JESUS E O PAPA
(Considerações Sobre o Grande Funeral)

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

Música de fundo: Exulta
Fonte:
http://members.kabsi.at/pinguin/max/kknf.htm

 

ATENÇÃO

 

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PROLEGÔMENOS
por
Um Illuminatus que deseja se manter em silêncio

 

Quando se compara o relato histórico do fim terreno de Jesus de Nazaré com o do Papa João Paulo II uma questão se nos afigura de imediato: Como e porquê um fato tão discreto e humilde como o sepultamento do Mestre Essênio (Jesus) foi resultar, três mil anos depois, no faustoso funeral papal – que mais lembra o sepultamento de um faraó com seus três esquifes e adendos ritualísticos colocados no segundo (o de zinco)? Quem juntou líderes mundiais antagônicos na Praça de São Pedro para o último adeus a um Homem da Paz? O Espírito Santo ou o Governo Oculto do Mundo (o cerne do Poder Temporal, que representa o Príncipe deste Mundo, o Demônio)? Bem, a Praça de São Pedro afigurava-se a todos como o último refúgio contra a guerra e o terror devido à atuação pacificadora de João Paulo II. Eles estavam praticamente todos ali, governantes com interesses opostos, representantes de nações em conflitos, diante daquele corpo inerte, usado por alguém que, durante 26 anos seguidos, só falou em paz, em união e em harmonia entre os povos. Pela primeira vez um dirigente da reencarnação do Império Romano, os Estados Unidos da América, foi ao Vaticano reverenciar um Papa. O presidente da França, que não quer religião se intrometendo no Estado, também estava lá. E também os presidente do Iran e de Israel. A multidão clamava "Santo subito!" pedindo que João Paulo II fosse canonizado imediatamente. Se ser santo é irradiar a santidade mesmo sendo dotado de um corpo com os defeitos naturais, Karol Wotjyla deveria ter sido canonizado em vida. Mas, para a Igreja parece que para alguém ter sua santidade reconhecida deverá primeiro morrer e só depois ser canonizado; ou seja: ninguém consegue ser santo estando vivo, porque o corpo é pecaminoso – com a morte este já pode ser reverenciado e a alma está dele liberta para ser santificada, se for o caso. João Paulo II é uma figura excepcional que merece todas as homenagens, e sua antropologia crística mostra que quem caminha para o Cristo Nele encontra a sua identidade. Mas é óbvio que interessa A TODOS os governos de nações encher a bola da Igreja para depois poder manipular isso, e mesmo os protestantes aproveitaram essa chance, como se viu no faustoso funeral, um dos maiores espetáculos da Terra. Não é à-toa que o ritual de Exéquias (quando do transporte do corpo do Papa) é feito ao cântico do Salmo 50 (Miserere mei, Deus...) – provavelmente uma das maiores peças de masoquismo já produzidas pela mente humana (veja-se só: "...Ecce enim in iniquitate generatus sum,/et in peccato concepit me mater mea. ..."). Contudo, por paradoxal que possa parecer, essa Igreja movida pela idéia do gigantismo, manipulando o masoquismo, massacrada por numerosas mazelas, e deteriorada por fora, está íntegra no seu cerne, sendo a fiel guardiã da verdadeira Doutrina do Cristo, segundo afirma em sua terceira projeção na Terra o Mestre Apis, Hierofante da Ordo Svmmvm Bonvm. E esse mérito, ao que parece, cabe às suas ordens monásticas cenobíticas, que aparentemente se mostram imunes à corrupção. João Paulo II introduziu uma inovação que permite a escolha de um Papa fora do âmbito cardinalício, desde que seja alguém de reconhecida santidade, um simples padre, um diácono.... um humilde monge. Mas é onde me pergunto: e isso será colocado em prática?

