dois
homens retiraram Jesus do madeiro e o levaram para o jazigo de propriedade
de José de Arimatéia: o próprio José de
Arimatéia – que era discípulo de Jesus, mas veladamente,
porque não podia enfrentar abertamente os judeus – e
Nicodemos.
Por
outro lado, apresento o seguinte tema para reflexão: como é
possível explicar a permanência, até os dias que
correm, da força da mensagem de Jesus e de sua própria
personalidade, já que viveu em uma época em que os meios
de comunicação praticamente se resumiam à transmissão
oral e com todo o Império Romano contra a Boa Nova? Em adição,
pergunto: passada a euforia da morte e do velório de João
Paulo II, quanto tempo durarão no consciente coletivo sua imagem,
sua simpatia, seus discursos e sua via crucis? A mídia
globalizada – que Jesus não teve à sua disposição,
e que, em acréscimo, segundo os relatos históricos,
não deixou documento algum escrito relativamente ao seu pensamento
e/ou à sua doutrina – será capaz de manter acesa
esta chama? É bom lembrar que Pio XII foi esquecido, de João
XXIII ninguém fala e João Paulo I – o Papa sorriso
– ninguém sabe mais quem foi. E Zaratustra ninguém
sabe se se escreve com S ou com Z. Também não se fala
mais igualmente de Lady DI, de Tancredo Neves ou de Nat Cole. Curioso,
mas explicável: fala-se do Dezoito (A. H.), mas não
se fala de Benito Mussolini! Enfim, eleito o novo Papa, o povo, psicológica
e sublimadamente, meteorizará para este novo Sumo Pontífice
suas esperanças e dedicação afetiva? Honestamente
penso que sim, mas teremos que aguardar o anúncio do novo Papa
e o efeito entrópico-corrosivo do tempo para saber realmente
o que irá acontecer. Ainda: quem se recorda do último
mega tsunami que matou cerca de 300.000 pessoas e desabrigou
5.000.000 de almas? O Big Brother, os últimos capítulos
das novelas e o futebol se incumbirão de auxiliar em todos
esses inexoráveis esquecimentos. Rei morto, rei posto
— acho que é isto que sucederá. Mas, o que é
certo e inquestionável é que, pelo menos até
este ano de 2005, a Mensagem de Jesus não foi apagada. Pode
ter sido deturpada (e até inventada em muitos aspectos), mas
deletada não foi. Um pouco de marketing? Talvez!
Annuntio vobis gaudium magnum! Habemus Papam...
Quais
seriam, examinando essa 'festança vaticana', as conseqüências
de toda aquela pompa – a pompa do velório-enterro de
João Paulo II? Tantas que, para dissertar sobre todas, eu acho
que teria que usar, no mínimo, 1 megabyte para expor integralmente
minhas idéias. Vou tentar ser o mais sintético possível.
Primeiro:
O que é a vida? Tenho dito em diversos textos
que acredito firmemente que a vida é um reflexo da Vida
– a Eterna Vida. Nenhum de nós, em princípio,
deveria morrer (ou passar pela transição como preferem
dizer os Rosacruzes) de maneira dolorosa ou sofrida, como passou o
Bom Papa João Paulo II. A dor e o sofrimento que antecedem
a morte podem ter diversas explicações. Para este caso
específico, eu vou ficar com a possibilidade de harmonização
ou de conformização' (voluntária e/ou
involuntária) com uma parcela das misérias do Mundo.
Isto não significa que João Paulo II sofreu por nós
ou que tenha nos liberado de nossas cargas. Não é isso
e ninguém pode fazer isso. Esse tipo de acontecimento sucede
com determinadas pessoas (e penso que tenha sido isso que ocorreu
com este Papa), porque acho que elas acabam adquirindo durante a vida
uma extrema capacidade de se harmonizar e de se envolver com a dor
do Mundo (de todos os seres e do próprio Planeta – que
também é um ser vivo), e manifestam fisicamente essa
dor, isso desembocando em uma desagregação progressiva
do harmonium do indivíduo. Isto é um processo
místico muito particular e é inteiramente diferente,
por exemplo, de uma cirrose alcoólica, que é acompanhada
freqüentemente de necrose hepatocelular, oriunda da grande e
sistemática quantidade de álcool ingerido.
O
Papa não quis renunciar. Quis agüentar o rojão
até o fim. Acho esse gesto mais do que louvável. Só
os ratos abandonam o barco que está naufragando. Mas o que
não posso aceitar é a exploração que se
fez da doença desse pobre Papa. Agora, a Santa Sé está
com um baita abacaxi para descascar: aonde vão encontrar um
papa que esteja à altura (visual e carismática –
verdadeira fascinação exercida João Paulo II
sobre a confraria católica) do papa falecido? Penso que simplesmente
não vão encontrar. Acho que tudo isso, na verdade, oculta
uma angústia taciturna e um silêncio ensurdecedor.
