Da
Atlântida submersa em nosso ser, apenas se mostram, fora de água,
dois ou três ilhéus escalvados e desertos.
Tudo,
em volta de nós,/Tinha
um aspecto de alma./Tudo era sentimento,/Amor e piedade.
A
alma exprime o natural sobrenaturalizado, isto é, dum modo original,
porque a alma, oriunda de tudo, é senhora de tudo, independente.
Sendo todas as coisas, é outra coisa. É todas as árvores
e a Árvore. Quando se exalta e canta, num poeta, pode atingir a Divindade,
vence o tempo e o espaço, as duas barreiras tenebrosas. Mas o sábio
pretende observar o mundo, com uma isenção perfeita, surpreender
a realidade limpa de detritos humanos, materialmente pura. Deseja aniquilar
a sua personalidade criadora, em benefício do senso crítico.
Conseguirá ele, um dia, isolar-se, por completo, dessa personalidade
contagiosa? E, distanciado de si mesmo, falecido em si mesmo, contemplar
o universo, com uns olhos de caveira inteligente?
Os
mundos, que são existências, giram no espaço vazio –
essa não existência ilimitada.
Por
mais diferentes que sejam as nossas idéias – sob os pontos
de vista religioso, filosófico ou artístico – poderemos
sempre nos entender, porque há um lugar em que todos os princípios
e todas as idéias fraternizam.
Não
me cansarei de afirmar que a Saudade é, em sua última e profunda
análise, o amor carnal espiritualizado pela Dor ou o amor espiritual
materializado pelo Desejo; é o casamento do Beijo com a Lágrima;
é Vênus e a Virgem Maria numa só Mulher. É a
síntese do Céu e da Terra; o ponto onde todas as forças
cósmicas se cruzam; o centro do Universo: a alma da Natureza dentro
da alma humana e a alma do homem dentro da alma da Natureza. A Saudade é
a personalidade eterna da nossa Raça; a fisionomia característica,
o corpo original com que ela há-de aparecer entre os outros Povos.
A Saudade é a manhã de nevoeiro; a Primavera perpétua,
'a leda e triste madrugada' do soneto de Camões. É um estado
de alma latente que amanhã será Consciência e Civilização
Lusitana...
A
religião interessa-me como Revelação instintiva ou
consciente (poesia pura e ciência pura); e não como regra de
conduta. Deus não está nos preceitos da Moral, que é
de origem social, um produto da vida em comum. Deus é, além
de tudo, o espírito criador; e o homem, antes de tudo, é o
ser. O cidadão é uma individualidade fictícia; não
pesa na balança. Mas o ser imprime as suas pegadas na lama dos caminhos;
e a lua contempla-o, e ouve-o, quando ele vai, de noite, a falar só.
O
silêncio é a alma nua das cousas...
Renascer
é dar a um antigo corpo uma nova alma fraterna, em harmonia com ele.
O passado é indestrutível; é o abismo, a treva onde
o homem mergulha as raízes do seu ser, para dar a nova luz do futuro
à sua flor espiritual.
O
pecado é mais fecundo do que a virtude. A virtude é ponto
de chegada, e não caminho a percorrer...
O
céu é apenas um disfarce azul do inferno.
Nunca
me conformei com um conceito puramente científico da Existência,
ou aritmético-geométrico, quantitativo-extensivo. A existência
não cabe numa balança ou entre os ponteiros dum compasso.
Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão.
O pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de
pontos inextensos, como a vida é feita de mortes. A realidade não
está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes,
simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida,
nem líquida, nem gasosa, nem eletromagnética, palavras com
o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a todos os olhos
de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atômico
perdido no infinitamente pequeno ou da nebulosa Andrômeda, a seiscentos
mil anos de luz da minha aldeia! A essência das coisas, essa verdade
oculta na mentira, é de natureza poética e não científica.