 


 

INTRODUÇÃO

 

O que é um Papa? O nome Papa foi dado originariamente a todos os bispos da Igreja Católica. Com o passar do tempo, esta nobilitação foi reservada ao Bispo de Roma, que é também o Patriarca do Ocidente e Primaz da Itália, ou seja, o supremo dirigente da Igreja Católica – o Sumo Pontífice, o Santo Padre. Ele é também o soberano temporal e o guia espiritual da Igreja. Seu domínio é o Vaticano. Nessa qualidade, tem à sua disposição um corpo diplomático, já que o Vaticano é uma Cidade-Estado. Dentre os ornamentos que lhe são reservados, distinguem-se a tiara (que simboliza o poder do Papa) e o anel do Pescador (referência histórica a São Pedro). Seu principal colaborador é o Secretário de Estado, cargo de confiança semelhante em atribuições ao de Ministro das Relações Exteriores. Das organizações visíveis do tempo do Império Romano, o Papado é a única que se mantém intata até a contemporaneidade. Nos primeiros tempos, a escolha do Papa era feita pelo povo de Roma e depois ratificada pelo clero romano. Na história do Papado, a Instituição sofreu distintos e sérios revezes em diversos níveis, mas, hoje, no que concerne à escolha do sucessor do Papa falecido, esta é feita por um Colégio de Cardeais formado por 119 cardeais de várias nacionalidades com menos de 80 anos. O processo de escolha por votação - chamado de Conclave - é secreto e a portas fechadas, e é inaugurado, mais ou menos, 15 a 20 dias após a morte do Papa. As votações têm início e continuam até que um candidato receba mais de dois terços dos votos. Se a escolha não se efetivar depois de 30 escrutínios, os cardeais estão autorizados a encerrar o processo, sendo o novo Papa escolhido por maioria simples, isto é, metade dos votos mais um. Para esta eleição (2005), se isto vier a acontecer, o Papa poderá ser eleito com um mínimo de 60 (sessenta) votos, o que será péssimo para a Igreja e para o Catolicismo. Particularmente, não acredito que isso ocorrerá.

Para a escolha do sucessor de João Paulo II, o Colégio dos Cardeais está composto por 119 cardeais ao invés de 120 – conforme foi afirmado um pouco mais acima – isto porque o cardeal polonês Henryk Gulbinowicz reconheceu ter modificado sua idade de nascimento. Um livro publicado anualmente pelo Vaticano informa que o cardeal Gulbinowicz nasceu em 17 de Outubro de 1923, data distinta da que ele havia anunciado anteriormente, estando, hoje, o Cardeal com 82 anos incompletos. Este fato se deve a uma correção na data do aniversário do Cardeal feita pelo Conselho dos Comandantes do Exército Polonês, em 1942, quando a região de Vilnius (capital da Lituânia) foi ocupada pelos alemães, para evitar que ele fosse mandado como força de trabalho para a Alemanha. Assim, como cardeais com mais de 80 anos são inelegíveis em votações para escolha de Papas, Gulbinowicz, de acordo com o Direito Canônico, está impedido de participar do Conclave. Contudo, é necessário assinalar que o cardeal Gulbinowicz informou a Karol Wojtyla este fato antes de sua eleição e de se tornar Papa, e justificou que o fato era comum na Polônia durante a 2ª Grande Guerra, devido ao qual muitos jovens escaparam de ser enviados para os campos de concentração do Terceiro Reich.

O primeiro Papa foi Pedro, que reinou de 0 à 67 d.C. Nasceu em Betsaida, na Galiléia, onde trabalhava como pescador com o pai e o irmão, quando Jesus o encontrou em Cafarnaum e lhe assegurou que se tornaria pescador de homens. Em Cesaréia, segundo a Vulgata – nome da tradução dos textos bíblicos para o latim, a partir de seus idiomas originais( hebraico, grego e aramaico) – que possuo há anos, Jesus lhe disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus, e tudo que ligares na Terra será ligado também nos céus, e tudo que desatares sobre a Terra será desatado também nos céus. (Mt. 16, 18 e 19). No final da vida, São Pedro foi preso e martirizado durante a perseguição que o Imperador Nero impôs aos cristãos, após o incêncio de Roma, ocorrido no ano 64 dC., e ordenado pelo próprio Nero, que, para tentar abafar os boatos que circulavam sobre sua pessoa, acusou e entregou às torturas mais deprimentes e humanamente inconcebíveis uma comunidade detestada pelos romanos por seu comportamento, e que o poviléu denominava de cristãos. Assim, em 29 de Junho de 67, Pedro foi condenado à pena de crucifixão no Coliseu, e, a seu pedido, foi crucificado com a cabeça para baixo, pois não se achava digno de ser morto como seu Mestre. Isto, depois do 'Quo Vadis, Domine?' e de mais um arrependimento ao ouvir a criança dizer que estava indo para Roma para ser martirizada com as suas ovelhas que haviam sido abandonadas. A criança, na tradição católica, era Jesus – o Cristo. O túmulo de São Pedro, segundo o Catolicismo, está situado sob a Basílica de São Pedro, no Vaticano.

