A CIDADE DO SOL
TOMMASO CAMPANELLA

 

 

 

Tommaso Campanella

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Breve Biografia

 

 

 

 

Giovanni Domenico Campanella (Stilo, província da Calábria, Itália, 5 de setembro de 1568 – Paris, França, 21 de maio de 1639) foi um filósofo renascentista italiano, poeta e teólogo que, atraído pela fama de Alberto Magno e Tomás de Aquino, ao receber o hábito de São Domingos, aos 15 anos, em 1583, tomou o nome de Frei Tommaso Campanella. Foi uma criança de inteligência precoce; mais tarde afirmaria: Nasci para vencer três males extremos – a tirania, os sofismas e a hipocrisia.

 

Seu treinamento formal em Teologia e em Filosofia se deu em um convento dominicano, e, cedo, se desencantou com a Filosofia Aristotélica, que ele tentou desmontar particularmente nas Questões Sobre a Ótima República, um postscriptum da Cidade do Sol (em italiano, Città del Sole, obra publicada em 1602 e revisada em 1613 e publicada em latim com o título Civitas Solis, Appendix Politiæ Idea Reipublicæ Philosophiæ, e em 1623 aparecendo como apêndice de outra obra, a Realis Philosophiæ Epilogisticæ). A Cidade do Sol é a sua obra mais conhecida e foi escrita sob a forma de um diálogo entre o Grão-Mestre dos Hospitalários (ordem religiosa baseada no serviço hospitalar) e um Almirante genovês, seu hóspede.

 

A principal influência intelectual que Campanella teve derivou da doutrina de Bernardino Telésio, (1509 – 1588), um filósofo naturalista e antiaristotélico de Cosenza, cuja principal obra foi De Rerum Natura Luxta Propria Principia. Para Bernardino Telésio, a Natureza deveria ser explicada pelos seus próprios princípios, e não através dos conceitos Aristotélicos ou da magia, isto é, deve-se conhecer a Natureza pela própria Natureza; ao homem que souber observá-la, ela se revelará por si mesma. Esta influência viria a se refletir na obra de Campanella sob uma dupla forma: a necessidade da experiência pessoal, humana, tendo como base o pensamento filosófico. Um exemplo bem simples deste raciocínio é: o sujeito senciente sente primeiro a si mesmo, e depois o calor; isto é, sente o calor através de si. E assim, Campanella acabou por concluir que a dogmática religiosa e a reflexão filosófica não podem entrar em conflito, porque têm esferas de atuação diferentes: a primeira, estando vinculada à conduta moral e à vida futura; a outra, especialmente a Metafísica, tratando do conhecimento deste mundo. Particularmente, não penso que isto seja assim, mas não retiro a qualificação do pensamento de Campanella.

 

Sua primeira obra, A Filosofia Demonstrada Pelos Sentidos, publicada em Nápoles em 1590, valeu a Campanella a acusação de heresia. Por ser um insurgente nato e um livre-pensador, acabou sendo preso, amargando, aproximadamente, vinte e sete anos na prisão por conspirar contra a dominação espanhola na Calábria. Pouco depois, foi condenado pela Inquisição à prisão perpétua, porém saiu livre em 1629 por ter sido declarado louco. Entretanto, o Santo Ofício continuou andando atrás dele como beija-flor atrás do néctar das flores, mas Campanella acabou inteligentemente se escafedendo para a França, onde foi recebido cortesmente por Luís XIII e pelo Cardeal Richelieu, onde viveu no Convento Saint-Honoré o resto de seus dias, morrendo em Paris, em 1639, como um dos maiores mártires do livre-pensamento. Pelo menos não morreu queimado como o festejado e grande defensor do Humanismo1 Giordano Bruno (1548 – 1600), que ao ser anunciada a sentença inquisitorial de que seria executado piamente, sem profusão de sangue (que em verdade significava a morte pela fogueira), corajosamente disse: — Teme mais a Força2 em pronunciar a sentença do que eu em escutá-la.

 

Campanella deixou uma vasta obra, que abrange vários tópicos: Gramática, Retórica, Filosofia, Teologia, Política, Medicina etc., e seu último trabalho foi um poema celebrando o nascimento do futuro Luís XIV de Bourbon (Ecloga in Portentosam Delphini Nativitatem). A Luís XIV, conhecido como Rei-Sol – que foi o maior monarca absolutista da França, tendo reinado de 1643 a 1715 – é atribuída a famosa frase L'État c'est moi (O Estado sou eu), apesar de grande parte dos historiadores admitir que isto é meramente um mito.

 

Dentre as várias obras escritas e publicadas por Campanella (porque há numerosos manuscritos inéditos preservados nos arquivos da Ordem Dominicana, em Roma), a mais importante, segundo vários autores, é a sua Metafísica, desenhada entre 1602 e 1603 e publicada posteriormente na França em 1638. Mas a mais conhecida, conforme já foi dito, é a Cidade do Sol, que foi escrita quando Campanella estava inquisitivamente detido em uma prisão napolitana, entre 1599 e 1626, e que, não posso deixar de observar, salvo melhor juízo, tem um não sei quê de positivista, ainda que o Positivismo3 só tenha aparecido no século XIX. A imaginária e utópica Cidade do Sol, antecipando-se ao pensamento de Descartes, é uma das obras-primas da literatura universal, estando, segundo muitos autores, no mesmo plano da Utopia, de Thomas Morus, e da República, de Platão – para mim, a melhor obra da Antigüidade. Na Cidade do Sol — na qual, mescladamente, se nota a influência de diversos autores cristãos (ainda que a Cidade do Sol não seja cristã, mas esteja próxima do Cristianismo), do materialismo de Demócrito, do animismo neoplatônico, do antidogmatismo de Giordano Bruno e até, por mais incrível que possa parecer, consciente ou inconscientemente, do espiritualismo místico de Akhenaton (o Sol deve ser interpretado como um símbolo, não como um objeto de idolatria) — Campanella proclamou que o amor deve combater e vencer todas as formas de divisão, de dispersão e de oposição, pois, perdido o amor-próprio fica sempre o amor da comunidade... E o amor à coisa pública aumenta na medida em que se renuncia ao interesse particular. Mas, contraditória e equivocadamente, ali, por exemplo, são defendidos a religião católica como sendo a única verdadeira que deverá dominar todo o Universo por intermédio de uma monarquia universal regida pelo Papa, a Lei de Talião, os castigos corporais expiatórios (para que seja aplacada a cólera de Deus), o sacrifício perpétuo4, a guerra justa e até a absurda e injustificável pena de morte. Especificamente, quanto à pena capital, penso que, realmente, ela seja muito mais do que absurda e injustificável, minimamente porque, se somos todos Um, quem mata está se suicidando, e quem se suicida está assassinando. Não é lá muito coerente, portanto, o argumento de Campanella que Sócrates, constrangido pela lei, não pecou bebendo veneno, e que os antigos filósofos (como Catão, Sêneca e Cleômenes) provaram que era lícito a alguém se matar por si, sendo nós os donos da própria vida. Concordo que, em termos, sejamos donos da própria vida, mas como escreveu o famoso poeta romano Horácio, est modus in rebus, sunt certi denique fines, quos ultra citraque nequit consistere rectum, ou seja, em todas as coisas há um meio termo; existem, afinal, limites definidos, além ou aquém dos quais não se pode manter o bem. E assim, indo um pouco além, se o Efeito Borboleta, analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Norton Lorenz (1917 – 2008), estiver correto, se, enfim, como concluiu Lorenz, o bater de asas, no Japão, de uma simples borboleta pode influenciar o curso natural das coisas e, desta forma, talvez, provocar um tornado do outro lado do mundo, os assassinatos, os suicídios e até um simples pensamento detrimentoso são potenciais catalisadores e desencadeadores invisíveis de grande parte dos danos e dos desencontros nos quais e em virtude dos quais sofre, claudica e chafurda a Humanidade. O que dizer, então, de uma guerra, seja ela justa, seja ela injusta? Quais terão sido, para a Terra e para a Humanidade, os efeitos invisíveis subseqüentes ao lançamento das duas bombas nucleares arremessadas irresponsável e criminosamente, por ordem do presidente americano Harry Salomon Truman, sobre Hiroshima e Nagazaki, respectivamente em 6 de agosto de 1945 e em 9 de agosto de 1945? As retribuições poderão vir a cavalo ou à tartaruga, mas que virão, virão! No tempo certo.

