Sou
realista. Eu não creio mais no futuro da Humanidade como espécie.
As evidências estão começando a se acumular. Furacão
no Brasil, ciclone, esse tempo que está fazendo, o derretimento das
calotas polares. A Humanidade é
uma espécie estúpida que se mata desde as cavernas.
Só que, agora, com técnicas mais eficientes. Não acredito
na sobrevivência da Humanidade, por conseqüência, não
acredito na sobrevivência do Brasil.1
Não
tenho experiência de suruba. Sou de outra época. Lamentavelmente,
nunca fui um surubista. Acho que, hoje, o sexo murchou. Mas, sou suspeito
para falar; estou praticamente aposentado.
Jogar
ovos, tomates e tortas na cara de autoridades e pomposos variados é
comportamento relativamente comum nas Democracias mais consolidadas, com
exceção da americana, onde o pessoal prefere dar tiro mesmo.
Ao
término de um longo e caro tratamento dentário:
Gastei um poço de petróleo por dente.
Pré-defunto
Chato e Reacionário
(Autobiografia
Já
é lugar-comum se dizer que o indivíduo jovem é
imortal. Sim, quando jovens somos imortais. Posso até postular
que a juventude acaba no momento em que constatamos que somos mortais.
Não acontece a todos à mesma altura da vida, e há,
talvez, exceções, embora escassas. Vão sucedendo
mortes na família e em famílias próximas, desaparecem
contemporâneos notáveis com quem nunca tivemos convivência
pessoal, mas que, de certa forma, marcaram sua época de uma
maneira que os livros de História não costumam refletir,
morrem amigos e, um belo dia, olhamos em torno e compreendemos que
estamos condenados ao grande momento de solidão – que
é a morte.
Os
que mais temo são velhotes insuportáveis, desses que
batem recordes olímpicos aos 87 anos, fazem olhos em raparigas
(no Brasil, eu escreveria "moças", mas, como este
é um jornal português, escrevo "raparigas"
– falta de caráter, claro, mas, pelo menos tenho a
hombridade de denunciar minha própria vilania) de 22 anos,
e quebram pilhas de tijolos com cutiladas de mão. É
o estilo "a idade está na cabeça" e "o
importante é a qualidade de vida", postura execrável
em todas as suas manifestações, desde as dentaduras
esplendorosas que ostentam às entrevistas gabolas que dão
na tevê, sob os olhares reverentes dos circunstantes, que
invariavelmente pensam se tratar de algo "muito bonito",
ato tão imprescindível quanto qualificar
qualquer jantar que não consista num prego com água
sem borbulhas de "opíparo" (almoço lauto).
Não
posso, embora me assalte grande vontade, examinar os outros tipos
da rica galeria daqueles que no Brasil são chamados de coroas,
ou seja, velhotes, sob algum ponto de vista. Encomendaram-me uma
autobiografia, e devo me ater à encomenda. No ensaio que
escreveria sobre os que já se sabem mortais, os autobiógrafos
teriam certamente lugar especial, pois, de modo geral, eram chatos
em vida e, não satisfeitos em atanazar o semelhante durante
toda a existência, persistem depois de mortos. Claro, há
exceções, mas, não vou citar autobiografia
nenhuma, nem das muitas que detesto nem das poucas de que gosto.
Os
romancistas que se autobiografam são duplamente imputáveis,
porque, por vias tortas que ninguém entende, escrever romances
é falar de si mesmo. Mais comumente dá-se por vias
indiretas, de modo que, atrapalhado pelos enredos, descrições
e diálogos que seu disfarce o obriga a usar, sobra pouco
espaço para o romancista falar um pouco mais de si mesmo,
de maneira que ele escreve novos romances, e todos, se bem esgravatados,
revelarão a mesma história básica. Mas, isto
não é suficiente para os que fazem autobiografias;
eles querem falar de si mesmos encarapitados em seus jazigos, e
nem a morte os silencia. Diversos, pelo menos aqui no Brasil, usam
médiuns e continuam a falar, embora não se possa dizer
que a qualidade do que dizem melhora com a passagem para o além.
Algo de muito traumático terão sido os trespasses,
porque invariavelmente dão para escrever mal.
Mas, quem
sou eu para discutir tão altas questões? Passemos
à minha autobiografia.
Nasci
na Ilha de Itaparica, Baía de Todos os Santos, Estado da
Bahia, Brasil, em 23 de janeiro de 1941. Meu pai e minha mãe
se conheceram na Faculdade de Direito da Bahia, onde também
acabei por me formar. Embora não seja advogado, por ter terror
a cartórios, escrivães, procuradores, juízes
e assemelhados, sou bacharel em Direito. Nasci de dez meses e fui
extraído a fórceps. Meu pai era filho do português
João Ribeiro e da brasileira Amália.
Minha
mãe era filha do coronel (não do exército ou
da polícia, mas, coronel do interior mesmo, no uso dos brasileiros
rurais para designar o mandachuva) Ubaldo Osório Pimentel
e de Larentina (Iaiá Pequena ou Dona Pequena).
Meu
pai começou a carreira como juiz, no interior de Sergipe.
Era cultíssimo e letradíssimo, muito eloqüente
e de excelente memória. Tinha fixação doentia
em mim, e nos demos mal praticamente a vida toda, embora nunca tenhamos
sido inimigos. Apenas ele me aporrinhava ao extremo e eu certamente
a ele. Quando ele morreu, não senti nada. Era um homem sábio,
pois, sustentou até a morte que eu não sabia escrever
e era um fracassado que só acertava a fazer (?)lhos e, assim
mesmo, também mal. Não tenho saudade dele, apesar
de ser grato pela formação que me deu, me obrigando
a estudar.
