Giovanni
Domenico Campanella (Stilo, província da Calábria, Itália,
5 de setembro de 1568 – Paris, França, 21 de maio de 1639)
foi um filósofo renascentista italiano, poeta e teólogo que,
atraído pela fama de Alberto Magno e Tomás de Aquino, ao receber
o hábito de São Domingos, aos 15 anos, em 1583, tomou o nome
de Frei Tommaso Campanella. Foi uma criança de inteligência
precoce; mais tarde afirmaria: Nasci
para vencer três males extremos – a tirania, os sofismas e a
hipocrisia.
Seu
treinamento formal em Teologia e em Filosofia se deu em um convento dominicano,
e, cedo, se desencantou com a Filosofia Aristotélica, que ele tentou
desmontar particularmente nas Questões Sobre a Ótima República,
um postscriptum da Cidade do Sol (em italiano, Città
del Sole, obra publicada em 1602 e revisada em 1613 e publicada em
latim com o título Civitas Solis, Appendix Politiæ Idea
Reipublicæ Philosophiæ, e em 1623 aparecendo como
apêndice de outra obra, a Realis Philosophiæ Epilogisticæ).
A Cidade do Sol é a sua obra mais conhecida e foi escrita
sob a forma de um diálogo entre o Grão-Mestre dos Hospitalários
(ordem religiosa baseada no serviço hospitalar) e um Almirante genovês,
seu hóspede.
A
principal influência intelectual que Campanella teve derivou da doutrina
de Bernardino Telésio, (1509 – 1588), um filósofo naturalista
e antiaristotélico de Cosenza, cuja principal obra foi De Rerum
Natura Luxta Propria Principia. Para Bernardino Telésio, a
Natureza deveria ser explicada
pelos seus próprios princípios, e não através
dos conceitos Aristotélicos ou da magia, isto é, deve-se conhecer
a Natureza pela própria Natureza; ao homem que souber observá-la,
ela se revelará por si mesma. Esta influência viria
a se refletir na obra de Campanella sob uma dupla forma: a necessidade da
experiência pessoal, humana, tendo como base o pensamento filosófico.
Um exemplo bem simples deste raciocínio é: o sujeito senciente
sente primeiro a si mesmo, e depois o calor; isto é, sente o calor
através de si. E assim, Campanella acabou por concluir que a dogmática
religiosa e a reflexão filosófica não podem entrar
em conflito, porque têm esferas de atuação diferentes:
a primeira, estando vinculada à conduta moral e à vida futura;
a outra, especialmente a Metafísica, tratando do conhecimento deste
mundo. Particularmente, não penso que isto seja assim, mas não
retiro a qualificação do pensamento de Campanella.
Sua
primeira obra, A Filosofia Demonstrada Pelos Sentidos, publicada
em Nápoles em 1590, valeu a Campanella a acusação de
heresia. Por ser um insurgente nato e um livre-pensador, acabou sendo preso,
amargando, aproximadamente, vinte e sete anos na prisão por conspirar
contra a dominação espanhola na Calábria. Pouco depois,
foi condenado pela Inquisição à prisão perpétua,
porém saiu livre em 1629 por ter sido declarado louco. Entretanto,
o Santo Ofício continuou andando atrás dele como beija-flor
atrás do néctar das flores, mas Campanella acabou inteligentemente
se escafedendo para a França, onde foi recebido cortesmente por Luís
XIII e pelo Cardeal Richelieu, onde viveu no Convento Saint-Honoré
o resto de seus dias, morrendo em Paris, em 1639, como um dos maiores mártires
do livre-pensamento. Pelo menos não morreu queimado como o festejado
e grande defensor do Humanismo1 Giordano Bruno (1548 –
1600), que ao ser anunciada a sentença inquisitorial de que seria
executado piamente, sem profusão de sangue (que em verdade significava
a morte pela fogueira), corajosamente disse: —
Teme mais a Força2
em pronunciar a sentença do que eu em escutá-la.
Campanella
deixou uma vasta obra, que abrange vários tópicos: Gramática,
Retórica, Filosofia, Teologia, Política, Medicina etc., e
seu último trabalho foi um poema celebrando o nascimento do futuro
Luís XIV de Bourbon (Ecloga in Portentosam Delphini Nativitatem).
A Luís XIV, conhecido como Rei-Sol – que foi o maior
monarca absolutista da França, tendo reinado de 1643 a 1715 –
é atribuída a famosa frase L'État c'est moi
(O Estado sou eu), apesar de grande parte dos historiadores admitir que
isto é meramente um mito.
Dentre
as várias obras escritas e publicadas por Campanella (porque há
numerosos manuscritos inéditos preservados nos arquivos da Ordem
Dominicana, em Roma), a mais importante, segundo vários autores,
é a sua Metafísica, desenhada entre 1602
e 1603 e publicada posteriormente na França em 1638. Mas a mais conhecida,
conforme já foi dito, é a Cidade do Sol, que foi
escrita quando Campanella estava inquisitivamente detido em uma prisão
napolitana, entre 1599 e 1626, e que, não posso deixar de observar,
salvo melhor juízo, tem um não sei quê de positivista,
ainda que o Positivismo3 só tenha aparecido no século
XIX. A imaginária e utópica Cidade do Sol, antecipando-se
ao pensamento de Descartes, é uma das obras-primas da literatura
universal, estando, segundo muitos autores, no mesmo plano da Utopia,
de Thomas Morus,
e
da República, de Platão – para mim, a melhor
obra da Antigüidade. Na Cidade do Sol — na
qual, mescladamente, se nota a influência de diversos autores cristãos
(ainda que a Cidade do Sol não seja cristã, mas esteja
próxima do Cristianismo), do materialismo de Demócrito, do
animismo neoplatônico, do antidogmatismo de Giordano Bruno e até,
por mais incrível que possa parecer, consciente ou inconscientemente,
do espiritualismo místico de Akhenaton (o Sol deve ser interpretado
como um símbolo, não como um objeto de idolatria) —
Campanella proclamou que o amor deve combater e vencer todas as formas de
divisão, de dispersão e de oposição,
pois, perdido o amor-próprio fica sempre o amor da comunidade...