 

Crucificação de São Pedro - Michelangelo

 

São Pedro
São Pedro
António Francisco Lisboa
– o Aleijadinho
João Paulo II

 

UMA PERIGOSA DIALÉTICA

 

Até João Paulo II, que chefiou a Igreja de 1978 a 2005, 264 Papas ocuparam o trono de Pedro. Quem será o 266º Papa? Segundo São Malaquias, o novo Papa será De Gloria Olivæ (A Glória da Oliveira) e deverá ser um conciliador. Coincidentemente, as Profecias de um beneditino – o Monge de Pádua – que foram publicadas em Veneza pela primeira vez em 1527 sob o título De Magnis Tribulationibus et Statu Ecclesiæ, prevêem que este novo Papa será um semeador de paz e de esperança. Mas, haverá mesmo, no futuro, como previu São Malaquias, um Petrus Romanus? E acontecerá o que confirma o Monge de Pádua? Disse ele: Na suprema desolação do mundo, reinará Pedro Romano — último Pontífice do Deus verdadeiro! Roma criminosa será destruída e o juiz tremendo julgará triunfante todos os povos. Honestamente, acho isso apocalíptico demais. Para mim, a interpretação é outra.

Mas, o que importa refletir um pouco é sobre os descaminhos que trilhou a Igreja Católica nestes últimos dois milênios. Sem forçar a mão, eu recordo todas as perseguições a não-católicos, as discriminações multifacetadas, os apoios hipotéticos e tendenciosos a reis, imperadores, déspotas e chefes de Estado, a intolerância contra o pensamento científico e filosófico, as apócopes e ocultações do sagrado, a visão retrógrada e niilista relativamente às diversas contemporaneidades, as conspirações vaticanas, as concordatas interesseiras, as sustentações dogmáticas obscurantes, as adulterações macabras e as supressões inaceitáveis interpostas ao primitivo Cristianismo, as múltiplas manipulações das consciências – isto, para mim, o mais grave – etc. Então, já deixo uma pergunta para reflexão: Os interesses da(s) Igreja(s) globalizada(s) representam – se em alguma época chegaram mesmo a representar – os objetivos traçados pelo Mestre Jesus? Para que esta reflexão possa ser frutificativa, deverá ser isenta. Para ser isenta, não poderá estar apoiada em conceitos religiosos. E, para que alguém possa refletir (ou meditar) desagrilhoado de todo e qualquer dogma, será necessário que o pesquisador do Sagrado não aceite a priori que o que é difundido no âmbito do Catolicismo seja certo e indiscutível, ou que a presumida verdade seja aceita sem nenhum questionamento. Bem, estou convicto de que quem assim proceder encontrará respostas em seu coração que serão mais do que esclarecedoras — serão realmente iluminadoras. A etapa subseqüente é saber o que fazer com o resultado dessas especulações. Não encorajo aos fracos de espírito que procedam à essa dialética, pois poderá ser desastrosa.