Aparece ao luar da inspiração e não à claridade
fria da razão. Esta apenas descobre um simples jogo de forças
repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas ocas, a
casca de um fruto proibido. Mas o miolo é do poeta. Só ele
saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso,
e se embrenha nela até ao mais profundo das suas sensações
e sentimentos. É o ser interior a tudo. Para ele, a realidade não
é um conceito abstrato, idéia pura, imagem linear; é
uma concepção essencial, imagem hipostasiada, possuída
em alma e corpo, nupcialmente, dramaticamente, à São Paulo
ou Shakespeare.
Deus,
sentindo a imperfeição da sua obra, não a pôde
destruir. Noé salvou-se na barca. Resta apenas emendá-la,
expiar o crime. É o significado do Calvário. Jesus é
o remorso de Deus, o Filho.
Temos
o pavor da morte e o da desgraça; e ainda uma aspiração
insatisfeita, um desejo indefinido de outra coisa, talvez o instinto da
nossa grandeza universal, condenada a ser uma triste criatura.
A
ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água.
As
coisas que me cercam silenciosas/São
almas a chorar que me procuram./Quantas vagas palavras misteriosas/Neste
ar que aspiro, trêmulas, murmuram!
A
dor floresce um ramo e faz brotar um verso.
Somos
a nuvem, o ser ondulante de incerteza, onde o Tempo adquire uma vaga figura
esfumada em vagos sentimentos. Somos a melancolia, a saciedade, talvez o
instinto da nossa vida casual, fora duma divina Intenção,
sucedendo-se, em virtude de mil acasos favoráveis, até que
a falta, também casual, dum só acaso nos precipite no sepulcro!
Os
animais são pessoas, como nós somos animais.
O
aperfeiçoamento da Humanidade depende do aperfeiçoamento de
cada um dos indivíduos que a formam. Enquanto as partes não
forem boas, o todo não pode ser bom. Os homens, na sua maioria, são
ainda maus, e é, por isso, que a sociedade enferma de tantos males.
Não foi a sociedade que fez os homens; foram os homens que fizeram
a sociedade. Quando os homens se tornarem bons, a sociedade tornar-se-á
boa, sejam quais forem as bases políticas e econômicas em que
ela assente. Dizia um bispo francês que preferia um bom muçulmano
a um mau cristão. Assim deve ser. As instituições aparecem
com as virtudes ou com os defeitos dos homens que as representam.
Se
Deus não fosse um absurdo, quem lhe ligaria importância ou
acreditaria Nele?
Nós
encontramos o soldado em várias espécies inferiores. A formiga
tem exércitos e creio que polícia civil. Qualquer obscuro
passarinho é um autêntico Bleriot.1
Não há industrial alemão que se aproxime da abelha.
O canto do galo e os versos da Ilíada. João de Deus e o rouxinol,
o castor e o arquiteto, a sub-marinha e os tubarões representam cousas
e criaturas que se confundem...
Mas o Filósofo revela-se apenas no homem. A Filosofia é o
sinal luminoso que o destaca da mesquinha escuridade ambiente... Só
o homem é suscetível de magicar, de refazer a Criação
à sua imagem... O homem corrige Deus.
É
possível que entre o crime e a inspiração haja um certo
parentesco.
Sem
poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a
mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição
poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento
euclidiano ou o conhecimento científico. E nos dá o sentido
mais perfeito e harmônico da vida. Aperfeiçoando o ser humano,
afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade
atual, obcecada pela bola e pelo cinema, reduzida quase a uma fotografia
peculiar e uma espécie de máquina de fazer pontapés,
despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco,
prefere regressar à selva a regressar ao Paraíso. E assim,
igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o Coração
e a Consciência do Universo: o Sagrado Coração e o Santo
Espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente.
E tornou-se consciente porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades
da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza
numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio
Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a,
desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor.
Por
trás dos conhecimentos euclidiano ou científico,
houve, há e sempre haverá um Coração.
Somos
a consciência dum Acaso, desencantado, que perdeu a divindade…
Deus, que seria de ti se não fossem as aves e as flores?!
Quem
sofre resplandece. A lágrima alumia.
