Em
7 de março de 1274, Tomás foi surpreendido pela morte no Mosteiro
cisterciense de Fossanova. Estava a caminho de Lião onde, por ordem
do Papa Gregório X, iria participar do Concílio de Lião.
Ainda no leito de morte encontrou forças para falar aos monges sobre
o livro da Bíblia denominado Cântico dos Cânticos.
E, no leito de morte, ao receber os últimos Sacramentos,
afirmou diante da Hóstia consagrada: Eu espero nunca ter ensinado
qualquer verdade que não tenha aprendido de Vós. Se, por ignorância,
fiz o contrário, eu revogo tudo e submeto todos os meus escritos
ao julgamento da Santa Igreja Romana. O corpo de Tomás repousa
na Catedral de Toulouse, na França. Foi declarado Santo pelo Papa
João XXII que o canonizou em 1323; Paulo V, em 1567, o declarou Doutor
da Igreja; e Leão XIII o proclamou, em 1879, padroeiro de todas as
escolas católicas. Venera-se sua memória em 28 de janeiro,
dia em que seu corpo foi transladado para Toulouse, em 1369.
Sobre
Santo Tomás de Aquino
Após
uma longa preparação e um desenvolvimento promissor, a Escolástica
chega ao seu ápice com Tomás de Aquino. Adquire plena consciência
dos poderes da razão, e proporciona, finalmente, ao pensamento cristão
uma filosofia. Assim, converge para Tomás de Aquino não apenas
o pensamento escolástico, mas também o pensamento patrístico,
que culminou com Agostinho, rico de elementos helenistas e neoplatônicos,
além do patrimônio de revelação judaico-cristã,
bem mais importante. (Autor desconhecido).
A
Nosso amado filho, Tomás de Aquino, distinto tanto por sua nobreza
de sangue como pelo esplendor de suas virtudes, a quem a graça de
Deus fez penetrar o tesouro da ciência das Escrituras. (Papa
Alexandre VI, em uma carta a Santo Tomás).
Frei
Giacomo di Viterbo, Arcebispo de Nápoles, costumava me dizer que
cria, de acordo com a fé e o Espírito Santo, que nosso Salvador
havia enviado, como doutor da verdade para iluminar o mundo e a Igreja universal,
primeiro o apóstolo Paulo, em seguida Agostinho, e finalmente, nestes
últimos tempos, Frei Tomás, a quem, cria, ninguém excederia
até ao fim do mundo. (Testemunho de Bartolommeo di Capua nas
audiências para a canonização de Santo Tomás,
8 de agosto de 1319).
Sua
ciência não pode ser explicada sem admitir um milagre.
(Papa João XXII, 1323).
Porque
Tomás iluminou a Igreja mais do que todos os outros doutores.
(Papa João XXII, 1323).
Os
que seguiram a doutrina de Santo Tomás de Aquino não se desviaram
jamais da chama da verdade, e quantos a combateram foram suspeitos de erro.
(Papa Inocêncio VI).
Deveis
seguir a doutrina do bem-aventurado Tomás, como verdadeira e católica,
e aplicar todas as vossas forças a desenvolvê-la. (Papa
Urbano V, em uma Carta à Universidade de Toulouse, 1368).
Lembrava
de tudo o que havia lido, de tal maneira que sua mente era como uma grande
biblioteca. (Santo Antônio de Florência).
O
mais santo dos homens cultos e o mais culto dos homens santos. (Cardeal
Johannes Bessarion).
Porque
teve a mais profunda veneração pelos santos doutores da Antigüidade,
adquiriu, de certa forma, a inteligência de todos eles. (Tomás
de Vio Cayetano, superior-geral da Ordem dos Pregadores).
O
que completa admiravelmente os méritos de um doutor tão grande
é que nunca o viram desprezar, ferir ou humilhar qualquer adversário;
ao contrário, tratou-os a todos com grande bondade e respeito.
(Papa Bento XIV, 1753).
Citarei
somente o Angélico Doutor Santo Tomás, porque ele sozinho
vale por dez mil testemunhos, e sua doutrina é certa, segura e muito
fundamentada; e com as verdades da Teologia escolástica aponta altíssimos
pensamentos e sentimentos da Mística, porque ambas são muito
irmãs. (Venerável Luis de la Puente, S. I.).