E o amor à coisa pública aumenta na medida em que se renuncia
ao interesse particular. Mas,
contraditória e equivocadamente, ali, por exemplo, são defendidos
a religião católica como sendo a única verdadeira que
deverá dominar todo o Universo por intermédio de uma monarquia
universal regida pelo Papa, a Lei de Talião, os castigos corporais
expiatórios (para que seja aplacada a cólera de Deus), o sacrifício
perpétuo4, a guerra justa e até a absurda e injustificável
pena de morte. Especificamente, quanto à pena capital, penso que,
realmente, ela seja muito mais do que absurda e injustificável, minimamente
porque, se somos todos Um, quem mata está se suicidando, e quem se
suicida está assassinando. Não é lá muito coerente,
portanto, o argumento de Campanella que Sócrates,
constrangido
pela lei, não
pecou bebendo
veneno, e que os antigos filósofos (como Catão,
Sêneca e Cleômenes) provaram que era lícito a alguém
se matar por si, sendo nós os donos
da própria vida. Concordo que, em termos, sejamos donos
da própria vida, mas
como escreveu o famoso poeta romano Horácio, est
modus in rebus, sunt certi denique fines, quos ultra citraque nequit consistere
rectum, ou seja, em todas as coisas há um meio termo;
existem, afinal, limites definidos, além ou aquém dos quais
não se pode manter o bem. E assim, indo um pouco além, se
o Efeito Borboleta, analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Norton
Lorenz (1917 – 2008), estiver correto, se, enfim, como concluiu Lorenz,
o bater de asas, no Japão, de uma simples borboleta pode influenciar
o curso natural das coisas e, desta forma, talvez, provocar um tornado do
outro lado do mundo, os assassinatos, os suicídios e até um
simples pensamento detrimentoso são potenciais catalisadores e desencadeadores
invisíveis de grande parte dos danos e dos desencontros nos quais
e em virtude dos quais sofre, claudica e chafurda a Humanidade. O que dizer,
então, de uma guerra, seja ela justa, seja ela injusta? Quais terão
sido, para a Terra e para a Humanidade, os efeitos invisíveis subseqüentes
ao lançamento das duas bombas nucleares arremessadas irresponsável
e criminosamente, por ordem do presidente americano Harry Salomon Truman,
sobre Hiroshima e Nagazaki, respectivamente em 6 de agosto de 1945 e em
9 de agosto de 1945? As retribuições poderão vir a
cavalo ou à tartaruga, mas que virão, virão! No tempo
certo.
Compensações
Objetivo
Desta pesquisa
Esta
pesquisa, que nada tem de original, objetivou, apenas, garimpar substantivamente
na Cidade do Sol, de Tommaso Campanella, alguns fragmentos que
possam ser úteis para uma reflexão concertada a respeito das
idealidades Sumo Bem e Suma Beleza, tão faltas neste nosso Terceiro
Milênio, e, como é próprio de todas as utopias, suscitar
balanceadamente a concentração e a meditação
do espírito sobre si próprio, suas representações,
suas idéias, seus sentimentos e as possíveis relações
de incompatibilidade entre as proposições da obra que não
possam estar em harmonia e/ou ser coerentes com o pensamento do leitor.
Isto não significa, claro, que a obra original de Campanella não
deva ser lida; pelo contrário. Por isto, abaixo estão sugeridos
dois endereços distintos para que o texto possa ser lido integralmente,
por quem assim o desejar:
http://www.ebooksbrasil.org/
eLibris/cidadesol.html
http://www.ebooksbrasil.org/
adobeebook/cidadesol.pdf
Devo informar que fiz alguns pequenos
ajustes didáticos em alguns dos fragmentos coligidos, editados para
facilitar a leitura e para acomodá-los a este tipo de trabalho. Entretanto,
o pensamento do autor foi inteiramente preservado e resguardado, pois não
inseri qualquer mudança e muito menos fabriquei qualquer adulteração,
o que seria um absurdo sem paralelo. Bolas! Foram mais do que suficientes
as perseguições e censuras que Campanella sofreu do Santo
Ofício, e eu não tenho a menor vocação quer
para censor, quer para Tomás de Torquemada (1420 – 1498) –
a figurinha de batina mais importante da Inquisição Espanhola
e símbolo maior da face intolerante da história da Igreja
Católica, mas que, curiosamente, era neto de marranos (designação
injuriosa que se dava outrora aos mouros e especialmente aos judeus batizados,
suspeitos de se conservarem leais ao Judaísmo), fato que ele escondia
cuidadosamente. A este dominicano sangrento e esquizofrênico são
imputados mais de trinta mil autos-de-fé recheados de torturas e
de posteriores mortes nas fogueiras espanholas.
Finalmente,
eu espero e faço votos para que aqueles que não conhecem ou
que não leram a Cidade do Sol, de Campanella, possam ter,
com os excertos arrolados neste trabalho, a possibilidade de refletir sobre
o Sumo Bem e a Suma Beleza, que, em última instância, está
tanto do lado de fora quanto em nossos Corações. E, se uma
pequena inspiração daí provier – ótimo!
Mais do que um simples nome de rua em Itaquera ou em Las Vegas, isto demonstra
que Campanella foi, é e continuará a ser, como tantos outros,
um exemplo de que o poder da argumentação atravessa séculos,
milênios. E mais: comprova também que na verdade, a boçalidade
autoritária da Inquisição não calou ninguém,
como as duas bombas lançadas sobre Hiroshima
e Nagazaki também não fizeram dos Estados Unidos
um país mais espiritualizado e mais simpático ao mundo! Não
há coisa imposta, seja lá qual for a imposição,
seja lá qual for a justificação, seja lá qual
for a abonação, que preste para alguma coisa! Coisa imposta
fede!
Pensamentos
de Campanella
Città
del Sole – Visão Pictórica
No
Evangelho não se lê que Cristo tratasse jamais de assuntos
físicos ou astronômicos, mas de coisas morais e das promessas
da Vida Eterna.
A
morte é doce para quem a vida é amarga. [O
escritor e poeta francês Victor-Marie Hugo, (1802 – 1885), escreveu:
Morrer não é
acabar; é a suprema manhã.]
A
suma da razão política que o nosso século anticristão
chama razão de Estado consiste em que se valora mais a parte do que
o todo, e que o homem se valora a si mesmo mais do que à espécie
humana, mais do que ao Universo e mais do que a Deus.
Nenhum
rei cristão pôde jamais suster, por si só, a monarquia
de toda a cristandade, porque o Papa está por cima dele e faz e desfaz
os seus projetos.
O
mundo é um livro no qual o Espírito Eterno gravou os Seus
pensamentos.
E,
quanto mais ouço, mais ignoro! [O
moralista, ensaísta e escritor francês Luc de Clapiers, Marquês
de Vauvenargues, (1715 – 1747), deixou escrito: Não
devemos julgar os homens por aquilo que eles ignoram, mas por aquilo que
sabem, e pela maneira como o sabem.]
O
mundo é uma gaiola de loucos. [Rabindranath
Tagore, (1861 –
1941),
refletiu: Compreendemos mal
o mundo e depois dizemos que ele nos decepciona.]
Um
Louco Dentro da sua Gaiola
O
amor deve combater e vencer todas as formas de divisão, de dispersão
e de oposição.
