JOÃO UBALDO RIBEIRO – Reflexões

 

 

 

João Ubaldo

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Este estudo é uma coletânea de reflexões do escritor, jornalista, roteirista e professor brasileiro João Ubaldo Ribeiro, recentemente falecido. Sei lá, mas, vai ver que ele está lá no céu batendo o maior papo com Rubem Alves e Ariano Suassuna. Acho que você irá gostar deste textinho.

 

 

 

Nota Biográfica

 

 

 

João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro (Itaparica, 23 de janeiro de 1941 – Rio de Janeiro, 18 de julho de 2014) foi um escritor, jornalista, roteirista e professor brasileiro, formado em Direito (com mestrado em Ciência Política na University of Southern California) e 7° ocupante da cadeira número 34 da Academia Brasileira de Letras – eleito em 7 de outubro de 1993, na sucessão de Carlos Castello Branco e recebido em 8 de junho de 1994 pelo Acadêmico Eduardo Portella – que alegrou a todos com seus contos, personagens e seu humor refinado e irônico. Foi ganhador do Prêmio Camões de 2008, maior premiação para autores de língua portuguesa. João Ubaldo teve algumas obras adaptadas para a televisão e para o cinema, além de ter sido distinguido em outros países, como a Alemanha. É autor de romances como Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos, que causou polêmica e ficou proibido em alguns estabelecimentos, e Viva o Povo Brasileiro, tendo sido, este último, destacado como samba-enredo pelo Grêmio Recreativo Escola de Samba Educativa Império da Tijuca, no Carnaval de 1987. Era pai do ator e apresentador Bento Ribeiro.

 

Prêmios e distinções:

– Prêmio Golfinho de Ouro, do Estado do Rio de Janeiro, conferido, em 1971, pelo romance Sargento Getúlio.
– Dois prêmios Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1972 e 1984, respectivamente para o Melhor Autor e Melhor Romance do Ano, pelo romances Sargento Getúlio e Viva o Povo Brasileiro.
– Prêmio Altamente Recomendável - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil,1983, para Vida e Paixão de Pandonar, o Cruel.
– Prêmio Anna Seghers, em 1996 (Mogúncia, Alemanha).
– Prêmio Die Blaue Brillenschlange (Zurique, Suíça).
– Detém a cátedra de Poetik Dozentur na Universidade de Tubigem, Alemanha (1996).
– Prêmio Lifetime Achievement Award, em 2006.
– Prêmio Camões, em 2008.

 

 

 

Reflexões de João Ubaldo

 

 

 

Sou realista. Eu não creio mais no futuro da Humanidade como espécie. As evidências estão começando a se acumular. Furacão no Brasil, ciclone, esse tempo que está fazendo, o derretimento das calotas polares. A Humanidade é uma espécie estúpida que se mata desde as cavernas. Só que, agora, com técnicas mais eficientes. Não acredito na sobrevivência da Humanidade, por conseqüência, não acredito na sobrevivência do Brasil.1

 

Não tenho experiência de suruba. Sou de outra época. Lamentavelmente, nunca fui um surubista. Acho que, hoje, o sexo murchou. Mas, sou suspeito para falar; estou praticamente aposentado.

 

 

 

Jogar ovos, tomates e tortas na cara de autoridades e pomposos variados é comportamento relativamente comum nas Democracias mais consolidadas, com exceção da americana, onde o pessoal prefere dar tiro mesmo.

 

Ao término de um longo e caro tratamento dentário: Gastei um poço de petróleo por dente.

 


Pré-defunto Chato e Reacionário
(Autobiografia

 


Já é lugar-comum se dizer que o indivíduo jovem é imortal. Sim, quando jovens somos imortais. Posso até postular que a juventude acaba no momento em que constatamos que somos mortais. Não acontece a todos à mesma altura da vida, e há, talvez, exceções, embora escassas. Vão sucedendo mortes na família e em famílias próximas, desaparecem contemporâneos notáveis com quem nunca tivemos convivência pessoal, mas que, de certa forma, marcaram sua época de uma maneira que os livros de História não costumam refletir, morrem amigos e, um belo dia, olhamos em torno e compreendemos que estamos condenados ao grande momento de solidão – que é a morte.

Os que mais temo são velhotes insuportáveis, desses que batem recordes olímpicos aos 87 anos, fazem olhos em raparigas (no Brasil, eu escreveria "moças", mas, como este é um jornal português, escrevo "raparigas" – falta de caráter, claro, mas, pelo menos tenho a hombridade de denunciar minha própria vilania) de 22 anos, e quebram pilhas de tijolos com cutiladas de mão. É o estilo "a idade está na cabeça" e "o importante é a qualidade de vida", postura execrável em todas as suas manifestações, desde as dentaduras esplendorosas que ostentam às entrevistas gabolas que dão na tevê, sob os olhares reverentes dos circunstantes, que invariavelmente pensam se tratar de algo "muito bonito", ato tão imprescindível quanto qualificar qualquer jantar que não consista num prego com água sem borbulhas de "opíparo" (almoço lauto).

Não posso, embora me assalte grande vontade, examinar os outros tipos da rica galeria daqueles que no Brasil são chamados de coroas, ou seja, velhotes, sob algum ponto de vista. Encomendaram-me uma autobiografia, e devo me ater à encomenda. No ensaio que escreveria sobre os que já se sabem mortais, os autobiógrafos teriam certamente lugar especial, pois, de modo geral, eram chatos em vida e, não satisfeitos em atanazar o semelhante durante toda a existência, persistem depois de mortos. Claro, há exceções, mas, não vou citar autobiografia nenhuma, nem das muitas que detesto nem das poucas de que gosto.

Os romancistas que se autobiografam são duplamente imputáveis, porque, por vias tortas que ninguém entende, escrever romances é falar de si mesmo. Mais comumente dá-se por vias indiretas, de modo que, atrapalhado pelos enredos, descrições e diálogos que seu disfarce o obriga a usar, sobra pouco espaço para o romancista falar um pouco mais de si mesmo, de maneira que ele escreve novos romances, e todos, se bem esgravatados, revelarão a mesma história básica. Mas, isto não é suficiente para os que fazem autobiografias; eles querem falar de si mesmos encarapitados em seus jazigos, e nem a morte os silencia. Diversos, pelo menos aqui no Brasil, usam médiuns e continuam a falar, embora não se possa dizer que a qualidade do que dizem melhora com a passagem para o além. Algo de muito traumático terão sido os trespasses, porque invariavelmente dão para escrever mal.