A
Igreja possui dois incomparáveis monumentos, o Catecismo e a Svmma
Theologica de Santo Tomás de Aquino; um é para os ilustrados,
o outro é para os cultos. (Beato Antoine-Frédéric
de Ozanam).
Devo
tentar... devo tentar descrever esse homem e sua obra? Seria como tentar
dar uma idéia perfeita das pirâmides descrevendo sua altura
e ângulo. Se quereis conhecer as pirâmides, não vos contenteis
em escutar uma descrição; cruzai os mares; ide à terra
onde tantos conquistadores deixaram suas pegadas; adentrai desertos de areia,
e aí estarão erguidas diante de vós, algo solenes,
algo grandiosas, algo calmas, imutáveis e profundamente simples...
as pirâmides! (Jean-Baptiste-Henri-Dominique Lacordaire).
Tudo
o que posso saber sobre Teologia aprendi-o de meus livros favoritos, a Svmma
de Santo Tomás e o tratado De Locis Theologicis de Melchor Canus,
um discípulo do Aquinate. (Cardeal Gil, Arcebispo de Saragoça,
Concílio Vaticano I).
Entre
os doutores escolásticos, Tomás de Aquino ocupa lugar preeminente
como príncipe e mestre de todos eles. (Papa Leão XIII,
Encíclica Æterni Patris).
O
Santo Doutor chegou ao duplo resultado de repelir por si só todos
os erros dos tempos anteriores, e de fornecer armas invencíveis para
dissipar os que não deixarão de surgir no futuro. (Papa
Leão XIII, Encíclica Æterni Patris).
Urgentemente
vos exortamos, para a defesa e a glória da fé católica,
para o bem da sociedade, para o progresso de todas as ciências, a
restaurar a preciosa sabedoria de Santo Tomás e propagá-la
tão longe como possível. (Papa Leão XIII, Encíclica
Æterni Patris).
Aqueles
que desejam ser verdadeiramente filósofos (e os religiosos devem
ser os primeiros a pretendê-lo) estão obrigados a assentar
os princípios e fundamentos de sua doutrina em Santo Tomás
de Aquino. (Papa Leão XIII, Carta à Ordem dos Frades
Menores (Franciscanos), 25 de novembro de 1898).
Se
se encontram doutores cuja doutrina não está de acordo com
a de Santo Tomás de Aquino, e qualquer que seja seu mérito,
não há dúvida possível: deve ser preferido este
aos primeiros. (Papa Leão XIII, Carta à Companhia de
Jesus, 30 de dezembro de 1892).
Sempre,
desde a ditosa morte do Santo Doutor, a Igreja não manteve um só
concílio sem que ele estivesse presente com toda a riqueza de sua
doutrina. (Papa São Pio X, Motu Proprio Doctoris Angelici).
A
Igreja declara que a doutrina de Tomás de Aquino é a sua.
(Papa Bento XV, Encíclica Fausto Appetente Die, 29
de junho de 1921).
Quanto
a nós, ao fazermos eco deste coro de recomendações
tributadas àquele sublime gênio, aprovamos não só
que seja chamado Angélico, mas também que se dê a ele
o nome de Doutor Comum ou Universal, dado que a Igreja fez sua a doutrina
dele, como se confirma por muitíssimos documentos. (Papa Pio
XI, Encíclica Studiorum Ducem, 29 de junho de 1923).
A
todos quantos agora sentem sede da verdade, dizemos-lhes: ide a Tomás
de Aquino. (Papa Pio XI, idem).
Pela
primeira vez, sucedeu que um Concílio ecumênico recomendasse
um teólogo; isso se deu com Santo Tomás. (Papa Paulo
VI, Lumen Ecclesiæ).
Mestre
insubstituível da sabedoria humana e divina. (Papa Paulo VI).
Desde
o início do meu pontificado não deixei passar ocasião
propícia sem evocar a excelsa figura de Santo Tomás, como,
por exemplo, em minha visita à Pontifícia Universidade Angelicum
e ao Instituto Católico de Paris, na alocução a UNESCO
e, de maneira explicita ou implícita, em meus encontros com os superiores,
professores e alunos das Pontifícias Universidades Gregoriana e Lateranense.
(Papa João Paulo II).
Este
grande doutor, cujo ensinamento foi tantas vezes elogiado e recomendado
por meus predecessores, também intercede hoje e constitui exemplo
para todos os membros da escola católica. Na vida e na obra de Santo
Tomás encontrareis o modelo tanto do discípulo como do mestre
católico. (Papa João Paulo II).