A
monotonia é a repetição do mesmo milagre.
A alma é tão ávida e exigente de maravilhoso que não
consente a demora do mesmo prodígio, do mesmo assombro. A luz que
nos deslumbra, neste momento, horas depois, deixa-nos às escuras.
A
Terra ama-nos de tal modo que nos devora, por fim, num acesso de luxúria!
Todo
o enigma da vida está fechado na cabeça de uma formiga.
Deus
não está nos preceitos da Moral.
Jeová
é a caricatura do homem, o homem exagerado em altas nuvens, pondo
um trovão na voz e um relâmpago nos olhos.
Somos,
como indivíduo, um animal religioso; e como coletividade, um animal
das selvas. Individualizar os homens, esculpir a massa informe, é
dar uma fisionomia própria a cada um, a consciência iluminada
do seu ser e, com ela, o sentimento de responsabilidade e liberdade.
Ser
uma coisa evidente é ficar reduzido a quase nada.
O
Olimpo e os seus habitantes cabem nesta palavra: infância. A mocidade
é já velhice, política, profissão e uma certa
loucura em que ardem ignobilmente os últimos farrapos do nosso ser
divino. A infância é uma saudade e a mocidade um remorso.
Que
é morrer? É penetrar na noite do Passado; é abrir a
porta que se fechou, atrás de nós, quando entramos neste mundo;
é ficar do lado de fora, em pleno vácuo infinito…
A
criatura vulgar só entende a palavra que atingiu a maioridade, o
uso pleno da razão – quer dizer, a palavra morta.
O
Bem e o Mal, a Justiça, a Liberdade, eis aí letras grandes
abrindo palavras ilusórias, pórticos solenes de papelão
rasgados sobre o Nada. Comédias que enriquecem os empresários.
Filósofos, filantropos, apóstolos, incluindo o próprio
S. Pedro… É a pior gente que há no mundo! Comediantes
do Eterno; saltimbancos do Divino!
Forçar
as portas do Infinito! O belo sonho desvairado! Forçá-las
a tiros de revólver, como Antero!2
Só
os animais avistam a Divindade; nós o mais que podemos é adivinhá-la,
num recanto ainda intacto do nosso Coração. Existirá
esse recanto porventura? Existe e é profundo como a nossa ignorância.
Há
momentos em que um fio de seda sustentaria no ar um penedo; e há
outros em que o sopro duma criança apagaria uma estrela…
A
dor é a estrada que vai dar ao Ideal.
A
saudade dos velhos é a inocência das crianças, ressurgindo,
embora triste, porque se avizinha a noite. Na inocência e na saudade,
há o mesmo sentimento da Verdade oculta nas formas enganadoras, a
mesma revelação do mistério, a mesma luz…
A
existência diminui as criaturas; redu-las a linhas materiais, a uma
presença bruta e caída sob o domínio dos sentidos.
Os
primeiros anos da nossa vida têm uma extensão secular; a dos
outros vai diminuindo, conforme se aproximam da atualidade… E o dia
de ontem cabe dentro de um minuto.
Era
o ser de olhar duplo, contemplando/O reino a que pertence e o seu etéreo/Desdobramento
anímico; e, por isso/Olhava as duas faces do Mistério.
Só
os olhos que choram sabem ver.
A
vida é uma tragédia da qual nos esquecemos quando os intervalos
se prolongam. Esquecemo-nos nesta branda claridade de todos os dias sossegados.
Mas a corrente elétrica interrompe-se, de súbito, e o fio
que se funde desentranha-se em labaredas.
A
saudade, incidindo sobre o futuro, é esperança ou desejo,
como é lembrança quando incide sobre o passado. O primeiro
elemento da saudade é criador; o segundo fixa e perpetua. Da ação
combinada destes dois elementos resulta o existente material e espiritual.
A
saudade ressuscita os mortos, dentro em nós; mas, se enlouquece,
põe-nos a viver, cá fora, à luz do Sol. A loucura tem
outra energia. Faz o mármore e a estátua. O mundo foi construído
assim.