Em decorrência disso e considerando, apenas para efeito especulativo, a história, a vida e os ensinamentos de Jesus transmitidos pela própria Igreja como autênticos, aquela definição de Papa que discuti no início deste ensaio está, no mínimo, incompleta. Ou, a coisa foi de tal maneira torcida e temporalizada que, hoje, é praticamente impossível desatar o nó em que se meteu o Catolicismo purpurado. Preliminarmente, vou levantar apenas dois absurdos: o celibato e a proibição do uso de camisinha. Esses dois diplomas só conduzem, como sempre conduziram, pelo menos a quatro monstros: padres sexualmente desesperados e mentalmente adoentados, as alucinadoras práticas masturbatórias, múltiplas doenças venéreas e abortos. Satisfação de apetites sexuais + aborto = assassinato. O contrapeso desses absurdos são a pedofilia (e outras aberrações sexuais pouco divulgadas) e o embrutecimento do eu. Curiosa e hipocritamente, a Igreja condena veementemente os homossexuais – homossexualismo só no próprio âmbito interno da Igreja, por trás das cortinas e nos cantos escuros; condena a camisinha – mas nunca comentou o incontável número de abortos que foram praticados no perímetro dos conventos; impõe o celibato – mais por uma questão econômico-financeira do que propriamente por algum tipo de princípio espiritual (que não tem o menor sentido ou valor se for impositivo); surripia informações – porque admite que só os 'altos' dignitários podem ter acesso privilegiado à essas informações etc. Tristemente, basta olhar a forma como se comporta a maioria daqueles que receberam as ordens sacerdotais que ninguém poderá se sentir confortável e muito menos seguro ou confiante, e não se precisará fazer nenhum esforço para se concluir que há uma permanente desarmonia em tudo que esses religiosos fazem e em tudo que dizem. Em duas palavras: não convencem. As contradições são tão flagrantes que só o medo do inferno e o temor de Deus podem manter unido o que, em essência e nas entranhas, está há muitos séculos desunido. E a Igreja Católica está de tal forma contaminada que os bons padres e os poucos santos que à ela continuam vinculados nada podem fazer. Os que tentam pôr em execução alguma idéia progressista, ou são excluídos, ou se excluem por conta própria porque não conseguem suportar as pressões. Continuam padres, porque uma vez padre, padre para sempre. Mas só que afastados (fora) do Ministério, isto é, não podem ministrar os sacramentos. Podem recebê-los, mas não podem dá-los. Isso é muito triste e, ao mesmo tempo, é angustiante e pavoroso. Pode ser que eu vá cometer um exagero com o que vou deixar gravado, mas penso que a Igreja Católica é, de longe, a Instituição mais autoritária sobre a Terra. Então, que se medite profundamente e não se confunda Catolicismo com Cristianismo.

A simplicidade, o desapego, a humildade, a renúncia e o nada desejar do Cristianismo primevo foram substituídos pelo luxo, pela pompa, pela prepotência, pela ostentação e pela mentira do Catolicismo. No mínimo. Reexaminando a História, eu pergunto: há termo de comparação entre, por exemplo, a santa vida de São Francisco, e a exibição de luxo do Vaticano e das diversas cúrias espalhadas pelo mundo? Há termo de comparação entre as convicções de Santa Joana D'Arc e a esquizofrenia assassina do dominicano Tomás de Torquemada, que, em 1483, foi nomeado Inquisidor Mor para todos os territórios de Fernando e Isabel, e mandou torturar e matar um número incontável de 'hereges'? Há termo de comparação entre o pontificado de João XXIII e, por exemplo, o do Papa Sixto IV, que nomeou Torquemada? Este ato de Sixto IV foi mais do que uma imprudência político-religiosa – foi uma carta branca para que fossem executados assassinatos em massa. E foram. Em massa. E ainda: é possível comparar Jacques De Molay com o Papa Clemente V, assecla de Filipe IV, o Belo? Pelo que se pode observar da História, as contradições são duplas: intra e extra corpus. Isto é: no âmbito da própria Igreja e entre ela e a sociedade.