O
encontro de Tomás de Aquino com Alberto Magno representa um fato
de extraordinária transcendência na história da cultura.
Talvez mesmo se possa dizer que são os dois colaboradores necessários
à elaboração do mais vasto e consistente sistema filosófico
de todas as épocas. (João Ameal).
Talvez
nunca mestre algum fosse mais apaixonadamente admirado e escutado do que
Tomás de Aquino. O seu culto exclusivo da verdade comunica às
palavras e às demonstrações uma segurança que
dá aos jovens auditórios o supremo júbilo de tocar
de perto, em brusco prodígio, a região excelsa das grandes
certezas. Em uma época cheia de vastas aspirações,
de pesquisas sobre o Absoluto, as almas querem mais do que simples jogos
dialéticos sobre conceitos abstratos. Querem palpar o real, ser introduzidas
no âmago das questões, entrar na posse das altas evidências
da razão e da fé. Fé que ambiciona compreender. E Tomás
de Aquino, sem lhes proibir os ardentes deslumbramentos da fé, leva-as
à máxima compreensão dos mistérios e das harmonias
universais. (João Ameal).
Nas
suas aulas levantava problemas novos, descobria novos métodos, empregava
novas redes de provas e, ao ouvi-lo ensinar uma nova doutrina, com argumentos
novos, não se podia duvidar, pela irradiação desta
nova luz e pela novidade desta inspiração, que era Deus quem
lhe concedeu ensinar, desde o princípio, com plena consciência,
por palavra e por escrito, novas opiniões. (Guilhermo de Tocco,
biógrafo de Tomás de Aquino).
É
natural que Tomás se fizesse dominicano: o ideal de São Domingos
coincide perfeitamente com a vocação de Tomás. Está
centrado, por um lado, no retorno ao espírito do Evangelho, em uma
pobreza e em uma pureza radicais, mas completadas pela fé e pela
humildade; e, por outro, na paixão de anunciar a verdade, convencendo
pela argumentação e não pela violência. (Jean
Lauand).
Assim,
para Tomás, a prudência leva-nos a tomar corajosa e prontamente
o partido do que é justo (uma concepção que, no sentido
que as palavras adquiriram hoje, tornou-se literalmente incompreensível
para nós). É evidente, assim, que a 'prudentia' é uma
virtude intelectual: é a atitude firme da inteligência que
não se deixa subornar nem distorce sua capacidade de ver a realidade.
E o homem prudente, além disso, transforma essa realidade percebida
em decisão de ação. (Jean Lauand).
Esplendor e flor de
todo o mundo. (Santo Alberto Magno).
Objetivo
do Estudo
Como
disse Pio XI em sua Alocução de 12 de dezembro de
1924, no Colégio Angelicum de Roma, a Svmma Theologica
é o céu visto da Terra. E, no Studiorum Ducem,
recomendou: A todos quantos, agora, sentem sede da verdade, dizemos-lhes:
ide a Tomás de Aquino.
Este
estudo objetivou disponibilizar para reflexão, principalmente, alguns
pouquíssimos fragmentos da Svmma Theologica1
(com ligeiras edições para acomodá-los a este tipo
de estudo), obra clássica de São Tomás de Aquino, e
que se constitui em uma das bases da dogmática do Catolicismo, sendo
considerada uma das principais obras filosóficas da Escolástica.
Foi escrita entre os anos de 1265 e 1273. Nesta obra, o Aquinate trata da
Natureza de Deus, das questões morais e da Natureza de Jesus. Nas
palavras do teólogo português Leonel Franca, na história
universal das idéias, a obra-prima de Santo Tomás ocupa um
lugar privilegiado, quiçá uma situação de incomparável
singularidade. Sete séculos já volvidos não esgotaram
a opulência de seus tesouros. A sua vitalidade está intacta.
As universidades do século XX comentam-na com não menos admiração
e utilidade, que a jovem Universidade de Paris do século XIII. Com
exceção, talvez, das obras de Aristóteles, nenhuma
outra foi tão lida e tão comentada, estudada e discutida.
O seu pensamento palpita sempre vivo, com uma fecundidade inexaurível.
Em toda a exatidão do termo, é uma obra-prima. Que estes
pouquíssimos fragmentos da Svmma Theologica que selecionei
possam servir de estímulo para uma leitura da obra do Santo Aquinate.