Na
nossa vida presente, não temos conhecimento abstrato do eu, separado
de qualquer impressão que nos informe da nossa própria existência
e natureza. Temos a autoconsciência, por exemplo, no ato do pensamento,
da dúvida etc., mas ao pensar e duvidar pensamos em alguma cousa,
isto é, temos notícias adicionadas e nelas justamente encontramos
e reconhecemos a notícia
inata do nosso eu, que não temos direta e isoladamente.
[Em
certo sentido, a notícia
inata de Campanella
é semelhante ao a
priori de Immanuel
Kant.]
Na
vida presente, a Alma, misturada com os objetos exteriores, tem no conhecimento
agregado algo mais próprio à sua condição atual
do que o inato.
A
experiência não dá ao sujeito cognoscente a idéia
inata, mas oferece a esta noção fundamental a ocasião
de se manifestar.
Eu sou Consciência: sei que
sou ('Sapientia'). Eu tenho a Potência de ser: quero ser ('Potestas').
Eu Amo a minha existência: Amo meu ser ('Amor'). [Estas
Primalidades do ser – Conhecimento, Vontade e
Amor –
que constituem
a Essência de todas as coisas e que seriam encontradas também
em Deus, são equivalentes às que Santo Agostinho propôs
para a Santíssima Trindade. Em oposição, entretanto,
há também três primalidades negativas do não-ser,
quais sejam: insipiência,
impotência e ódio.]
Como ser finito, o homem é o
reflexo de Deus: Ser Infinito, Sapiência, Potência
Absoluta e Amor.
ln
Superbia Il Valor, La Santitate...
(Tradução de Delson Tarlé)
É
soberba
o valor, a santidade,
agora, é hipocrisia, a gentileza
é cerimônia, o siso, sutileza,
o amor é ciúme, o belo, sujidade,
graças,
poetas, à vossa fatuidade:
falsos heróis, mentiras e baixeza,
não virtudes, mistérios e a grandeza
de Deus, como era o verso em prisca idade.
A
obra da Natureza é ato mais nobre
do que a ficção, mais doce de cantar-se,
onde engano e verdade se descobre.
A
única história digna de aprovar-se
é a que de falsidade não se cobre
e faz o mundo contra o vício armar-se.
A
Cidade do Sol divide-se em sete círculos e recintos
particularmente designados com os nomes dos sete planetas. Cada círculo
se comunica com o outro por quatro diferentes caminhos, que terminam por
quatro portas, voltadas todas para os quatro pontos cardeais da Terra. A
Cidade foi construída de tal forma que, se alguém, em combate,
ganhasse o primeiro recinto, precisaria do dobro das forças para
superar o segundo, do triplo para o terceiro, e, assim, num contínuo
multiplicar de esforços e de trabalhos, para transpor os seguintes.
O
supremo regedor da República Solar é um sacerdote que, na
linguagem dos habitantes, tem o nome de Hoh. Nós o chamaremos de
Metafísico. Sua autoridade é absoluta, estando-lhe submetidos
o temporal e o espiritual. Depois do seu juízo, deve cessar qualquer
controvérsia. É incessantemente assistido por três chefes,
chamados Pon, Sin e Mor, nomes que, entre nós, equivalem à
Potência, á Sapiência e ao Amor.
Os cidadãos solares conhecem
a arte pela qual se podem reproduzir, dentro de uma habitação,
todos os fenômenos meteorológicos, os ventos, as chuvas, o
trovão, o arco-íris etc.
Como
eu perguntasse, maravilhado, como conheciam a nossa história, responderam-me
que cultivavam todas as línguas, que costumavam enviar exploradores
e embaixadores a toda parte da Terra para aprender os costumes, as forças,
o governo, a história, os bens e os males de todos os países,
e que os habitantes solares são muito desejosos de tais instruções...
E, por isto, costumavam enviar mensageiros a outras nações
e nunca se recusam a abraçar os costumes que lhes parecem melhores...
Conhecem o curso das estrelas e o fluxo e o refluxo do mar. Navegam para
adquirir novos conhecimentos sobre os povos, os países e as coisas.5
As
ciências, as dignidades e os prazeres são comuns, de forma
que ninguém pode apropriar-se da parte que cabe aos outros. Dizem
os cidadãos solares que toda espécie de propriedade tem sua
origem e força na posse separada e individual das casas, dos filhos,
das mulheres. Isto produz o amor-próprio, e cada um trata de enriquecer
e aumentar os herdeiros, de maneira que, se é poderoso e temido,
defrauda o interesse público, e, se é fraco, se torna avarento,
intrigante e hipócrita. Ao contrário, perdido o amor-próprio,
fica sempre o amor da comunidade.
O
amor à coisa pública aumenta na medida em que se renuncia
ao interesse particular. Acredito, pois, que, se os nossos monges e clérigos
não estivessem viciados por excessiva benevolência para com
os parentes e os amigos, e se mostrassem menos roídos pela ambição
de honras cada vez mais elevadas, teriam, com menor afeição
pela propriedade adquirida, louvores de mais bela santidade, e, semelhantes
aos apóstolos e a muitos dos tempos presentes, apareceriam ao mundo
como exemplos da caridade mais sublime.
Homens
e mulheres, todos, sem distinção, são educados juntos
em todas as artes.
Não posso lhe exprimir quanto
desprezo os cidadãos solares têm por nós, por
chamarmos de ignóbeis os artífices e de nobres os que, não
sabendo fazer coisa alguma, vivem no ócio e sacrificam tantos homens
que, chamados servos, são instrumentos da preguiça e da luxúria.
Dizem ainda que não é de admirar que dessas casas e escolas
de torpeza saiam catervas de intrigantes e de malfeitores, com infinito
dano para o interesse público.
Nós,
cidadãos solares, estamos tão certos de que um sábio
pode ter aptidões para o bom governo de uma república quanto
vós, que preferis homens ignorantes, julgados hábeis somente
porque descendem de príncipes ou porque são eleitos pela prepotência
de um partido.
Ao
se querer consultar um sábio dos vossos países, o único
resultado que se obtém é uma obstinada fadiga e um servil
trabalho de memória que habituam o homem à inércia,
pois não encontra estímulo em penetrar no conhecimento das
coisas e se contenta em possuir um acervo de palavras, aviltando a Alma
e fatigando-a sobre letras mortas. Tais sábios ignoram como todos
os seres são governados pela Causa Primeira e quais as regras e hábitos
da Natureza e das nações.
Na
República do Sol, é considerado culpável todo aquele
que, ao se aproximar a geração
[que
é admitida como obra religiosa, tendo por fim o bem da República
e não o bem dos particulares],
não tenha, ao menos por três dias, conservado o sêmen
em sua integridade e pureza, bem como o que, tendo cometido atos impudicos,
não se tenha confessado e reconciliado com Deus... Os cidadãos
da República Solar não possuem nem uma nem muitas mulheres,
mas, cada qual, na época prescrita para a geração,
se aproxima daquela que a lei lhe destina para o bem da República...
