Que
belo e que natural é ter um amigo!
A
unidade de uma pessoa é tal, que basta um gesto para revelar um homem.
Todo
o semeador semeia contra o presente.
Não
há céu que me queira depois disto,
Nem deus capaz de ouvir-me.
Um homem firme
É firme até no céu,
E até diante
Do Criador!
É o que eu diria se, ressuscitado,
Fosse chamado
A depor!
Mais
um ano. Mais um palmo a separar-me dos outros, já que a vida não
passa de um progressivo distanciamento de tudo e de todos, que a morte remata.
A
Velhice é isto: ou se chora sem motivo ou os olhos ficam secos de
lucidez.
Ter
um destino é não caber no berço onde o corpo nasceu;
é transpor as fronteiras, uma a uma, e morrer sem nenhuma.
O
que sou toda a gente é capaz de ver; mas o que ninguém é
capaz de imaginar é até onde sou e como.
Que
cada frase, em vez de um habilidoso disfarce, fosse uma sedução...
e um ato sem subterfúgios. Para tanto, limpo-a escrupulosamente de
todas as impurezas e ambigüidades.
Nascemos
sós, vivemos sós e morremos sós.
Junto
dos analfabetos encontro ainda o riso, a indignação, o espanto...
O
Capitalismo não hesita mesmo diante de um leito de sofrimento.
Nada
há de menos sociológico de que a aplicação a
uma comunidade viva do estrito espírito do sistema.
A
política é para eles [os
políticos] uma promoção e, para mim, uma
aflição.
Não
há uniformidade de critério possível perante a surpreendente
e paradoxal diversidade da vida.
Canto
como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
Perde-se
a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer...
Fomos
descobrir o mundo em caravelas e regressamos dele em traineiras. A fanfarronice
de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este
resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal
a ser o remorso da outra metade.
Já
bati palmas com brio
À
confusão do trajeto
Que fez o meu rodopio
De posições no vazio
Inserto mo meu projeto...
A
vida é lenta quando a morte tem pressa.
Apetece
cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar,
mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.
Apetece gritar, mas ninguém
grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.
Apetece morrer, mas ninguém
morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.
Oh! maldição do tempo
em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!
No
silêncio cansado
E paciente
Canta um galo vidente.
E diz que cada dia
Que anuncia
É sempre um dia novo
De renovo
E poesia.
Peço-te
lucidez, Senhor.
Rogo-te humildemente.
Em nome da terrena condição,
Que me não cegues neste labirinto
De paixões.
Que nele, aos tropeções,
Eu nunca chegue até onde, perdido,
O homem já não pode
Saber até que ponto é consentido
O jugo que sacode.
Deixem
passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada.
Deixem, que vai apenas
Beber água de Sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.
Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no, pois, passar, agora
Que vai cheio de noite e solidão.
Que vai ser
Uma estrela no chão.
De
um lado terra, doutro lado terra;
De um lado gente, doutro
lado gente...
O mesmo beijo aqui; o mesmo beijo além...
Aqui,
diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não
repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas
e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à
mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de
Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus
governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
Em
nome do teu nome,
Que é viril,
E leal,
E limpo, na concisa brevidade
— Homem, lembra-te bem!
Sê viril,
E leal,
E limpo, na concisa condição.
Traz à compreensão
Todos os sentimentos recalcados
De que te sentes dono envergonhado;
Leva, dourado,
O Sol da consciência
Às íntimas
funduras do teu ser,
Onde moram
Esses monstros que temes
enfrentar.
Os leões da caverna
só devoram
Quem os ouve rugir e se recusa
a entrar.
A
vida afetiva é a única que vale a pena. A outra apenas serve
para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo.
A
maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar
pela literatura, em vez de começar pela vida.
Enquanto
não alcances não descanses; de nenhum fruto queiras só
metade.