 

 

 

 

Compensações

 

 

 

 

 

Objetivo Desta pesquisa

 

 

 

 

Esta pesquisa, que nada tem de original, objetivou, apenas, garimpar substantivamente na Cidade do Sol, de Tommaso Campanella, alguns fragmentos que possam ser úteis para uma reflexão concertada a respeito das idealidades Sumo Bem e Suma Beleza, tão faltas neste nosso Terceiro Milênio, e, como é próprio de todas as utopias, suscitar balanceadamente a concentração e a meditação do espírito sobre si próprio, suas representações, suas idéias, seus sentimentos e as possíveis relações de incompatibilidade entre as proposições da obra que não possam estar em harmonia e/ou ser coerentes com o pensamento do leitor. Isto não significa, claro, que a obra original de Campanella não deva ser lida; pelo contrário. Por isto, abaixo estão sugeridos dois endereços distintos para que o texto possa ser lido integralmente, por quem assim o desejar:

http://www.ebooksbrasil.org/
eLibris/cidadesol.html

http://www.ebooksbrasil.org/
adobeebook/cidadesol.pdf

 

Devo informar que fiz alguns pequenos ajustes didáticos em alguns dos fragmentos coligidos, editados para facilitar a leitura e para acomodá-los a este tipo de trabalho. Entretanto, o pensamento do autor foi inteiramente preservado e resguardado, pois não inseri qualquer mudança e muito menos fabriquei qualquer adulteração, o que seria um absurdo sem paralelo. Bolas! Foram mais do que suficientes as perseguições e censuras que Campanella sofreu do Santo Ofício, e eu não tenho a menor vocação quer para censor, quer para Tomás de Torquemada (1420 – 1498) – a figurinha de batina mais importante da Inquisição Espanhola e símbolo maior da face intolerante da história da Igreja Católica, mas que, curiosamente, era neto de marranos (designação injuriosa que se dava outrora aos mouros e especialmente aos judeus batizados, suspeitos de se conservarem leais ao Judaísmo), fato que ele escondia cuidadosamente. A este dominicano sangrento e esquizofrênico são imputados mais de trinta mil autos-de-fé recheados de torturas e de posteriores mortes nas fogueiras espanholas.

 

Finalmente, eu espero e faço votos para que aqueles que não conhecem ou que não leram a Cidade do Sol, de Campanella, possam ter, com os excertos arrolados neste trabalho, a possibilidade de refletir sobre o Sumo Bem e a Suma Beleza, que, em última instância, está tanto do lado de fora quanto em nossos Corações. E, se uma pequena inspiração daí provier – ótimo! Mais do que um simples nome de rua em Itaquera ou em Las Vegas, isto demonstra que Campanella foi, é e continuará a ser, como tantos outros, um exemplo de que o poder da argumentação atravessa séculos, milênios. E mais: comprova também que na verdade, a boçalidade autoritária da Inquisição não calou ninguém, como as duas bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki também não fizeram dos Estados Unidos um país mais espiritualizado e mais simpático ao mundo! Não há coisa imposta, seja lá qual for a imposição, seja lá qual for a justificação, seja lá qual for a abonação, que preste para alguma coisa! Coisa imposta fede!

 

 

 

 

 

 

 

 

Pensamentos de Campanella

 

 

 

 

 

 

Città del Sole – Visão Pictórica

 

 

 

 

No Evangelho não se lê que Cristo tratasse jamais de assuntos físicos ou astronômicos, mas de coisas morais e das promessas da Vida Eterna.

 

A morte é doce para quem a vida é amarga. [O escritor e poeta francês Victor-Marie Hugo, (1802 – 1885), escreveu: Morrer não é acabar; é a suprema manhã.]

 

A suma da razão política que o nosso século anticristão chama razão de Estado consiste em que se valora mais a parte do que o todo, e que o homem se valora a si mesmo mais do que à espécie humana, mais do que ao Universo e mais do que a Deus.

 

Nenhum rei cristão pôde jamais suster, por si só, a monarquia de toda a cristandade, porque o Papa está por cima dele e faz e desfaz os seus projetos.

 

O mundo é um livro no qual o Espírito Eterno gravou os Seus pensamentos.

 

E, quanto mais ouço, mais ignoro! [O moralista, ensaísta e escritor francês Luc de Clapiers, Marquês de Vauvenargues, (1715 – 1747), deixou escrito: Não devemos julgar os homens por aquilo que eles ignoram, mas por aquilo que sabem, e pela maneira como o sabem.]

 

O mundo é uma gaiola de loucos. [Rabindranath Tagore, (1861 1941), refletiu: Compreendemos mal o mundo e depois dizemos que ele nos decepciona.]

 

 

 

Um Louco Dentro da sua Gaiola

 

 

O amor deve combater e vencer todas as formas de divisão, de dispersão e de oposição.

