Como
disse Joseph Moreau em Aristote et son École, Aristóteles
foi, durante séculos, o oráculo da Filosofia, e sua obra foi
olhada como a soma dos conhecimentos humanos; emancipando-se de sua autoridade
é que a Filosofia abriu novos caminhos. Todavia, se havia acabado
por se esclerosar em uma escolástica, o pensamento aristotélico
foi, em sua fonte, animado por imensa curiosidade científica e vigoroso
espírito científico.
O
conteúdo do corpus
aristotelicum apresenta uma distribuição sistemática:
primeiro, os tratados de Lógica cujo conjunto recebeu a denominação
de Organon — já que para Aristóteles a Lógica
não seria parte integrante da Ciência e da Filosofia, mas apenas
um instrumento (organon) que elas utilizam em sua construção.
O Organon inclui: as Categorias, que estudam os elementos
do discurso, os termos da linguagem; Da Interpretação,
que trata do juízo e da proposição; os Analíticos
(Primeiros e Segundos), que se ocupam do raciocínio formal (silogismo)
e da demonstração científica; os Tópicos,
que expõem um método de argumentação geral,
aplicável em todos os setores, tanto nas discussões práticas
quanto no campo científico; e Dos Argumentos Sofísticos
(ou Das Refutações Sofísticas), que complementam
os Tópicos e investigam os tipos principais de argumentos
capciosos. Este estudo apresenta, em forma de fragmentos, um resumo dos
Tópicos – que, como explicou Aristóteles, se
propõe a encontrar um método de investigação
graças ao qual possamos raciocinar, partindo de opiniões geralmente
aceitas, sobre qualquer problema que nos seja proposto, e sejamos também
capazes, quando replicamos a um argumento, de evitar dizer alguma coisa
que nos cause embaraços. Enfim, o propósito dos
Tópicos é entender o raciocínio dialético,1
cuja utilidade pode ser resumida em três pontos: o
adestramento do intelecto, as disputas casuais e as ciências filosóficas.
Precisamos
ter em mente que (particularmente) um Místico jamais poderá
defender pontos de vista Místicos se usar qualquer tipo de raciocínio
que não seja dialético. Apelar para o fideísmo (doutrina
teológica que, desprezando a razão, preconiza a existência
de verdades absolutas fundamentadas na revelação e na fé)
é apelar para imperativos hipotéticos. Iniciaticamente, quem
apela para a fé perde o freguês. Por outro lado, usar uma razão
fofa ou arrogante, que não deixa de ser uma desrazão, mais
do que perder o freguês, fará o boboca ficar devendo. Solução:
ou ficar calado ou dialetizar procurando coerentizar as contradições.
Por isto, leia com atenção os fragmentos que selecionei dos
Tópicos aristotélicos. Entretanto,
melhor seria ler os
tratados de Lógica de Aristóteles, pois este estudo,
além de estar incompleto, foi resumido ao essencial, segundo um critério
que pode não conter a essencialidade do pensamento aristotélico
nesta matéria, e o que pode ser essencial para mim poderá
não ser essencial para você, e vice-versa.
Fragmentos
dos Tópicos
O
raciocínio é um argumento em que, estabelecidas certas coisas,
outras coisas diferentes se deduzem necessariamente das primeiras. O raciocínio
é uma 'demonstração' quando as premissas das quais
parte são verdadeiras e primeiras, ou quando o conhecimento que delas
temos provém originariamente de premissas primeiras e verdadeiras:
e, por outro lado, o raciocínio é 'dialético' quando
parte de opiniões geralmente aceitas. São 'verdadeiras' e
'primeiras' aquelas coisas nas quais acreditamos em virtude de nenhuma outra
coisa que não seja elas próprias; pois, no tocante aos primeiros
princípios da ciência, é descabido buscar mais além
o porquê e as razões dos mesmos; cada um dos primeiros princípios
deve impor a convicção da sua verdade em si mesmo e por si
mesmo. São, por outro lado, opiniões 'geralmente aceitas'
aquelas que todo mundo admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos
— em outras palavras: todos, ou a maioria, ou os mais notáveis
e eminentes. O raciocínio é 'contencioso' ou 'erístico'
quando parte de opiniões que parecem ser geralmente aceitas, mas
não o são realmente, ou, então, se apenas parece raciocinar
a partir de opiniões que são ou parecem ser geralmente aceitas.