É
instrutivo ver os vários retratos que fazem de nós pela vida
fora. Com traços lisonjeiros ou desagradáveis, entram-nos
sempre pelos olhos dentro como estranhos, a perturbar uma paz que tinha
um rosto habitual, familiar, a que estávamos acostumados. À
imagem tranqüila, sobrepõem-se outras inquietantes que não
servem no cartão de identidade, e, contudo, nos identificam publicamente
mais até do que a que nele figura. É que não se trata
de neutras fotografias. São perfis apaixonados, justos ou injustos,
com as virtudes e os defeitos cruamente patenteados. Quem um dia nos lembrar,
é por eles que nos lembra. Somos o que nós sabemos, e parecemos
o que os outros dizem de nós.
O
que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de
cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura. E que a doçura que
não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura
e muito mais nova.
Bichos
que cavam no chão
atuam como parecem
sem um disfarce que os mude.
Embora
muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos
maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é
que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade
e o Coração, depois, não hesite.
Canta,
poeta, canta!
Violenta o silêncio conformado.
Cega com outra luz a luz do dia.
Desassossega o mundo sossegado.
Ensina a cada alma a sua rebeldia.
Não
sei quantos seremos, mas qu'importa?
Um só que fosse e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!
Não podemos mudar a hora
da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.
E o que não presta é
isto: esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.
Na
terra negra da vida,
Pousio do desespero,
É que o Poeta semeia
Poemas de confiança.
O Poeta é uma criança
Que devaneia.
Mas todo o semeador
Semeia contra o presente.
Semeia como vidente
A seara do futuro,
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.
Vem,
camarada, vem
Render-me neste sonho de beleza!
Vem olhar doutro modo a natureza
E cantá-la também!
Ergue o teu coração como
ninguém;
Fala doutro luar, doutra pureza;
Tens outra humanidade, outra certeza:
Leva a chama da vida mais além!
Até onde podia, caminhei.
Vi a lama da terra que pisei
E cobri-a de versos e de espanto.
Mas, se o facho é maior na tua
mão,
Vem, camarada irmão,
Erguer sobre os meus versos o teu canto.
—
Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre nosso que sabia,
A pedir-te humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
— Liberdade,
que estais na Terra...
E a minha voz crescia
De emoção,
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
—
Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Despretensioso
Remate
Eu-pecador
me confesso
Ao
Deus do meu Coração:
Oh!,
Deus de pálido fulgor!
Se
não fosse o Teu verdor,
Eu
já não seria maganão
Do
meu próprio insucesso.
Eu-penitente
me dilacero
Ao
Deus do meu Coração:
Oh!
Deus de tanta ausência!
Se
me doasses Tua ciência,
Teria
trocado o sim pelo não
E
já não mais bramiria fero.
Eu-transgressor
oro sentido
Ao
Deus do meu Coração:
Oh!
Deus como estou aflito!
Se
Tu ouvisses o meu grito,
Eu
não requestaria ademão
E
já não me oneraria o alarido.
Eu-infringente
me humilho
Ao
Deus do meu Coração:
Oh!
Deus não ouças calado!
Fosse
eu Teu bem-amado,
Não
mais vagaria em solidão
E
outro já seria o meu brilho.
Erica lusitanica
ainda adormecida!
Bibliografia:
TORGA,
Miguel. Antologia poética. 2ª edição.
Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1985.
Páginas
da Internet consultadas:
http://www.rizoma.net/
interna.php?id=130&secao=ocultura
http://www.kenbmiller.com/
paintings/solitude/solitude.html
http://www.joaquimevonio.com/
espaco/h_mourato/hmourato.htm
http://www.cm-coimbra.pt/
cmmtorga/mtorga.htm
http://www.pglingua.org/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga
http://www.notapositiva.com/
http://www.neumanne.com/jp6_19.htm
http://www.mundolusiada.com.br/
COLUNAS/ml_artigo_310.htm
http://www.pensador.info/autor/Miguel_Torga/
http://www.jornaldepoesia.jor.br/torga.html
http://purl.pt/13860/1/
http://www.bragancanet.pt/filustres/torga.html
http://www.astormentas.com/torga.htm
http://www.vidaslusofonas.pt/miguel_torga.htm
http://pt.wikiquote.org/wiki/Miguel_Torga
Fundo
musical:
Ai
Mouraria
Compositores: Amadeu do Vale e Frederico Valério
Intérprete: Amália Rodrigues
Fonte:
http://carlosqueirozpt.multiply.com/journal/item/423/423