 

Na nossa vida presente, não temos conhecimento abstrato do eu, separado de qualquer impressão que nos informe da nossa própria existência e natureza. Temos a autoconsciência, por exemplo, no ato do pensamento, da dúvida etc., mas ao pensar e duvidar pensamos em alguma cousa, isto é, temos notícias adicionadas e nelas justamente encontramos e reconhecemos a notícia inata do nosso eu, que não temos direta e isoladamente. [Em certo sentido, a notícia inata de Campanella é semelhante ao a priori de Immanuel Kant.]

 

Na vida presente, a Alma, misturada com os objetos exteriores, tem no conhecimento agregado algo mais próprio à sua condição atual do que o inato.

 

A experiência não dá ao sujeito cognoscente a idéia inata, mas oferece a esta noção fundamental a ocasião de se manifestar.

 

Eu sou Consciência: sei que sou ('Sapientia'). Eu tenho a Potência de ser: quero ser ('Potestas'). Eu Amo a minha existência: Amo meu ser ('Amor'). [Estas Primalidades do ser – Conhecimento, Vontade e Amor que constituem a Essência de todas as coisas e que seriam encontradas também em Deus, são equivalentes às que Santo Agostinho propôs para a Santíssima Trindade. Em oposição, entretanto, há também três primalidades negativas do não-ser, quais sejam: insipiência, impotência e ódio.]

 

 

 

 

 

Como ser finito, o homem é o reflexo de Deus: Ser Infinito, Sapiência, Potência Absoluta e Amor.

 

ln Superbia Il Valor, La Santitate...
(Tradução de Delson Tarlé)

 

É soberba o valor, a santidade,
agora, é hipocrisia, a gentileza
é cerimônia, o siso, sutileza,
o amor é ciúme, o belo, sujidade,

graças, poetas, à vossa fatuidade:
f
alsos heróis, mentiras e baixeza,
não virtudes, mistérios e a grandeza
de Deus, como era o verso em prisca idade.

A obra da Natureza é ato mais nobre
do que a ficção, mais doce de cantar-se,
onde engano e verdade se descobre.

A única história digna de aprovar-se
é a que de falsidade não se cobre
e faz o mundo contra o vício armar-se.

 

A Cidade do Sol divide-se em sete círculos e recintos particularmente designados com os nomes dos sete planetas. Cada círculo se comunica com o outro por quatro diferentes caminhos, que terminam por quatro portas, voltadas todas para os quatro pontos cardeais da Terra. A Cidade foi construída de tal forma que, se alguém, em combate, ganhasse o primeiro recinto, precisaria do dobro das forças para superar o segundo, do triplo para o terceiro, e, assim, num contínuo multiplicar de esforços e de trabalhos, para transpor os seguintes.

 

O supremo regedor da República Solar é um sacerdote que, na linguagem dos habitantes, tem o nome de Hoh. Nós o chamaremos de Metafísico. Sua autoridade é absoluta, estando-lhe submetidos o temporal e o espiritual. Depois do seu juízo, deve cessar qualquer controvérsia. É incessantemente assistido por três chefes, chamados Pon, Sin e Mor, nomes que, entre nós, equivalem à Potência, á Sapiência e ao Amor.

 

Os cidadãos solares conhecem a arte pela qual se podem reproduzir, dentro de uma habitação, todos os fenômenos meteorológicos, os ventos, as chuvas, o trovão, o arco-íris etc.

 

Como eu perguntasse, maravilhado, como conheciam a nossa história, responderam-me que cultivavam todas as línguas, que costumavam enviar exploradores e embaixadores a toda parte da Terra para aprender os costumes, as forças, o governo, a história, os bens e os males de todos os países, e que os habitantes solares são muito desejosos de tais instruções... E, por isto, costumavam enviar mensageiros a outras nações e nunca se recusam a abraçar os costumes que lhes parecem melhores... Conhecem o curso das estrelas e o fluxo e o refluxo do mar. Navegam para adquirir novos conhecimentos sobre os povos, os países e as coisas.5

 

As ciências, as dignidades e os prazeres são comuns, de forma que ninguém pode apropriar-se da parte que cabe aos outros. Dizem os cidadãos solares que toda espécie de propriedade tem sua origem e força na posse separada e individual das casas, dos filhos, das mulheres. Isto produz o amor-próprio, e cada um trata de enriquecer e aumentar os herdeiros, de maneira que, se é poderoso e temido, defrauda o interesse público, e, se é fraco, se torna avarento, intrigante e hipócrita. Ao contrário, perdido o amor-próprio, fica sempre o amor da comunidade.

 

O amor à coisa pública aumenta na medida em que se renuncia ao interesse particular. Acredito, pois, que, se os nossos monges e clérigos não estivessem viciados por excessiva benevolência para com os parentes e os amigos, e se mostrassem menos roídos pela ambição de honras cada vez mais elevadas, teriam, com menor afeição pela propriedade adquirida, louvores de mais bela santidade, e, semelhantes aos apóstolos e a muitos dos tempos presentes, apareceriam ao mundo como exemplos da caridade mais sublime.

 

Homens e mulheres, todos, sem distinção, são educados juntos em todas as artes.

 

Não posso lhe exprimir quanto desprezo os cidadãos solares têm por nós, por chamarmos de ignóbeis os artífices e de nobres os que, não sabendo fazer coisa alguma, vivem no ócio e sacrificam tantos homens que, chamados servos, são instrumentos da preguiça e da luxúria. Dizem ainda que não é de admirar que dessas casas e escolas de torpeza saiam catervas de intrigantes e de malfeitores, com infinito dano para o interesse público.

 

Nós, cidadãos solares, estamos tão certos de que um sábio pode ter aptidões para o bom governo de uma república quanto vós, que preferis homens ignorantes, julgados hábeis somente porque descendem de príncipes ou porque são eleitos pela prepotência de um partido.

 

Ao se querer consultar um sábio dos vossos países, o único resultado que se obtém é uma obstinada fadiga e um servil trabalho de memória que habituam o homem à inércia, pois não encontra estímulo em penetrar no conhecimento das coisas e se contenta em possuir um acervo de palavras, aviltando a Alma e fatigando-a sobre letras mortas. Tais sábios ignoram como todos os seres são governados pela Causa Primeira e quais as regras e hábitos da Natureza e das nações.