Pois nem toda opinião que parece ser geralmente aceita o é
na realidade. Com efeito, em nenhuma das opiniões que chamamos geralmente
aceitas, a ilusão é claramente visível, como acontece
com os princípios dos argumentos contenciosos, nos quais a natureza
da falácia é de uma evidência imediata, e em geral até
mesmo para as pessoas de pouco entendimento. Assim, pois, dos argumentos
erísticos que mencionamos, os primeiros merecem realmente ser chamados
'raciocínios', mas aos segundos devemos reservar o nome de 'raciocínios
erísticos' ou 'contenciosos', e não simplesmente 'raciocínios',
visto que parecem raciocinar, mas na realidade não o fazem. Mais
ainda: além de todos os raciocínios que mencionamos existem
os paralogismos ou falsos raciocínios, que partem de premissas peculiares
às ciências especiais, como acontece, por exemplo, na Geometria
e em suas ciências irmãs. Com efeito, esta forma de raciocínio
parece diferir das que indicamos acima; o homem que traça uma figura
falsa raciocina a partir de coisas que nem são primeiras e verdadeiras
nem tampouco geralmente aceitas. Com efeito, o modo de proceder desse homem
não se ajusta à definição; ele não pressupõe
opiniões que sejam admitidas por todos, ou pela maioria, ou pelos
filósofos — isto é, por todos, pela maioria ou pelos
mais eminentes — mas conduz o seu raciocínio com base em pressupostos
que, embora apropriados à ciência em causa, não são
verdadeiros, e seu paralogismo se fundamenta ou em uma falsa descrição
dos semicírculos ou no traçado errôneo de certas linhas.
Argumentum
ad Hominem2
A
Dialética é um processo de crítica onde se encontra
o caminho que conduz aos princípios de todas as investigações.
(Pensamos
Saber –› Ouvimos o Deus Interno –› Aprendemos)
Uma
definição é uma frase que significa a essência
de uma coisa.
Uma
propriedade é um predicado que não indica a essência
de uma coisa; todavia, pertence exclusivamente a ela e dela se predica de
maneira conversível.
Um
gênero é aquilo que se predica, na categoria de essência,
de várias coisas que apresentam diferenças específicas.
Um acidente é alguma coisa
que, não sendo nem uma definição, nem uma propriedade,
nem um gênero, pertence, no entanto, à coisa. É algo
que pode pertencer ou não pertencer a alguma coisa, sem que, por
isto, a coisa deixe de ser ela mesma. Um acidente é uma propriedade
tanto relativa como temporária; porém, jamais será
uma propriedade no sentido absoluto.
É preferível o honroso
ou o vantajoso?
É
mais agradável a vida virtuosa ou a vida dos prazeres?
Todas
essas coisas se assemelham entre si como se fossem membros da mesma família.
Categorias
aristotélicas: Substância (Essência), Quantidade,
Qualidade, Relação, Lugar, Tempo, Posição, Hábito
(Estado), Ação e Paixão.
Uma
proposição Dialética3
consiste em perguntar alguma coisa que é admitida por todos os homens,
pela maioria deles ou pelos filósofos, isto é, ou por todos,
ou pela maioria, ou pelos mais eminentes, contanto que não seja contrária
à opinião geral, pois um homem assentirá provavelmente
ao ponto de vista dos filósofos, se este não contrariar as
opiniões da maioria das pessoas. As proposições Dialéticas
também incluem opiniões que são semelhantes às
geralmente aceitas, e também proposições que contradizem
os contrários das opiniões que se consideram geralmente aceitas,
assim como todas as opiniões que estão em harmonia com as
artes acreditadas.