De minha mãe não
falo nada. Ainda é viva, e não poderá ler e,
com certeza, entender o que escrevo aqui. Teve uma sucessão
de pequenos acidentes vasculares no cérebro, e hoje vive
condenada à cama de hospital, que lhe instalaram em casa.
Quando a visito, geralmente parece me reconhecer, mas, temo que
me confunda com meu pai ou meu irmão mais moço. Meu
pai já morreu e a confusão com ele não agrada,
e meu irmão nunca vai vê-la, de maneira que me inquieta
um pouco essa possibilidade. Ela balbucia algumas palavras de vez
em quando e ninguém sabe o que lhe vai na mente.
Comecei
a escrever desde cedo. Morávamos em casarões imensos,
na década de 40, e eles eram cheios de livros. Desde pequeno,
me interessei por esses livros, e uma de minhas primeiras lembranças
era pegá-los, não para lê-los, porque não
sabia, mas para ver-lhe as estampas e, principalmente, para cheirá-los.
Conservo este hábito até hoje, e cheguei a ler livros
não tanto por seu conteúdo, mas pelo seu cheiro. Aprecio
muito dicionários velhos, que me parecem ter um odor exclusivo.
Sou capaz de ficar cheirando livros durante horas, com breves intervalos
para uma leiturazinha de alguns minutos.
Leio
dicionários também e faço jogos comigo mesmo.
Se o dicionário é de uma língua estrangeira,
com que não tenha muita familiaridade, procuro uma palavra,
e se, no verbete correspondente, achar outra palavra que também
desconheça, vou a essa, e assim sucessivamente.
Já
varei madrugadas fazendo isso, porque há inúmeras
variantes desse jogo, que tenho preguiça de contar agora.
Aprendi a ler em um só
dia e passei a ler famelicamente desde então. Mas, faz cerca
de 20 anos, dei para ler os mesmos livros sempre, às vezes,
as mesmas páginas, meses a fio. Não tenho mais paciência
com nada novo e acho que preciso aprender sempre, e ainda muito,
com os meus clássicos, notadamente Homero (Ilíada,
sou homem de Ilíada), Rabelais, Lewis Carroll, Shakespeare,
Jorge de Lima, Damon Runyon (isso mesmo, ignorância de quem
nunca ouviu falar), Mark Twain, Poe, Monteiro Lobato (obra infantil),
Padre Manuel Bernardes, Gregório de Matos e uns pouco mais.
Agora não estou lendo nada, porque estou escrevendo um livro
e, no máximo, por necessidade, leio jornais, para encontrar
assunto para minhas crônicas. Se ler durante a escrita, tendo
a mimetizar o texto que estou lendo. Além do mais, um bom
soneto, às vezes, me abastece um mês inteiro ou mais.
Aconteceu poucas vezes, mas, aconteceu.
Eu
já escrevia desde que aprendi a ler, mas, no que imagino
ter acontecido a todos os colegas, não sabia que ia virar
escritor. Meu pai, sem me consultar, me pôs na redação
de um jornal, e fui repórter, redator e, bem depois, diretor
de redação. Por causa do jornal e da Faculdade de
Direito, me envolvi com literatos e intelectuais. Sempre fui o retardado
da turma, o mais abestalhado, o último a publicar e o que
não arranjava mulher. Tentavam arranjá-las para mim,
mas, elas não queriam. Depois, a situação mudou
e tive um certo sucesso, mas, que nunca apagou os traumas anteriores.
Vivi em Sergipe, na Bahia,
em Iowa City, em Los Angeles, em Lisboa e em Berlim. Tenho horror
a ser estrangeiro, mesmo em Portugal, país do meu coração,
onde tenho dois ou três amigos que considero parentes, e sempre
sentirei falta do Zé Cardoso Pires e do Fernando Assis Pacheco.
Os
portugueses, em geral, não gostam mais dos brasileiros; me
tratam mal em ruas e lojas. Então, prefiro ficar na minha
sala, escrevendo. [Comigo,
se deu exatamente o contrário. Quando estive em Portugal,
fui muitíssimo bem tratado. Chegaram a se dirigir a mim como
Senhor Professor Doutor... Sabe lá o que é isso?]
Virei
escritor porque não sei fazer outra coisa. Deverei morrer,
se tudo correr bem, dentro de no máximo uns 20 anos. Antes
disso, serei, como talvez já tenha ficado, um pré-defunto
chato e reacionário, de difícil convivência
e rarefeita civilidade.
|
O
fato é que, nas vizinhanças de um poleiro d'almas, o que ocorre
é nada, nada por todos os lados, uma infinitude de nada inimaginável
em toda a sua inextensão. Nada e mais nada e mais nada e mais nada
ali se vai aglomerando, até o ponto em que se acumula tanto nada
que ele se transmuta num nada crítico, e, desta maneira, surge algo
desse nada. Não mais é, essa repentina não-forma do
nada, que uma almazinha nova, inexperiente e inocente como todas as criaturas
muito jovens, por isso mesmo sujeita a grande número de percalços,
pois, a única coisa que sabe é que deve ir para o Poleiro
das Almas, empoleirar-se com as outras e esperar a hora em que terá
de encarnar para aprender.
Cm
a obrigação, o sujeito vai lá, tapa o nariz e vota,
seja o que Deus quiser.
