A Doutrina Secreta estabelece
três proposições fundamentais:
(a) um Princípio Onipresente, Eterno, Ilimitado e Imutável,
sobre o qual toda especulação é impossível,
porque Ele transcende o poder da concepção humana
e só poderia ser distorcido por qualquer expressão
ou comparação humanas. Está além dos
limites e do alcance do pensamento –
e, nas palavras do Mandukya, é
impensável e indescritível.
Há uma Realidade Absoluta
que antecede todo ser manifestado, condicionado. Esta Causa Infinita
e Eterna –
vagamente
formulada nas idéias de Inconsciente
e Incognoscível
da Filosofia Européia atual –
é
a Raiz-sem-Raiz
de tudo o que foi, é ou será algum dia.
Naturalmente, Ela é destituída de quaisquer atributos,
e, essencialmente, não possui qualquer relação
com o ser manifestado e finito. Ela é a Existencialidade,
mais do que o Ser (em sânscrito, Sat), e está além
de todo pensamento e de toda especulação.
Esta Existencialidade
é simbolizada na Doutrina sob dois aspectos. De um lado,
Espaço Absoluto e Abstrato, o que representa pura subjetividade,
a única coisa que nenhuma mente humana pode conceber por
si mesma nem excluir das suas concepções. De outro
lado, absoluto Movimento Abstrato, representando a Consciência
Incondicionada. Até mesmo os nossos pensadores ocidentais
têm mostrado que a Consciência é inconcebível
para nós, se estiver separada da mudança; e é
o movimento que melhor simboliza a mudança, a sua característica
essencial. Este último aspecto da Realidade Una também
é simbolizado pela expressão A
Grande Respiração, uma imagem tão
clara que não necessita explicações. Assim,
o primeiro axioma fundamental da Doutrina Secreta é este
Uno Absoluto –
A Existencialidade
–
simbolizado
pela Inteligência Finita através da Trindade Teológica.
Ultimamente, o filósofo,
biólogo e antropólogo inglês Herbert Spencer
(Derby, 27 de abril de 1820 –
Brighton, 8 de dezembro de 1903) tem modificado tanto seu agnosticismo,
que chega ao ponto de afirmar que a natureza da Causa Primeira1
–
que o Ocultismo, de modo mais lógico, vê como sendo
derivada da Causa-Sem-Causa,
o Eterno
e o Incognoscível
–
pode ser essencialmente a mesma Causa da Consciência que brota
dentro de nós: em resumo, que a realidade impessoal que permeia
o Cosmo é o puro númeno do pensamento. Este progresso
da sua parte o coloca muito próximo da Doutrina Esotérica
e Vedantina.
Parabrahmam (a Realidade
Una, o Absoluto) é o campo da Consciência Absoluta,
isto é, aquela Essência que está fora de qualquer
relação com a existência condicionada, e da
qual a existência consciente é um símbolo condicionado.
Mas, uma vez que nós passemos em pensamento para além
desta (para nós) Absoluta Negação, surge a
dualidade no contraste entre Espírito (ou consciência)
e Matéria, Sujeito e Objeto.
O Espírito (ou Consciência)
e a Matéria devem, no entanto, ser vistos não como
realidades independentes, mas, como as duas facetas ou os dois aspectos
do Absoluto (Parabrahmam), que constitui a base do ser condicionado,
seja ele subjetivo ou objetivo.
Considerando esta tríade
metafísica como a Raiz da qual procede toda manifestação,
a Grande Respiração assume o caráter da Ideação
Pré-cósmica. Ela é fons
et origo
da energia e de toda consciência individual, e dá a
inteligência orientadora no vasto esquema da Evolução
Cósmica. Por outro lado, a Substância-raiz Pré-cósmica
(Mulaprakriti) é aquele aspecto do Absoluto que está
na base de todos os planos objetivos da Natureza.
Assim como a Ideação
Pré-Cósmica é a raiz de toda consciência
individual, assim também a Substância Pré-Cósmica
é o substrato da matéria nos vários graus da
sua diferenciação.
A
partir disto, fica claro que o contraste entre estes dois aspectos
do Absoluto é essencial
para a existência do Universo Manifestado. Separada da Substância
Cósmica, a Ideação Cósmica não
poderia se manifestar como consciência individual, já
que é só através de um
veículo material2
que a consciência surge como eu-sou-eu,
sendo necessária uma base física para focar um raio
da Mente Universal em determinado estágio de complexidade.
Novamente, separada da Ideação Cósmica, a Substância
Cósmica permaneceria como uma abstração vazia,
e nenhum surgimento da consciência poderia ocorrer.