 

Na República do Sol, é considerado culpável todo aquele que, ao se aproximar a geração [que é admitida como obra religiosa, tendo por fim o bem da República e não o bem dos particulares], não tenha, ao menos por três dias, conservado o sêmen em sua integridade e pureza, bem como o que, tendo cometido atos impudicos, não se tenha confessado e reconciliado com Deus... Os cidadãos da República Solar não possuem nem uma nem muitas mulheres, mas, cada qual, na época prescrita para a geração, se aproxima daquela que a lei lhe destina para o bem da República... E não geram para si, mas para a República, pois o pai, entre nós, não tem sobre o filho tanto poder quanto a República, de vez que a parte é pelo todo e não o todo pela parte. Se, portanto, o todo cuida da totalidade na República Solar, sem confiá-la aos particulares, isto dá bons resultados. O marido que se une à mulher por lascívia, quando lhe apraz, produz uma prole imbecil e degenerada... Na República Solar, a união obedece às regras da Filosofia e da Astrologia, de forma tão ordenada que a geração resulte melhor e mais numerosa... Enfim, afirma São Tomás de Aquino que o matrimônio é contra a natureza quando não favorece a prole e a sociedade. Ora, em nossa República, ao contrário, a união é sumamente favorável a ambas.

 

O objetivo da geração é a conservação da espécie e não a do indivíduo. Trata-se, portanto, de um direito público e não privado, do qual os particulares só participam como membros da República. Os cidadãos solares acrescentam que a principal causa dos males públicos reside na maneira errônea de considerar a geração e a educação dos jovens.

 

Entre os cidadãos solares, não há deformidade. [A primeira deformidade da Alma racional é a vontade de executar o que a suma e íntima Verdade lhe proíbe. A defectibilidade da Alma, portanto, vem de seus atos e da pena que padece pelas dificuldades – conseqüência dessa defectibilidade. Todo mal se reduz a isto. Ora, o agir ou o padecer não são substâncias. Portanto, a substância não é um mal. Assim, o vício não é da mesma natureza da Alma. É, sim, contra a sua natureza. O vício nada mais é do que pecado e a pena de pecado. (Santo Agostinho, 354 – 430)]

 

 

 

Anthony Hopkins (Hannibal Lecter)

 

 

 

Os cidadãos solares não dão valor algum ao ouro e à prata, considerando-os como matérias para fabricar vasos e ornamentos comuns a todos.

 

Na Cidade do Sol, por haver igual distribuição dos misteres, das artes, dos empregos, das fadigas, cada indivíduo não trabalha mais de quatro horas por dia, consagrando o restante ao estudo, à leitura, às discussões científicas, ao escrever, à conversação, aos passeios, em suma, a toda sorte de exercícios agradáveis e úteis ao corpo e à mente.

 

Os cidadãos solares são ricos porque gozam de todo o necessário, e são pobres porque não possuem nada.

 

Os habitantes solares não temem a morte, porque todos acreditam na imortalidade da Alma, que, ao sair do corpo, é acompanhada pelos espíritos bons ou maus, conforme o tenha merecido na vida terrestre. Embora sejam brâmanes, aproximam-se, contudo, segundo certas opiniões, dos pitagóricos, dos quais não admitem a metempsicose da Alma, exceto uma ou outra vez, por especial justiça de Deus. [Aqui, nota-se claramente que Campanella admitia a Lei da Reencarnação, mas, por precaução, escreveu que ela só acontecia uma ou outra vez, por especial justiça de Deus.]

 

Os cidadãos da República Solar, de bom grado, perdoam as ofensas e os erros dos inimigos, e, depois da vitória, costumam beneficiá-los... Dizem que não se deve combater um inimigo para exterminá-lo, mas para torná-lo melhor.

 

Na Cidade do Sol, o trabalho é distribuído de modo que nunca possa ser nocivo à pessoa, mas, ao contrário, deva torná-la e conservá-la melhor.

 

Não fazem uso dos adubos e da lama para fertilizar os campos, pois acham que estes corrompem as sementes e produzem cereais malsãos, enfraquecendo e abreviando a vida... . Por isso, não põem nada sobre a terra e trabalham as sementes com assiduidade. Aprendem os segredos que se requerem para um pronto nascimento e uma feliz multiplicação das sementes. Trabalha-se somente a porção de terra que baste para as necessidades dos cidadãos, ficando o restante para o pasto dos animais.

 

A doutrina dos cidadãos da Cidade do Sol é que se deve, primeiro, prover à vida do todo e, depois, à das respectivas partes. Por isto, ao construírem a cidade, trataram de ter propícias as quatro constelações de cada um dos quatro ângulos do mundo, as quais se observam também na concepção de cada indivíduo, porque dizem que Deus atribuiu causas a todas as coisas, devendo o sábio conhecê-las, usá-las e não abusar delas.

 

Em geral, os seres solares vivem cem anos, sendo que não poucos também duzentos... Conhecem, enfim, o segredo de renovar a vida, de sete em sete anos, sem dores e com meios suaves e portentosos.

 

As leis desse povo são poucas, breves, claras, escritas sobre uma tábua de bronze pendente dos intervalos das colunas do templo, nos quais também se vêem, escritas em estilo metafísico e brevíssimo, as definições da essência das coisas, que são Deus, os Anjos, o Mundo, as Estrelas, o Homem, o Destino, a Virtude etc., na verdade com grande critério.

 

Não é considerado digno da nobre arte poetar quem, nas suas fantasias, faz entrar a mentira, sendo este abuso julgado uma das maiores pestes do gênero humano, pois tira o prêmio à virtude para, muitas vezes, oferecê-lo ao vício, e, quase sempre, por temor, ambição, adulação ou avareza.

 

Os despojos dos defuntos não são enterrados, mas cremados, para não darem origem a pestes, e se converterem em fogo, matéria nobre e viva que desce do Sol para tornar a subir ao Sol; e também para impedir toda razão de idolatria.6

 

Os cidadãos da República do Sol contam os meses pelo curso lunar e os anos pelo solar, só os pondo de acordo no décimo nono ano, quando a cabeça do dragão termina o seu curso. Fundaram, assim, uma nova astronomia.

 

Antes de qualquer coisa criada, estimam o Sol; mas não consideram qualquer coisa criada digna do culto de latria. Esta é reservada exclusivamente a Deus, e a Ele somente servem, a fim de que, pela Lei de Talião, não caiam sob a tirania e a miséria. No Sol, contemplam a imagem de Deus, chamando-O de Excelso Rosto do Onipotente, estátua viva, fonte de toda luz, calor, vida e felicidade de todas as coisas. Seu altar foi erigido à semelhança do Sol, e Nele os sacerdotes adoram Deus, imaginando no céu um templo, nas estrelas altares e casas habitadas por anjos bons, nossos intercessores junto a Deus, que mostra, sobretudo, no céu a Sua beleza, e no Sol o Seu troféu e estátua.

 

Somente a Deus devemos gratidão como a um pai; e somente Deus deve ser por nós reconhecido como autor e concessor de todas as coisas.

 

Consideram mentecapto quem afirma que existe o vácuo, pois dizem que este não pode existir nem dentro nem fora do mundo, uma vez que Deus, ente infinito, não pode tolerar consigo um vácuo.