Enfim, eu acho que a maioria dos religiosos modernos e contemporâneos não leu a Imitação de Cristo de Tomás Kempis. Se esses senhores leram, ou esqueceram, ou não entenderam, ou, ainda, jogaram o livrinho no lixo para não terem que olhar para ele. Acho que, pelo menos, não custa nada pesquisar e dar uma espiada no Capítulo I desta obra ímpar. Não sou eu que digo, mas Kempis que ensina que devemos nos esforçar para moldar nEle (em Jesus) nossa própria vida. Amontoar riquezas, ambicionar honras, desejar viver muito e descuidar viver bem e para o Bem, preocupar-se só com a vida presente e não prever e se importar com a vida futura (que, na realidade, formam uma unidade), amar e cultuar o passageiro em detrimento do que é eterno são simples exemplos de vaidade e de ignorância consentida apontadas por Kempis. Enfim, resumindo todo o pensamento de Tomás Kempis, penso mesmo e concordo com este Santo que devemos desapegar nosso coração do amor às coisas visíveis – porque são ilusórias – para transportá-lo ao Plano da Atemporalidade e da Inespacialidade, porque os que se deixam levar pela sensualidade pessoal e pelo que a vida oferece a cada instante mancham a consciência e comprometem a desejada reintegração consciente na Consciência Cósmica.

 

 

AS EXÉQUIAS DE JOÃO PAULO II
E
A CONTEMPORANEIDADE

 

Nesta última parte, vou tecer uns breves comentários a respeito da 'festa vaticana' em honra ao cadáver do digníssimo Papa Peregrino do Bem e da Paz – Joannes Paulus II, e algumas contradições Igreja Católica versus contemporaneidade. A primeira coisa que me ocorre é se ele gostaria e aprovaria que seu funeral sucedesse daquela forma espalhafatosa – a 'celebração vaticano-político-internacional'. Eu me dei à pachorra de assistir às exéquias pela TV. Foi a coisa mais monumental que vi em homenagem a um corpo sem vida. Sem exagero, acho que foi o maior funeral da história contemporânea. De passgem recordo que o Mahatma Gandhi – que permanecerá para sempre como símbolo da resistência pela via da não-violência – depois de ter sido assassinado por um hindu, teve seu corpo cremado e suas cinzas lançadas nas águas do Rio Jumna. No século passado, impressionou a todos nós o funeral do Aiatolá Khomeini, e, na Antigüidade, apenas os Faraós receberam homengens semelhantes.

 

Mahatma Gandhi
Mahatma Gandhi

 

Roma foi invadida nos últimos dias por milhões fiéis vindos de todas as partes do mundo e por chefes de Estado e de Governo nas últimas horas (comentarei mais abaixo a respeito dos milhões de dólares que foram gastos nesse exagero). As autoridades romanas chegaram a afirmar que a população da Cidade dobrou, não havendo acomodações suficientes para todos os peregrinos! Nessas horas me vem à cabeça o poder da mídia, que, também, no caso, por exemplo, da 1ª Guerra do Golfo, mostrava em tempo real a pirotecnia colorida dos bombardeios, mas ocultava a dor, os esfacelamentos e o sofrimento deles decorrentes. Já a inumação de Jesus, se se considerar o que ensina a Bíblia (que eu não aceito sob alegação alguma), foi a mais simples e a menos divulgada da história (na época em que é dita que sucedeu, segundo a Bíblia, que, repito, entendo de maneira diversa). Mas, o que é divulgado é que, praticamente, apenas dois homens retiraram Jesus do madeiro e o levaram para o jazigo de propriedade de José de Arimatéia: o próprio José de Arimatéia – que era discípulo de Jesus, mas veladamente, porque não podia enfrentar abertamente os judeus – e Nicodemos.

