(Elaborada no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade,
Convento de Arrábida, Portugal, 2-6 novembro 1994)
Preâmbulo
Considerando que a proliferação
atual das disciplinas acadêmicas conduz a um crescimento exponencial
do saber que torna impossível qualquer olhar global do ser
humano;
Considerando que somente uma
inteligência que se dá conta da dimensão planetária
dos conflitos atuais poderá fazer frente à complexidade
de nosso mundo e ao desafio contemporâneo de autodestruição
material e espiritual de nossa espécie;
Considerando que a vida está
fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante que
obedece apenas à lógica assustadora da eficácia
pela eficácia;
Considerando que a ruptura
contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um
ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão
de um novo obscurantismo, cujas conseqüências sobre o plano
individual e social são incalculáveis;
Considerando que o crescimento
do saber, sem precedentes na história, aumenta a desigualdade
entre seus detentores e os que são desprovidos dele, engendrando,
assim, desigualdades crescentes no seio dos povos e entre as nações
do Planeta;
Considerando simultaneamente
que todos os desafios enunciados possuem sua contrapartida de esperança
e que o crescimento extraordinário do saber pode conduzir a
uma mutação comparável à evolução
dos hominídeos à espécie humana;
Considerando o que precede,
os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade
(Convento de Arrábida, Portugal 2 - 7 de novembro de 1994)
adotaram o presente Protocolo entendido como um conjunto de princípios
fundamentais da comunidade de espíritos transdisciplinares,
constituindo um contrato moral que todo signatário deste Protocolo
faz consigo mesmo, sem qualquer pressão jurídica e institucional.
Artigo 1
Qualquer tentativa de reduzir
o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo
nas estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível
com a visão transdisciplinar.
Artigo 2
O reconhecimento da existência
de diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas
diferentes é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer
tentativa de reduzir a realidade a um único nível regido
por uma única lógica não se situa no campo da
transdisciplinaridade.
Artigo 3
A transdisciplinaridade é
complementar à aproximação disciplinar: faz emergir
da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam
entre si; oferece-nos uma nova visão da Natureza e da realidade.
A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre
as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas
àquilo que as atravessa e as ultrapassa.
Artigo 4
O ponto de sustentação
da transdisciplinaridade reside na unificação semântica
e operativa das acepções através e além
das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta, mediante
um novo olhar sobre a relatividade das noções de "definição"
e de "objetividade". O formalismo excessivo, a rigidez das
definições e o absolutismo da objetividade, comportando
a exclusão do sujeito, levam ao empobrecimento.
Artigo 5
A visão transdisciplinar
é resolutamente aberta na medida em que ela ultrapassa o campo
das ciências exatas devido ao seu diálogo e à
sua reconciliação não somente com as ciências
humanas, mas, também, com a arte, com a literatura, com a poesia
e com a experiência espiritual.
Artigo 6
Com relação à
interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade
é multirreferencial e multidimensional. Embora levando em conta
os conceitos de tempo e de história, a transdisciplinaridade
não exclui a existência de um horizonte trans-histórico.
Artigo 7
A transdisciplinaridade não
constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem
uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências.
Artigo 8
A dignidade do ser humano é
também de ordem cósmica e planetária. O surgimento
do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da História
do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é
um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito
a uma nacionalidade, mas, a título de habitante da Terra, ele
é, ao mesmo tempo, um ser transnacional. O reconhecimento pelo
direito internacional de uma dupla cidadania – referente a uma
nação e a Terra – constitui um dos objetivos da
pesquisa transdisciplinar.
Artigo
9
A
transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação
aos mitos, às religiões e àqueles que os respeitam
em um espírito transdisciplinar.
Artigo
10º
Não
existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as
outras culturas. A abordagem transdisciplinar é, ela própria,
transcultural.
Artigo
11º
Uma
educação autêntica não pode privilegiar
a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar,
concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar
reavalia o papel da intuição, da imaginação,
da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.
Artigo
12ª
A
elaboração de uma Economia transdisciplinar está
baseada no postulado de que a Economia deve estar a serviço
do ser humano e não o inverso.
Artigo
13º
A
Ética Transdisciplinar recusa toda atitude que se negue ao
diálogo e à discussão, seja qual for sua origem
– de ordem ideológica, científica, religiosa,
econômica, política ou filosófica. O saber compartilhado
deve conduzir a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito
absoluto das diferenças entre os seres, unidos pela vida comum
sobre uma única e mesma Terra.
Artigo
14º
Rigor,
abertura e tolerância são características fundamentais
da atitude e da visão transdisciplinar. O rigor na argumentação,
que leva em conta todos os dados, é a melhor barreira contra
possíveis desvios. A abertura comporta a aceitação
do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância
é o reconhecimento do direito às idéias e às
verdades contrárias às nossas.
Artigo
Final
A
presente Carta Transdisciplinar foi adotada pelos participantes do
Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, que não
reivindicam nenhuma outra autoridade exceto a do seu próprio
trabalho e a da sua própria atividade.
Segundo
os procedimentos que serão definidos de acordo com as mentes
transdisciplinares de todos os países, esta Carta está
aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado em promover
nacional, internacional e transnacionalmente as medidas progressivas
para a aplicação destes artigos na vida cotidiana.
Convento
de Arrábida, 6 de novembro de 1994.
Fonte:
http://www.redebrasileiradetransdisciplinaridade.net