É também evidente que
todas as proposições que se harmonizam com as artes são
proposições Dialéticas, pois os homens estão
predispostos a dar seu assentimento aos pontos de vista daqueles que estudaram
estas coisas.
Um
problema de Dialética
é um tema de investigação que contribui para a escolha
ou a rejeição de alguma coisa, ou ainda para a verdade e o
conhecimento, e isto, quer por si mesmo, quer como ajuda para a solução
de algum outro problema do mesmo tipo. Um problema de Dialética,
deve, além disto, ser algo a cujo respeito os homens não tenham
opinião em um sentido ou em outro, ou o vulgo tenha uma opinião
contrária à dos filósofos, ou a destes seja contrária
à daquele, ou a de alguns filósofos seja contrária
à de outros.
Há
muitas coisas que não desejamos conhecer em si e por si mesmas. Entretanto,
com a mira em coisas que desejamos conhecer, só através de
algumas coisas que não desejamos conhecer é que, talvez, possamos
vir a conhecer as coisas que desejamos conhecer.4
Ocupar-nos
com uma pessoa comum quando expressa pontos de vista contrários às
opiniões usuais dos homens seria tolice.
Um
tema em debate não deve se aproximar demasiadamente da esfera da
demonstração nem tampouco estar excessivamente afastado dela,
pois, o primeiro não admite nenhuma dúvida, enquanto o segundo
envolve dificuldades demasiado grandes para a arte do instrutor.
A
indução é a passagem dos individuais aos universais.
Os meios pelos quais lograremos estar
bem supridos de raciocínios são quatro: (1) prover-nos de
proposições; (2) capacidade de discernir em quantos sentidos
se emprega uma determinada expressão; (3) descobrir as diferenças
das coisas; e (4) investigação da semelhança.
A
sensação difere do conhecimento porque o conhecimento poderá
ser recuperado se for perdido, enquanto a sensação não
o pode.
A percepção
dos contrários é a mesma (já que o conhecimento deles
é o mesmo).
Vemos
pela admissão de alguma coisa em nós mesmos, e não
por uma emissão.
É
ou não é eterno o Universo?
Em
que a justiça difere da coragem e a sabedoria da temperança?
Em que a sensação difere
do conhecimento?
Um
homem está mais apto a saber o que afirma quando tem uma noção
nítida do número de significados que a coisa pode comportar.
Se conhecemos o número de significados de um termo, certamente nunca
nos deixaremos enganar por um falso raciocínio, pois perceberemos
facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus argumentos ao
mesmo ponto. E, quando somos nós mesmos que interrogamos, poderemos
induzir nosso adversário em erro, se ele não conhece o número
de significados do termo.
Descobrir
as diferenças das coisas nos ajuda tanto nos raciocínios sobre
a identidade e a diferença, como também a reconhecer a essência
de cada coisa particular. Que nos ajuda a raciocinar sobre a identidade
e a diferença, é evidente, pois, após descobrirmos
uma diferença qualquer entre os objetos que temos diante de nós,
já teremos mostrado que eles não são o mesmo. E nos
ajuda a reconhecer o que é uma coisa, porque geralmente distinguimos
a expressão própria da essência de cada coisa particular
por meio das diferenças que lhe são próprias.
É possível
que uma coisa seja condicional e não universalmente verdadeira.
Os
erros que ocorrem nos problemas são de duas espécies: 1ª)
causados ou por um juízo falso; e 2ª) causados por uma transgressão
da linguagem corrente. Portanto, aqueles que formulam juízos falsos,
afirmando que um atributo pertence a uma coisa quando não lhe pertence,
cometem um erro; e aqueles que chamam os objetos pelos nomes de outros objetos
transgridem a terminologia estabelecida.