O Universo Manifestado, portanto,
é permeado pela dualidade, e a dualidade constitui, digamos,
a própria essência da sua EX-istência como manifestação.
Mas, assim como os pólos opostos do sujeito e do objeto e
do espírito e da matéria são apenas aspectos
da Unidade Única na qual eles são sintetizados, assim
também, no Universo manifestado, há Aquilo
que liga o espírito à matéria e o sujeito ao
objeto.
Este Algo, atualmente desconhecido
para a especulação ocidental, é chamado pelos
ocultistas de Fohat. Ele é a Ponte pela qual as Idéias
que existem no Pensamento Divino são impressas na substância
Cósmica como Leis da Natureza. Fohat é, assim, a Energia
Dinâmica da Ideação Cósmica ou, visto
do outro ponto de vista, é o meio inteligente, o poder orientador
de toda manifestação, o Pensamento Divino transmitido
e tornado manifesto pelos Dhyan Chohans,3
os Arquitetos do mundo visível.
Assim, do Espírito (ou da Ideação Cósmica)
vem a nossa consciência. Da Substância Cósmica
vêm os vários veículos nos quais aquela consciência
é individualizada e alcança a autoconsciência
ou consciência reflexiva. Enquanto que Fohat, em suas várias
manifestações, é elo misterioso entre a Mente
e a Matéria, o princípio animador que eletrifica cada
átomo, dando-lhe vida.
O seguinte resumo transmitirá uma idéia mais clara
ao leitor:
(1) o Absoluto, o Parabrahmam dos vedantinos ou a Realidade una,
SAT, é, como diz Hegel, tanto o Absoluto Ser como o Absoluto
Não-Ser.
(2) a primeira manifestação é o Logos Impessoal
e, em Filosofia, é o Logos Imanifestado, precursor do manifestado.
Esta é a Primeira
Causa, o Inconsciente dos panteístas europeus.
(3) Espírito-matéria, Vida, o Espírito do Universo,
o Purusha e o Prakriti ou o Segundo Logos.
(4) Ideação Cósmica, MAHAT ou Inteligência,
a Alma-do-Mundo Universal, o Númeno Cósmico da Matéria,
também chamado de Maha-Buddhi.
A
Doutrina Secreta afirma também:
(b) A Eternidade do Universo in toto
como um plano ilimitado, sendo, periodicamente, cenário
de inúmeros Universos que se manifestam e desaparecem incessantemente,
chamados de estrelas em manifestação e centelhas da
Eternidade. A Eternidade
do Peregrino4
é como um
piscar do Olho da Autoexistência (Livro de
Dzyan). A aparição e a desaparição de
Mundos é como o fluxo e o refluxo regulares da maré.
Esta segunda afirmação
da Doutrina Secreta estabelece a absoluta universalidade daquela
Lei da Periodicidade, do fluxo e refluxo, da maré alta e
baixa, que a ciência física tem observado e registrado
em todos os departamentos da Natureza. Alternâncias como as
de Dia e Noite, Vida e Morte, Sono e Despertar são fatos
tão comuns, tão perfeitamente universais e sem exceção,
que é fácil compreender que neles nós vemos
uma das Leis absolutamente fundamentais do Universo.
Além disso, a Doutrina
Secreta ensina também:
(c) A identidade fundamental de todas as [personalidades-]almas
com a Alma-Superior Universal, sendo esta última, em si mesma,
um aspecto da Raiz Desconhecida, e a peregrinação
obrigatória de cada [personalidade-]alma
–
uma centelha da Alma-Superior Universal
– através
do Ciclo da Encarnação (ou da
Necessidade), de acordo com a Lei Cíclico-Cármica,
durante todo o período. Em outras palavras, nenhum Buddhi
(Alma Divina) puramente espiritual pode ter uma existência
independente (consciente) antes que a centelha, que surgiu da pura
Essência do Sexto Princípio Universal –
ou Alma Superior –
tenha: (1º) passado através de cada forma elemental
do mundo fenomênico daquele Mânvântâra;
e (2º) adquirido individualidade, primeiro por impulso natural,
e, depois, por impulsos auto-induzidos e autoplanejados (limitados
pelo seu Carma), ascendendo, assim, através de todos os graus
de inteligência, desde o Manas mais inferior até o
Manas mais elevado, do mineral e do vegetal até o mais Sagrado
Arcanjo (Dhyani-Buddha). A doutrina central da Filosofia Esotérica
não admite privilégios ou dons especiais no homem,
exceto aqueles que tenham sido conquistados por seu próprio
Eu através do esforço e do mérito pessoal [Bom
Combate] ao longo de toda uma longa série de encarnações.