Já
estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo
de bom era no meu tempo.
Faço
tudo que me dá na cabeça; não quero saber de limitações.
Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele
que não faz o que foi criado para fazer.
Em
tese, somos capazes de nos apaixonar por tantas pessoas quantas sejamos
capazes de lembrar, o limite é este, não um ou dois, três
ou quatro, cinco ou dezessete. Todos esses números são arbitrários,
tirânicos e opressores.2
Pertenço
a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu
'puxar' a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração
de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos.
Nem
licor de bombom eu bebo mais!
Baiano
não nasce, estréia.
Nenhuma
língua é pronunciada exatamente como se escreve. A língua
escrita é uma tentativa, quase sempre imperfeita, de transcrever
a língua falada.
Eu
escrevo com a liberdade que as palavras merecem.
O
Verbo For
Vestibular
de verdade era no meu tempo. Já estou chegando ou já
cheguei à altura da vida em que tudo de bom era no meu
tempo; meu e dos outros coroas. Acho inadmissível e mesmo
chocante (no sentido antigo) um coroa não ser reacionário.
Somos uma força histórica de grande valor. Se não
agíssemos com o vigor necessário – evidentemente
o condizente com a nossa condição provecta –
tudo sairia fora de controle, mais do que já está.
O vestibular, é claro, jamais voltará ao que era
outrora e talvez até desapareça, mas, julgo necessário
falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo
às minhas coevas (ao dicionário outra vez; domingo,
dia de exercício).
O
vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito
da Bahia, tinha só quatro matérias: português,
latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que esta
não constava dos currículos do curso secundário
e a gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla
escolha ou matérias que não interessassem diretamente
à carreira. Tudo escrito tão ruybarbosianamente quanto
possível, com citações decoradas, preferivelmente.
Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida, dos
quais até hoje sei o comecinho.
Havia
provas escritas e orais. A escrita já dava nervosismo; da
oral muitos nunca se recuperaram inteiramente, pela vida afora.
Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e partia-se para o martírio,
insuperável por qualquer esporte radical desta juventude
de hoje. A oral de latim era particularmente espetacular, porque
se juntava uma multidão, para assistir à performance
do saudoso mestre de Direito Romano Evandro Baltazar de Silveira.
Franzino, sempre de colete e olhar vulpino (dicionário, dicionário),
o mestre não perdoava.
[Eu fui ao dicionário, como recomendou João Ubaldo,
e aprendi que vulpino é o mesmo que raposino; hábil
com ardis, astuto, raposeiro, traiçoeiro.]
—
Traduza aí 'Quousque tandem, Catilina, abutere
patientia nostra' — dizia ele ao entanguido vestibulando.
—
'Catilina, quanta paciência
tens?' — retrucava o infeliz.
Era
o bastante para o mestre se levantar, pôr as mãos sobre
o estômago, olhar para a platéia como quem pede solidariedade
e dar uma carreirinha em direção à porta da
sala.
—
'Ai, minha barriga!' —
exclamava ele. — 'Deus, oh Deus, que fiz eu para ouvir tamanha
asnice? Que pecados cometi, que ofensas Vos dirigi? Salvai essa
alma de alimária. Senhor meu Pai!' [A
tradução correta da frase ciceriana é: Até
quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?]
Pode-se
imaginar o resto do exame. Um amigo meu, que por sinal passou, chegou
a enfiar, sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando
o mestre sentiu duas dores de barriga seguidas, na sua prova oral.
Comigo, a coisa foi um pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele
me deu seis, nota do mais alto coturno em seu elenco.
O
maior público das provas orais era o que já havia
ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo "dar
um show". Eu dei show de português e inglês. O
de português até que foi moleza, em certo sentido.
O professor José Lima, de pé e tomando um cafezinho,
me dirigiu as seguintes palavras aladas:
—
Dou-lhe dez, se o senhor
me disser qual é o sujeito da primeira oração
do Hino Nacional!
—
'As margens plácidas'
— respondi instantaneamente e o mestre quase deixa cair a
xícara.
—
'Por que não é indeterminado,
ouviram etc.'?
—
'Porque o "as" de "as
margens plácidas" não é craseado. Quem
ouviu foram as margens plácidas. É uma anástrofe
[inversão
da ordem natural entre duas palavras dentro de um mesmo constituinte
ou sintagma (por exemplo: seu olhar de ira cheio por seu olhar cheio
de ira)], entre as muitas que existem no hino. "Nem
teme quem te adora a própria morte": sujeito: "quem
te adora." Se pusermos na ordem direta...
—
'Chega!' — berrou ele. —
'Dez! Vá para a glória! A Bahia será sempre
a Bahia!'
Quis
o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor
da Escola de Administração da Universidade Federal
da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova
oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até
hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com
aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante
de mim. Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo,
muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A
prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas
dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler)
e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou
outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse mal sabia
ler, mas, não perdia a pose. Não acertou a responder
nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto
uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo
"ser" quanto do verbo "ir". Pronto, pensei.
Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio,
dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.
—
'Esse "for" aí,
que verbo é esse?'
Ele
considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que
resolvesse a quadratura do círculo, depois, ajeitou as abotoaduras,
e me encarou sorridente.
—
Verbo for.
—
'Verbo o quê?'
—
Verbo for.
—
'Conjugue aí o presente do
indicativo desse verbo'.
—
Eu fonho, tu fões, ele fõe
— recitou ele, impávido. — 'Nós fomos,
vós fondes, eles fõem.'