Segundo:
Quais são as possíveis formas
de governo? Desde a mais remota Antigüidade –
passando pela Idade Média, pelo Renascimento e pela contemporaneidade
– os filósofos se debruçaram sobre essa matéria,
e foram apresentadas diversas propostas que, no fundo, se assemelham.
O que é certo e incontestável é que o governo
de um só tende a se tornar uma tirania retrogressiva. Basta
revisitar mentalmente o século XX que os exemplos se contam
às centenas. Esta descambação, geralmente, só
não sucede nas Fraternidades Iniciáticas, porque, ainda
que a direção suprema seja exercida por um Hierofante,
por um Imperator ou por um Grande Mestre, no fundo o sistema é
semelhante a uma Aristocracia Filosófica, isto é, há
um Colegiado de Místicos que dá sustentação
permanente a esse supremo dirigente. (Isto, na realidade, é
mais complexo, mas a primeira linha de ação –
a fase objetiva – é essa que resumidamente expus.).
Assim,
por mais espiritualizado e bom que seja um indivíduo (homem
ou mulher), se ele não for um Místico
(com assessoramento de Místicos),
a instituição que dirige acabará por se tornar
uma imagem mais ou menos deturpada de suas idéias e dos conceitos
dogmático-autoritários em que acredita e faz valer,
mais as pressões de todos os lados e as contemporizações
obrigatórias com os múltiplos interesses das quais não
pode escapar. É precipuamente isto que acontece (como sempre
aconteceu) com a Igreja Católica — a reboque, inclusive,
do ultrapassado e autoritário Direito Canônico que lhe
dá sustentação e validação. Não
há, realmente, o 'mais mínimo' aroma de Democracia
no âmbito do Catolicismo.
E
Democracia mesmo – real e efetiva – não existe
em parte alguma do Planeta, e não poderá existir jamais,
simplesmente porque, em uma análise superficial, maioria não
significa (nem poderá significar) totalidade, consenso e adequação,
e esta maioria é manipulada e dominada eficaz e eficientemente
por uma minoria, esta sim, que dá as ordens e costura as necessárias
safadezas para se manter 'democraticamente' ad perpetuam
rei memoriam no poder (pois poder não se negocia e ninguém
larga o poder por vontade própria). Tudo isto (o circo
dos horrores) sem que, de maneira geral, ninguém saiba ou perceba
o que acontece nos bastidores do Governo Oculto do Mundo — o
cerne do Poder Temporal, que representa o Príncipe deste Mundo,
o Demônio e sua Legião-Caterva de Subordinados criados
pelo conjunto de sentimentos de malvadez, egoísmo, vaidade,
prepotência, dominação e mais trocentos
desvios conscientes da LLUZ.
Karol Wojtyla, ainda que Bom e Peregrino da Paz, de certa forma sofreu
as injunções destas misérias, porque a autoridade
autoritária que lhe foi concedida (como é concedida
a todo e qualquer Papa) impediu que sentisse em toda a sua plenitude
as urgências da contemporaneidade, aliado ao fato histórico
que, sabidamente, nunca conheceu de perto como funciona uma Democracia
(presentemente o melhor sistema político, ainda que eivado
de máculas), levando a Igreja a conviver com uma uma política
interna descompassada em alguns aspectos (como por exemplo sua postura
conservadora em relação à moral sexual, levando
os homossexuais a serem excluídos da sociedade italiana devido
à linha tradicionalista de João Paulo II, que definia
a homossexualidade como pecado mortal) e desastrosa em outros (como
foi o caso do controle de natalidade e da AIDS). O fato inconteste
e indiscutível é que a Igreja de João Paulo II
não acompanhou as transformações da sociedade
e acabou se fechando à realidade contemporânea, vivendo
em um mundo irreal, piegas e assincrônico. A própria
idéia de que tenha contribuído para a queda do Comunismo
no Leste Europeu parece não ser exata, pois é mais correto
avaliar esse engajamento como uma decorrência do ateísmo
comunista e não por causa da ideologia que dá suporte
a esse sistema. Por isso, pior do que estagnar, em diversos aspectos
a Igreja Católica retrocedeu, constatação consubstancializada
na perda de fiéis mundo afora. E as críticas ao estilo
de como João Paulo II conduziu a Igreja Católica nas
últimas duas décadas já começaram, ainda
que sua piedade e sua vontade de fazer o melhor sejam indiscutíveis.