É por isto que os hindus dizem que o Universo é Brahma
e Brahmâ, por que Brahma está em cada átomo
do Universo, e os Seis Princípios em a Natureza são
todos resultados –
os aspectos diversamente diferenciados –
do Sétimo e Uno, a única realidade no Universo,
seja Cósmico ou microcósmico. E também é
por isto que as permutações (psíquicas, espirituais
e físicas), no plano da manifestação e da forma,
do sexto (Brahmâ, o veículo de Brahma) são vistas
por antífrase metafísica como ilusórias e maiávicas.
Embora a raiz de cada átomo individual e de cada forma coletivamente
seja aquele Sétimo Princípio ou Realidade Una, ainda
assim, no seu mundo fenomênico manifestado e na sua aparência
temporária, ela não é mais do que uma ilusão
passageira dos nossos sentidos.
Na
sua dimensão absoluta, o Princípio Único, sob
seus dois aspectos (de Parabrahmam e Mulaprakriti) é sem
sexo, incondicionado e eterno. A sua emanação periódica
(manvantárica) –
ou radiação primária –
também é una, andrógina e fenomenicamente finita.
Por sua vez, quando a radiação ocorre, todas as suas
irradiações são também andróginas,
tornando-se masculinas e femininas em seus aspectos inferiores.
Depois de um prâlâya, seja o prâlâya grande,
seja o prâlâya menor –
(este último deixa os mundos em statu
quo5)
–
o primeiro que redesperta para
a vida ativa é o Akasha Plástico, o Pai-Mãe,
o Espírito e a Alma do Éter, ou o Plano da Superfície
do Círculo. O Espaço é chamado de a
Mãe, antes da sua atividade cósmica,
e Pai-Mãe
no primeiro estágio do redespertar. Na Cabala, o Espaço
é também Pai-Mãe-Filho.
Mas, enquanto para a Doutrina Oriental estes constituem o Sétimo
Princípio do Universo manifestado, ou o seu Atma-Buddhi-Manas
(Espírito, Alma, Inteligência), a tríade que
se ramifica e se divide nos sete princípios cósmicos
e humanos, para a Cabala Ocidental dos místicos cristãos,
trata-se da Tríade ou Trindade, e segundo os seus ocultistas,
o macho-fêmea, Jeová, Jah-Havah. Esta é a única
diferença entre as trindades esotérica e cristã.
Os místicos e os filósofos, os panteístas orientais
e os ocidentais, sintetizam a sua tríade pré-genética
na pura Abstração Divina. Os ortodoxos a antropomorfizam.
Hiranyagarbha, Hari e Sankara –
as três hipóstases do Espírito do Supremo Espírito
em manifestação (por cujo título Prithivi,
a Terra, saúda Vishnu em seu Primeiro Avatar) –
são as qualidades puramente metafísicas e abstratas
de formação, preservação e destruição,
e são os três Avasthas (literalmente, hipóstases)
Divinos de Aquilo
Que Não Morre Com As Coisas Criadas (ou Achyuta,
um nome de Vishnu), enquanto o cristão ortodoxo separa sua
Divindade pessoal criadora nos três personagens da Trindade,
e não admite nenhuma Divindade mais elevada. Esta última,
em Ocultismo, é o Triângulo abstrato; para os ortodoxos,
é o Cubo Perfeito. O deus criativo ou os deuses agregados
são vistos pelo filósofo Oriental como Bhrantidarsanatah
–
falsa compreensão, algo concebido como uma forma material
devido a aparências errôneas, o que é explicado
como surgindo da visão ilusória da [personalidade-]alma
egoísta, pessoal e humana (quinto princípio inferior).
Isto foi expresso de maneira bela em uma nova tradução
do Vishnu Purana. Aquele Brahmâ em sua totalidade tem essencialmente
o aspecto de Prakriti, tanto exteriorizado como não-exteriorizado
(Mulaprakriti), e também o aspecto de Espírito e o
aspecto de Tempo. O Espírito, o nascido-pela-segunda-vez,
é o aspecto principal do Supremo Brahma. O aspecto seguinte
é duplo –
Prakriti –
tanto exteriorizado como não exteriorizado, e o tempo
é o último. Na teogonia órfica, Cronos é
descrito como sendo também um deus ou agente gerado.
Neste estágio do redespertar
do Universo, o simbolismo sagrado o representa como um Círculo
Perfeito com o Ponto (Raiz) no centro.