 

Adoram Deus na Trindade, o que causa admiração, mas dizem eles que Deus é Suma Potência, da qual procede a Suma Sapiência, que é também Deus, e de ambas o Amor, que é Potência e Sapiência, embora o procedente não tenha a essência daquilo de que procede e não retrocede.

 

Da tendência ao não-ser se originam o mal e o pecado. O pecado tem, pois, uma causa de deficiência e não de eficiência. Por causa deficiente, entendem eles ou a falta de potência, ou de sapiência, ou de vontade. Somente nesta última – falta de vontade – colocam o pecado, pois quem sabe e pode fazer o bem deve igualmente querê-lo, nascendo a vontade das duas primeiras e não aquelas desta... Todos os seres, portanto, derivam sua essência da Potência, da Sapiência e do Amor, enquanto têm existência, e da Impotência, da Ignorância e do Desamor, enquanto participam do não-ser.

 

Para os habitantes solares, não há nada de mais vão e de mais desprezível do que querer mostrar aquilo que na realidade não se é ou não se merece ser, como tantos que se chamam reis, sábios, guerreiros ou santos.

 

Saiba que os cidadãos da República Solar já descobriram a arte de voar, a única que parece faltar ao mundo. Além disso, consideram próxima a descoberta de instrumentos óticos com os quais serão descobertas novas estrelas e de instrumentos acústicos tão perfeitos que com eles se chegará a escutar a música dos céus.7

 

Deus é a causa imediata de todas as coisas, mas só como causa universal e não particular, primitiva e não secundária. Porque Deus não come quando Pedro come e não rouba quando Pedro rouba; se bem que derivem Dele a essência e a faculdade de poder comer e poder roubar, como causa imediata da qual depende toda outra mais particular que modifica a imensidade da Ação Divina.

 

As heresias, as carestias e as guerras pre-indicadas pelas estrelas, muitas vezes se verificam na realidade, porque muitos homens se deixam governar, não pela razão, mas pelos apetites sensuais, dando lugar a essas coisas que acontecem contra a razão, embora também sucedam, freqüentemente, por terem obedecido racionalmente a uma paixão, como quando se alimenta uma justa cólera para empreender uma guerra justa.8

 

Os solares já descobriram o modo de evitar a ação do Fado Sidéreo. Uma vez que toda arte só nos é concedida por Deus em nosso benefício, quando está iminente um eclipse infausto, um cometa maléfico etc., eles encerram o ameaçado dentro de casas brancas, impregnando o ambiente de aromas e de vinagre rosado, acendem sete velas de cera aromatizada e acrescentam alegre música e divertidas conversações. Dessa forma, são destruídos os germes pestilênciais emanados do céu.

 

Os solares dão, decerto, valor aos números, apoiando-se na filosofia pitagórica. Mas, não se baseiam unicamente nos números, e, sim, na medicina acompanhada de números.

 

 

Tetractys

 

 

As estrelas, que se movem à distância e com lentidão, não podem nos constranger a qualquer ato contra a nossa vontade, como não podem nos governar, nem por obrigatório decreto de Deus, pois somos tão livres que podemos blasfemar contra o próprio Deus. Deus não força a si nem aos outros contra si.

 

 

 

 

Questões Sobre a
Ótima República

 

 

 

 

Qual é, pois, a nação capaz de imitar a vida de Cristo, sem pecado? E, por isso, os Evangelhos terão sido escritos inutilmente? Jamais, e sim para que nos esforcemos por nos aproximarmos deles tanto quanto possível. Cristo estabeleceu uma República excelentíssima, isenta de todo pecado, que apenas os apóstolos observaram integralmente. Depois passou do povo ao clero e, afinal, exclusivamente aos monges, sendo que, entre estes, persevera em alguns, ao passo que, em outros, muito poucos institutos se conservam em harmonia com a mesma.

 

Todos os males (a avareza, a adulação, a fraude, os furtos, a sordidez, a rapina, a arrogância, a soberba, a ociosidade etc.) são provenientes dos dois contrários, a riqueza e a pobreza, que Platão e Salomão consideram como a origem dos males da República.

 

A propriedade, como diz Santo Agostinho, elimina as forças da caridade.

 

O amor-próprio, como diz Santa Catarina, ocasiona todos os males.

 

Todos os males do corpo e da Alma são provenientes do trabalho excessivo para os pobres e do ócio para os ricos.

 

Na Cidade do Sol, são evitados, em cada coisa, os extremos, sendo tudo reduzido à justa medida, na qual se encontra a virtude.

 

A República da Cidade do Sol, como o século de ouro, é desejada por todos e reclamada por Deus, quando pedimos que a Sua Vontade seja feita assim no céu como na Terra. Se não é praticada, isto se deve à maldade dos príncipes, que submetem os povos a si e não ao império da Razão Suprema. O uso e a experiência demonstram a possibilidade de viver naturalmente conforme à razão, de forma virtuosa e não viciosamente, segundo São Crisóstomo.

 

Os religiosos nunca se revoltam pela severidade da disciplina. Quando isto acontece, é pelo comércio dos laicos, pela ambição das honras, pelo amor da propriedade ou pela libidinagem.

 

Procuramos, igualmente, para a nossa República, fazer tesouro das observações da experiência e da ciência de toda a Terra. Para isto, estabelecemos até peregrinações, comunicações de comércio e embaixadas.

 

O monaquismo, na República Solar, foi instituído para o aumento da santidade e da ciência, e não para agravar a submissão, como pretendem os hipócritas.

 

Caríssimos, o uso de todas as coisas que estão neste mundo deveria ser comum; por iniqüidade, porém, um diz que isto é seu, outro aquilo, etc. [Palavras do Papa São Clemente, Epístola IV, apud Campanella.]

 

Quer para a vida presente, quer para a futura, é melhor a comunidade dos bens. E São Crisóstomo informa que este gênero de vida existiu entre os monges e ele o adota, insinuando-o e pregando-o a todos. Ensina, ainda, que ninguém é dono dos seus bens, mas apenas despenseiro, como o é o bispo dos bens da igreja, sendo culpável todo laico que abusa dos seus bens sem comunicá-los aos outros. Diz São Tomás de Aquino que somos donos da propriedade, não do uso, pois que, em extrema necessidade, todas as coisas são comuns.

 

São os ricos obrigados a restituir o supérfluo? A quem? Aos pobres ou à República? Respondo que à República e aos pobres, mas, para não haver lugar para disputa, porque não adquiriram um direito positivo, digo que a Deus, a quem deverão prestar contas no dia final...