Não,
dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado
passando, e, hoje, há de estar num posto qualquer do Ministério
da Administração ou na equipe econômica, ou
ainda aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular,
no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que
correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar.
Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco
fonho. Mas ele fõe. [Ora,
Ubaldo, mas, quem, na vida, uma vez, pelo menos, não fôs?
Eu mesmo já fus algumas! Hoje, ando fondo um pouco menos.]
|
Eu
não suporto que me olhem, que fiquem atrás de mim quando eu
estou escrevendo, quanto mais vendo minha digitação. Deus
me livre!
A
coisa mais isolada que as pessoas costumam fazer, me parece ser, ou pelo
menos uma delas, é o ato sexual.
A
interpretação de texto mete medo nas crianças. As pessoas
odeiam os livros. No meu tempo, já se fazia isso: você era
criado para odiar os clássicos. Era criado para odiar. E muita gente
ainda odeia.3
Nós
somos caudatários [palavra que designa "indivíduos
servis", como os que levantam a cauda das vestes de autoridades (normalmente
eclesiásticas)]
da cultura dominante, que é basicamente a cultura norte-americana
e seus afluentes. Nós não somos nem afluentes; nós
somos um efluente. [Trocadilho
para dizer que os brasileiros não são nem seguidores menores
de uma linha dominante estrangeira (como afluentes), mas, sim, dejetos ou
restos desses dominantes (efluentes)].
Desde
Aristófanes [(445 – 385 a.C), dramaturgo grego
tido como o maior representante da Comédia Antiga, escreveu peças
carregadas de sátiras e críticas a grandes momentos da história,
como a Guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta, e temas diversos,
como educação, filosofia, política e sociedade]
e desde Ésquilo [(525
–
456 a.C.), poeta da Grécia Antiga considerado o criador da tragédia,
cuja obra destaca o sofrimento, narra as sagas dos deuses e dos mitos, como
em Prometeu Acorrentado],
desde a dramaturgia... desde antes da grafia que se escreve por encomenda.
Quando
eu escrevo, eu penso na adequação da formulação
que eu faça à situação que eu esteja descrevendo
ou narrando, e penso na propriedade das palavras que eu estou empregando.
É só o que eu penso.4
Eu
acho que é possível incutir o prazer da leitura nas pessoas.
Se cerveja fosse
vendida em farmácias, ninguém bebia. Eu nunca me "cervejeei",
não. Eu me "uisquiei".
Acho
que escrever de porre seja absolutamente impossível. Quer dizer,
possível, fisicamente, é. Mas, só sai porcaria. Na
minha experiência. Eu já escrevi de porre pouquíssimas
vezes, porque acabei desistindo logo quando vi o resultado. É...
A ponto de chorar de emoção com a beleza e a grandeza literária
do texto que eu estava fazendo, para no dia seguinte, descobrir que se tratava
de um delírio de bêbado, uma besteirada completamente asnática.
Acho
que livro é livro, e filme é filme. Não
há comparação.
Sou
realista.A política da Academia [Brasileira de Letras]
é mais complicada do que política florentina. A Academia Brasileira
de Letras deve se honrar com a presença de Ivo Pitanguy.
Considero
o Presidente Fernando Henrique um sociólogo medíocre. Eu sou
do campo. Eu sou... eu fui professor de ciência política, li
os livros dele, e você não tem nos livros dele nenhuma contribuição
significativa para o pensamento sociológico brasileiro. É
um sociólogo medíocre. O Modelo Político Brasileiro,
de Fernando Henrique Cardoso, é um livro ruim. Mas, não me
considero o dono da verdade em relação a ele.
Eu
tenho fama de bonachão, alegrão, não sei o quê.
Na realidade, eu tenho um temperamento melancólico. Na verdade, sou
um sujeito de temperamento melancólico. Não sou um sujeito
alegre, assim. Mas, tenho essa contradição na minha conduta;
as pessoas pensam que eu sou a alma da festa. Na realidade...
Pessoalmente,
me dou muito bem com o Antônio Carlos Magalhães. Mas, sempre
fui adversário político dele. Nas poucas vezes que nós
nos vemos, ele me chama de "ilustre representante da esquerda democrática".
Eu
não tenho mais tesão para certas coisas.5
Mais
broxa, porém, feliz.
Eu
não
tenho mais tesão para certas coisas. Certas coisas... Agora, tenho
a ambição sim, de fazer uma obra que pelo menos reflita a
minha condição de concidadão preocupado com o meu país
e, de modo genérico, com o meu semelhante. Aí já falo
na condição de concidadão do mundo. Eu quero... queria
botar um tijolinho, ou meio tijolinho, ou uma pedrinha portuguesa, ou um
grão de areia no edifício da compreensão e do engrandecimento
humano. Somente isso.
Bebida
não é tratamento para nada.
Ser
famoso não dificulta criar. Dificulta você existir. Porque
o número de chatos que começa a encher sua vida é uma
coisa inimaginável. Às vezes, é difícil, para
mim, entrar num lugar público. A minha casa, em Itaparica, virou,
uma época, uma espécie de ponto turístico. Lá
em Itaparica, teve gente que já brigou comigo porque eu
não era o que ela pensava que eu era. Houve até uma senhora
que brigou comigo, logo depois que eu entrei na Academia [Brasileira
de Letras], porque
eu estava com sandália de dedo, e imortal não pode usar sandália
de dedo! Isto tudo não é o preço da fama; é
o imposto da fama.