Mas, quem sou eu para discutir tão altas questões? Passemos à minha autobiografia.

Nasci na Ilha de Itaparica, Baía de Todos os Santos, Estado da Bahia, Brasil, em 23 de janeiro de 1941. Meu pai e minha mãe se conheceram na Faculdade de Direito da Bahia, onde também acabei por me formar. Embora não seja advogado, por ter terror a cartórios, escrivães, procuradores, juízes e assemelhados, sou bacharel em Direito. Nasci de dez meses e fui extraído a fórceps. Meu pai era filho do português João Ribeiro e da brasileira Amália.

Minha mãe era filha do coronel (não do exército ou da polícia, mas, coronel do interior mesmo, no uso dos brasileiros rurais para designar o mandachuva) Ubaldo Osório Pimentel e de Larentina (Iaiá Pequena ou Dona Pequena).

Meu pai começou a carreira como juiz, no interior de Sergipe. Era cultíssimo e letradíssimo, muito eloqüente e de excelente memória. Tinha fixação doentia em mim, e nos demos mal praticamente a vida toda, embora nunca tenhamos sido inimigos. Apenas ele me aporrinhava ao extremo e eu certamente a ele. Quando ele morreu, não senti nada. Era um homem sábio, pois, sustentou até a morte que eu não sabia escrever e era um fracassado que só acertava a fazer (?)lhos e, assim mesmo, também mal. Não tenho saudade dele, apesar de ser grato pela formação que me deu, me obrigando a estudar.

De minha mãe não falo nada. Ainda é viva, e não poderá ler e, com certeza, entender o que escrevo aqui. Teve uma sucessão de pequenos acidentes vasculares no cérebro, e hoje vive condenada à cama de hospital, que lhe instalaram em casa. Quando a visito, geralmente parece me reconhecer, mas, temo que me confunda com meu pai ou meu irmão mais moço. Meu pai já morreu e a confusão com ele não agrada, e meu irmão nunca vai vê-la, de maneira que me inquieta um pouco essa possibilidade. Ela balbucia algumas palavras de vez em quando e ninguém sabe o que lhe vai na mente.

Comecei a escrever desde cedo. Morávamos em casarões imensos, na década de 40, e eles eram cheios de livros. Desde pequeno, me interessei por esses livros, e uma de minhas primeiras lembranças era pegá-los, não para lê-los, porque não sabia, mas para ver-lhe as estampas e, principalmente, para cheirá-los. Conservo este hábito até hoje, e cheguei a ler livros não tanto por seu conteúdo, mas pelo seu cheiro. Aprecio muito dicionários velhos, que me parecem ter um odor exclusivo. Sou capaz de ficar cheirando livros durante horas, com breves intervalos para uma leiturazinha de alguns minutos.

Leio dicionários também e faço jogos comigo mesmo. Se o dicionário é de uma língua estrangeira, com que não tenha muita familiaridade, procuro uma palavra, e se, no verbete correspondente, achar outra palavra que também desconheça, vou a essa, e assim sucessivamente.

Já varei madrugadas fazendo isso, porque há inúmeras variantes desse jogo, que tenho preguiça de contar agora.

Aprendi a ler em um só dia e passei a ler famelicamente desde então. Mas, faz cerca de 20 anos, dei para ler os mesmos livros sempre, às vezes, as mesmas páginas, meses a fio. Não tenho mais paciência com nada novo e acho que preciso aprender sempre, e ainda muito, com os meus clássicos, notadamente Homero (Ilíada, sou homem de Ilíada), Rabelais, Lewis Carroll, Shakespeare, Jorge de Lima, Damon Runyon (isso mesmo, ignorância de quem nunca ouviu falar), Mark Twain, Poe, Monteiro Lobato (obra infantil), Padre Manuel Bernardes, Gregório de Matos e uns pouco mais. Agora não estou lendo nada, porque estou escrevendo um livro e, no máximo, por necessidade, leio jornais, para encontrar assunto para minhas crônicas. Se ler durante a escrita, tendo a mimetizar o texto que estou lendo. Além do mais, um bom soneto, às vezes, me abastece um mês inteiro ou mais. Aconteceu poucas vezes, mas, aconteceu.

Eu já escrevia desde que aprendi a ler, mas, no que imagino ter acontecido a todos os colegas, não sabia que ia virar escritor. Meu pai, sem me consultar, me pôs na redação de um jornal, e fui repórter, redator e, bem depois, diretor de redação. Por causa do jornal e da Faculdade de Direito, me envolvi com literatos e intelectuais. Sempre fui o retardado da turma, o mais abestalhado, o último a publicar e o que não arranjava mulher. Tentavam arranjá-las para mim, mas, elas não queriam. Depois, a situação mudou e tive um certo sucesso, mas, que nunca apagou os traumas anteriores.

Vivi em Sergipe, na Bahia, em Iowa City, em Los Angeles, em Lisboa e em Berlim. Tenho horror a ser estrangeiro, mesmo em Portugal, país do meu coração, onde tenho dois ou três amigos que considero parentes, e sempre sentirei falta do Zé Cardoso Pires e do Fernando Assis Pacheco.

Os portugueses, em geral, não gostam mais dos brasileiros; me tratam mal em ruas e lojas. Então, prefiro ficar na minha sala, escrevendo. [Comigo, se deu exatamente o contrário. Quando estive em Portugal, fui muitíssimo bem tratado. Chegaram a se dirigir a mim como Senhor Professor Doutor... Sabe lá o que é isso?]

Virei escritor porque não sei fazer outra coisa. Deverei morrer, se tudo correr bem, dentro de no máximo uns 20 anos. Antes disso, serei, como talvez já tenha ficado, um pré-defunto chato e reacionário, de difícil convivência e rarefeita civilidade.

 

 

O fato é que, nas vizinhanças de um poleiro d'almas, o que ocorre é nada, nada por todos os lados, uma infinitude de nada inimaginável em toda a sua inextensão. Nada e mais nada e mais nada e mais nada ali se vai aglomerando, até o ponto em que se acumula tanto nada que ele se transmuta num nada crítico, e, desta maneira, surge algo desse nada. Não mais é, essa repentina não-forma do nada, que uma almazinha nova, inexperiente e inocente como todas as criaturas muito jovens, por isso mesmo sujeita a grande número de percalços, pois, a única coisa que sabe é que deve ir para o Poleiro das Almas, empoleirar-se com as outras e esperar a hora em que terá de encarnar para aprender.

 

Cm a obrigação, o sujeito vai lá, tapa o nariz e vota, seja o que Deus quiser.

 

Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo.