 

Distribuindo-se as honras segundo as aptidões naturais evitam-se os males causados pela sucessão, pela eleição e pela ambição, como ensina Santo Ambrósio falando da república das abelhas. É assim que seguimos a Natureza, que é ótima mestra, como no caso das abelhas. A eleição de que fazemos uso não é licenciosa, mas natural, sendo eleitos os que se distinguem pelas virtudes naturais e morais.

 

Em nossa República, as tarefas são distribuídas pelos magistrados das artes, segundo a capacidade e a força de cada um, e executadas pelos chefes das artes com toda a multidão. Nada pode ser usurpado de alguém, nutrindo-se todos à mesa comum e recebendo a roupa do magistrado do vestuário, segundo a qualidade, as estações e conforme à saúde... Todas as coisas são feitas com razão, de forma que cada um gosta de fazer aquilo que é conforme à sua disposição natural. E é justamente o que se pratica na nossa República.

 

Cada um, desde a infância e segundo as disposições naturais, é aplicado pelos magistrados às várias artes, e quem quer que por experiência e por doutrina se revele ótimo é preferido na arte para a qual é idôneo. Desta forma, só os que forem excelentes podem se tornar supremos magistrados. Portanto, nem o soldado desejaria tornar-se capitão, nem o agricultor sacerdote, pois os cargos são distribuídos segundo a experiência e a doutrina, não por favor ou parentesco, mas adequados aos conhecimentos. E cada um exerce a profissão no ramo em que se distingue. Os primeiros magistrados não podem honrar uns e reprimir outros; não governando arbitrariamente, mas seguindo a Natureza, dão a cada um a profissão conveniente. Como não possuem nada de próprio para poderem violar o direito alheio com o fim de engrandecer os filhos, convém-lhes agir bem para serem honrados. Eis porque, considerando-se todos como irmãos, filhos e parentes, um igual amor se mantém por todos sem qualquer distinção. Ninguém combate mediante pagamento, mas por si, pelos filhos e pelos irmãos. Possuindo cada qual com que viver bem, ninguém tem necessidade de estipêndio, mas da honra que obtém dos irmãos por suas ações valorosas.

 

A liberalidade não consiste em dar o que se usurpou, mas em pôr tudo em comum, como afirmou São Tomás de Aquino. Na República do Sol, são honrados os hóspedes da República e são socorridos os miseráveis por natureza, pois não há, entre nós, nenhum miserável por fortuna, de vez que todas as coisas são comuns e todos são irmãos, sendo indicados os mútuos ofícios com os quais se mostra a liberalidade. Na Cidade do Sol, a liberalidade foi transformada em beneficência, que é superior à primeira.

 

Os ignorantes estão prontos a chamar de herege todo aquele que eles não podem convencer com a razão.9

 

Todo pecado contra a Natureza destrói o indivíduo ou a espécie, ou tende a essa destruição, como ensina São Tomás de Aquino. Por conseguinte, o assassínio, o furto, a rapina, a fornicação, o adultério, a sodomia etc. são contra a Natureza, porque ofendem o próximo, impedem a geração ou tendem a isso.

 

O homem, sob o regime da divisão, tende a amar os próprios filhos mais do que convém e a desprezar os alheios além da medida. Por conseguinte, o homem sábio ama mais os melhores, mesmo que sejam alheios, e se preocupa mais com os maus, para melhorá-los.

 

Amputatio proprietatis est augmentum caritatis. Abolir a propriedade é aumentar a caridade. [Santo Agostinho, apud Campanella.]

 

Caritas non querit quæ sua sunt. A caridade não cogita do que é seu. [São Paulo, apud Campanella.]

 

Em nossa República tudo é ordenado segundo a Lei da Natureza e do mérito... Não há divisão de propriedade, mas somente de uso, com o fim de manter o engenho e a força dos cidadãos.

 

 

 

 

Uma Palavra Final

 

 

 

 

Penso que não devamos gastar nossas energias em tentar vislumbrar ou idealizar – e muito menos impor – qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal, utópica, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometida com o bem-estar da coletividade, como fizeram, por exemplo, Platão, Karl Marx, Friedrich Engels, Augusto Comte, Karl Mannheim, Ernst Bloch, Thomas Morus, Campanella e outros pensadores, com ou sem meios revolucionários, com ou sem religião, para se atingir uma sociedade melhor. Não que o trabalho destes humanistas não seja louvável, ao contrário; e longe estou de desqualificá-los, até porque é natural que todos nós, por mérito, caminhemos para um tempo teocientificista. Os que não tiverem mérito para conhecer este tempo não o conhecerão, e forçar, seja lá do jeito que for, para que as coisas mudem, não adianta absolutamente nada. A coisa toda funciona mais ou menos como quando estamos com sono; querendo ou não querendo, acabamos dormindo. O exemplo não é bom, mas vai ficar este mesmo. Seja como for, Peregrinar é preciso!

 

Mas, penso que o primeiro passo, de tudo e para tudo, é tentarmos melhorar a nós mesmos. E se alguma coisa puder ser feita, em primeiro lugar, um bom exemplo é melhor do que mil palavras ou mil utopias. Então, mais do que almejar ou sonhar com um Céu, com um Paraíso de Delícias, com uma Idade de Ouro ou até com uma Sétima Raça-raiz, o que precisamos fazer é tratar das nossas misérias agora, já. E se sairmos desta vida tendo transmutado um único defeito e corrigido uma única deformidade, cumprimos, ainda que parcialmente, o nosso papel. Cada um sabe onde o calo dói, e, em princípio, o que deverá fazer para aliviar essa dor. O fato é que nós não precisamos de tempos especiais, futuros, e de cidades ideais, quiméricas ou não, para nos tornarmos Dignos, Justos e Bons, simplesmente porque a Dignidade, a Justiça e a Bondade é conatural em todos nós. Temos, sim, que nos esforçar para conhecê-Las e para realizá-Las, porque não há aquele que seja totalmente mau ou inteiramente bom. O Reino dos Céus, a Cidade do Sol, a Cidade de Deus, Akhetaton e o Sol Eterno que não se põe, que muitos ainda insistem em tentar encontrar lá e acolá, está mesmo dentro de cada um de nós. Ao cabo de contas, o iniciando e o Iniciador somos nós.