Terceiro:
Eu não vou perder tempo com esta obviedade. Será
que alguém poderá avaliar um dia adequadamente a montanha
de dólares que foram gastos na semana-funeral de João
Paulo II? Gastos absurdos com segurança, mimos, passagens,
hospedagens, comitivas, traslado de religiosos, mídia etc.
O que se gastou com as 'solenidades vaticanas' solucionaria
muitos problemas de saúde, saneamento e educação
mundo afora. Mas, quem está (ou esteve) preocupado com isso?
O aparatoso e apoteótico funeral do Papa João Paulo
II – transformado em maior espetáculo da Terra –
foi mais importante. Mutatis mutandis, é como fabricar
bombas para invadir e arrasar países soberanos. No fundo, os
despossuídos são gente desprezável ou zés-povinhos.
Não para mim. Não para os Rosacruzes.
Quarto:
O Cardeal Negro. Tudo indica que
o crescimento da Igreja, neste novo milênio, se direcionará
principalmente para outros países fora da civilização
cristã ocidental: a miserável África e a esquecida
Ásia. Nesse contexto, tudo aponta (mas pode ser que isso não
se configure) para o Cardeal Negro como uma boa escolha para ser o
novo Papa. Mas, sendo a Igreja, como indubitavelmente é, profundamente
racista e discriminatória, discriminando negros e homossexuais,
além dos próprios pobres a que ela hipocritamente se
refere como sendo 'os que ela mais ampara', é possível
e muito provável que o o cardeal nigeriano Francis Arinze,
Prefeito da Congregação para o Culto Divino, seja simplesmente
'vetado' pelos curiais purpurados. — É nosso
irmão, mas é negro, e negro não pode ser papa.
Pode ser cardeal, mas não papa. Nunca torci tanto para
estar equivocado e ver consagrado Francis Arinze como a Glória
da Oliveira. De qualquer forma, não custa nada guardar este
nome, já que Arinze é considerado um forte candidato
na lista dos papabiles, dada, principalmente, à airosidade
com que articuladamente transita no círculo fechado, inóspito
e conspiratório da Cúria Romana.
|
Francis
Arinze
Cardeal nigeriano, líder da Igreja na
África, amigo próximo de João Paulo II,
considerado um conservador, mas um interlocutor crucial para
melhorar o diálogo do Vaticano com grupos muçulmanos,
budistas e hindus, principalmente nos países pobres.
Negro, filho de um chefe tribal, nasceu em 1º de Novembro
de 1932. |
Quinto:
Máquina. A Igreja (Católica Apostólica
Romana), desde a época de Constantino, é a maior máquina
de dominação das massas já montada na face da
Terra para atender aos interesses dos donos do Poder Temporal. Os
filmes Monsenhor e o terceiro episódio de O Poderoso
Chefão, por exenplo, mostram isso com uma clareza meridiana.
E há quem afirme que a morte de João Paulo I foi uma
terrível conspiração, orquestrada porque ele
queria 'dar um jeito' nas finanças do Vaticano. O
último adeus a João Paulo II prestado pelos donos do
Poder Temporal passa, assim, a ter um significado diferente. Por outro
lado, a Praça de São Pedro simbolizou naqueles dias
o último refúgio contra a guerra e o terror, devido
à atuação pacificadora de João Paulo II.
Na realidade, aquele circo não foi, nada mais nada menos, do
que uma soberba demonstração de força e coesão.
Ora, não pode haver ninguém que acredite que os poderosos
viajaram milhares de quilômetros para saudar o corpo de um papa
por uma questão meramente espiritual (ainda que equivocada
e medieval). Acho mesmo que quem lá não fosse ficaria
mal visto e poderia ser 'suspenso' do Clube. Ninguém
se arriscou. Estavam todos lá.
EPÍLOGO
Em
um dado momento das exéquias do Papa João Paulo II,
que, conforme relatei, asisti pela TV, fiquei um pouco emocionado.
Senti pena dele (quando vivo) por seu sofrimento exibido com dignidade
e grandeza, ressalvadas as limitações e os equívocos,
e pena do mundo pelos abissais desencontros. Não pude deixar
de concordar com as reflexões de um Irmão Querido: uma
coisa é o Papa João Paulo II como pessoa, lutando pela
Paz; e outra o ocupante do Trono de Pedro conduzindo uma gigantesca
e complexa Organização repleta de contradições.
Parei, e muito rapidamente, em 30 minutos, emocionado, escrevi e montei
o HALLELUIAH.
Se disser que não chorei, estaria mentindo. Chorei muito, como
estou chorando agora. Mas não posso deixar que as lágrimas
da emoção turvem minha visão mística dos
fatos nesse palco de infindáveis Iniciações que
é a Terra. Então, tenho a dizer: Estejamos sempre atentos
para que não se perca a LLUZ
de vista.
Rio
de Janeiro, 11 de Abril de 2005.