Por outro lado, apresento o seguinte tema para reflexão: como é possível explicar a permanência, até os dias que correm, da força da mensagem de Jesus e de sua própria personalidade, já que viveu em uma época em que os meios de comunicação praticamente se resumiam à transmissão oral e com todo o Império Romano contra a Boa Nova? Em adição, pergunto: passada a euforia da morte e do velório de João Paulo II, quanto tempo durarão no consciente coletivo sua imagem, sua simpatia, seus discursos e sua via crucis? A mídia globalizada – que Jesus não teve à sua disposição, e que, em acréscimo, segundo os relatos históricos, não deixou documento algum escrito relativamente ao seu pensamento e/ou à sua doutrina – será capaz de manter acesa esta chama? É bom lembrar que Pio XII foi esquecido, de João XXIII ninguém fala e João Paulo I – o Papa sorriso – ninguém sabe mais quem foi. E Zaratustra ninguém sabe se se escreve com S ou com Z. Também não se fala mais igualmente de Lady DI, de Tancredo Neves ou de Nat Cole. Curioso, mas explicável: fala-se do Dezoito (A. H.), mas não se fala de Benito Mussolini! Enfim, eleito o novo Papa, o povo, psicológica e sublimadamente, meteorizará para este novo Sumo Pontífice suas esperanças e dedicação afetiva? Honestamente penso que sim, mas teremos que aguardar o anúncio do novo Papa e o efeito entrópico-corrosivo do tempo para saber realmente o que irá acontecer. Ainda: quem se recorda do último mega tsunami que matou cerca de 300.000 pessoas e desabrigou 5.000.000 de almas? O Big Brother, os últimos capítulos das novelas e o futebol se incumbirão de auxiliar em todos esses inexoráveis esquecimentos. Rei morto, rei posto — acho que é isto que sucederá. Mas, o que é certo e inquestionável é que, pelo menos até este ano de 2005, a Mensagem de Jesus não foi apagada. Pode ter sido deturpada (e até inventada em muitos aspectos), mas deletada não foi. Um pouco de marketing? Talvez!

Annuntio vobis gaudium magnum! Habemus Papam...

 

 

 

Quais seriam, examinando essa 'festança vaticana', as conseqüências de toda aquela pompa – a pompa do velório-enterro de João Paulo II? Tantas que, para dissertar sobre todas, eu acho que teria que usar, no mínimo, 1 megabyte para expor integralmente minhas idéias. Vou tentar ser o mais sintético possível.

Primeiro: O que é a vida? Tenho dito em diversos textos que acredito firmemente que a vida é um reflexo da Vida – a Eterna Vida. Nenhum de nós, em princípio, deveria morrer (ou passar pela transição como preferem dizer os Rosacruzes) de maneira dolorosa ou sofrida, como passou o Bom Papa João Paulo II. A dor e o sofrimento que antecedem a morte podem ter diversas explicações. Para este caso específico, eu vou ficar com a possibilidade de harmonização ou de conformização' (voluntária e/ou involuntária) com uma parcela das misérias do Mundo. Isto não significa que João Paulo II sofreu por nós ou que tenha nos liberado de nossas cargas. Não é isso e ninguém pode fazer isso. Esse tipo de acontecimento sucede com determinadas pessoas (e penso que tenha sido isso que ocorreu com este Papa), porque acho que elas acabam adquirindo durante a vida uma extrema capacidade de se harmonizar e de se envolver com a dor do Mundo (de todos os seres e do próprio Planeta – que também é um ser vivo), e manifestam fisicamente essa dor, isso desembocando em uma desagregação progressiva do harmonium do indivíduo. Isto é um processo místico muito particular e é inteiramente diferente, por exemplo, de uma cirrose alcoólica, que é acompanhada freqüentemente de necrose hepatocelular, oriunda da grande e sistemática quantidade de álcool ingerido.

O Papa não quis renunciar. Quis agüentar o rojão até o fim. Acho esse gesto mais do que louvável. Só os ratos abandonam o barco que está naufragando. Mas o que não posso aceitar é a exploração que se fez da doença desse pobre Papa. Agora, a Santa Sé está com um baita abacaxi para descascar: aonde vão encontrar um papa que esteja à altura (visual e carismática – verdadeira fascinação exercida João Paulo II sobre a confraria católica) do papa falecido? Penso que simplesmente não vão encontrar. Acho que tudo isso, na verdade, oculta uma angústia taciturna e um silêncio ensurdecedor.

Segundo: Quais são as possíveis formas de governo? Desde a mais remota Antigüidade – passando pela Idade Média, pelo Renascimento e pela contemporaneidade – os filósofos se debruçaram sobre essa matéria, e foram apresentadas diversas propostas que, no fundo, se assemelham. O que é certo e incontestável é que o governo de um só tende a se tornar uma tirania retrogressiva. Basta revisitar mentalmente o século XX que os exemplos se contam às centenas. Esta descambação, geralmente, só não sucede nas Fraternidades Iniciáticas, porque, ainda que a direção suprema seja exercida por um Hierofante, por um Imperator ou por um Grande Mestre, no fundo o sistema é semelhante a uma Aristocracia Filosófica, isto é, há um Colegiado de Místicos que dá sustentação permanente a esse supremo dirigente. (Isto, na realidade, é mais complexo, mas a primeira linha de ação – a fase objetiva – é essa que resumidamente expus.).