 

 

 

 




 

 


 

 

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Notas:

1. O Humanismo foi um movimento intelectual difundido na Europa durante a Renascença e inspirado na civilização greco-romana, que valorizava um saber crítico voltado para um maior conhecimento do homem e uma cultura capaz de desenvolver as potencialidades da condição humana. Além de Giordano Bruno, entre tantos outros, são Humanistas famosos Petrarca, Gianozzo Manetti, Lorenzo Valla, Marsilio Ficino, Erasmo de Roterdão, François Rabelais, Pico de La Mirandola e Thomas Morus. As principais Vertentes do Humanismo são: Humanismo Marxista, Humanismo Secular, Humanismo Religioso, Humanismo Renascentista e o Positivismo comtiano, que também é uma forma de Humanismo na medida em que afirma o ser humano e rejeita a Teologia e a Metafísica. A forma mais profunda e coerente do Humanismo comtiano é sua vertente religiosa, ou seja, a Religião da Humanidade (com dogma, culto e regime; templos e capelas; sacramentos e sacerdotes), que propõe a substituição moral, filosófica, política e epistemológica das entidades supranaturais (os deuses ou as entidades abstratas da Metafísica) pela concepção de Humanidade, ou seja, uma completa espiritualidade humana sem elementos extra-humanos ou sobrenaturais. Por isto, que me perdoem os positivistas, Augusto Comte (1798-1857) foi o maior metafísico antimetafísico da transição da modernidade para a pós-modernidade.

2. Com a Força Bruno quis significar a Igreja Católica, que acabaria por reconhecer o crime contra a Humanidade que cometeu, criando um mártir do pensamento.

3. Em um passo da Cidade do Sol, está escrito: No interior do sexto círculo, encontram-se pintadas todas as artes mecânicas e os seus instrumentos, e como as usam as diversas nações, cada uma ordenada e explicada segundo o próprio valor, e trazendo também o nome do inventor respectivo. Na parte externa, estão representados todos os homens mais eminentes nas ciências, nas armas e na legislação. Vi Moisés, Osíris, Júpiter, Mercúrio, Licurgo, Pompílio, Pitágoras, Zamolhim, Sólon, Caronda, Foroneu e muitíssimos outros... Debaixo dos pórticos externos, vi representados César, Alexandre, Pirro, Aníbal e outras celebridades, quase todos cidadãos romanos, ilustres na paz e na guerra. O Positivismo, conforme foi elaborado por Augusto Comte (1798-1857), é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial – processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Na obra Apelo aos Conservadores, de 1855, Comte definiu a palavra 'positivo' com sete acepções: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. A idéia-chave do Positivismo comtiano é a Lei dos Três Estados, de acordo com a qual o homem passou (e continua a passar) por três estágios em suas concepções, isto é, na forma de conceber as suas idéias. Estes Três Estados são: Teológico, Metafísico e Positivo, etapa final e definitiva na qual não se busca mais o 'porquê' das coisas, mas sim o 'como', ou seja, as relações constantes de sucessão ou de coexistência. Enfim, na obra Discurso Sobre o Espírito Positivo, de 1848, Comte explicitou que o espírito positivo é maior e mais importante do que a mera cientificidade, na medida em que esta abrange apenas questões intelectuais, e aquele, o espírito positivo, compreende, além da inteligência, também os sentimentos e as ações práticas.

4. Há sempre um homem do povo no templo a rezar diante do altar, sendo substituído por outro depois de uma hora, como era costume fazer na solenidade das quarenta horas.

5. Também em Francis Bacon (1561 – 1626) está consubstanciada esta idéia, isto é, como escreveu Campanella, de procurar, igualmente, para a nossa República, fazer tesouro das observações da experiência e da ciência de toda a Terra. Em a Nova Atlântida – utopia que incorpora os novos avanços da época na ciência e na espiritualidade – Bacon utilizou simbolicamente os números para descrever as atribuições e encargos da Casa de Salomão ou Colégio da Obra dos Seis Dias da Ilha de Bensalem – um santuário de Sabedoria. Os habitantes da Nova Atlântida, segundo Bacon, atingiram, utopicamente, a perfeita ciência, a perfeita ordem social e a perfeita via para a regeneração espiritual. Esta, entretanto, é a utopia de todo Rosacruz. Como afirma Ulisses Capozoli, a Nova Atlântida é o que muitos considerariam utopia, uma sociedade onde o conhecimento científico é o responsável pela felicidade de seus cidadãos. A Casa de Salomão, onde trabalham os sábios, previu Bacon, seria o suporte do futuro bem-estar social. A cada doze anos, eram enviados para fora da Ilha (do Reino) dois navios, cada um levando uma comissão especial formada de três irmãos da Casa de Salomão, com atribuições específicas de, fundamentalmente, trazerem informações sobre o estado social, político, científico e artístico das nações visitadas. Esses conceitos numéricos apresentados por Bacon estão crivados de simbolismo alquímico, esotérico e cabalístico. Não se pode deixar de registrar, neste instante, que Bacon, afora suas atribuições políticas e produção literária e filosófica, foi Imperator (supremo dirigente) da Ordem Rosacruz do seu tempo. Hoje, sabe-se que sua obra escrita foi literalmente cifrada, pois como não podia, naquela época, divulgar abertamente seu pensamento, sem, com isso, se comprometer, bem assim aos membros da Ordem, fazia-o de maneira velada e simbólica. Diversos pesquisadores do mundo inteiro têm se debruçado sobre a obra de Bacon com o intuito de confrontar o que já se descobriu e o que de fato existe por trás desse véu que perdura por mais de trezentos anos. Contemporaneamente, está comprovado que, por exemplo, os famosos livretos Fama Fraternitatis (publicado em 1614 na cidade alemã de Kassel) e Confessio Fraternitatis (publicado em 1615, também em Kassel) foram escritos por Bacon, sob o pseudônimo de Christian Rosenkreutz. Os Símbolos Rosacruzes e os do próprio Bacon são encontrados como marcas d’água nas páginas dos documentos e de todas as obras literárias, científicas e filosóficas que escreveu. Nesse sentido, a Nova Atlântida esconde nas entrelinhas um conhecimento muito antigo, que não podia, por motivos óbvios, naquela época, ser pública e abertamente divulgado. Enfim, seja como for, a trilogia Fama Fraternitatis, Confessio Fraternitatis e As Bodas Químicas de Christian Rozenkreuz (obra publicada em 1616 na cidade alemã de Estrasburgo), atribuídas por uma corrente de pesquisadores ao Filósofo e Teólogo Luterano Johan Valentin Andreæ (1586 – 1654) e não a Francis Bacon, são textos eminentemente Rosa+Cruzes.