 

Faço tudo que me dá na cabeça; não quero saber de limitações. Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer.

 

Em tese, somos capazes de nos apaixonar por tantas pessoas quantas sejamos capazes de lembrar, o limite é este, não um ou dois, três ou quatro, cinco ou dezessete. Todos esses números são arbitrários, tirânicos e opressores.2

 

Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu 'puxar' a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos.

 

Nem licor de bombom eu bebo mais!

 

Baiano não nasce, estréia.

 

Nenhuma língua é pronunciada exatamente como se escreve. A língua escrita é uma tentativa, quase sempre imperfeita, de transcrever a língua falada.

 

Eu escrevo com a liberdade que as palavras merecem.

 

 

 

O Verbo For

 

 

 

 

 

 

Vestibular de verdade era no meu tempo. Já estou chegando ou já cheguei à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas. Acho inadmissível e mesmo chocante (no sentido antigo) um coroa não ser reacionário. Somos uma força histórica de grande valor. Se não agíssemos com o vigor necessário – evidentemente o condizente com a nossa condição provecta – tudo sairia fora de controle, mais do que já está. O vestibular, é claro, jamais voltará ao que era outrora e talvez até desapareça, mas, julgo necessário falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo às minhas coevas (ao dicionário outra vez; domingo, dia de exercício).

O vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: português, latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito tão ruybarbosianamente quanto possível, com citações decoradas, preferivelmente. Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida, dos quais até hoje sei o comecinho.

Havia provas escritas e orais. A escrita já dava nervosismo; da oral muitos nunca se recuperaram inteiramente, pela vida afora. Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e partia-se para o martírio, insuperável por qualquer esporte radical desta juventude de hoje. A oral de latim era particularmente espetacular, porque se juntava uma multidão, para assistir à performance do saudoso mestre de Direito Romano Evandro Baltazar de Silveira. Franzino, sempre de colete e olhar vulpino (dicionário, dicionário), o mestre não perdoava. [Eu fui ao dicionário, como recomendou João Ubaldo, e aprendi que vulpino é o mesmo que raposino; hábil com ardis, astuto, raposeiro, traiçoeiro.]

Traduza aí 'Quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra' — dizia ele ao entanguido vestibulando.

'Catilina, quanta paciência tens?' — retrucava o infeliz.

Era o bastante para o mestre se levantar, pôr as mãos sobre o estômago, olhar para a platéia como quem pede solidariedade e dar uma carreirinha em direção à porta da sala.

'Ai, minha barriga!' — exclamava ele. — 'Deus, oh Deus, que fiz eu para ouvir tamanha asnice? Que pecados cometi, que ofensas Vos dirigi? Salvai essa alma de alimária. Senhor meu Pai!' [A tradução correta da frase ciceriana é: Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?]

Pode-se imaginar o resto do exame. Um amigo meu, que por sinal passou, chegou a enfiar, sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando o mestre sentiu duas dores de barriga seguidas, na sua prova oral. Comigo, a coisa foi um pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele me deu seis, nota do mais alto coturno em seu elenco.

O maior público das provas orais era o que já havia ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo "dar um show". Eu dei show de português e inglês. O de português até que foi moleza, em certo sentido. O professor José Lima, de pé e tomando um cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras aladas:

Dou-lhe dez, se o senhor me disser qual é o sujeito da primeira oração do Hino Nacional!

'As margens plácidas' — respondi instantaneamente e o mestre quase deixa cair a xícara.

'Por que não é indeterminado, ouviram etc.'?

'Porque o "as" de "as margens plácidas" não é craseado. Quem ouviu foram as margens plácidas. É uma anástrofe [inversão da ordem natural entre duas palavras dentro de um mesmo constituinte ou sintagma (por exemplo: seu olhar de ira cheio por seu olhar cheio de ira)], entre as muitas que existem no hino. "Nem teme quem te adora a própria morte": sujeito: "quem te adora." Se pusermos na ordem direta...

'Chega!' — berrou ele. — 'Dez! Vá para a glória! A Bahia será sempre a Bahia!'

 

 

 

 

Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse mal sabia ler, mas, não perdia a pose. Não acertou a responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser" quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.

'Esse "for" aí, que verbo é esse?'

Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois, ajeitou as abotoaduras, e me encarou sorridente.

Verbo for.

'Verbo o quê?'

Verbo for.

'Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo'.

Eu fonho, tu fões, ele fõe — recitou ele, impávido. — 'Nós fomos, vós fondes, eles fõem.'

Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando, e, hoje, há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe. [Ora, Ubaldo, mas, quem, na vida, uma vez, pelo menos, não fôs? Eu mesmo já fus algumas! Hoje, ando fondo um pouco menos.]

 

 

 

 

 

Eu não suporto que me olhem, que fiquem atrás de mim quando eu estou escrevendo, quanto mais vendo minha digitação. Deus me livre!

 

A coisa mais isolada que as pessoas costumam fazer, me parece ser, ou pelo menos uma delas, é o ato sexual.

 

A interpretação de texto mete medo nas crianças. As pessoas odeiam os livros. No meu tempo, já se fazia isso: você era criado para odiar os clássicos. Era criado para odiar. E muita gente ainda odeia.3

 

Nós somos caudatários [palavra que designa "indivíduos servis", como os que levantam a cauda das vestes de autoridades (normalmente eclesiásticas)] da cultura dominante, que é basicamente a cultura norte-americana e seus afluentes. Nós não somos nem afluentes; nós somos um efluente. [Trocadilho para dizer que os brasileiros não são nem seguidores menores de uma linha dominante estrangeira (como afluentes), mas, sim, dejetos ou restos desses dominantes (efluentes)].

 

Desde Aristófanes [(445 – 385 a.C), dramaturgo grego tido como o maior representante da Comédia Antiga, escreveu peças carregadas de sátiras e críticas a grandes momentos da história, como a Guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta, e temas diversos, como educação, filosofia, política e sociedade] e desde Ésquilo [(525 – 456 a.C.), poeta da Grécia Antiga considerado o criador da tragédia, cuja obra destaca o sofrimento, narra as sagas dos deuses e dos mitos, como em Prometeu Acorrentado], desde a dramaturgia... desde antes da grafia que se escreve por encomenda.

 

Quando eu escrevo, eu penso na adequação da formulação que eu faça à situação que eu esteja descrevendo ou narrando, e penso na propriedade das palavras que eu estou empregando. É só o que eu penso.4

 

Eu acho que é possível incutir o prazer da leitura nas pessoas. Se cerveja fosse vendida em farmácias, ninguém bebia. Eu nunca me "cervejeei", não. Eu me "uisquiei".