E não geram para si, mas para a República, pois o pai, entre
nós, não tem sobre o filho tanto poder quanto a República,
de vez que a parte é pelo todo e não o todo pela parte. Se,
portanto, o todo cuida da totalidade na República Solar, sem confiá-la
aos particulares, isto dá bons resultados. O marido que se une à
mulher por lascívia, quando lhe apraz, produz uma prole imbecil e
degenerada... Na República Solar, a união obedece às
regras da Filosofia e da Astrologia, de forma tão ordenada que a
geração resulte melhor e mais numerosa... Enfim, afirma São
Tomás de Aquino que o matrimônio é contra a natureza
quando não favorece a prole e a sociedade. Ora, em nossa República,
ao contrário, a união é sumamente favorável
a ambas.
O objetivo da geração
é a conservação da espécie e não a do
indivíduo. Trata-se, portanto, de um direito público e não
privado, do qual os particulares só participam como membros da República.
Os
cidadãos solares acrescentam que a principal causa dos
males públicos reside na maneira errônea de considerar a geração
e a educação dos jovens.
Entre
os cidadãos
solares, não há deformidade. [A
primeira deformidade da Alma racional é a vontade de executar o que
a suma e íntima Verdade lhe proíbe. A defectibilidade da Alma,
portanto, vem de seus atos e da pena que padece pelas dificuldades –
conseqüência dessa defectibilidade. Todo mal se reduz a isto.
Ora, o agir ou o padecer não são substâncias. Portanto,
a substância não é um mal. Assim,
o vício não
é da mesma natureza da Alma. É, sim, contra a sua natureza.
O vício nada mais é do que pecado e a pena de pecado.
(Santo Agostinho, 354 – 430)]
Anthony
Hopkins (Hannibal Lecter)
Os cidadãos solares
não dão valor algum ao ouro e à prata, considerando-os
como matérias para fabricar vasos e ornamentos comuns a todos.
Na
Cidade do Sol, por haver igual distribuição dos misteres,
das artes, dos empregos, das fadigas, cada indivíduo não trabalha
mais de quatro horas por dia, consagrando o restante ao estudo, à
leitura, às discussões científicas, ao escrever, à
conversação, aos passeios, em suma, a toda sorte de exercícios
agradáveis e úteis ao corpo e à mente.
Os
cidadãos solares são ricos porque gozam de todo o necessário,
e são pobres porque não possuem nada.
Os
habitantes solares não temem a morte, porque todos acreditam na imortalidade
da Alma, que, ao sair do corpo, é acompanhada pelos espíritos
bons ou maus, conforme o tenha merecido na vida terrestre. Embora sejam
brâmanes, aproximam-se, contudo, segundo certas opiniões, dos
pitagóricos, dos quais não admitem a metempsicose da Alma,
exceto uma ou outra vez, por especial justiça de Deus. [Aqui,
nota-se claramente que Campanella admitia a Lei da Reencarnação,
mas, por precaução, escreveu que ela só acontecia uma
ou outra vez, por especial justiça de Deus.]
Os
cidadãos da República Solar, de bom grado, perdoam
as ofensas e os erros dos inimigos, e, depois da vitória, costumam
beneficiá-los... Dizem que não se deve combater um inimigo
para exterminá-lo, mas para torná-lo melhor.
Na
Cidade do Sol, o trabalho é distribuído de modo que
nunca possa ser nocivo à pessoa, mas, ao contrário, deva torná-la
e conservá-la melhor.
Não
fazem uso dos adubos e da lama para fertilizar os campos, pois acham que
estes corrompem as sementes e produzem cereais malsãos, enfraquecendo
e abreviando a vida... . Por isso, não põem nada sobre a terra
e trabalham as sementes com assiduidade. Aprendem os segredos que se requerem
para um pronto nascimento e uma feliz multiplicação das sementes.
Trabalha-se somente a porção de terra que baste para as necessidades
dos cidadãos, ficando o restante para o pasto dos animais.
A
doutrina dos cidadãos da Cidade do Sol é que se deve,
primeiro, prover à vida do todo e, depois, à das respectivas
partes. Por isto, ao construírem a cidade, trataram de ter propícias
as quatro constelações de cada um dos quatro ângulos
do mundo, as quais se observam também na concepção
de cada indivíduo, porque dizem que Deus atribuiu causas a todas
as coisas, devendo o sábio conhecê-las, usá-las e não
abusar delas.
Em
geral, os seres solares vivem cem anos, sendo que não poucos também
duzentos... Conhecem, enfim, o segredo de renovar a vida, de sete em sete
anos, sem dores e com meios suaves e portentosos.
As leis desse povo são poucas,
breves, claras, escritas sobre uma tábua de bronze pendente dos intervalos
das colunas do templo, nos quais também se vêem, escritas em
estilo metafísico e brevíssimo, as definições
da essência das coisas, que são Deus, os Anjos, o Mundo, as
Estrelas, o Homem, o Destino, a Virtude etc., na verdade com grande critério.
Não é considerado digno
da nobre arte poetar quem, nas suas fantasias, faz entrar a mentira, sendo
este abuso julgado uma das maiores pestes do gênero humano, pois tira
o prêmio à virtude para, muitas vezes, oferecê-lo ao
vício, e, quase sempre, por temor, ambição, adulação
ou avareza.
Os
despojos dos defuntos não são enterrados, mas cremados, para
não darem origem a pestes, e se converterem em fogo, matéria
nobre e viva que desce do Sol para tornar a subir ao Sol; e também
para impedir toda razão de idolatria.6
Os
cidadãos da República do Sol contam os meses pelo curso
lunar e os anos pelo solar, só os pondo de acordo no décimo
nono ano, quando a cabeça do dragão termina o seu curso. Fundaram,
assim, uma nova astronomia.
Antes
de qualquer coisa criada, estimam o Sol; mas não consideram qualquer
coisa criada digna do culto de latria. Esta é reservada exclusivamente
a Deus, e a Ele somente servem, a fim de que, pela Lei de Talião,
não caiam sob a tirania e a miséria. No Sol, contemplam a
imagem de Deus, chamando-O de Excelso Rosto do Onipotente, estátua
viva, fonte de toda luz, calor, vida e felicidade de todas as coisas. Seu
altar foi erigido à semelhança do Sol, e Nele os sacerdotes
adoram Deus, imaginando no céu um templo, nas estrelas altares e
casas habitadas por anjos bons, nossos intercessores junto a Deus, que mostra,
sobretudo, no céu a Sua beleza, e no Sol o Seu troféu e estátua.