6. Conforme relata Marco Antonio Coutinho no trabalho O Homem que não Sabia Nada, este foi um dos pontos de discordância entre Ralph Maxwell Lewis (Sâr Validivar) e Émile Dantinne (Sâr Hieronymus) em uma das últimas reuniões da FUDOSI*, ou seja: A dissolução da FUDOSI, depois de dezessete anos de atividade, foi conseqüência da conclusão, pelos Delegados, de que ela já havia cumprido o seu papel e não tinha mais motivos para continuar ativa. Alguns incidentes contribuíram particularmente para essa evidência. Um deles foi a discordância entre Sâr Hieronynus e Sâr Validivar a respeito de um ponto doutrinário importante: a disposição dos corpos físicos dos Iniciados, após seu falecimento. Para Validivar, assim como para a AMORC, o mais recomendável seria a cremação, uma maneira rápida, simples e eficiente de cumprir o ciclo natural de dissolução. Para Hieronynus – e para a R+C Universal – a cremação era um processo rápido demais para a consciência em desprendimento final, e deveria ser evitada. Entretanto, este incidente não se transformou em rivalidade, e, depois da dissolução da FUDOSI, em 1951, os diversos Imperatores das diversas Ordens e Fraternidades Iniciáticas que compunham a FUDOSI mantiveram intercâmbio permanente e estreitas relações de amizade. Ainda que possa parecer um contra-senso, concluirei esta nota dizendo: não concordar não significa discordar. Eu, particularmente, sou francamente favorável à cremação, que deve ser efetivada 84 horas (três dias e meio) após a transição.

* A FUDOSI (Fédération Universelle des Ordres et Sociétés Initiatiques, em Francês, Federatio Universalis Dirigens Ordines Societatesque Initiationis, em latim) foi formada em 14 de agosto de 1934, principalmente por rosacruzes e martinistas, como uma Federação de Sociedades e Ordens esotéricas autônomas para proteger as liturgias sagradas, ritos e doutrinas das Ordens Iniciáticas Tradicionais de serem apropriadas e profanadas por organizações clandestinas.

7. Aqui, claramente, há uma referência rápida à Música das Esferas ou Harmonia das Esferas (Musica Universalis), noção ou conceito que foi introduzido no ocidente por Pitágoras, possivelmente incorporado da Tradição Esotérica do Antigo Egito, onde Pitágoras foi devidamente iniciado. O Sol e os planetas, girando no céu em proporções harmônicas, produzem uma melodia, normalmente inaudível, que expressa a Arquitetura Cósmica e a Geometria Sagrada.

 

 

 

 

8. A Teoria da Guerra Justa tem suas origens nos pensamentos de Cícero, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Hugo Grotius. Particularmente, para Santo Agostinho, como explica José Roberto Goldim no trabalho Teoria da Guerra Justa, a guerra é uma extensão do ato de governar, sem que com isto todas as guerras se justifiquem moralmente. Para Agostinho, o primeiro critério é a Autoridade Adequada. Ele assim a caracterizava: A ordem natural, que é dirigida para a paz das coisas morais, requer que a autoridade e a deliberação para realizar uma guerra estejam sob o controle de um líder. O outro critério necessário é a Causa Adequada, que são as razões que impõem ir à guerra. Estas razões são tão importantes quanto a autoridade de quem ordena a guerra. Agostinho, especificamente, exemplifica as justificativas para fazer a guerra, que envolvam: o desejo de causar dano, a crueldade da vingança, uma mente implacável e insaciável, a selvageria da revolta e o orgulho da dominação. Santo Agostinho via a guerra como uma trágica necessidade do relacionamento entre os povos, contudo fazia a seguinte admoestação: Deixe que a necessidade mate o seu inimigo de guerra, não o seu desejo. Eu, pessoalmente, estou de acordo com quem afirmou que é preferível uma paz injusta a uma guerra justa.

9. Ralph Maxwell Lewis (Sâr Validivar), no seu Credo da Paz, escreveu: Sou responsável por atos de guerra quando menosprezo as opiniões dos outros que são diferentes das minhas próprias... Sou responsável por atos de guerra quando penso que outras pessoas e povos devem pensar e viver como eu... Sou responsável por atos de guerra quando penso que as mentes das pessoas devem ser reguladas pela força, e não pela razão... Sou responsável por atos de guerra se acredito que o Deus de minha concepção é aquele em que os outros devem acreditar... Se estou em paz, eu promovo a paz dos que me cercam. Por sua vez, eles promovem a paz daqueles que estão à sua volta, e que também farão o mesmo. Então, a paz começa por mim! E sem ela não pode haver a necessária transformação social.

 

Bibliografia:

CAMPANELLA, Tommaso. A cidade do Sol. Tradução de Geny Aleixo Sallovitz. São Paulo: Ícone Editora Ltda., 2002.

COUTINHO, Marco Antonio. O homem que não sabia nada. In: L'Initiation (Cadernos de Documentação Esotérica e Tradicional; Revista do Martinismo e das Diversas Correntes Iniciáticas), Brasil, Rio de Janeiro, nº 6, pp 24-33, jul-set, 2002.

MORA, José Ferrater. Diccionario de Filosofia. Volume 1 A/D. Barcelona: Alianza Editorial, 1990.

 

Páginas da Internet e Websites consultados:

http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.
php?artigo=cientistas-descobrem-geometria-da-musica

http://en.wikipedia.org/wiki/FUDOSI

http://pt.wikipedia.org/wiki/Humanismo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_borboleta

http://www.abrahadabra.com/
tetractys001.htm

http://www.ufrgs.br/bioetica/guerra.htm

http://www.scribd.com/

http://www.joselaerciodoegito.com.br/
site_pm_0882.htm

http://www.griseldaonline.it/informatica/
EsempiXML/campanella/cittadelsole_codifica.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Tom%C3%A1s_de_Torquemada

http://pt.wikipedia.org/wiki/Giordano_Bruno

http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo

http://en.wikipedia.org/
wiki/Bernardino_Telesio

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/Pesquisa
ObraForm.do?select_action=&co_autor=141

http://www.ebooksbrasil.org/
eLibris/cidadesol.html

http://pt.wikiquote.org/
wiki/Tommaso_Campanella

http://www.culturabrasil.pro.br/
cidadedosol.htm

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Tommaso_Campanella

http://www.cobra.pages.nom.br/
fmp-campan.html

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Lu%C3%ADs_XIV_de_Fran%C3%A7a

http://www.clubedapoesia.com.br/
italianos/itatomcont.htm

http://www.iscsp.utl.pt/cepp/teoria_das_
relacoes_internacionais/tommaso_campanella.htm

 

Fundo musical:

Somewhere In Time (John Barry)

Fonte:

http://midi.music.tripod.com/d.html

 

Observação 1:

A animação em flash Compensações foi produzida a partir de duas fotografias digitais e de um GIF animado disponiblizados nas Páginas da Internet abaixo relacionadas:

http://www.nieworld.com/special/weather/tornado.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Lorenz

http://icecube.umd.edu/pretz/ilike.php

 

Observação 2:

A animação em flash Città del Sole – Visão Pictórica foi produzida a partir de duas fotografias digitais disponibilizadas na Galeria de Oracolo Janus. Por este motivo, o artista mantém os direitos autorais sobre a animação em flash. O endereço da Galeria citada é:

http://flickr.com/photos/oracolo-janus/