É o que desejo.
Conforme
já adverti em trabalhos anteriores, concordar ou discordar de um
pensador é privilégio de uma inteligência livre. No
meu caso, tanto quanto com relação ao pensamento de Santo
Agostinho (Tagaste, 354 – 430), o de Santo Tomás me comove,
particularmente, em seus aspectos racional, espiritual e místico.
Por isto, repito aqui o que escrevi no segundo parágrafo do estudo
que fiz sobre o pensamento do Santo Tagastense: E quem pensa que há
mais discordâncias do que conformidades entre religião e misticismo
está redondamente enganado. Cito apenas um exemplo de concordância,
uma espécie de décimo primeiro mandamento: não serás
um sacanocrata maledíctus explorador dos pobres, dos miseráveis
e dos desvalidos.
Nesta
oportunidade, acrescento: o exercício de concordar ou de discordar
de um autor (religioso ou não) não deve estar ancorado em
preconceitos fideístas, ou seja, desraciocinando, desprezar a razão
e preconizar a superioridade da fé em apoiamento do que quer que
seja. Bem advertiu Santo Tomás quando
disse que a Filosofia não pode ser substituída
pela Teologia e que ambas não se opõem, sustentando que não
pode haver contradição entre fé e razão.
Por isto, o concordar ou o discordar de um pensador – privilégio
de uma inteligência livre – não cabe na camisa-de-força
da fé; e mais, muitíssimo mais, as concordâncias e as
discordâncias não podem estar submetidas apenas
ao raciocínio que conduz à indução ou à
dedução de algo – em dois conceitos: à razão
dianóica e à razão noética. Uma Compreensão-Illuminação
concertada só poderá acontecer pela via transracional, transnoética,
que tanto a fé quanto a razão impedem igualmente.
Por
outro lado e por isso, não esqueçamos de que a fé irracional
e delirante produziu, por exemplo, a Inquisição, as fogueiras,
as cruzadas e as indulgências (plenárias e parciais), e que
a razão, entre outras maravilhas, descobriu a radioatividade e formulou
suas leis – que a estupidez humana (em uma espécie de sortilégio)
efetivou e transformou em bombas nucleares, que arrasaram Hiroshima e Nagazaki
no final da Segunda Guerra Mundial. É por isto que, também
já disse, que em um sentido muito particular, razão e fé
são moedas da mesma algibeira – irmãs univitelinas,
idênticas, pares. E impedem, repito, igualmente, a tão desejada
Compreensão-Illuminação. Mas, muito pior do
que tudo isto, é quando uma ou outra ou ambas estão a serviço
da Oitava Esfera. Aí, é a festa do inferno – que a boçalidade
humana adora fabricar e nele chafurdar.
Os
Delírios da Fé e as Boçalidades
da Razão
Fragmentos
do Pensamento
de Santo Tomás de Aquino
Não
se deve esforçar o homem por alcançar objetos que ultrapassem
a razão... o que é da alçada racional ensina-se, com
suficiência, nas disciplinas filosóficas; logo, parece escusada
outra doutrina além das disciplinas filosóficas.
É
impossível proceder ao infinito na série dos seres que se
geram sucessivamente. Deve-se admitir, por isso, que existe um ser necessário
que tenha em si toda a razão de sua existência, e do qual procedam
todos os outros seres. A este chamamos Deus.
Há
pessoas que desejam saber só por saber, e isso é curiosidade;
outras, para alcançarem fama, e isso é vaidade; outras, para
enriquecerem com a sua ciência, e isso é um negócio
torpe; outras, para serem edificadas, e isso é prudência; outras,
para edificarem os outros, e isso é caridade.
Para
a salvação do homem, foi preciso, por divina revelação,
tornarem-se-lhe conhecidas certas verdades superiores à razão.
A
doutrina
sagrada não assenta conclusões a título igual sobre
Deus e as criaturas, mas, sim, de Deus principalmente, e das criaturas enquanto
se referem a Deus como princípio ou fim; o que não tolhe a
unidade da ciência.
Dê-me,
Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e faculdade
para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância
para falar. Dê-me, Senhor, acerto ao começar, direção
ao progredir e perfeição ao concluir.
O mínimo conhecimento que
pudermos adquirir das coisas altíssimas é mais desejável
do que o conhecimento certíssimo de coisas mínimas, conforme
o Filósofo. [Referência a Aristóteles].