Assim, por mais espiritualizado e bom que seja um indivíduo (homem ou mulher), se ele não for um Místico (com assessoramento de Místicos), a instituição que dirige acabará por se tornar uma imagem mais ou menos deturpada de suas idéias e dos conceitos dogmático-autoritários em que acredita e faz valer, mais as pressões de todos os lados e as contemporizações obrigatórias com os múltiplos interesses das quais não pode escapar. É precipuamente isto que acontece (como sempre aconteceu) com a Igreja Católica — a reboque, inclusive, do ultrapassado e autoritário Direito Canônico que lhe dá sustentação e validação. Não há, realmente, o 'mais mínimo' aroma de Democracia no âmbito do Catolicismo.

E Democracia mesmo – real e efetiva – não existe em parte alguma do Planeta, e não poderá existir jamais, simplesmente porque, em uma análise superficial, maioria não significa (nem poderá significar) totalidade, consenso e adequação, e esta maioria é manipulada e dominada eficaz e eficientemente por uma minoria, esta sim, que dá as ordens e costura as necessárias safadezas para se manter 'democraticamente' ad perpetuam rei memoriam no poder (pois poder não se negocia e ninguém larga o poder por vontade própria). Tudo isto (o circo dos horrores) sem que, de maneira geral, ninguém saiba ou perceba o que acontece nos bastidores do Governo Oculto do Mundo — o cerne do Poder Temporal, que representa o Príncipe deste Mundo, o Demônio e sua Legião-Caterva de Subordinados criados pelo conjunto de sentimentos de malvadez, egoísmo, vaidade, prepotência, dominação e mais trocentos desvios conscientes da LLUZ. Karol Wojtyla, ainda que Bom e Peregrino da Paz, de certa forma sofreu as injunções destas misérias, porque a autoridade autoritária que lhe foi concedida (como é concedida a todo e qualquer Papa) impediu que sentisse em toda a sua plenitude as urgências da contemporaneidade, aliado ao fato histórico que, sabidamente, nunca conheceu de perto como funciona uma Democracia (presentemente o melhor sistema político, ainda que eivado de máculas), levando a Igreja a conviver com uma uma política interna descompassada em alguns aspectos (como por exemplo sua postura conservadora em relação à moral sexual, levando os homossexuais a serem excluídos da sociedade italiana devido à linha tradicionalista de João Paulo II, que definia a homossexualidade como pecado mortal) e desastrosa em outros (como foi o caso do controle de natalidade e da AIDS). O fato inconteste e indiscutível é que a Igreja de João Paulo II não acompanhou as transformações da sociedade e acabou se fechando à realidade contemporânea, vivendo em um mundo irreal, piegas e assincrônico. A própria idéia de que tenha contribuído para a queda do Comunismo no Leste Europeu parece não ser exata, pois é mais correto avaliar esse engajamento como uma decorrência do ateísmo comunista e não por causa da ideologia que dá suporte a esse sistema. Por isso, pior do que estagnar, em diversos aspectos a Igreja Católica retrocedeu, constatação consubstancializada na perda de fiéis mundo afora. E as críticas ao estilo de como João Paulo II conduziu a Igreja Católica nas últimas duas décadas já começaram, ainda que sua piedade e sua vontade de fazer o melhor sejam indiscutíveis.

Terceiro: Eu não vou perder tempo com esta obviedade. Será que alguém poderá avaliar um dia adequadamente a montanha de dólares que foram gastos na semana-funeral de João Paulo II? Gastos absurdos com segurança, mimos, passagens, hospedagens, comitivas, traslado de religiosos, mídia etc. O que se gastou com as 'solenidades vaticanas' solucionaria muitos problemas de saúde, saneamento e educação mundo afora. Mas, quem está (ou esteve) preocupado com isso? O aparatoso e apoteótico funeral do Papa João Paulo II – transformado em maior espetáculo da Terra – foi mais importante. Mutatis mutandis, é como fabricar bombas para invadir e arrasar países soberanos. No fundo, os despossuídos são gente desprezável ou zés-povinhos. Não para mim. Não para os Rosacruzes.