Somente a Deus devemos gratidão
como a um pai; e somente Deus deve ser por nós reconhecido como autor
e concessor de todas as coisas.
Consideram
mentecapto quem afirma que existe o vácuo, pois dizem que este não
pode existir nem dentro nem fora do mundo, uma vez que Deus, ente infinito,
não pode tolerar consigo um vácuo.
Adoram
Deus na Trindade, o que causa admiração, mas dizem eles que
Deus é Suma Potência, da qual procede a Suma Sapiência,
que é também Deus, e de ambas o Amor, que é Potência
e Sapiência, embora o procedente não tenha a essência
daquilo de que procede e não retrocede.
Da
tendência ao não-ser se originam o mal e o pecado. O pecado
tem, pois, uma causa de deficiência e não de eficiência.
Por causa deficiente, entendem eles ou a falta de potência, ou de
sapiência, ou de vontade. Somente nesta última – falta
de vontade – colocam o pecado, pois quem sabe e pode fazer o bem deve
igualmente querê-lo, nascendo a vontade das duas primeiras e não
aquelas desta... Todos os seres, portanto, derivam sua essência da
Potência, da Sapiência e do Amor, enquanto têm existência,
e da Impotência, da Ignorância e do Desamor, enquanto participam
do não-ser.
Para
os habitantes solares, não há nada de mais vão e de
mais desprezível do que querer mostrar aquilo que na realidade não
se é ou não se merece ser, como tantos que se chamam reis,
sábios, guerreiros ou santos.
Saiba
que os cidadãos da República Solar já descobriram
a arte de voar, a única que parece faltar ao mundo. Além disso,
consideram próxima a descoberta de instrumentos óticos com
os quais serão descobertas novas estrelas e de instrumentos acústicos
tão perfeitos que com eles se chegará a escutar a música
dos céus.7
Deus
é a causa imediata de todas as coisas, mas só como causa universal
e não particular, primitiva e não secundária. Porque
Deus não come quando Pedro come e não rouba quando Pedro rouba;
se bem que derivem Dele a essência e a faculdade de poder comer e
poder roubar, como causa imediata da qual depende toda outra mais particular
que modifica a imensidade da Ação Divina.
As
heresias, as carestias e as guerras pre-indicadas pelas estrelas, muitas
vezes se verificam na realidade, porque muitos homens se deixam governar,
não pela razão, mas pelos apetites sensuais, dando lugar a
essas coisas que acontecem contra a razão, embora também sucedam,
freqüentemente, por terem obedecido racionalmente a uma paixão,
como quando se alimenta uma justa cólera para empreender uma guerra
justa.8
Os
solares já descobriram o modo de evitar a ação do Fado
Sidéreo. Uma vez que toda arte só nos é concedida por
Deus em nosso benefício, quando está iminente um eclipse infausto,
um cometa maléfico etc., eles encerram o ameaçado dentro de
casas brancas, impregnando o ambiente de aromas e de vinagre rosado, acendem
sete velas de cera aromatizada e acrescentam alegre música e divertidas
conversações. Dessa forma, são destruídos os
germes pestilênciais emanados do céu.
Os
solares dão, decerto, valor aos números, apoiando-se na filosofia
pitagórica. Mas, não se baseiam unicamente nos números,
e, sim, na medicina acompanhada de números.
Tetractys
As
estrelas, que se movem à distância e com lentidão, não
podem nos constranger a qualquer ato contra a nossa vontade, como não
podem nos governar, nem por obrigatório decreto de Deus, pois somos
tão livres que podemos blasfemar contra o próprio Deus. Deus
não força a si nem aos outros contra si.
Questões
Sobre a
Ótima República
Qual
é, pois, a nação capaz de imitar a vida de Cristo,
sem pecado? E, por isso, os Evangelhos terão sido escritos inutilmente?
Jamais, e sim para que nos esforcemos por nos aproximarmos deles tanto quanto
possível. Cristo estabeleceu uma República excelentíssima,
isenta de todo pecado, que apenas os apóstolos observaram integralmente.
Depois passou do povo ao clero e, afinal, exclusivamente aos monges, sendo
que, entre estes, persevera em alguns, ao passo que, em outros, muito poucos
institutos se conservam em harmonia com a mesma.
Todos
os males (a avareza, a adulação, a fraude, os furtos, a sordidez,
a rapina, a arrogância, a soberba, a ociosidade etc.) são provenientes
dos dois contrários, a riqueza e a pobreza, que Platão e Salomão
consideram como a origem dos males da República.
A
propriedade, como diz Santo Agostinho, elimina as forças da caridade.
O
amor-próprio, como diz Santa Catarina, ocasiona todos os males.
Todos
os males do corpo e da Alma são provenientes do trabalho excessivo
para os pobres e do ócio para os ricos.
Na
Cidade do Sol, são evitados, em cada coisa, os extremos, sendo tudo
reduzido à justa medida, na qual se encontra a virtude.
A
República da Cidade do Sol, como o século de ouro, é
desejada por todos e reclamada por Deus, quando pedimos que a Sua Vontade
seja feita assim no céu como na Terra. Se não é praticada,
isto se deve à maldade dos príncipes, que submetem os povos
a si e não ao império da Razão Suprema. O uso e a experiência
demonstram a possibilidade de viver naturalmente conforme à razão,
de forma virtuosa e não viciosamente, segundo São Crisóstomo.
Os
religiosos nunca se revoltam pela severidade da disciplina. Quando isto
acontece, é pelo comércio dos laicos, pela ambição
das honras, pelo amor da propriedade ou pela libidinagem.
Procuramos,
igualmente, para a nossa República, fazer tesouro das observações
da experiência e da ciência de toda a Terra. Para isto, estabelecemos
até peregrinações, comunicações de comércio
e embaixadas.
O
monaquismo, na República
Solar, foi instituído
para o aumento da santidade e da ciência, e não para agravar
a submissão, como pretendem os hipócritas.
Caríssimos,
o uso de todas as coisas que estão neste mundo deveria ser comum;
por iniqüidade, porém, um diz que isto é seu, outro aquilo,
etc. [Palavras
do Papa São Clemente, Epístola IV, apud
Campanella.]
Quer
para a vida presente, quer para a futura, é melhor a comunidade dos
bens. E São Crisóstomo informa que este gênero de vida
existiu entre os monges e ele o adota, insinuando-o e pregando-o a todos.
Ensina, ainda, que ninguém é dono dos seus bens, mas apenas
despenseiro, como o é o bispo dos bens da igreja, sendo culpável
todo laico que abusa dos seus bens sem comunicá-los aos outros. Diz
São Tomás de Aquino que somos donos da propriedade, não
do uso, pois que, em extrema necessidade, todas as coisas são comuns.