Eu
acho que o futebol brasileiro está acabando. O Brasil não
tem mais terreno baldio; nossa juventude de classe média virou juventude
de 'playground.' Não temos mais a bola de meia, o campinho da pelada,
o terreno baldio ou a própria rua. Não somos mais os reis
do futebol, não existe mais isso, acabou-se. É uma fase histórica.
Não
me considero um homem de letras. Encaro com enorme tédio essa tal
de Literatura.
Não
estou preocupado em conhecer os novos autores, esses que vão surgindo
agora. Já li muito no passado, está bom.6
Quanto
mais coroa fico, mais vou sentindo frio.
Um
romance são tantos romances quantos forem seus leitores.
Duvido
muito que um sujeito leia um livro cheio de 'hiperlinks'. Não acredito
na praticidade dessa mecânica do computador.
Sobre
receber o Prêmio Camões: Para ser sincero, não
acho nada demais. Acho que eu o ganhei porque mereço.
Só
falta agora alguém dizer que os batedores de carteira franceses são
melhores do que os batedores de carteira brasileiros. É a velha fracassomania.
Uma
das características da esquerda é, e sempre foi, a de acreditar
que o homem é perfectível, que pode ser aperfeiçoado.
Que o homem não é ruim por natureza, que é possível
que socialmente ele possa viver de maneira harmônica, estável.
A direita, por sua vez, é ruim mesmo. Faz com que o homem só
pense em si, defenda seu interesse, por mais mesquinho que seja, acima de
qualquer outra coisa. Esta é a verdadeira lei do mundo: primeiro
o meu, o resto que se dane.
Não
sou muito otimista quanto à Humanidade. Somos uma especiezinha muito
criticável. Somos todos uma contradição imensa. Nossa
ruindade animalesca prevalece, apesar da racionalidade.
Enquanto
estamos aqui convivendo pacificamente, agora, tem alguém estrangulando
alguém. Vivemos fazendo esse tipo de coisa e não aprendemos
nada. No curso na história humana, continuamos a repetir as mesmas
atrocidades, muitas delas de maneira mais refinada.
Nós,
até hoje
– é
meio deprimente constatar isso – nos comportamos muito mais como súditos
do que como cidadãos.
Eu
sou uma pessoa totalmente destituída de rabo preso. Nunca roubei
ninguém, não tenho antecedentes criminais, nunca fui dedo-duro.
É difícil desencavar em meu passado algo mais grave do que
ter enganado uma namorada, e assim mesmo muito eventualmente.
Nós
vivemos em um ambiente de lassitude moral que se estende a todas as camadas
da sociedade. Esse negócio de dizer que as elites são corruptas
mas o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um
povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou, pelo menos, de comportamento
pouco recomendável.
Eu
vejo essa idéia das cotas escolares com profunda desconfiança
e muito desagrado. Em minha opinião, ela representa um esforço
para dividir este País, pela primeira vez, em linhas raciais.
Não
chego ao ponto de dizer que a alegria da velhice é poder peidar em
público, mas, é algo deste jaez, talvez menos escatológico.7
Com
o advento do computador e a facilidade de mexer no texto à vontade,
a gente acaba fazendo mais mudanças do que deveria.
Nós
aprendemos a ser apáticos, dominados e a ter pouco senso de comunidade,
ou seja, pouco senso de interesse coletivo. Nós temos uma formação
que eu não sei de que buraco saiu, não tenho vontade de fazer
grandes análises, mas, temos uma tradição, até
hoje presente, com pequenas variações, aqui e ali, de individualismo.
O
computador deixa o inteligente mais burro, porém, não deixa
o burro mais inteligente.
Freios
são necessários para nosso equilíbrio.
Descrevo
a masturbação feminina em alguns dos meus livros. Mas, não
sou eu ali masturbando todas elas. Só tem um dedo meu.
Não
se lê porque não se gosta de ler, mas, porque dá trabalho.
Ler é chato porque a pessoa não aprendeu a ler. Ela aprendeu
a ficar na frente da TV, onde tudo é fornecido.
Tenho
certeza de que, se preciso, consigo escrever em primeira pessoa o relato
de um parto normal. Já me perguntaram como eu consegui escrever um
relacionamento homossexual [no livro O Sorriso do Lagarto].
Brinco dizendo que treinei com os amigos.
Não
tenho nada contra as festas; tenho contra minha participação
nelas.
Como
se algum político, com exceção de meia dúzia
de três ou quatro, representasse alguém, a não ser a
si mesmo, a família e os aderentes!
O
problema está em nós. Nós, o povo.
Quem
não morre fica velho [ou vira múmia].
Se
não entendo tudo, devo ficar contente com o que entendo. E entendo
que vejo estas árvores e que tenho direito à minha língua,
e que posso olhar nos olhos dos estranhos e dizer: não me desculpe
por não gostar do que você gosta; não me olhe de cima
para baixo; não me envergonhe de minha fala; não diga que
minha fala é melhor do que a sua; não diga que eu sou bonito,
porque sua mulher nunca ia ter casado comigo; não seja bom comigo,
não me faça favor; seja homem, filho-da-puta, e reconheça
que não deve comer o que eu não como, em vez de me falar concordâncias
e me passar a mão pela cabeça; assim poderei matar você
melhor, como você me mata há tantos anos.
O
segredo da Verdade é o seguinte: não existem
fatos, só existem histórias.