 

Acho que escrever de porre seja absolutamente impossível. Quer dizer, possível, fisicamente, é. Mas, só sai porcaria. Na minha experiência. Eu já escrevi de porre pouquíssimas vezes, porque acabei desistindo logo quando vi o resultado. É... A ponto de chorar de emoção com a beleza e a grandeza literária do texto que eu estava fazendo, para no dia seguinte, descobrir que se tratava de um delírio de bêbado, uma besteirada completamente asnática.

 

 

 

Acho que livro é livro, e filme é filme. Não há comparação.

 

Sou realista.A política da Academia [Brasileira de Letras] é mais complicada do que política florentina. A Academia Brasileira de Letras deve se honrar com a presença de Ivo Pitanguy.

 

Considero o Presidente Fernando Henrique um sociólogo medíocre. Eu sou do campo. Eu sou... eu fui professor de ciência política, li os livros dele, e você não tem nos livros dele nenhuma contribuição significativa para o pensamento sociológico brasileiro. É um sociólogo medíocre. O Modelo Político Brasileiro, de Fernando Henrique Cardoso, é um livro ruim. Mas, não me considero o dono da verdade em relação a ele.

 

Eu tenho fama de bonachão, alegrão, não sei o quê. Na realidade, eu tenho um temperamento melancólico. Na verdade, sou um sujeito de temperamento melancólico. Não sou um sujeito alegre, assim. Mas, tenho essa contradição na minha conduta; as pessoas pensam que eu sou a alma da festa. Na realidade...

 

Pessoalmente, me dou muito bem com o Antônio Carlos Magalhães. Mas, sempre fui adversário político dele. Nas poucas vezes que nós nos vemos, ele me chama de "ilustre representante da esquerda democrática".

 

Eu não tenho mais tesão para certas coisas.5

 

Mais broxa, porém, feliz.

 

Eu não tenho mais tesão para certas coisas. Certas coisas... Agora, tenho a ambição sim, de fazer uma obra que pelo menos reflita a minha condição de concidadão preocupado com o meu país e, de modo genérico, com o meu semelhante. Aí já falo na condição de concidadão do mundo. Eu quero... queria botar um tijolinho, ou meio tijolinho, ou uma pedrinha portuguesa, ou um grão de areia no edifício da compreensão e do engrandecimento humano. Somente isso.

 

Bebida não é tratamento para nada.

 

Ser famoso não dificulta criar. Dificulta você existir. Porque o número de chatos que começa a encher sua vida é uma coisa inimaginável. Às vezes, é difícil, para mim, entrar num lugar público. A minha casa, em Itaparica, virou, uma época, uma espécie de ponto turístico. Lá em Itaparica, teve gente que já brigou comigo porque eu não era o que ela pensava que eu era. Houve até uma senhora que brigou comigo, logo depois que eu entrei na Academia [Brasileira de Letras], porque eu estava com sandália de dedo, e imortal não pode usar sandália de dedo! Isto tudo não é o preço da fama; é o imposto da fama.

 

Eu acho que o futebol brasileiro está acabando. O Brasil não tem mais terreno baldio; nossa juventude de classe média virou juventude de 'playground.' Não temos mais a bola de meia, o campinho da pelada, o terreno baldio ou a própria rua. Não somos mais os reis do futebol, não existe mais isso, acabou-se. É uma fase histórica.

 

Não me considero um homem de letras. Encaro com enorme tédio essa tal de Literatura.

 

Não estou preocupado em conhecer os novos autores, esses que vão surgindo agora. Já li muito no passado, está bom.6

 

Quanto mais coroa fico, mais vou sentindo frio.

 

Um romance são tantos romances quantos forem seus leitores.

 

Duvido muito que um sujeito leia um livro cheio de 'hiperlinks'. Não acredito na praticidade dessa mecânica do computador.

 

Sobre receber o Prêmio Camões: Para ser sincero, não acho nada demais. Acho que eu o ganhei porque mereço.

 

Só falta agora alguém dizer que os batedores de carteira franceses são melhores do que os batedores de carteira brasileiros. É a velha fracassomania.

 

Uma das características da esquerda é, e sempre foi, a de acreditar que o homem é perfectível, que pode ser aperfeiçoado. Que o homem não é ruim por natureza, que é possível que socialmente ele possa viver de maneira harmônica, estável. A direita, por sua vez, é ruim mesmo. Faz com que o homem só pense em si, defenda seu interesse, por mais mesquinho que seja, acima de qualquer outra coisa. Esta é a verdadeira lei do mundo: primeiro o meu, o resto que se dane.

 

Não sou muito otimista quanto à Humanidade. Somos uma especiezinha muito criticável. Somos todos uma contradição imensa. Nossa ruindade animalesca prevalece, apesar da racionalidade.

 

Enquanto estamos aqui convivendo pacificamente, agora, tem alguém estrangulando alguém. Vivemos fazendo esse tipo de coisa e não aprendemos nada. No curso na história humana, continuamos a repetir as mesmas atrocidades, muitas delas de maneira mais refinada.

 

Nós, até hoje é meio deprimente constatar isso – nos comportamos muito mais como súditos do que como cidadãos.

 

Eu sou uma pessoa totalmente destituída de rabo preso. Nunca roubei ninguém, não tenho antecedentes criminais, nunca fui dedo-duro. É difícil desencavar em meu passado algo mais grave do que ter enganado uma namorada, e assim mesmo muito eventualmente.

 

Nós vivemos em um ambiente de lassitude moral que se estende a todas as camadas da sociedade. Esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou, pelo menos, de comportamento pouco recomendável.

 

Eu vejo essa idéia das cotas escolares com profunda desconfiança e muito desagrado. Em minha opinião, ela representa um esforço para dividir este País, pela primeira vez, em linhas raciais.

 

Não chego ao ponto de dizer que a alegria da velhice é poder peidar em público, mas, é algo deste jaez, talvez menos escatológico.7

 

Com o advento do computador e a facilidade de mexer no texto à vontade, a gente acaba fazendo mais mudanças do que deveria.

 

Nós aprendemos a ser apáticos, dominados e a ter pouco senso de comunidade, ou seja, pouco senso de interesse coletivo. Nós temos uma formação que eu não sei de que buraco saiu, não tenho vontade de fazer grandes análises, mas, temos uma tradição, até hoje presente, com pequenas variações, aqui e ali, de individualismo.

 

O computador deixa o inteligente mais burro, porém, não deixa o burro mais inteligente.