Não
se pode fazer injustiça a um deus porque um deus não é
passível de qualquer espécie de dano.5
É
acertado chamar de 'saudável' tudo que tende a promover a saúde,
como faz a maioria dos homens?
Ao
rebater um juízo, não há nenhuma necessidade de começar
a discussão levando o interlocutor a admitir o que quer que seja,
tanto se o juízo afirma como se nega o atributo universalmente. Porque,
se mostrarmos que, em um caso qualquer, o atributo não pertence ao
sujeito, teremos demolido a afirmação universal; e, do mesmo
modo, se mostrarmos que ele pertence em um só caso que seja, teremos
demolido a negação universal. Ao estabelecer uma proposição,
pelo contrário, teremos de garantir a admissão preliminar
de que, se ele é atribuível em um caso qualquer, é
atribuível universalmente, contanto que esta pretensão seja
razoável.6
Para
argumentar, por exemplo, que se a alma do homem é imortal, toda alma
é imortal, é preciso ter obtido a admissão prévia
de que, se uma alma qualquer é imortal, toda alma é imortal.
Uma
predicação poderá ser verdadeira em um sentido,
mas não em outro.
|
Se
quisermos estabelecer um ponto de vista, deveremos pôr em evidência
todos aqueles significados que admitam este ponto de vista, e dividi-lo
apenas naqueles significados que são necessários para estabelecer
a nossa tese; ao passo que, se quisermos rebater um ponto de vista, deveremos
trazer à luz todos os significados que não admitem este ponto
de vista e deixar o resto de lado. Nestes casos, é também
necessário levar em conta qualquer incerteza a respeito do número
de significados envolvidos. Além disto, que uma coisa é ou
não é de outra deve ser estabelecido por meio das mesmas normas
ou lugares.
Quando
a expressão é mais familiar, torna-se mais fácil atacar
uma tese. Assim, deve-se trocar um termo por outro mais habitual ou informal;
substituir, por exemplo, 'exato' por 'claro' ao descrever uma concepção,
e 'estar ocupado' por 'estar atrapalhado'.7
Será
sempre mais fácil rebater uma pessoa quando presa a uma definição,
pois as definições são sempre mais fáceis de
atacar.8
Se
se deseja estabelecer um ponto de vista ou uma opinião, é
preciso investigar que coisa existe de cuja realidade se seguirá
a realidade da coisa em questão (porque, se demonstrarmos que a primeira
é real, também teremos demonstrado que a coisa em questão
é real). Se, pelo contrário, se deseja desmantelar uma opinião,
deve-se perguntar que coisa é real, se a coisa em questão
é real, porque, se demonstrarmos que o que se segue da coisa em questão
é irreal, teremos rebatido esta mesma coisa.
Há coisas que dizem respeito
ao tempo passado; já outras têm a ver igualmente com o presente
e com o futuro.9
Em
uma disputa, em geral, a confusão dos que perguntam se torna maior
se, depois de lhes terem sido feitas todas as concessões, não
conseguem chegar a conclusão alguma.
Às
vezes, é a tese original a mais fácil de refutar; outras vezes,
é a conseqüência.
Quando
houvermos demonstrado que, de dois argumentos, um pertence ao sujeito, teremos
demonstrado também que o outro não lhe pertence; e, se demonstrarmos
que um deles não lhe pertence, teremos demonstrado a predicabilidade
do outro.
De
boa estrela é aquele que possui uma alma nobre. (Xenócrates,
apud Aristóteles).
O
excesso é geralmente incluído na classe das coisas reprováveis,
e, da mesma forma, a deficiência.
É
impossível que predicados contrários pertençam simultaneamente
à mesma coisa.
Se
o conhecimento é um modo de conceber, o objeto do conhecimento também
será um objeto de concepção.