São
os ricos obrigados a restituir o supérfluo? A quem? Aos pobres ou
à República? Respondo que à República e aos
pobres, mas, para não haver lugar para disputa, porque não
adquiriram um direito positivo, digo que a Deus, a quem deverão prestar
contas no dia final...
Distribuindo-se
as honras segundo as aptidões naturais evitam-se os males causados
pela sucessão, pela eleição e pela ambição,
como ensina Santo Ambrósio falando da república das abelhas.
É assim que seguimos a Natureza, que é ótima mestra,
como no caso das abelhas. A eleição de que fazemos uso não
é licenciosa, mas natural, sendo eleitos os que se distinguem pelas
virtudes naturais e morais.
Em
nossa República, as tarefas são distribuídas pelos
magistrados das artes, segundo a capacidade e a força de cada um,
e executadas pelos chefes das artes com toda a multidão. Nada pode
ser usurpado de alguém, nutrindo-se todos à mesa comum e recebendo
a roupa do magistrado do vestuário, segundo a qualidade, as estações
e conforme à saúde... Todas as coisas são feitas com
razão, de forma que cada um gosta de fazer aquilo que é conforme
à sua disposição natural. E é justamente o que
se pratica na nossa República.
Cada
um, desde a infância e segundo as disposições naturais,
é aplicado pelos magistrados às várias artes, e quem
quer que por experiência e por doutrina se revele ótimo é
preferido na arte para a qual é idôneo. Desta forma, só
os que forem excelentes podem se tornar supremos magistrados. Portanto,
nem o soldado desejaria tornar-se capitão, nem o agricultor sacerdote,
pois os cargos são distribuídos segundo a experiência
e a doutrina, não por favor ou parentesco, mas adequados aos conhecimentos.
E cada um exerce a profissão no ramo em que se distingue. Os primeiros
magistrados não podem honrar uns e reprimir outros; não governando
arbitrariamente, mas seguindo a Natureza, dão a cada um a profissão
conveniente. Como não possuem nada de próprio para poderem
violar o direito alheio com o fim de engrandecer os filhos, convém-lhes
agir bem para serem honrados. Eis porque, considerando-se todos como irmãos,
filhos e parentes, um igual amor se mantém por todos sem qualquer
distinção. Ninguém combate mediante pagamento, mas
por si, pelos filhos e pelos irmãos. Possuindo cada qual com que
viver bem, ninguém tem necessidade de estipêndio, mas da honra
que obtém dos irmãos por suas ações valorosas.
A
liberalidade não consiste em dar o que se usurpou, mas em pôr
tudo em comum, como afirmou São Tomás de Aquino. Na República
do Sol, são honrados os hóspedes da República e são
socorridos os miseráveis por natureza, pois não há,
entre nós, nenhum miserável por fortuna, de vez que todas
as coisas são comuns e todos são irmãos, sendo indicados
os mútuos ofícios com os quais se mostra a liberalidade. Na
Cidade do Sol, a liberalidade foi transformada em beneficência, que
é superior à primeira.
Os
ignorantes estão prontos a chamar de herege todo aquele que eles
não podem convencer com a razão.9
Todo
pecado contra a Natureza destrói o indivíduo ou a espécie,
ou tende a essa destruição, como ensina São Tomás
de Aquino. Por conseguinte, o assassínio, o furto, a rapina, a fornicação,
o adultério, a sodomia etc. são contra a Natureza, porque
ofendem o próximo, impedem a geração ou tendem a isso.
O homem,
sob o regime da divisão, tende a amar os próprios filhos mais
do que convém e a desprezar os alheios além da medida. Por
conseguinte, o homem sábio ama mais os melhores, mesmo que sejam
alheios, e se preocupa mais com os maus, para melhorá-los.
Amputatio
proprietatis est augmentum caritatis. Abolir a propriedade é aumentar
a caridade. [Santo Agostinho,
apud Campanella.]
Caritas
non querit quæ sua sunt. A caridade não cogita do que é
seu. [São Paulo, apud
Campanella.]
Em
nossa República tudo é ordenado segundo a Lei da Natureza
e do mérito... Não há divisão de propriedade,
mas somente de uso, com o fim de manter o engenho e a força dos cidadãos.
Uma
Palavra Final
Penso
que não devamos gastar nossas energias em tentar vislumbrar ou idealizar
– e muito menos impor – qualquer descrição imaginativa
de uma sociedade ideal, utópica, fundamentada em leis justas e em
instituições político-econômicas verdadeiramente
comprometida com o bem-estar da coletividade, como fizeram, por exemplo,
Platão, Karl Marx, Friedrich Engels, Augusto Comte, Karl Mannheim,
Ernst Bloch, Thomas Morus, Campanella e outros pensadores, com ou sem meios
revolucionários, com ou sem religião, para se atingir uma
sociedade melhor. Não
que o trabalho destes humanistas não seja louvável, ao contrário;
e longe estou de desqualificá-los, até porque é natural
que todos nós, por mérito, caminhemos para um tempo teocientificista.
Os que não tiverem mérito para conhecer este tempo não
o conhecerão, e forçar, seja lá do jeito que for, para
que as coisas mudem, não adianta absolutamente nada. A coisa toda
funciona mais ou menos como quando estamos com sono; querendo ou não
querendo, acabamos dormindo. O exemplo não é bom, mas vai
ficar este mesmo. Seja como for, Peregrinar é preciso!
Mas,
penso que o primeiro passo, de tudo e para tudo, é tentarmos melhorar
a nós mesmos. E se alguma coisa puder ser feita, em primeiro lugar,
um bom exemplo é melhor do que mil palavras ou mil utopias. Então,
mais do que almejar ou sonhar com um Céu, com um Paraíso de
Delícias, com
uma Idade de Ouro ou até
com
uma Sétima Raça-raiz,
o que precisamos fazer é tratar das nossas misérias agora,
já. E se sairmos desta vida tendo transmutado um único defeito
e corrigido uma única deformidade, cumprimos, ainda que parcialmente,
o nosso papel. Cada um sabe onde o calo dói,
e, em princípio, o que deverá fazer para aliviar essa dor.
O fato é que nós não precisamos de tempos especiais,
futuros, e de cidades ideais, quiméricas ou não, para nos
tornarmos Dignos, Justos e Bons, simplesmente porque a Dignidade, a Justiça
e a Bondade é conatural em todos nós. Temos, sim, que nos
esforçar para conhecê-Las e para realizá-Las, porque
não há aquele que seja totalmente mau ou inteiramente bom.
O Reino dos Céus, a Cidade do Sol, a Cidade de Deus, Akhetaton e
o Sol Eterno que não se põe, que muitos ainda insistem em
tentar encontrar lá e acolá, está mesmo dentro de cada
um de nós. Ao cabo de contas, o iniciando e o Iniciador somos nós.