 

Freios são necessários para nosso equilíbrio.

 

Descrevo a masturbação feminina em alguns dos meus livros. Mas, não sou eu ali masturbando todas elas. Só tem um dedo meu.

 

Não se lê porque não se gosta de ler, mas, porque dá trabalho. Ler é chato porque a pessoa não aprendeu a ler. Ela aprendeu a ficar na frente da TV, onde tudo é fornecido.

 

Tenho certeza de que, se preciso, consigo escrever em primeira pessoa o relato de um parto normal. Já me perguntaram como eu consegui escrever um relacionamento homossexual [no livro O Sorriso do Lagarto]. Brinco dizendo que treinei com os amigos.

 

Não tenho nada contra as festas; tenho contra minha participação nelas.

 

Como se algum político, com exceção de meia dúzia de três ou quatro, representasse alguém, a não ser a si mesmo, a família e os aderentes!

 

O problema está em nós. Nós, o povo.

 

Quem não morre fica velho [ou vira múmia].

 

 

 

Se não entendo tudo, devo ficar contente com o que entendo. E entendo que vejo estas árvores e que tenho direito à minha língua, e que posso olhar nos olhos dos estranhos e dizer: não me desculpe por não gostar do que você gosta; não me olhe de cima para baixo; não me envergonhe de minha fala; não diga que minha fala é melhor do que a sua; não diga que eu sou bonito, porque sua mulher nunca ia ter casado comigo; não seja bom comigo, não me faça favor; seja homem, filho-da-puta, e reconheça que não deve comer o que eu não como, em vez de me falar concordâncias e me passar a mão pela cabeça; assim poderei matar você melhor, como você me mata há tantos anos.

 

O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias.

 

 

 

Dois Pequenos Pensamentos


Nessa semana em que se iniciou o nosso bem-elaboradíssimo racionamento, tive, coisa rara, dois pensamentos. O primeiro é uma sugestão; o segundo é uma reflexão. A sugestão vai ser levada na brincadeira, mas, a estou fazendo a sério. Tenho a certeza de que não será aceita, por preconceito, vaidade e outros fatores. Mas, alimento a esperança de que alguma comunidade a adote, porque traria inúmeros benefícios para o esforço nacional de poupar energia, além de punir com o frio todos nós, criminosos energéticos, que, há relativamente pouco tempo, éramos exortados a usar energia elétrica, “a nossa energia”, como dizia o comercial de tevê.

A sugestão é a seguinte: seguir o exemplo da moça que protestou em Brasília, desfilando sem roupa. É isso mesmo, todo mundo nu.

 

 

 

 

A primeira vantagem é que tornaríamos o protesto fácil e dos poucos que, vista a nossa História recente, seríamos capazes de fazer, porque brigar mesmo nem pensar. E retornaríamos às nossa origens, eis que não só os índios andam nus como grande parte dos nativos de nações negras que foram trazidos à força para o Brasil, e hoje são ancestrais da maioria mestiça de nosso povo, também andava nua ou quase nua. Não sei fazer as contas, mas, a economia de energia gerada por isso seria enorme, pois não se gastaria mais com máquinas de lavar, nem com ferros de passar roupa. Bem verdade que a indústria de roupas sofreria um baque, mas, baque todos nós já sofremos. O abominável movimento, denominado “Volta ao Tanque!”, solertemente dirigido às mulheres brasileiras e já circulando em botecos, perderia seu ímpeto. E a estranheza seria só no começo, depois todo mundo se acostumaria. Até os assaltos seriam dificultados, porque o assaltante não iria ter como esconder seu revólver.

E já pensaram, nestes tempos em que o dólar dobrou de valor e, conseqüentemente, o que ganhamos foi cortado pela metade (eu sei que o Governo prova sempre que não há inflação, mas, todo mundo sabe que o que o Governo diz não se escreve e nem o que o Homem escreveu vale mais, segundo ele próprio), na receita turística que isso ia gerar? Praticamente o mundo todo baixaria aqui, para visitar o País de gente nua. Os hotéis iam ter 100% de ocupação o ano todo e o setor de serviços certamente se ampliaria, em áreas de que mal ouso suspeitar, mas, imagino, por exemplo, que pintadores de corpo apareceriam em todas as cidades, oferecendo seus serviços a quem quisesse ornamentar suas formas, até mesmo para disfarçar uma imperfeiçãozinha aqui, outra acolá.

Sim, a indústria de roupas sofreria um baque, mas, seria a cota de sacrifício que estaria pagando, como todos nós. Fico pensando, por exemplo, em quem faz refeições congeladas, que depois são descongeladas em fornos de microondas.

Não havendo mais como usar freezers sem sofrer cortes depois de um mês, nem sendo aconselhável o emprego do microondas, pelo seu alto consumo de energia, essas pessoas já passaram a não ter como sobreviver. E as incontáveis empresas de fundo de quintal, de doceiras e quituteiras a pequenas oficinas? E as padarias de forno elétrico? E o desemprego geral nas indústrias eletroeletrônicas? Ontem mesmo me contaram que fábricas de chuveiros elétricos já botaram multidões de funcionários no olho da rua, pois, só maluco compraria um chuveiro elétrico neste momento. Não concebo quem possa não estar sendo prejudicado com o racionamento, a começar, como já falei aqui outro dia, por mim mesmo, que vou ter, provavelmente, de racionar o uso do computador, ou fazer visitas traiçoeiras a casas de amigos, para sorrateiramente carregar a bateria de meu surrado laptop. Todo mundo nu, todo mundo nu para protestar, até porque vivemos sob uma ditadura branda, que usa medidas provisórias como quem faz pipoca, o que equivale aos decretos-leis da época do Estado Novo.

E o outro pensamento? Sim, este tem pouco a ver com andarmos nus, embora, se viéssemos a fazê-lo, talvez, a imagem que me vem à mente se tornasse mais eloqüente. A imagem é particularmente vívida na Cidade do Rio de Janeiro, que é cercada de morros, na maioria habitada por favelados. É fato conhecido que muitos favelados usam “gatos” para a obtenção de energia elétrica (embora alguns ricos também apelem para este recurso, e ninguém saiba ao certo qual o consumo de energia através de “gatos”). Eu quero ver quem é que vai subir os morros para desligar os “gatos”. Em certos morros, até as autoridades mais altas pedem licença para subir, aos detentores do poder local. A Light teria de organizar esquadrões suicidas para fazer o serviço, e não creio que fosse encontrar muitos voluntários entre seus técnicos. Quem é que vai fazer o serviço? Ninguém, a não ser um general louco, obedecendo a ordens de um Governo também louco, que mandasse primeiro a Força Aérea bombardear os morros, depois atacá-los com artilharia pesada e mísseis, para ir fazer a ocupação na base da metralha – e não há, graças a Deus, esses loucos. Portanto, os morros e a chamada periferia vão continuar iluminados.