No
artista verdadeiro, a forma deriva da emoção; brota de dentro
dela e com ela. Não é um vestuário imposto ao pensamento:
é a pele viva.
O
luar é a luz do Sol vestida de humildade.
A
caricatura é o riso amarelo da alma, ante a sua origem e o seu destino:
ante o Macaco e a Morte. E é, portanto, o pior inimigo duma concepção
otimista da Vida. A caricatura nasceu da morte da alma imortal. É
filha da Desilusão.
Sou
poeta quando entendo a voz do vento,/ E me vejo fantasma e sentimento.
As
palavras são seres.
Representamos
o objetivo e o subjetivo, a quantidade e a qualidade, o número cardinal
e o ordinal, a desordem corpuscular e a música das esferas, a fatalidade
e a liberdade. Representamos tudo isso, num cenário sólido,
líquido e gasoso. E, por isso, comemos, bebemos, e respiramos –
três virtudes do fôlego animado, porque muda o que come, em
sensações, o que bebe em sentimentos e o que respira em idéias
claras ou obscuras, conforme é límpido o ar ou enevoado...
É de sólida origem a sensação; o sentimento
é já de origem fluídica; e, então, o pensamento
é só cor azul ou imagem íntima da luz.
Tudo
está em tudo.
Tudo
é memória: um fumo leve, em mil visagens animadas; ou denso,
em formas inertes e sombrias; e, ao longe, a grande fogueira invisível
que os demônios e os anjos alimentam.
Quando
a primeira lágrima aflorou
Nos meus olhos, divina claridade
A minha pátria aldeia alumiou
Duma luz triste, que era já saudade.
Humildes,
pobres cousas, como eu sou
Dor acesa na vossa escuridade...
Sou, em futuro, o tempo que passou-
Em num, o antigo tempo é nova idade.
Sou
fraga da montanha, névoa astral,
Quimérica figura matinal,
Imagem de alma em terra modelada.
Sou
o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma
a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.
|
Somos
apenas defuntos animados, pobres esqueletos revestidos dum tecido efêmero
ou ilusório. Nos seus fios vibram as ondas celestes, como lampejos
da Consciência Universal, que se multiplicam por um número
que foge da Aritmética e é tão luminoso como o gênio
de Pitágoras.
O
corpo tende para a alma, a alma tende para o corpo. Resultado? Um corpo
animado que não é alma; uma alma corporizada que não
é corpo: o ser que vive.
Vivemos
porque os nossos olhos encarceram as cousas e os seres em pequenas formas
limitadas. Que seria de nós se as víssemos nos seus aspectos
verdadeiros? A presença de uma árvore petrificar-nos-ia, de
repente!.
O
que descobrimos do mundo é o que resta do seu desencanto ao ser contemplado
pelos homens: os escombros dum incêndio.
As
divinas Imagens que viveram outrora, em amor e sonho, na alma dos fiéis,
existem, hoje, em madeira e tinta, nos altares. O português –
vede o grande mal! – sofre de desencanto e de velhice. Mumificou em
formas de esqueleto, e ri, como as caveiras. Porque o riso é máscara.
Encobre sempre qualquer coisa que nos falta. O riso português encobre
um Deus defunto.
O amor não é natural;
natural é a sensualidade e a crueldade. Basta a sensualidade para
que haja vida; mas a vida humana só aparece com o amor.
A crença é tão
indispensável à ciência como à religião.
O sábio acredita no que vê; o místico ou o poeta naquilo
que visiona. O que se vê corresponde a uma realidade sensível,
e o que se imagina corresponde a outro aspecto da realidade. A imaginação
é o sexto sentido, esse que atua na esfera do invisível.
O
homem, sonhando, transborda de si mesmo, amplia o mundo, porque ilumina
as suas dimensões desconhecidas. O sonho é alta temperatura,
um estado térmico da alma, a sua incandescência.