Nenhuma doutrina que receba de outra
os seus princípios, merece o nome de sabedoria, cabendo ao sábio
ordenar e não ser ordenado, como diz Aristóteles... sábio
se chama, em qualquer gênero, quem lhe atende à altíssima
causa.
Quem,
portanto, considera a causa absoluta mais alta do universo, que é
Deus, deve ser chamado sábio por excelência. Pelo que também
se define a sabedoria conhecimento das coisas divinas, como se vê
em Agostinho. Ora, o próprio da sagrada doutrina é considerar
a Deus, causa altíssima...
Há
duas espécies de demonstração [para a existência
de Deus]. Uma, pela causa, pelo porquê das coisas, a qual se apóia
simplesmente nas causas primeiras. Outra, pelo efeito, que é chamada
'a posteriori', embora se baseie no que é primeiro para nós;
quando um efeito nos é mais manifesto do que a sua causa, por ele
chegamos ao conhecimento desta. Ora, podemos demonstrar a existência
da causa própria de um efeito, sempre que este nos é mais
conhecido do que aquela; porque, dependendo os efeitos da causa, a existência
deles supõe, necessariamente, a preexistência desta. Por onde,
não nos sendo evidente, a existência de Deus é demonstrável
pelos efeitos que conhecemos.
A
Natureza, operando para um fim determinado, sob a direção
de um agente superior, é necessário que as coisas feitas por
ela ainda se reduzam a Deus, como à causa primeira. E, semelhantemente,
as coisas propositadamente feitas se devem reduzir a alguma causa mais alta,
que não a razão e a vontade humanas, mutáveis e defectíveis;
é, logo, necessário que todas as coisas móveis e suscetíveis
de defeito se reduzam a algum primeiro princípio imóvel e
por si necessário...
Conhecida
a existência de uma coisa, resta inquirir como existe, para que se
saiba o que é. Porém, como não podemos saber o que
é Deus, mas o que não é, não podemos considerar
como é, mas, como não é.
Todo
ser diferente de outro, difere por alguma cousa. Por isto, rigorosamente
falando, a matéria-prima e Deus não diferem, mas são
diversos entre si. Donde, não se segue que sejam idênticos.
Conforme
refere Aristóteles, certos filósofos antigos – os Pitagóricos
e Speusipo – não concebiam que o princípio primeiro
fosse ótimo e perfeitíssimo. E a razão é que
tais filósofos consideravam só o princípio material.
Ora, o principio material primeiro é imperfeitíssimo; pois,
sendo a matéria em si mesma potencial, por força o princípio
material primeiro há de ser totalmente potencial por excelência
e, portanto, totalmente imperfeito. Deus, porém, é considerado
como primeiro princípio, não material, mas, no gênero,
da causa eficiente; e, então, há de necessariamente ser perfeitíssimo.
Pois, assim como, em si mesma, a matéria é potencial, assim,
o agente é, em si mesmo, atual. Por onde, o primeiro princípio
ativo há de, por força, ser soberanamente ativo, e, por conseqüência,
perfeito em máximo grau. Pois, um ser é considerado perfeito
na medida em que é atual; porque perfeito se chama aquilo ao que
nada falta, nos limites da sua perfeição.
Assim
como o conhecimento natural é sempre verdadeiro, assim também
o amor natural é sempre reto, pois o amor natural não é
senão a inclinação da Natureza, inserida pelo autor
da Natureza. Portanto, afirmar que a inclinação natural não
é reta é desacreditar o autor da Natureza.
Embora
de algum modo se possa conceder que a criatura é semelhante a Deus,
contudo, de maneira nenhuma é admissível seja Deus semelhante
à criatura. Pois, como diz Dionísio, entre seres da mesma
ordem admite-se a mútua semelhança; não, porém,
entre a causa e seu efeito. Assim, dizemos que a imagem de uma pessoa lhe
é semelhante, e não, ao contrário. E, do mesmo modo,
pode-se, de certa maneira, dizer que a criatura é semelhante a Deus;
não, porém, que Deus seja semelhante à criatura.
O
bem do homem, enquanto homem, está em que a razão seja perfeita
no conhecimento da verdade e em que os apetites inferiores se regulem pela
regra da razão. Pois, se o homem é homem, é por ser
racional.