O resultado é que, cada vez mais, a cidade dos não-favelados fica às escuras, com letreiros, vitrinas e janelas sem luz, com a conseqüência de que, no caso do Rio, teremos um verdadeiro buraco negro, rodeado pela feérica iluminação das favelas. Embaixo, encurralados no escuro (e nus, protestando com a eficácia que essa atitude teria, em lugar de outras, que não coincidem com a nossa tradição de povo cordial), os ricos e a classe média, com medo de tudo. Em cima, os excluídos, desfrutando de algo que sempre lhes foi negado pela situação econômica. Fomos nós, coletivamente, que construímos esse cenário de tão pouca gente com muito e tanta gente com pouco. É o resultado de séculos de negligência, arrogância, corrupção, incompetência e imprevidência. Agora, quem pode pagar não tem, quem não pode tem. Se eu fosse místico, diria que, no racionamento orlado de luz, de cidades como o Rio e São Paulo, há uma metáfora das nossas condições sociais, e, talvez, Deus esteja querendo nos dizer alguma coisa.


 

Um país sem seus livros, suas canções, suas danças, seu cinema, suas pinturas e suas esculturas não é um país, é apenas um conglomerado de vizinhos malsatisfeitos.

 

Cada vez mais abusadas, algumas palavras perderam o sentido. Quase ninguém é capaz de fazer uma distinção teórica ou abstrata entre esquerda e direita políticas e, por exemplo, o ex-presidente Lula as emprega para lá e para cá, conforme a necessidade do momento. Ou seja, direita, assim como esquerda, é o que convém. Nega que seja de esquerda e em seguida vocifera contra manobras da direita, como se fosse um porta-voz da esquerda continental.8

 

A Política terminou por se tornar uma profissão, a profissão dos que se dedicam a influenciar, de diversas maneiras e em vários níveis, a condução da coletividade em que vivem, seja por iniciativa própria, seja representando outros interesses.9

 

O termo "Política", em qualquer de seus usos, na linguagem comum ou na linguagem dos especialistas e profissionais, refere-se ao exercício de alguma forma de poder e, naturalmente, às múltiplas conseqüências desse exercício. Toda maneira pela qual o poder é exercido se reveste de grande complexidade, às vezes, não aparente à primeira vista. Por exemplo, se o Governo decreta um novo imposto, esse ato não consiste numa decisão que "vai e não volta". Ao contrário, a criação de um novo imposto, cuja decretação constitui obviamente um ato de poder, ou seja, um ato político, é precedida, de forma variável, conforme o caso, por uma série de outros atos, em que tomam parte diversos detentores de alguma espécie de poder, tais como governantes, técnicos, assessores, grupos de interesse, indivíduos ou entidades influentes, e assim por diante. E também se desencadeia uma inter-relação entre a "fonte do poder" (a que criou e implantou o imposto) e os submetidos a esse poder (os que, direta ou indiretamente, são afetados pelo imposto). Basta pensar um pouco para ver como qualquer ato de poder é complexo e cheio de implicações. E é este o terreno da Política. Contudo, definir a Política apenas como algo relacionado ao poder não chega a ser satisfatório. Se pensarmos bem, veremos que a frase "a Política tem a ver com o exercício do poder" não quer dizer muita coisa, principalmente porque há inúmeras dificuldades para que se saiba o que é "poder". Nada impede, por exemplo, que se diga que o poder é um fluido mágico, como já se acreditou e ainda se acredita até hoje. Que significa "ter poder"? Não pode ser simplesmente estar investido em algum cargo, pois, acontece com freqüência que os ocupantes de um cargo qualquer se submetam à vontade de outras pessoas, não ocupantes de cargo algum – as chamadas "eminências pardas". Não basta, também, usar expressões como "carisma" ou "magnetismo" ou "poder do dinheiro", pois, isto tampouco explica muita coisa ou não explica nada. E, pior ainda, o poder só pode ser visto, sentido, avaliado, ao se exercer. Antes do momento em que se exerce, ele é somente uma conjectura, uma presunção, algo que se acha que vai acontecer. Para usar uma comparação fácil, a situação é como a que existe antes do jogo de um grande time de futebol com um clubezinho do interior. O time grande tem "poder" de sobra para vencer os desconhecidos obscuros da cidade pequena. Não obstante, pode ocorrer que, num jogo decisivo, o poderoso perca. Claro que não é uma coisa "normal", é uma exceção explicável de mil formas. Mas acontece da mesma maneira em situações equivalentes na vida social, na coletividade, na administração pública. A tarefa de procurar entender o que é realmente o poder deve ser deixada a cargo de gente como os filósofos e os teóricos, que têm por ocupação examinar a realidade para além dos interesses imediatos das pessoas. É uma tarefa muito importante, e é graças a ela que se pode escrever um livro como este. Entretanto, para quem está preocupado com problemas mais próximos, como nós, deve-se levar em conta que é inútil, em termos práticos, a curto prazo, discutir sobre o que é o poder, pois, este só se torna visível ao se manifestar. Ou seja, é em ação que se analisa o poder. É no processo, na inter-relação, não na elaboração intelectual abstrata. Estendendo a analogia futebolística, neste caso muito ilustrativa: só se sabe quem ganhou depois que o jogo acaba. Antes, tudo está sujeito a fatores, no mais das vezes, imprevisíveis. Assim, é também em tudo, o jogo disto que chamamos vagamente de "poder". Portanto, devemos procurar outros elementos que tornem nosso conceito de Política mais preciso. Os americanos, que são muito práticos, costumam dizer que "o poder é a capacidade de influenciar o comportamento das pessoas". Isto ainda não explica o que vem a ser o tal poder, pois apenas troca uma palavra por outra – ficamos no ar sobre o que seria essa "capacidade". Mas, ajuda a entender que, se a Política tem a ver com o poder, e se o poder visa a alterar o comportamento das pessoas, é evidente que o ato político possui dois aspectos que aparecem de pronto. Estes dois aspectos são: a) um interesse; e b) uma decisão. Raciocinemos da forma que se segue, esquecendo por enquanto que não sabemos o que é o poder ou resolvendo que não damos importância à questão: a) se alguém deseja influenciar ou modificar o comportamento das pessoas, esse alguém tem um interesse que deseja ver corporificado pela modificação pretendida, seja ele ditado por conveniências pessoais, de grupo, religiosas, morais etc.; e b) o objetivo configurado pelo interesse só pode ser conseguido por uma decisão que efetivamente venha a alterar o comportamento das pessoas, seja esta decisão imposta, seja consensual, seja de maioria etc. Podemos, assim, tornar mais confortável e manobrável nosso conceito de Política. A Política passa, neste caso, a ser entendida como um processo através do qual interesses são transformados em objetivos, e os objetivos são conduzidos à formulação e tomada de decisões efetivas, decisões que "vinguem". O termo "poder", é claro, continua a ter utilidade, mas, já sabemos que ele é enganoso e vago. O que interessa é o desenrolar do jogo, acompanhado de seu resultado. Em linguagem mais formal, o que interessa é o processo de formulação e de tomada de decisões. Para trocar em miúdos tudo isto, pode-se afirmar que a Política tem a ver com quem manda, porque manda e como manda. Afinal, mandar é decidir, é conseguir aquiescência, apoio ou até submissão. Não se trata, como já foi dito, de um processo simples. Pelo contrário, é muito intrincado e ninguém pode alegar compreendê-lo integralmente, apesar dos esforços dos estudiosos que há milhares de anos vêm tentando dissecá-lo, analisá-lo e categorizá-lo. Em toda sociedade, desde que o mundo é mundo, existem estruturas de mando. Alguém, de alguma forma, manda em outrem, normalmente uma minoria mandando na maioria. Este fato está no centro da coisa política. Agora temos condição de arrumar mais claramente nossas idéias. A Política fica, então, vista como o estudo e a prática da canalização de interesses com a finalidade de conseguir decisões. Isto já foi chamado de arte, com razão. Pois, a Política requer um talento especial de quem a pratica, uma sensibilidade especial, um jeito especial, uma vocação muito marcada. É, portanto, uma arte. Já foi chamado de ciência, o que também é verdade. Pois é possível sistematizar cientificamente o que se observa, e infere a respeito de como os homens se conduzem em relação ao poder. Não deixa de ser, por outro lado, um departamento da Filosofia, pois, haverá sempre lugar para indagações filosóficas como "por que alguém tem de mandar e alguém de obedecer", "o homem é mau ou será a vida em sociedade que o faz assim", "o homem precisa de um Governo forte ou não" e dezenas de outras, que podem parecer banais, mas, têm inarredável importância para o destino da Humanidade. A Política também é, naturalmente, uma profissão, pois, afinal, é por meio dela que nos governamos, que ordenamos nossa vida em coletividade. Nenhum homem pode assumir sua humanidade fora de uma estrutura social, ainda que mínima. E nenhuma estrutura social pode existir sem alguma forma de processo político. Assim, a Política terminou por se tornar uma profissão, a profissão dos que se dedicam a influenciar, de diversas maneiras e em vários níveis, a condução da coletividade em que vivem, seja por iniciativa própria, seja representando outros interesses. Enfim, a presença da Política em nossa existência desafia qualquer tentativa de enumeração. Porque tudo pode – e deve, a depender do caso – ser visto sob um ponto de vista político. É impossível que fujamos da Política. É possível, obviamente, que desliguemos a televisão, se nos aparecer algum político dizendo algo que não estamos interessados em ouvir. Isto, porém, não nos torna "apolíticos", como tanta gente gosta de falar. Torna-nos, sim, indiferentes e, em última análise, ajuda a que o homem que está na televisão consiga o que quer, já que não nos opomos a ele. O problema é que, por ignorância ou apatia, às vezes, pensamos que estamos sendo indiferentes, mas, na verdade, estamos fazendo o que nos convém. Vimos, então, que a Política se preocupa (nos diversos enfoques que pode ter, venha ela como arte ou ciência, teoria ou prática) com o encaminhamento de interesses para a formulação e tomada de decisões. Mas, esta seca afirmação abstrata, mesmo que bem compreendida, será suficiente para que tenhamos uma boa idéia do que é a Política?