_____
Notas:
1. O
Humanismo foi um movimento intelectual difundido na Europa durante a Renascença
e inspirado na civilização greco-romana, que valorizava um
saber crítico voltado para um maior conhecimento do homem e uma cultura
capaz de desenvolver as potencialidades da condição humana.
Além de Giordano Bruno, entre tantos outros, são Humanistas
famosos Petrarca, Gianozzo Manetti, Lorenzo Valla, Marsilio Ficino, Erasmo
de Roterdão, François Rabelais, Pico de La Mirandola e Thomas
Morus. As principais Vertentes do Humanismo são: Humanismo Marxista,
Humanismo Secular, Humanismo Religioso, Humanismo Renascentista e o Positivismo
comtiano, que também é uma forma de Humanismo na medida em
que afirma o ser humano e rejeita a Teologia e a Metafísica. A forma
mais profunda e coerente do Humanismo comtiano é sua vertente religiosa,
ou seja, a Religião da Humanidade (com dogma, culto e regime;
templos e capelas; sacramentos e sacerdotes), que propõe a substituição
moral, filosófica, política e epistemológica das entidades
supranaturais (os deuses ou as entidades abstratas da
Metafísica) pela concepção de Humanidade, ou seja,
uma completa espiritualidade humana sem elementos extra-humanos ou sobrenaturais.
Por isto, que me perdoem os positivistas, Augusto Comte (1798-1857) foi
o maior metafísico antimetafísico da transição
da modernidade para a pós-modernidade.
2. Com
a Força
Bruno quis significar a Igreja Católica, que acabaria por reconhecer
o crime contra a Humanidade que cometeu, criando um mártir do pensamento.
3.
Em um passo da Cidade do Sol, está escrito: No interior
do sexto círculo, encontram-se pintadas todas as artes mecânicas
e os seus instrumentos, e como as usam as diversas nações,
cada uma ordenada e explicada segundo o próprio valor, e trazendo
também o nome do inventor respectivo. Na parte externa, estão
representados todos os homens mais eminentes nas ciências, nas armas
e na legislação. Vi Moisés, Osíris, Júpiter,
Mercúrio, Licurgo, Pompílio, Pitágoras, Zamolhim, Sólon,
Caronda, Foroneu e muitíssimos outros... Debaixo dos pórticos
externos, vi representados César, Alexandre, Pirro, Aníbal
e outras celebridades, quase todos cidadãos romanos, ilustres na
paz e na guerra. O Positivismo, conforme foi elaborado por Augusto
Comte (1798-1857), é uma doutrina filosófica, sociológica
e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo,
das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da
sociedade industrial – processos que tiveram como grande marco a Revolução
Francesa (1789-1799). Na obra Apelo aos Conservadores, de 1855,
Comte definiu a palavra 'positivo' com sete acepções: real,
útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático.
A idéia-chave do Positivismo comtiano é a Lei dos Três
Estados, de acordo com a qual o homem passou (e continua a passar)
por três estágios em suas concepções, isto é,
na forma de conceber as suas idéias. Estes Três Estados
são: Teológico, Metafísico e Positivo, etapa final
e definitiva na qual não se busca mais o 'porquê' das coisas,
mas sim o 'como', ou seja, as relações constantes de sucessão
ou de coexistência. Enfim, na obra Discurso Sobre o Espírito
Positivo, de 1848, Comte explicitou que o espírito positivo
é maior e mais importante do que a mera cientificidade, na medida
em que esta abrange apenas questões intelectuais, e aquele, o espírito
positivo, compreende, além da inteligência, também os
sentimentos e as ações práticas.
4.
Há sempre um homem do povo no templo a rezar diante do altar, sendo
substituído por outro depois de uma hora, como era costume fazer
na solenidade das quarenta horas.
5.
Também em Francis Bacon (1561 – 1626) está consubstanciada
esta idéia, isto é, como escreveu Campanella, de
procurar, igualmente, para a nossa República, fazer tesouro das observações
da experiência e da ciência de toda a Terra. Em
a Nova Atlântida – utopia que incorpora os novos avanços
da época na ciência e na espiritualidade – Bacon utilizou
simbolicamente os números para descrever as atribuições
e encargos da Casa de Salomão ou Colégio da Obra dos Seis
Dias da Ilha de Bensalem – um santuário de Sabedoria. Os habitantes
da Nova Atlântida, segundo Bacon, atingiram, utopicamente, a perfeita
ciência, a perfeita ordem social e a perfeita via para a regeneração
espiritual. Esta, entretanto, é a utopia de todo Rosacruz. Como afirma
Ulisses Capozoli, a Nova Atlântida é o que muitos considerariam
utopia, uma sociedade onde o conhecimento científico é o responsável
pela felicidade de seus cidadãos. A Casa de Salomão, onde
trabalham os sábios, previu Bacon, seria o suporte do futuro bem-estar
social. A cada doze anos, eram enviados para fora da Ilha (do Reino)
dois navios, cada um levando uma comissão especial formada de três
irmãos da Casa de Salomão, com atribuições específicas
de, fundamentalmente, trazerem informações sobre o estado
social, político, científico e artístico das nações
visitadas. Esses conceitos numéricos apresentados por Bacon estão
crivados de simbolismo alquímico, esotérico e cabalístico.
Não se pode deixar de registrar, neste instante, que Bacon, afora
suas atribuições políticas e produção
literária e filosófica, foi Imperator (supremo dirigente)
da Ordem Rosacruz do seu tempo. Hoje, sabe-se que sua obra escrita foi literalmente
cifrada, pois como não podia, naquela época, divulgar abertamente
seu pensamento, sem, com isso, se comprometer, bem assim aos membros da
Ordem, fazia-o de maneira velada e simbólica. Diversos pesquisadores
do mundo inteiro têm se debruçado sobre a obra de Bacon com
o intuito de confrontar o que já se descobriu e o que de fato existe
por trás desse véu que perdura por mais de trezentos anos.
Contemporaneamente, está comprovado que, por exemplo, os famosos
livretos Fama Fraternitatis (publicado em 1614 na cidade alemã
de Kassel) e Confessio Fraternitatis (publicado em 1615, também
em Kassel) foram escritos por Bacon, sob o pseudônimo de Christian
Rosenkreutz. Os Símbolos Rosacruzes e os do próprio Bacon
são encontrados como marcas d’água nas páginas
dos documentos e de todas as obras literárias, científicas
e filosóficas que escreveu. Nesse sentido, a Nova Atlântida
esconde nas entrelinhas um conhecimento muito antigo, que não
podia, por motivos óbvios, naquela época, ser pública
e abertamente divulgado. Enfim, seja como for, a trilogia Fama Fraternitatis,
Confessio Fraternitatis e As Bodas Químicas de Christian
Rozenkreuz (obra publicada em 1616 na cidade alemã de Estrasburgo),
atribuídas por uma corrente de pesquisadores ao Filósofo e
Teólogo Luterano Johan Valentin Andreæ (1586 – 1654)
e não a Francis Bacon, são textos eminentemente Rosa+Cruzes.