Se foi afirmado algo de alguma
coisa particular, a mesma afirmação se aplicará também
às outras coisas semelhantes, ao passo que, se a afirmação
não é verdadeira de uma delas, também não o
será das outras.
A
adição do bom ao mau não faz necessariamente com que
o mau se torne bom, como a adição do branco ao preto não
faz com que o preto obrigatoriamente se torne branco.10
Aquilo
que é absolutamente impossível tampouco é possível
sob qualquer aspecto, seja em qualquer tempo, seja em qualquer lugar.11
É
possível que uma coisa corrompível escape à corrupção
em uma ocasião (ou situação) determinada, não
sendo, todavia, possível que escape absolutamente da corrupção.
É
possível viver isolado e só, mas, falando de modo absoluto,
não é possível viver isolado e só.12
Honrar
os deuses é honroso, sem acrescentar mais nada, porque é honroso
em sentido absoluto.
Todas as coisas tendem para o bem.
A
justiça é mais desejável do que um homem justo.
O
que se deseja por si mesmo é preferível àquilo que
se deseja com vistas em outra coisa.
Aquilo
que, em si mesmo, é causa do bem é mais desejável do
que aquilo que o é por acidente.
O
que é bom de maneira absoluta é mais desejável do que
aquilo que é bom para uma pessoa particular.
O que pertence a um deus é
mais desejável do que o que pertence a um homem, e o que pertence
à alma é mais desejável do que o que pertence ao corpo.
A
propriedade de uma coisa melhor é mais desejável do que a
propriedade de uma coisa pior.
O
fim é mais desejável do que os meios, e, de dois meios, é
mais desejável o que mais se aproxima do fim. E, em geral, um meio
que tende para a finalidade da vida é mais desejável do que
um meio que se dirige a qualquer outra coisa.
O
que, em si mesmo, é mais nobre, mais precioso e digno de louvor é
mais desejável do que aquilo que o é menos.
É
mais desejável aquilo que é mais útil em todas as ocasiões
ou na maioria delas. Por exemplo: a justiça e a temperança
são mais desejáveis do que a coragem, pois as primeiras são
sempre úteis, enquanto a segunda só o é em determinadas
ocasiões.
Sempre
que duas coisas se assemelhem muito entre si e não podemos ver nenhuma
superioridade em uma delas sobre a outra, elas devem ser examinadas sob
o ponto de vista de suas conseqüências. Porquanto a que tem como
conseqüência o bem maior é a mais desejável; ou,
se as conseqüências forem más, será mais desejável
a que for seguida de um mal menor.13
Se
todos fossem justos, não haveria necessidade de coragem, ao passo
que, se todos fossem corajosos, ainda assim haveria necessidade de justiça.
Se
A é melhor do que B em sentido absoluto, também o melhor dos
componentes de A é superior ao melhor dos componentes de B.
Ser melhor não decorre necessariamente
que seja mais desejável. Pelo menos, ser filósofo é
melhor do que ganhar dinheiro; porém, não é mais desejável
para um homem que esteja falto das coisas necessárias à vida.
De
maneira geral, é possível admitir que as coisas necessárias
são mais desejáveis, enquanto as supérfluas são
melhores.
O poder não é desejável
sem a prudência, mas a prudência é desejável sem
o poder.
A
justiça é algo mais desejável do que a coragem. Logo,
se a justiça é mais desejável do que a coragem, 'justamente'
significa algo mais desejável do que 'corajosamente'. E, igualmente,
se uma coisa ultrapassa enquanto outra não alcança o mesmo
padrão de bondade, aquela que o ultrapassa é a mais desejável,
como também o é aquela que ultrapassa um padrão ainda
mais elevado. Mais ainda: se duas coisas são preferíveis a
uma terceira, a que é preferível em grau maior é mais
desejável, e a que o é em grau menor é menos desejável.