 

Não podemos fazer muito quanto à extensão de nossa vida, mas, podemos fazer muito sobre a largura e a profundidade dela.

 

 

 

Quem se Abstém de Votar...

 

 

 

Quem se abstém de votar colabora

para que dominem os canalhocratas.

O ingênuo que foge de votar coopera

para o êxito-triunfo dos sacanocratas.

 

Não votar é abrir mão da cidadania.

Não votar é covardice insubstituível.

Não votar é basbaquice inexcedível.

 

 

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Pelo Voto —› Maioridade Política.

 

 

 

 


 

 

 

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Notas:

1. Todos podem acreditar no que quiser; todos podem ter a opinião que quiser. Então, eu tenho a minha: sou um realista consciente, mas, não sou pessimista lacrimoso. Não tenho tendência de ver e julgar as coisas pelo lado mais desfavorável nem ando por aí disposto a sempre esperar pelo pior. Pelo contrário: sou um otimista de plantão, vinte e quatro horas por dia. Eu creio no futuro do homem, no futuro da Humanidade como espécie e no futuro dos ETs. Ao longo da História, as evidências contra o otimismo sempre se acumularam. Basta consultá-la; mas, não devemos ceder aos apelos da destruição. A Humanidade não é propriamente uma espécie estúpida que se mata desde as cavernas; ela se mata desde muito antes das cavernas porque não compreendia e ainda não compreendeu que, se matando, está se suicidando. Ainda não realizou, in Corde, que somos todos um. Quando compreender esta simples coisinha, parará de se matar. Tecnologia por tecnologia de matar e esfolar, prefiro canhão e bomba do que empalamento e fogueira; é mais rápido e dói menos. O Brasil (como o resto do mundo) sobreviverá. No Universo, como nada veio, nada vem e nada virá do nada, nada poderá acabar em nada. A compreensão acabará suplantando a ignorância. A solidariedade acabará suplantando o egoísmo. A fraternidade acabará suplantando a matança e a exploração. Agora, protestar e reagir a tudo isto com violência, depredação e vandalismo só alimenta os demônios da discórdia e os irmãos da Oitava Esfera.