O
bem e o ser, realmente idênticos, diferem racionalmente, o que assim
se demonstra. A essência do bem consiste em tornar alguma coisa desejável;
pois, por isso, diz o Filósofo, que o bem é o que todas as
coisas desejam. Ora, é claro que uma coisa é desejável
na medida em que é perfeita, pois todos os seres desejam a própria
perfeição. E como um ser é perfeito na medida em que
é atual, é claro que é bom na medida em que é
ser, pois o ser é a atualidade das coisas...
A ordem sempre implica anterioridade
e posterioridade. Daí que, necessariamente, onde quer que haja um
princípio, aí haverá também alguma ordem.
Dizemos
que Deus não tem nome ou está acima de qualquer denominação,
porque a sua essência sobrepuja o que Dele inteligimos e exprimimos
pela palavra.
A
verdade, considerada como virtude, não é a
verdade comum, mas uma certa verdade, pela qual o homem se mostra como é,
nas palavras e nas obras. A verdade da vida é aquela pela qual o
homem, na sua vida, realiza o fim para o qual foi ordenado pelo intelecto
divino...
Deus,
sendo sem limites e infinito, está em toda parte e em todas as coisas...
Como o ser divino não é recebido em nenhum outro, mas é
o seu próprio ser subsistente, ...é manifesto que Deus é
infinito e perfeito.
Deus está em todas as coisas,
não, por certo, como parte da essência ou como acidente2
de cada uma delas, mas como o agente está presente ao que aciona.
Pois, é necessário que todo agente esteja em conjunção
com o ser sobre o qual age imediatamente, e o atinja pela sua virtude. E
assim, Aristóteles prova que móvel e motor devem existir simultaneamente.
Ora, tendo Deus a existência idêntica à essência,
o ser criado há de necessariamente ser efeito próprio seu,
assim como queimar é efeito próprio do fogo. Ora, tal efeito
Deus causa nas coisas, não somente quando começam a existir,
mas enquanto subsistem; assim como a luz é causada no ar pelo Sol,
durante todo o tempo em que permanece iluminado. Logo, enquanto subsistir
uma coisa, é necessário que Deus lhe esteja presente...
A lei é a regra e a medida
dos atos, segundo a qual a pessoa é levada a agir ou impedida de
agir... A lei má não é lei... A lei só obriga
aos subordinados no foro da consciência, se é justa.
Do
que já foi estabelecido resulta a imutabilidade de Deus. —
Primeiro, porque como já se demonstrou, há um ser primeiro
chamado Deus, ato puro, necessariamente, sem nenhuma mistura de potência,
pois que esta é em si posterior ao ato. Ora, tudo o que muda, de
qualquer modo, é, de certa maneira, potencial. Logo, é impossível
que Deus seja mutável, de qualquer modo. — Segundo, porque
de todo movido há algo que permanece e algo que se modifica: assim
o que se move da brancura para negrura permanece pela substância;
de maneira que todo ser movido implica uma composição. Ora,
como já demonstramos, Deus, absolutamente simples, não tem
nenhuma composição. Logo, é claro que não pode
sofrer nenhuma mudança. — Terceiro, porque todo ser movido
adquire, pelo seu movimento, algo que não possuía, e atinge
o que primeiro não atingia. Ora, Deus, sendo infinito, compreendendo
em si a plenitude da perfeição da totalidade do ser, nada
pode adquirir, e nem atingir nada que antes não atingisse. Logo,
de nenhum modo é suscetível de movimento. E por isso, certos
antigos, quase arrastados por essa verdade, ensinaram que o princípio
primeiro é imóvel.
Assim
como devemos partir do simples para chegar ao conhecimento do composto,
assim devemos partir do tempo para chegar ao conhecimento da eternidade.