E também quando o excesso de uma coisa é mais desejável
do que o excesso de outra, a primeira, em si mesma, é mais desejável
do que a outra. Por exemplo: a amizade é mais desejável do
que o dinheiro, pois um excesso de amizade é mais desejável
do que um excesso de dinheiro. E, do mesmo modo, aquilo que um homem preferiria
possuir pelo seu próprio esforço é mais desejável
do que aquilo que ele preferiria possuir pelo esforço alheio. Assim,
os amigos são mais desejáveis do que o dinheiro.
Uma
coisa é sempre mais desejável se, quando acrescentada a um
bem menor, faz com que o todo se torne um bem maior.
A saúde é mais desejável
do que a beleza porque sempre que se uma coisa é desejável
por si mesma e a outra pela sua aparência, a primeira é mais
desejável do que a segunda. O que é mais precioso por si mesmo
é sempre melhor e mais desejável. Assim, evidentemente, o
bem e o que é bom por natureza são desejáveis.
Ao
refutar ou estabelecer uma coisa universalmente, também a demonstramos
em particular. Com efeito, se ela é verdadeira de todos, também
é verdadeira de alguns; e, se é falsa de todos, é falsa
de alguns.
Se
o que é injusto é em alguns casos bom, então, o que
é justo também é em alguns casos mau; e, se o que acontece
justamente é em alguns casos mau, também o que acontece injustamente
é em alguns casos bom. O mesmo se aplica no que respeita às
coisas destrutivas e aos processos de geração e corrupção,
porque, se alguma coisa que destrói o prazer ou o conhecimento é
em alguns casos boa, então, podemos admitir que o prazer ou o conhecimento
é em alguns casos uma coisa má. E, analogamente, se a destruição
do conhecimento é em alguns casos uma boa coisa ou sua produção
uma coisa má, então, o conhecimento será, em alguns
casos, uma coisa má.14
Se
uma determinada forma de capacidade é boa em grau igual ao do conhecimento
e uma determinada forma de capacidade é boa, então, o conhecimento
também o é; ao passo que, se nenhuma forma de capacidade é
boa, tampouco o é o conhecimento. E, se uma certa forma de capacidade
é boa em grau menor do que o conhecimento, e uma certa forma de capacidade
é boa, então, o conhecimento também o é; mas,
se nenhuma forma de capacidade é boa, não se infere necessariamente
que também nenhuma forma de conhecimento o seja.
Se
a alma participa da vida, e não é possível que nenhum
número viva, a alma não poderá ser uma espécie
de número.
Se
o que tende a corromper tende a decompor, então, ser corrompido é
também ser decomposto; e se o que tende a gerar tende a produzir,
então, ser gerado é ser produzido, e geração
é produção.
Uma
convicção não é uma concepção,
pois se pode ter a mesma concepção inclusive sem estarmos
convencidos dela, o que seria impossível se a convicção
fosse uma espécie de concepção. Com efeito, é
impossível que uma coisa continue sendo a mesma se a retirarmos inteiramente
fora da sua espécie, assim como o mesmo animal não poderia
em dado momento ser um animal e em outro momento não ser um animal.
Às vezes, é cometido
o erro grave de colocar uma afecção dentro daquilo que é
afetado por ela, como se fosse o seu gênero, como, por exemplo, quando
se diz que a imortalidade é a vida eterna, fazendo a imortalidade
parecer ser uma certa afecção ou aspecto acidental da vida.
Que isto é verdade se tornaria evidente se alguém admitisse
que um homem pode deixar de ser mortal e se tornar imortal, pois ninguém
afirmaria que ele assume outra vida, mas que um determinado aspecto ou afecção
acidental entram a formar parte da sua vida tal como ela é. Assim,
pois, 'vida' não é o gênero de 'imortalidade'.