Este
signo era universal, portanto, nós o encontramos também
na Cabala. A Cabala Ocidental, no entanto, agora nas mãos
dos místicos cristãos, o ignora completamente, embora
ele seja claramente mostrado no Zohar. Estes sectários começam
pelo final, e apresentam como símbolo do Cosmo pré-genético
este signo Å, chamando-o de a
União da Rosa e da Cruz, o grande mistério
da geração oculta, de onde vem o nome rosacruzes (Rosa
Cruz)!
No entanto, como se pode
ver a partir do mais importante e mais bem conhecido dos símbolos
rosacruzes, existe um que nunca até agora foi compreendido
nem mesmo pelos místicos modernos. É o símbolo
do Pelicano, que rompe e abre seu próprio peito para alimentar
seus sete filhotes –
o verdadeiro credo dos Irmãos da Rosacruz e um produto direto
da Doutrina Secreta Oriental.
Brahma
(de gênero neutro) é chamado de Kalahansa, o que significa,
como explicado por orientalistas ocidentais, o Eterno Cisne ou Ganso,
e o mesmo ocorre com Brahmâ, o Criador. Um grande erro, deste
modo, fica à mostra. É Brahma (neutro) que deveria
ser referido como Hansa-vahana (aquele que usa o cisne como seu
Veículo), e não Brahmâ, o criador. Brahmâ
é o verdadeiro Kalahansa, enquanto Brahma (neutro) é
Hamsa, e Ahamsa, como será explicado no comentário.
Deve ser levado em conta que os termos Brahmâ e Parabrahmam
não são usados aqui porque eles pertencem à
nossa Nomenclatura Esotérica, mas, apenas, porque são
mais familiares para os estudantes ocidentais. Ambos são
os perfeitos equivalentes dos nossos termos com uma, três
e sete vogais, que correspondem ao Todo Uno e ao Uno Todo em Tudo.
Estes são os conceitos
básicos sobre os quais está estabelecida a Doutrina
Secreta. Não cabe fazer aqui a defesa deles nem dar qualquer
comprovação do seu caráter intrinsecamente
razoável. Tampouco posso fazer uma pausa para mostrar como
estes conceitos estão na verdade contidos –
embora demasiado freqüentemente sob aparências enganosas
– em
cada um dos sistemas de pensamento ou sistemas filosóficos
dignos deste nome. Uma vez que o leitor tenha obtido uma clara compreensão
destes conceitos, e tenha percebido a luz que eles lançam
sobre todos os problemas da vida, já não será
necessária mais nenhuma justificação deles
junto ao leitor, porque sua veracidade será tão evidente
quanto a existência do Sol no céu.
______
Notas:
1.
A palavra
primeira
indica, necessariamente, algo que é o
primeiro a ser produzido, o primeiro no tempo, no espaço
e em hierarquia, e, portanto, finito e condicionado.
O primeiro
não
pode ser o absoluto, porque é uma manifestação.
Portanto, o Ocultismo Oriental chama o Todo Abstrato de Causa
Una Sem Causa, a Raiz
Sem Raiz, e limita a Causa
Primeira ao Logos, no sentido que Platão
dá a este termo.
(Nota de Helena Petrovna Blavatsky).
2. Chamado
em sânscrito de Upadhi.
(Nota
de Helena Petrovna Blavatsky).
3. Chamados
pela Teologia Cristã de Arcanjos, Serafins etc.
(Nota
de Helena Petrovna Blavatsky).
4.
Peregrino é um termo para designar a nossa Mônada (os
dois em um) durante seu ciclo de encarnações. É
o único princípio imortal e eterno em nós,
sendo uma parte indivisível do Todo Integral –
o Espírito Universal, do qual ela emana e no qual ela é
absorvida no final do ciclo. Quando se afirma que a Mônada
emana do Espírito Uno, está sendo necessário
usar uma expressão inadequada e incorreta, por falta de palavras
adequadas. Os vedantinos a chamam de Sutratma (Fio-da-Alma), mas,
sua explicação, também, difere um pouco da
explicação dos Ocultistas. No entanto, deixamos para
os vedantinos a tarefa de explicar a diferença.
(Nota
de Helena Petrovna Blavatsky).
5.
Não são os organismos físicos, e muito menos
os seus princípios psíquicos, que permanecem em statu
quo durante os grandes prâlâyas cósmicos ou mesmo
durante
os prâlâyas
solares, mas, somente as suas fotografias astrais ou akáshicas.
Todavia, durante os prâlâyas
menores, uma vez tomados pela Noite,
os planetas permanecem intactos, embora mortos, assim como um animal
enorme, capturado e soterrado no gelo polar, permanece igual durante
eras. (Nota
de Helena Petrovna Blavatsky).
In: As
Três Proposições Fundamentais, Helena
Petrovna Blavatsky.