Dois
Pequenos Pensamentos
Nessa
semana em que se iniciou o nosso bem-elaboradíssimo racionamento,
tive, coisa rara, dois pensamentos. O primeiro é uma sugestão;
o segundo é uma reflexão. A sugestão vai ser
levada na brincadeira, mas, a estou fazendo a sério. Tenho
a certeza de que não será aceita, por preconceito,
vaidade e outros fatores. Mas, alimento a esperança de que
alguma comunidade a adote, porque traria inúmeros benefícios
para o esforço nacional de poupar energia, além de
punir com o frio todos nós, criminosos energéticos,
que, há relativamente pouco tempo, éramos exortados
a usar energia elétrica, “a nossa energia”, como
dizia o comercial de tevê.
A
sugestão é a seguinte: seguir o exemplo da moça
que protestou em Brasília, desfilando sem roupa. É
isso mesmo, todo mundo nu.
A primeira vantagem é
que tornaríamos o protesto fácil e dos poucos que,
vista a nossa História recente, seríamos capazes de
fazer, porque brigar mesmo nem pensar. E retornaríamos às
nossa origens, eis que não só os índios andam
nus como grande parte dos nativos de nações negras
que foram trazidos à força para o Brasil, e hoje são
ancestrais da maioria mestiça de nosso povo, também
andava nua ou quase nua. Não sei fazer as contas, mas, a
economia de energia gerada por isso seria enorme, pois não
se gastaria mais com máquinas de lavar, nem com ferros de
passar roupa. Bem verdade que a indústria de roupas sofreria
um baque, mas, baque todos nós já sofremos. O abominável
movimento, denominado “Volta ao Tanque!”, solertemente
dirigido às mulheres brasileiras e já circulando em
botecos, perderia seu ímpeto. E a estranheza seria só
no começo, depois todo mundo se acostumaria. Até os
assaltos seriam dificultados, porque o assaltante não iria
ter como esconder seu revólver.
E
já pensaram, nestes tempos em que o dólar dobrou de
valor e, conseqüentemente, o que ganhamos foi cortado pela
metade (eu sei que o Governo prova sempre que não há
inflação, mas, todo mundo sabe que o que o Governo
diz não se escreve e nem o que o Homem escreveu vale mais,
segundo ele próprio), na receita turística que isso
ia gerar? Praticamente o mundo todo baixaria aqui, para visitar
o País de gente nua. Os hotéis iam ter 100% de ocupação
o ano todo e o setor de serviços certamente se ampliaria,
em áreas de que mal ouso suspeitar, mas, imagino, por exemplo,
que pintadores de corpo apareceriam em todas as cidades, oferecendo
seus serviços a quem quisesse ornamentar suas formas, até
mesmo para disfarçar uma imperfeiçãozinha aqui,
outra acolá.
Sim,
a indústria de roupas sofreria um baque, mas, seria a cota
de sacrifício que estaria pagando, como todos nós.
Fico pensando, por exemplo, em quem faz refeições
congeladas, que depois são descongeladas em fornos de microondas.
Não
havendo mais como usar freezers sem sofrer cortes depois de um mês,
nem sendo aconselhável o emprego do microondas, pelo seu
alto consumo de energia, essas pessoas já passaram a não
ter como sobreviver. E as incontáveis empresas de fundo de
quintal, de doceiras e quituteiras a pequenas oficinas? E as padarias
de forno elétrico? E o desemprego geral nas indústrias
eletroeletrônicas? Ontem mesmo me contaram que fábricas
de chuveiros elétricos já botaram multidões
de funcionários no olho da rua, pois, só maluco compraria
um chuveiro elétrico neste momento. Não concebo quem
possa não estar sendo prejudicado com o racionamento, a começar,
como já falei aqui outro dia, por mim mesmo, que vou ter,
provavelmente, de racionar o uso do computador, ou fazer visitas
traiçoeiras a casas de amigos, para sorrateiramente carregar
a bateria de meu surrado laptop. Todo mundo nu, todo mundo nu para
protestar, até porque vivemos sob uma ditadura branda, que
usa medidas provisórias como quem faz pipoca, o que equivale
aos decretos-leis da época do Estado Novo.
E
o outro pensamento? Sim, este tem pouco a ver com andarmos nus,
embora, se viéssemos a fazê-lo, talvez, a imagem que
me vem à mente se tornasse mais eloqüente. A imagem
é particularmente vívida na Cidade do Rio de Janeiro,
que é cercada de morros, na maioria habitada por favelados.
É fato conhecido que muitos favelados usam “gatos”
para a obtenção de energia elétrica (embora
alguns ricos também apelem para este recurso, e ninguém
saiba ao certo qual o consumo de energia através de “gatos”).
Eu quero ver quem é que vai subir os morros para desligar
os “gatos”. Em certos morros, até as autoridades
mais altas pedem licença para subir, aos detentores do poder
local. A Light teria de organizar esquadrões suicidas para
fazer o serviço, e não creio que fosse encontrar muitos
voluntários entre seus técnicos. Quem é que
vai fazer o serviço? Ninguém, a não ser um
general louco, obedecendo a ordens de um Governo também louco,
que mandasse primeiro a Força Aérea bombardear os
morros, depois atacá-los com artilharia pesada e mísseis,
para ir fazer a ocupação na base da metralha –
e não há, graças a Deus, esses loucos. Portanto,
os morros e a chamada periferia vão continuar iluminados.