Toda
'propriedade' expressa sempre é ou essencial e permanente ou relativa
e temporária. Por exemplo: é uma 'propriedade essencial' do
homem ser 'por natureza um animal civilizado'; e uma 'propriedade relativa'
é como a da alma para com o corpo, a saber: que uma seja apta para
comandar e o outro para obedecer. Uma 'propriedade permanente' é
como a propriedade inerente a Deus, de ser 'um ser vivente imortal'; e uma
'propriedade temporária' é como aquela que pertence a qualquer
homem particular de 'caminhar no ginásio'.15
A
faculdade racional nem sempre comanda; às vezes é comandada.
Isto acontece quando o desejo e a emoção assumem o comando,
sempre que a alma de um homem é viciosa.
Contra
um objetante que não recua diante de nada a defesa tampouco deve
recuar diante de nada.
O
fogo não é sempre da mesma espécie!
A
linguagem usada em uma definição deve ser a mais clara possível,
uma vez que todo o objetivo de sua formulação consiste em
dar a conhecer alguma coisa. E todo acréscimo feito a uma definição
é supérfluo e despropositado.16
Falham
os que dizem que o 'resfriamento é a privação do calor
natural', pois toda privação é a privação
de algum atributo natural, de forma que o acréscimo da palavra natural
é supérfluo. Seria suficiente dizer privação
de calor'.17
Quem
não definiu uma coisa em termos que sejam anteriores e mais inteligíveis
não a definiu em absoluto.
É
preferível que se procure tornar conhecido o posterior por meio do
anterior, visto que tal modo de proceder é mais científico.
Naturalmente, quando se trata com pessoas incapazes de reconhecer as coisas
assim apresentadas, talvez seja necessário formular a expressão
em termos que sejam inteligíveis para elas. Entre as definições
desta espécie, encontram-se as do ponto, da linha e do plano, todas
as quais explicam o anterior pelo posterior, dizendo que o ponto é
o limite de uma linha, a linha de um plano e o plano de um sólido.
Tetraedro
A
maneira correta de definir é do que é mais inteligível
de maneira absoluta, pois só assim a definição poderá
ser sempre uma só e a mesma.
O
bem é um estado de virtude.
É
impossível tanto que uma coisa neutra produza algo bom ou mau como
coisas boas ou más produzam uma coisa neutra.
Quem
está sentado escreve. Sócrates está sentado. Logo,
Sócrates está escrevendo. De todos os argumentos que conduzem
a uma conclusão falsa, a solução certa é demolir
o ponto de onde se origina a falsidade, pois, demolir um ponto qualquer
não é uma solução, mesmo que o ponto demolido
seja falso. Ora, em um caso como este, podemos demolir a proposição
'Sócrates está sentado' sem que, por isso, nos aproximemos
da solução do argumento. A proposição pode ser
realmente falsa, mas não é dela que depende a falsidade do
argumento porque, supondo-se que alguém estivesse sentado sem estar
escrevendo, seria impossível, em tal caso, aplicar a mesma solução.
Por conseguinte, não é isso que deve ser refutado, mas sim
'Quem está sentado, escreve', pois quem está sentado nem sempre
escreve. Logo, não é suficiente objetar, mesmo que o ponto
refutado seja uma falsidade, mas também é preciso provar a
razão do erro.
Sempre
que por meio do argumento enunciado se demonstra alguma coisa, mas esta
é diferente do que se pretendia e não tem relação
alguma com a conclusão, não se pode deduzir dela nenhuma inferência
com respeito a esta última; e, caso pareça o contrário,
tratar-se-á de um sofisma e não de uma prova. Um filosofema
é uma inferência demonstrativa; um epiquirema é uma
inferência dialética; um sofisma é uma inferência
contenciosa; e um aporema é uma inferência pela qual se chega
a uma contradição por meio de um raciocínio dialético.
Aristotelizando...
Não
saber não é pecado;
pecado
é dissimular saber.
Ignorar
o que é um weber18
em
lhufas muda o ajustado.
Também
não adianta nada
ficar
gravando como aluado.
Isto
não é coisa de avisado,
e
em nicas alumia a Estrada.