Deus
tem de ser afirmado e negado, pois afirmar e negar é a própria
ação espiritual ou a liberdade de pensamento. Tanto serve
Deus quem o nega como quem o afirma… É o conflito metafísico,
o drama transcendente das almas, a sua razão de ser, a força
que as sustenta à flor da vida. As almas, sem esse conflito, caem
num conformismo estéril, numa espécie de castidade definhadora,
que é o culto virginal da morte.
Em todo poeta verdadeiro existe um
filósofo adormecido, como existe um poeta adormecido em todo verdadeiro
filósofo. O poeta filosofa depois de cantar e o filósofo canta
depois de filosofar.
Viver
é vencer a morte, animar o nosso próprio ser e a paisagem…
Viver é ser criança, ouvir falar as árvores e as fontes,
ver as asas do zéfiro, o perfil da aurora. Viver é identificar
tudo à nossa pessoa, que é uma síntese do Universo
– o Universo dado numa flama anímica.
O
homem nasce e morre várias vezes, desde que sai do berço até
que entra no túmulo.
Somos
um sonho divino que não se condensou, por completo, dentro dos nossos
limites materiais. Existe, em nós, um limbo interior; um vago sentimental
e original que nos dá a faculdade mitológica de idealizar
todas as coisas... Se fôssemos um ser definido, seríamos, então,
um ser perfeito, mas limitado, materializado como as pedras. Seríamos
uma estátua divina, mas não poderíamos atingir a Divindade.
Seríamos uma obra de arte e não vivente criatura, pois a vida
é um excesso, um ímpeto para além, uma força
imaterial, indefinida, a alma, a imperfeição. A vida é
uma luta entre os seus aspectos revelados e o limbo em que eles se perdem
e ampliam até à suprema distância imaginável;
uma luta entre a realidade e o sonho, a Carne e o Verbo. Entre nós,
o Verbo não encarnou inteiramente. Somos corpo e alma, Verbo encarnado
e Verbo não encarnado, a matéria e o limbo, o esqueleto de
pedra e um fumo que o encobre e ondula em volta dele, e dança aos
ventos da loucura... E aí tendes um pobre tolo sentimental, uma caricatura
elegíaca. Neste limbo interior, neste infinito espiritual, vive a
lembrança de Deus que alimenta a nossa esperança, e transfigura
esse bicho do Demônio, que anda por esses 'boulevards', vestido à
moda ou coberto de farrapos. Ardemos num incêndio de esperança,
para que reste de nós uma lembrança, um fumo que sobe e não
se apaga. Tudo é memória: um fumo leve, em mil visagens animadas;
ou denso, em formas inertes e sombrias; e, ao longe, a grande fogueira invisível
que os demônios e os anjos alimentam. Vivo, porque espero. Lembro-me,
logo existo.
A
questão é ter ouvidos onde o Silêncio se faz Voz e ter
uns Olhos onde o Invisível se veste de aparências.
Falta-nos alguém… Aquela
pessoa que nós somos realmente… O que nos aflige e consome
é esta ausência em que vivemos de nós próprios,
esta distância infinita que separa o homem da sua alma, do seu espectro...
É esta Saudade que nos mata!
O
riso é um incêndio que arde desde os séculos, desde
o tempo em que o mundo era uma estrela. O riso é o último
lampejo duma estrela, transmigrando de alma em alma…
Que
seria do mundo sem o homem? Permaneceria como abismado numa absoluta inexistência.
A alegria sai da alma, bate as asas
no ar azul e é o sorriso de certas criaturas…
Há
só milagres. Façamos o milagre da nossa libertação
espiritual. Eis a grande questão, não hamlética, mas
quixotesca, ibérica. Não se trata de ser ou de não
ser, mas de ser absolutamente. E ser é querer ser. Sejamos nós,
que a nossa pessoa, quanto mais destacada, mais perfeita.
Somos
a nossa casa e todas a velhas sombras que a povoam…
Nunca
bebeste, em manhãs de Sol, uma gota de orvalho? É água,
céu e luz. Bebê-la é comungar a Criação!
A
Morte é a pessoa feminina de Deus.