 

 


 

2. Eu não sei se todos os números são arbitrários, tirânicos e opressores. O que eu sei é que me casei quatro vezes.

3. Sei não, sei não. Eu li o Rubaiyat, do poeta, matemático e astrônomo persa Omar Khayyam, quando eu tinha mais ou menos 10 anos. E, mais ou menos por essa época, vi Morangos Silvestres, um premiado filme sueco de 1957, do gênero drama, escrito e dirigido por Ingmar Bergman. Não entendi necas de pitibiribas, nem do livro nem do filme, claro, mas, adorei os dois. A questão toda é (saber) estimular as crianças para que gostem de ler e de arte em geral. Ora, não há quem veja uma tela de Rembrandt ou de Manet, por exemplo, e não goste. Só se o cara for mirolho ou zarolho. Se for roncolho, não fará diferença, porque lá por baixo é tudo ceguinho. Enfim, como disse João Ubaldo, a arte é uma forma de conhecimento.

 

 

 

4. João Ubaldo tem razão. Não adianta nada escrever uma coisa para ninguém entender. Não digo que o texto deva ser comum, trivial, corriqueiro, mal-arrumado; mas, precisa ser inteligível, para que a idéia ou a mensagem não se dilua no vento do tempo. Viu só? Vento do tempo... Isto é inteligível e poético.

5. Viver é desenhar sem borracha. (Millôr Fernandes).

O tempo a-com-pas-sa;
o raio do tesão decresce.
A coisa toda vira passa;
a compreensão auroresce.
A cuca recorda... Repassa...
O delírio defervesce.
A alma já, então, lassa,

Um arrepio entrepassa...
E a morte revivesce!

...................................

Tempus Fugit! Carpe Diem! (Filosofia de vida de Rubem Alves, 1933 2014).

6. Eu, como, no bom sentido, sou um inconformado com a minha ignorância, não posso concordar com isto. Sei lá; quem sabe, de repente, aparece um novo Platão... Um novo Dante Alighieri... Um novo Raymond Bernard... Sei que (quase) tudo já foi dito e que (quase) tudo já foi escrito, mas, há formas e formas de se dizer e de se divulgar as coisas. Quem sabe, aparece por aí uma coisa já divulgada, mas, pintada e adornada de forma diferente. Pode ser! Eu mesmo digo sempre as mesmas coisas, mas, procuro pintá-las sempre de maneira diferente.

7. Esse negócio de peido me agrada muito e me comove profundamente. Como dizia o meu pai, os inimigos se expulsam de casa. Por isto, não vejo a menor diferença entre peidar em público ou peidar em particular. Acho até que peidar em particular, só para si mesmo, escondidinho, é uma forma pe(i)dante de egoísmo. Tudo deve ser dividido, inclusive os peidos. E, da mesma forma que inimigos são inimigos, peidos são peidos, e lugares... Bem, para peidar, qualquer lugar é lugar. Agora, se o peido for um peido-enganador, lascou-se! Para concluir, a mãe da minha mulher (que era uma verdadeira máquina a vapor ambulante) dizia que peidar é o prazer sexual dos velhos. Bem, esta nota foi uma das mais filosóficas que redigi em minha vida. É de fazer inveja até em Sócrates, que não tinha inveja de nada. Mas, tenho certeza, também peidava!

8. Essa coisa de esquerda e de direita sempre me horrorizou. Ora, sempre me considerei um cidadão do Universo, sem pátria, mas, nascido na Terra, no Brasil, no Rio de janeiro, na Casa de Saúde Sao Sebastião, no dia 5 de julho de 1946, em parte, por vontade própria, por necessidade evolutiva. E mais: desde quando o Universo tem esquerda, direita, para baixo e para cima? O Universo só tem uma coisa: o sempre ilimitado. Patriotada ideológica é sinônimo de fanfarronada ilógica.

9. Na Filosofia Aristotélica, a Política é a ciência que tem por objeto a felicidade humana, e se divide em Ética (que se preocupa com a felicidade individual do homem na pólis) e na Política propriamente dita (que se preocupa com a felicidade coletiva da pólis). O objetivo de Aristóteles, com sua Política, é justamente investigar as formas de Governo e as instituições capazes de assegurar uma vida feliz ao cidadão. Por isso mesmo, a Política se situa no âmbito das ciências práticas, ou seja, as ciências que buscam o conhecimento como meio para ação. Segundo Aristóteles: Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda ela se forma com vistas a algum bem (o bem comum), pois, todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a isto, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo, e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.jasperelings.info/3d-
animated-gif/spiderman-disney-starwars

http://iwanticewater.wordpress.com/
2012/05/13/your-mothers-day-chuckle/

http://www.netanimations.net/walking_people.htm

http://dapibge.blogspot.com.br/2010/07/
acorda-aposentado-e-pensionista-do-ibge.html

http://www1.folha.uol.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica_(Arist%C3%B3teles)

http://www.cartacapital.com.br/cultura/
joao-ubaldo-ribeiro-8699.html

http://webwritersbrasil.wordpress.com/

http://literaturaemcontagotas.wordpress.com/

http://www.ditados.com.br/autor.asp?autor
=Jo%E3o%20Ubaldo%20Ribeiro

http://www.mensagenscomamor.com/frases
-de-famosos/frases_joao_ubaldo_ribeiro.htm#!

http://www.quemdisse.com.br/frase.asp?frase=94490

http://condominiodeideias.blogspot.com.br/2014/
07/lembrancas-de-joao-ubaldo-ribeiro.html

http://www.recadox.com.br/frases/joao-ubaldo-ribeiro/

http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/524/
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http://animation.dinamobomb.net/1/38.htm

http://marievaenglishclasses.blogspot.com.br/
2014/03/practice-reading.html

https://pt-br.facebook.com/Frasestextos
EPoesias/posts/604151896269466

http://www.frasesmais.com/joao-ubaldo-ribeiro

http://kdfrases.com/autor/jo%C3%A3o-ubaldo-ribeiro

http://pensador.uol.com.br/
frases_de_joao_ubaldo_ribeiro/

http://pensador.uol.com.br/autor/joao_ubaldo_ribeiro/

http://www.academia.org.br/abl/cgi/
cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=702&sid=319

http://literalmente.blog.br/dossie-joao-ubaldo-ribeiro/

http://visao.sapo.pt/-a-autobiografia-de-
joao-ubaldo-ribeiro-1941-2014=f789880

http://www.motornews.com.br/concessionarias-sao-o-maior
-alvo-do-vandalismo-nas-manifestacoes-em-belo-horizonte/

http://pt.wikiquote.org/wiki/Jo%C3%A3o_Ubaldo_Ribeiro

 

Música de fundo:

O Que é Que a Baiana Tem?
Composição:
Dorival Caymmi
Interpretação: Ney Matogrosso

Fonte:

http://www.stafaband.info/

 

Direitos autorais:

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