Caçarolinha
de assar leitão
não
é Carolina de Sá Leitão!
Lembre-se:
unicuique suum.19
E,
depois de a dança iniciar,
quem
pisar no pé irá ruborizar.
Anote
aí: accipe
quod tuum...20
______
Notas:
1.
A Dialética é um método de diálogo
cujo foco é a contraposição e contradição
de idéias, que leva a outras idéias, e que tem sido um tema
central na Filosofia Ocidental e Oriental desde os tempos antigos. A tradução
literal de Dialética é: caminho entre as idéias. Aristóteles
considerava Zenão de Eléia (aproximadamente 490 – 430
a.C.) o fundador da Dialética. Outros consideraram Sócrates
(469 – 399 a.C.). O conceito de Dialética, porém, é
utilizado por diferentes doutrinas filosóficas e, de acordo com cada
uma, assume um significado distinto.
2. Um
argumentum ad hominem
(do latim: argumento contra a pessoa) é uma falácia identificada
quando alguém procura negar uma proposição com uma
crítica ao seu autor e não ao seu conteúdo. Um argumentum
ad hominem é uma forte arma retórica, apesar de
não possuir bases lógicas. A falácia ocorre sobre o
valor da proposição sem examinar seu conteúdo, o que
é absurdo. O argumento contra a pessoa é uma das falácias
caracterizadas pelo elemento da irrelevância, por concluir sobre o
valor de uma proposição através da introdução,
dentro do contexto da discussão, de um elemento que não tem
relevância para isto, que, neste caso, é um juízo sobre
o autor da proposição. Pode ser agrupado também entre
as falácias que usam o estratagema do desvio de atenção,
ao levar o foco da discussão para um elemento externo a ela, que
são as considerações pessoais sobre o autor da proposição.
A estrutura lógica do argumentum
ad hominem é seguinte:
O autor
X afirma a proposição P.
Há alguma característica negativa em X.
Logo, a proposição P é falsa.
Ora,
acho que não erraríamos se também denominássemos
este argumento de argumentum
ad sympathia (argumento
contra a simpatia) ou de
argumentum
ad
tolerantia (argumento
contra a tolerância) ou ainda de argumentum
ad
fraternitas (argumento
contra a fraternidade).
Psicologicamente, o argumentum
ad hominem não deixa de ser um argumentum
ad speculum (argumento
contra o espelho) – uma hipótese falaz contrária
ao fato.
3. Segundo
Friedrich Engels (Barmen, 28 de novembro de 1820 – Londres, 5 de agosto
de 1895), a Dialética
é a grande idéia fundamental segundo a qual o mundo não
deve ser considerado como um complexo de coisas acabadas, mas como um complexo
de processos em que as coisas, na aparência estáveis, do mesmo
modo que os seus reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias,
passam por uma mudança ininterrupta de devir e decadência,
em que, finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos
momentâneos, um desenvolvimento progressivo acaba por se fazer hoje.
Isto significa
que, para a Dialética, as coisas não são analisadas
na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está
acabada, encontrando-se sempre em vias de se transformar, de se desenvolver,
de passar por ou sofrer evoluções sucessivas, de tal sorte
que o fim de um processo é sempre o começo de outro, ou seja,
cada síntese traz potencialmente embutida uma antítese. Misticamente,
penso que isto equivalha a dizer que a incriada Spira
Legis (ou Espirais da Lei, segundo o Frater Vicente Velado,
é o evento
cósmico que produz continuamente a evolução de tudo)
é ilimitada. Logo, quem acha que sabe tudo ou que já aprendeu
o suficiente... Seja como for, nenhum de nós precisa e não
deve beber cicuta (Conium
maculatum), mas todos nós precisamos e devemos ter sempre
em mente a célebre frase de Sócrates (Atenas, 469 a.C. –
Atenas, 399 a.C.): Só
sei que nada sei.