6.
Conforme relata Marco Antonio Coutinho no trabalho O Homem que não
Sabia Nada, este foi um dos pontos de discordância entre Ralph
Maxwell Lewis (Sâr Validivar) e Émile Dantinne (Sâr Hieronymus)
em uma das últimas reuniões da FUDOSI*, ou seja: A
dissolução da FUDOSI, depois de dezessete anos de atividade,
foi conseqüência da conclusão, pelos Delegados, de que
ela já havia cumprido o seu papel e não tinha mais motivos
para continuar ativa. Alguns incidentes contribuíram particularmente
para essa evidência. Um deles foi a discordância entre Sâr
Hieronynus e Sâr Validivar
a respeito de um ponto doutrinário importante: a disposição
dos corpos físicos dos Iniciados, após seu falecimento. Para
Validivar, assim como para a AMORC, o mais recomendável seria a cremação,
uma maneira rápida, simples e eficiente de cumprir o ciclo natural
de dissolução. Para Hieronynus
– e para a R+C Universal
– a cremação
era um processo rápido demais para a consciência em desprendimento
final, e deveria ser evitada. Entretanto, este incidente não
se transformou em rivalidade, e, depois da dissolução da FUDOSI,
em 1951, os diversos Imperatores das diversas Ordens e Fraternidades Iniciáticas
que compunham a FUDOSI mantiveram intercâmbio permanente e estreitas
relações de amizade. Ainda que possa parecer um contra-senso,
concluirei esta nota dizendo: não concordar não significa
discordar. Eu, particularmente, sou francamente favorável à
cremação, que deve ser efetivada 84 horas (três dias
e meio) após a transição.
* A
FUDOSI (Fédération Universelle des Ordres et Sociétés
Initiatiques, em Francês, Federatio Universalis Dirigens
Ordines Societatesque Initiationis, em latim) foi formada em 14 de
agosto de 1934, principalmente por rosacruzes e martinistas, como uma Federação
de Sociedades e Ordens esotéricas autônomas para proteger
as liturgias sagradas, ritos e doutrinas das Ordens Iniciáticas Tradicionais
de serem apropriadas e profanadas por organizações clandestinas.
7. Aqui,
claramente, há uma referência rápida à Música
das Esferas ou Harmonia das Esferas (Musica Universalis), noção
ou conceito que foi introduzido no ocidente por Pitágoras, possivelmente
incorporado da Tradição Esotérica do Antigo Egito,
onde Pitágoras foi devidamente iniciado. O Sol e os planetas, girando
no céu em proporções harmônicas, produzem uma
melodia, normalmente inaudível, que expressa a Arquitetura Cósmica
e a Geometria Sagrada.
8.
A Teoria da Guerra Justa tem suas origens nos pensamentos de Cícero,
Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Hugo Grotius. Particularmente,
para Santo Agostinho, como explica José Roberto Goldim no trabalho
Teoria da Guerra Justa, a guerra é uma extensão do
ato de governar, sem que com isto todas as guerras se justifiquem moralmente.
Para Agostinho, o primeiro critério é a Autoridade Adequada.
Ele assim a caracterizava: A
ordem natural, que é dirigida para a paz das coisas morais, requer
que a autoridade e a deliberação para realizar uma guerra
estejam sob o controle de um líder. O outro critério
necessário é a Causa Adequada, que são as razões
que impõem ir à guerra. Estas razões são tão
importantes quanto a autoridade de quem ordena a guerra. Agostinho, especificamente,
exemplifica as justificativas para fazer a guerra, que envolvam: o
desejo de causar dano, a crueldade da vingança, uma mente implacável
e insaciável, a selvageria da revolta e o orgulho da dominação.
Santo Agostinho via a guerra como uma trágica necessidade do relacionamento
entre os povos, contudo fazia a seguinte admoestação: Deixe
que a necessidade mate o seu inimigo de guerra, não o seu desejo.
Eu, pessoalmente, estou de acordo com quem afirmou que é preferível
uma paz injusta a uma guerra justa.
9.
Ralph Maxwell Lewis (Sâr Validivar), no seu Credo da Paz,
escreveu: Sou responsável
por atos de guerra quando menosprezo as opiniões dos outros que são
diferentes das minhas próprias... Sou responsável por atos
de guerra quando penso que outras pessoas e povos devem pensar e viver como
eu... Sou responsável por atos de guerra quando penso que as mentes
das pessoas devem ser reguladas pela força, e não pela razão...
Sou responsável por atos de guerra
se acredito que o Deus de minha concepção
é aquele em que os outros devem acreditar... Se estou em paz, eu
promovo a paz dos que me cercam. Por sua vez, eles promovem a paz daqueles
que estão à sua volta, e que também farão o
mesmo. Então, a paz começa por mim! E sem ela não pode
haver a necessária transformação social.
Bibliografia:
CAMPANELLA,
Tommaso. A cidade do Sol. Tradução de Geny Aleixo
Sallovitz. São Paulo: Ícone Editora Ltda., 2002.
COUTINHO,
Marco Antonio. O homem que não sabia nada. In: L'Initiation
(Cadernos de Documentação Esotérica e Tradicional;
Revista do Martinismo e das Diversas Correntes Iniciáticas), Brasil,
Rio de Janeiro, nº 6, pp 24-33, jul-set, 2002.
MORA,
José Ferrater. Diccionario de Filosofia. Volume 1 A/D. Barcelona:
Alianza Editorial, 1990.
Páginas
da Internet e Websites consultados:
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.
php?artigo=cientistas-descobrem-geometria-da-musica
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http://www.iscsp.utl.pt/cepp/teoria_das_
relacoes_internacionais/tommaso_campanella.htm
Fundo
musical:
Somewhere
In Time (John Barry)
Fonte:
http://midi.music.tripod.com/d.html
Observação
1:
A animação
em flash Compensações foi produzida
a partir de duas fotografias digitais e de um GIF animado disponiblizados
nas Páginas da Internet abaixo relacionadas:
http://www.nieworld.com/special/weather/tornado.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Lorenz
http://icecube.umd.edu/pretz/ilike.php
Observação
2:
A animação
em flash Città del Sole –
Visão Pictórica foi produzida a partir de duas fotografias
digitais disponibilizadas na Galeria de Oracolo Janus. Por este motivo,
o artista mantém os direitos autorais sobre a animação
em flash. O endereço da Galeria citada é:
http://flickr.com/photos/oracolo-janus/