Quarto: O Cardeal Negro. Tudo indica que o crescimento da Igreja, neste novo milênio, se direcionará principalmente para outros países fora da civilização cristã ocidental: a miserável África e a esquecida Ásia. Nesse contexto, tudo aponta (mas pode ser que isso não se configure) para o Cardeal Negro como uma boa escolha para ser o novo Papa. Mas, sendo a Igreja, como indubitavelmente é, profundamente racista e discriminatória, discriminando negros e homossexuais, além dos próprios pobres a que ela hipocritamente se refere como sendo 'os que ela mais ampara', é possível e muito provável que o o cardeal nigeriano Francis Arinze, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, seja simplesmente 'vetado' pelos curiais purpurados. — É nosso irmão, mas é negro, e negro não pode ser papa. Pode ser cardeal, mas não papa. Nunca torci tanto para estar equivocado e ver consagrado Francis Arinze como a Glória da Oliveira. De qualquer forma, não custa nada guardar este nome, já que Arinze é considerado um forte candidato na lista dos papabiles, dada, principalmente, à airosidade com que articuladamente transita no círculo fechado, inóspito e conspiratório da Cúria Romana.

 

Francis Arinze
Francis Arinze
Cardeal nigeriano, líder da Igreja na África, amigo próximo de João Paulo II, considerado um conservador, mas um interlocutor crucial para melhorar o diálogo do Vaticano com grupos muçulmanos, budistas e hindus, principalmente nos países pobres. Negro, filho de um chefe tribal, nasceu em 1º de Novembro de 1932.

 

Quinto: Máquina. A Igreja (Católica Apostólica Romana), desde a época de Constantino, é a maior máquina de dominação das massas já montada na face da Terra para atender aos interesses dos donos do Poder Temporal. Os filmes Monsenhor e o terceiro episódio de O Poderoso Chefão, por exenplo, mostram isso com uma clareza meridiana. E há quem afirme que a morte de João Paulo I foi uma terrível conspiração, orquestrada porque ele queria 'dar um jeito' nas finanças do Vaticano. O último adeus a João Paulo II prestado pelos donos do Poder Temporal passa, assim, a ter um significado diferente. Por outro lado, a Praça de São Pedro simbolizou naqueles dias o último refúgio contra a guerra e o terror, devido à atuação pacificadora de João Paulo II. Na realidade, aquele circo não foi, nada mais nada menos, do que uma soberba demonstração de força e coesão. Ora, não pode haver ninguém que acredite que os poderosos viajaram milhares de quilômetros para saudar o corpo de um papa por uma questão meramente espiritual (ainda que equivocada e medieval). Acho mesmo que quem lá não fosse ficaria mal visto e poderia ser 'suspenso' do Clube. Ninguém se arriscou. Estavam todos lá.

 

EPÍLOGO

 

Em um dado momento das exéquias do Papa João Paulo II, que, conforme relatei, asisti pela TV, fiquei um pouco emocionado. Senti pena dele (quando vivo) por seu sofrimento exibido com dignidade e grandeza, ressalvadas as limitações e os equívocos, e pena do mundo pelos abissais desencontros. Não pude deixar de concordar com as reflexões de um Irmão Querido: uma coisa é o Papa João Paulo II como pessoa, lutando pela Paz; e outra o ocupante do Trono de Pedro conduzindo uma gigantesca e complexa Organização repleta de contradições. Parei, e muito rapidamente, em 30 minutos, emocionado, escrevi e montei o HALLELUIAH. Se disser que não chorei, estaria mentindo. Chorei muito, como estou chorando agora. Mas não posso deixar que as lágrimas da emoção turvem minha visão mística dos fatos nesse palco de infindáveis Iniciações que é a Terra. Então, tenho a dizer: Estejamos sempre atentos para que não se perca a LLUZ de vista.

Rio de Janeiro, 11 de Abril de 2005.