O
resultado é que, cada vez mais, a cidade dos não-favelados
fica às escuras, com letreiros, vitrinas e janelas sem luz,
com a conseqüência de que, no caso do Rio, teremos um
verdadeiro buraco negro, rodeado pela feérica iluminação
das favelas. Embaixo, encurralados no escuro (e nus, protestando
com a eficácia que essa atitude teria, em lugar de outras,
que não coincidem com a nossa tradição de povo
cordial), os ricos e a classe média, com medo de tudo. Em
cima, os excluídos, desfrutando de algo que sempre lhes foi
negado pela situação econômica. Fomos nós,
coletivamente, que construímos esse cenário de tão
pouca gente com muito e tanta gente com pouco. É o resultado
de séculos de negligência, arrogância, corrupção,
incompetência e imprevidência. Agora, quem pode pagar
não tem, quem não pode tem. Se eu fosse místico,
diria que, no racionamento orlado de luz, de cidades como o Rio
e São Paulo, há uma metáfora das nossas condições
sociais, e, talvez, Deus esteja querendo nos dizer alguma coisa.
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Um
país sem seus livros, suas canções, suas danças,
seu cinema, suas pinturas e suas esculturas não é um país,
é apenas um conglomerado de vizinhos malsatisfeitos.
Cada
vez mais abusadas, algumas palavras perderam o sentido. Quase ninguém
é capaz de fazer uma distinção teórica ou abstrata
entre esquerda e direita políticas e, por exemplo, o ex-presidente
Lula as emprega para lá e para cá, conforme a necessidade
do momento. Ou seja, direita, assim como esquerda, é o que convém.
Nega que seja de esquerda e em seguida vocifera contra manobras da direita,
como se fosse um porta-voz da esquerda continental.8
A
Política terminou por se tornar uma profissão, a profissão
dos que se dedicam a influenciar, de diversas maneiras e em vários
níveis, a condução da coletividade em que vivem, seja
por iniciativa própria, seja representando outros interesses.9
O
termo "Política", em qualquer de seus usos, na linguagem
comum ou na linguagem dos especialistas e profissionais, refere-se ao exercício
de alguma forma de poder e, naturalmente, às múltiplas conseqüências
desse exercício. Toda maneira pela qual o poder é exercido
se reveste de grande complexidade, às vezes, não aparente
à primeira vista. Por exemplo, se o Governo decreta um novo imposto,
esse ato não consiste numa decisão que "vai e não
volta". Ao contrário, a criação de um novo imposto,
cuja decretação constitui obviamente um ato de poder, ou seja,
um ato político, é precedida, de forma variável, conforme
o caso, por uma série de outros atos, em que tomam parte diversos
detentores de alguma espécie de poder, tais como governantes, técnicos,
assessores, grupos de interesse, indivíduos ou entidades influentes,
e assim por diante. E também se desencadeia uma inter-relação
entre a "fonte do poder" (a que criou e implantou o imposto) e
os submetidos a esse poder (os que, direta ou indiretamente, são
afetados pelo imposto). Basta pensar um pouco para ver como qualquer ato
de poder é complexo e cheio de implicações. E é
este o terreno da Política. Contudo,
definir a Política apenas como algo relacionado ao poder não
chega a ser satisfatório. Se pensarmos bem, veremos que a frase "a
Política tem a ver com o exercício do poder" não
quer dizer muita coisa, principalmente porque há inúmeras
dificuldades para que se saiba o que é "poder". Nada impede,
por exemplo, que se diga que o poder é um fluido mágico, como
já se acreditou e ainda se acredita até hoje. Que significa
"ter poder"? Não pode ser simplesmente estar investido
em algum cargo, pois, acontece com freqüência que os ocupantes
de um cargo qualquer se submetam à vontade de outras pessoas, não
ocupantes de cargo algum – as chamadas "eminências pardas".
Não basta, também, usar expressões como "carisma"
ou "magnetismo" ou "poder do dinheiro", pois, isto tampouco
explica muita coisa ou não explica nada. E, pior ainda, o poder só
pode ser visto, sentido, avaliado, ao se exercer. Antes do momento em que
se exerce, ele é somente uma conjectura, uma presunção,
algo que se acha que vai acontecer. Para usar uma comparação
fácil, a situação é como a que existe antes
do jogo de um grande time de futebol com um clubezinho do interior. O time
grande tem "poder" de sobra para vencer os desconhecidos obscuros
da cidade pequena. Não obstante, pode ocorrer que, num jogo decisivo,
o poderoso perca. Claro que não é uma coisa "normal",
é uma exceção explicável de mil formas. Mas
acontece da mesma maneira em situações equivalentes na vida
social, na coletividade, na administração pública.
A
tarefa de procurar entender o que é realmente o poder deve ser deixada
a cargo de gente como os filósofos e os teóricos, que têm
por ocupação examinar a realidade para além dos interesses
imediatos das pessoas. É uma tarefa muito importante, e é
graças a ela que se pode escrever um livro como este. Entretanto,
para quem está preocupado com problemas mais próximos, como
nós, deve-se levar em conta que é inútil, em termos
práticos, a curto prazo, discutir sobre o que é o poder, pois,
este só se torna visível ao se manifestar. Ou seja, é
em ação que se analisa o poder. É no processo, na inter-relação,
não na elaboração intelectual abstrata. Estendendo
a analogia futebolística, neste caso muito ilustrativa: só
se sabe quem ganhou depois que o jogo acaba. Antes, tudo está sujeito
a fatores, no mais das vezes, imprevisíveis. Assim, é também
em tudo, o jogo disto que chamamos vagamente de "poder". Portanto,
devemos procurar outros elementos que tornem nosso conceito de Política
mais preciso. Os americanos, que são muito práticos, costumam
dizer que "o poder é a capacidade de influenciar o comportamento
das pessoas". Isto ainda não explica o que vem a ser o tal poder,
pois apenas troca uma palavra por outra – ficamos no ar sobre o que
seria essa "capacidade". Mas, ajuda a entender que, se a Política
tem a ver com o poder, e se o poder visa a alterar o comportamento das pessoas,
é evidente que o ato político possui dois aspectos que aparecem
de pronto. Estes dois aspectos são: a) um interesse; e b) uma decisão.