Paira, em tudo, uma voz emudecida.../E
essa voz, que é penumbra/E já foi luz e vida,/O
meu inquieto espírito deslumbra,/Para que ela traduza a
Deus, numa oração,/A dor da Criação...
E
a eterna luz do mundo/Toma
formas estranhas, sem sentido,/Que
nunca imaginei.../E
vendo-as, dentro em mim, surpreendido,/Eu
tive medo delas, e gritei...
Atingimos
o Nada, a Unidade, a Divindade. Mas temos de admitir o Nada cheio de Tudo,
a Unidade cheia de variedade, o simples muito complexo e a Divindade em
farrapos humanos e desumanos. Atingimos o absurdo natural, o lógico
paradoxo, em que a Existência a si mesma se desvenda, por intermédio
da nossa alma.
O
destino do homem é ser a Consciência do Universo em ascensão
perpétua para Deus.
Com
prazer, vou epilogar:
Da
Lemúria que alicerça
–
em meu ser –
repercute
o Mount Shasta.
Da
Atlântida submersa
–
em meu ser –
ressai
o antiantonomasta.
Meu
Eu Interno transformou
a
inadequação
em
compreensão e bondade.
Meu
Coração transmutou
a
separação
em
união e compassividade.
______
Notas:
1. Louis
Blériot (Cambrai, França, 1 de junho de 1872 – Paris,
2 de agosto de 1936) foi um aviador francês, talvez o mais popular
de todos. Foi graças a ele que ficou demonstrada a utilidade do avião
como instrumento militar (e mesmo de transporte de passageiros), quando
ele realizou a travessia do canal da Mancha, em 1909. Após seu pouso
bem sucedido na Inglaterra com o Blériot XI, o aeroplano ganharia
o status de uma máquina com o potencial para transformar
as relações entre as nações.
2, Antero
Tarquínio de Quental – jurista, escritor (poeta, ensaísta
e filósofo), doutrinador e propagandista republicano e socialista
– nasceu em 18 de abril de 1842 em Ponta Delgada, no Açores.
Em 1863 (ou 1864), Antero foi Iniciado Maçom, em Coimbra, ainda que,
em relação ao Grande Arquiteto do Universo, para ele silêncio
sempre silente, tenha escrito: Só
me falta saber se Deus existe. Em 11 de setembro de 1891, por
volta das 17 horas, atormentado por uma fome insaciável de justiça
e de verdade, uma agonia filosófica sem-termo, Antero compra um revólver
Lefaucheux. Pelas 20 horas, no Campo de São Francisco, lado norte,
junto ao muro que fecha a cerca do Convento da Esperança, Antero
suicida-se com dois tiros. Transportado para o Hospital da Santa Casa de
Misericórdia, não resiste e morre cerca das 21 horas, deixando
capenga aquilo que se poderia denominar de reformas econômicas e sociais
na Terra de minha mãe.
Páginas da Internet consultadas:
http://pt.wikipedia.org/wiki/
Louis_Bl%C3%A9riot
http://citador.pt/pensar.php?pensamentos=
Teixeira_de_Pascoaes&op=7&author=20102
http://www.filologia.org.br/soletras/13/07.htm
http://www.cienciadasreligioes.eu/
wikipedia/index.php?title=Teixeira_de_Pascoaes
http://cvc.instituto-camoes.pt
/filosofia/1910a.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/
Teixeira_de_Pascoaes
http://cyberself-neurofilosofia.blogspot.com/
2009/11/teixeira-de-pascoaes-materialismo-e.html
http://www.pensador.info/
teixeira_de_pascoais/
http://joseeduardolopes.tripod.com/id30.html
http://www.triplov.com/poesia/
Teixeira-de-Pascoaes/index.htm
http://cvc.instituto-camoes.pt/
filosofia/1910a.html
http://pt.wikiquote.org/wiki/
Teixeira_de_Pascoaes
Música
de fundo:
Tiro
Liro Liro (repertório popular português)
Interpretação: Amália Rodrigues
Fonte:
http://www.belita.org/Music/