Raciocinemos da forma que se segue, esquecendo por enquanto que não
sabemos o que é o poder ou resolvendo que não damos importância
à questão: a) se alguém deseja influenciar ou modificar
o comportamento das pessoas, esse alguém tem um interesse que deseja
ver corporificado pela modificação pretendida, seja ele ditado
por conveniências pessoais, de grupo, religiosas, morais etc.; e b)
o objetivo configurado pelo interesse só pode ser conseguido por
uma decisão que efetivamente venha a alterar o comportamento das
pessoas, seja esta decisão imposta, seja consensual, seja de maioria
etc. Podemos, assim, tornar mais confortável e manobrável
nosso conceito de Política. A Política passa, neste caso,
a ser entendida como um processo através do qual interesses são
transformados em objetivos, e os objetivos são conduzidos à
formulação e tomada de decisões efetivas, decisões
que "vinguem". O termo "poder", é claro, continua
a ter utilidade, mas, já sabemos que ele é enganoso e vago.
O que interessa é o desenrolar do jogo, acompanhado de seu resultado.
Em linguagem mais formal, o que interessa é o processo de formulação
e de tomada de decisões. Para trocar em miúdos tudo isto,
pode-se afirmar que a Política tem a ver com quem manda, porque manda
e como manda. Afinal, mandar é decidir, é conseguir aquiescência,
apoio ou até submissão. Não se trata, como já
foi dito, de um processo simples. Pelo contrário, é muito
intrincado e ninguém pode alegar compreendê-lo integralmente,
apesar dos esforços dos estudiosos que há
milhares de anos vêm tentando dissecá-lo, analisá-lo
e categorizá-lo. Em toda sociedade, desde que o mundo é mundo,
existem estruturas de mando. Alguém, de alguma forma, manda em outrem,
normalmente uma minoria mandando na maioria. Este fato está no centro
da coisa política. Agora temos condição de arrumar
mais claramente nossas idéias. A Política fica, então,
vista como o estudo e a prática da canalização de interesses
com a finalidade de conseguir decisões. Isto já foi chamado
de arte, com razão. Pois, a Política requer um talento especial
de quem a pratica, uma sensibilidade especial, um jeito especial, uma vocação
muito marcada. É, portanto, uma arte. Já foi chamado de ciência,
o que também é verdade. Pois é possível sistematizar
cientificamente o que se observa, e infere a respeito de como os homens
se conduzem em relação ao poder. Não deixa de ser,
por outro lado, um departamento da Filosofia, pois, haverá sempre
lugar para indagações filosóficas como "por que
alguém tem de mandar e alguém de obedecer", "o homem
é mau ou será a vida em sociedade que o faz assim", "o
homem precisa de um Governo forte ou não" e dezenas de outras,
que podem parecer banais, mas, têm inarredável importância
para o destino da Humanidade. A Política também é,
naturalmente, uma profissão, pois, afinal, é por meio dela
que nos governamos, que ordenamos nossa vida em coletividade. Nenhum homem
pode assumir sua humanidade fora de uma estrutura social, ainda que mínima.
E nenhuma estrutura social pode existir sem alguma forma de processo político.
Assim, a Política terminou por se tornar uma profissão, a
profissão dos que se dedicam a influenciar, de diversas maneiras
e em vários níveis, a condução da coletividade
em que vivem, seja por iniciativa própria, seja representando outros
interesses. Enfim, a presença da Política em nossa existência
desafia qualquer tentativa de enumeração. Porque tudo pode
– e deve, a depender do caso – ser visto sob um ponto de vista
político. É impossível que fujamos da Política.
É possível, obviamente, que desliguemos a televisão,
se nos aparecer algum político dizendo algo que não estamos
interessados em ouvir. Isto, porém, não nos torna "apolíticos",
como tanta gente gosta de falar. Torna-nos, sim, indiferentes e, em última
análise, ajuda a que o homem que está na televisão
consiga o que quer, já que não nos opomos a ele. O problema
é que, por ignorância ou apatia, às vezes, pensamos
que estamos sendo indiferentes, mas, na verdade, estamos fazendo o que nos
convém. Vimos, então, que a Política se preocupa (nos
diversos enfoques que pode ter, venha ela como arte ou ciência, teoria
ou prática) com o encaminhamento de interesses para a formulação
e tomada de decisões. Mas, esta seca afirmação abstrata,
mesmo que bem compreendida, será suficiente para que tenhamos uma
boa idéia do que é a Política?
Não
podemos fazer muito
quanto à extensão de nossa vida, mas, podemos fazer muito
sobre a largura e a profundidade dela.
Quem
se Abstém de Votar...
Quem
se abstém de votar colabora
para
que dominem os canalhocratas.
O ingênuo
que foge de votar coopera
para
o êxito-triunfo dos sacanocratas.
Não
votar é abrir mão da cidadania.
Não
votar é covardice insubstituível.
Não
votar é basbaquice inexcedível.
..................................................
Pelo
Voto —› Maioridade Política.