Ora, o tempo não é senão o número das partes
do movimento, por anterioridade e posteridade. Pois, como em qualquer movimento,
a uma parte sucede outra, pela enumeração das diversas partes,
anteriores e posteriores, apreendemos o tempo, que não é senão
o número do que é anterior e posterior, no movimento. Mas,
onde não há movimento, mas, sempre o mesmo modo de existir,
não se pode descobrir anterioridade e posteridade. Por onde, assim
como a essência do tempo consiste na enumeração do que
é anterior e posterior no movimento, assim, a da eternidade, consiste
na apreensão da uniformidade do que está absolutamente fora
do movimento. — Demais. Consideram-se medidas pelo tempo as coisas
que nele têm princípio e fim, como diz Aristóteles;
e isto, porque tudo o que é movido inclui um princípio e um
fim. Logo, o que é absolutamente imutável, não tendo
sucessão, também não pode ter princípio nem
fim. — Assim, pois, por duas características se conhece a eternidade:
o que nela está é interminável, isto é, não
tem princípio nem fim, duas noções que implica o termo,
e em segundo lugar, justamente por não ter sucessão, a eternidade
existe total e simultaneamente... A noção da eternidade resulta
da imutabilidade, como a de tempo resulta do movimento, conforme do sobredito
resulta. Ora, sendo Deus o ser imutável por excelência, convém-Lhe,
excelentemente, a eternidade. Nem só é eterno, mas é
a sua eternidade, ao passo que nenhuma coisa é a própria duração,
porque não é o próprio ser. Deus, porém, sendo
o seu ser uniformemente e a sua própria essência, há
de, necessariamente, ser a sua eternidade.
A
palavra Natureza se impôs primeiramente para significar
a geração dos seres vivos, que se chama nascimento. E como
tal geração provém de um princípio intrínseco,
estendeu-se o uso da palavra para significar princípio intrínseco
de qualquer mudança. Sendo tal princípio formal ou material,
tanto a matéria quanto a forma são comumente chamadas Natureza.
Mas como é pela forma que se perfaz a essência de uma coisa
qualquer, a essência, que é expressa na definição,
é comumente chamada Natureza.
A
reta ordem das coisas coincide com a ordem da Natureza; pois as coisas naturais
se ordenam a seu fim sem qualquer desvio.
Não
há tautologia3
em se dizer que o ser é uno, porque a unidade acrescenta algo de
racional ao ser... A unidade se opõe à multiplicidade, mas,
de modos diversos. Pois, a que é princípio do número
opõe-se à multidão numérica como a medida, ao
medido, porque corresponde à noção de primeira medida;
e o número é a multidão por essa unidade medida, como
se vê em Aristóteles. Ao passo que a unidade convertível
no ser opõe-se à multidão a modo de privação,
como o indiviso, ao dividido... Por três razões se demonstra
que Deus é uno. — A primeira funda-se na sua simplicidade.
Pois, como é manifesto, aquilo que faz um ente singular ser o que
é, de nenhum modo é comunicável a muitos. Assim, o
que faz Sócrates ser homem pode convir a muitos outros seres, mas
só a um ser pode convir o que o constitui um determinado homem. Se,
portanto, Sócrates fosse o determinado homem, que é, pela
mesma razão porque é homem, então, como não
podem existir vários Sócrates, também não poderiam
existir vários homens. E o mesmo se dá com Deus que, sendo
a sua própria Natureza, é Deus pela mesma razão porque
é um Deus e, portanto, é impossível existirem vários
deuses. — A segunda funda-se na infinidade da sua perfeição.
Deus compreende em si a perfeição total do ser. Ora, se existissem
vários deuses, necessariamente tinham que diferir e, portanto, algo
conviria a um que não conviria aos outros; e se tal fosse uma privação,
eles não seriam absolutamente perfeitos; se fosse perfeição,
esta faltaria aos outros. Logo, é impossível existirem vários
deuses. E, por isso, os antigos filósofos, quase arrastados pela
verdade, admitindo um princípio infinito, consideravam-no único.
— A terceira razão funda-se na unidade do mundo. Pois, vemos
que todos os seres existentes se ordenam uns para os outros, na medida em
que uns servem aos outros. Ora, coisas diversas não podem convir
em uma mesma ordem, se não forem assim dispostas por um só
ordenador. Pois, a multiplicidade de seres reduz-se melhor à unidade
da ordem por um só, do que por muitos ordenadores; porque a unidade
é, em si, a causa da unidade, ao passo que a multiplicidade causa
a unidade só acidentalmente, enquanto a tem, de certo modo. Ora,
como o ser primeiro é perfeitíssimo por si mesmo e não
por acidente, necessariamente, o que reduz todos os seres à unidade
da ordem há de ser uno. E a isto chamamos Deus.
Deus,
não é um existente, mas está acima de toda a existência,
como diz Dionísio... Nenhum intelecto criado pode ver a Deus em essência...
SOLUÇÃO: Como um ser é conhecível enquanto atual,
Deus, ato puro, sem nenhuma potência, é, em si mesmo, soberanamente
conhecível. Mas, o que é, em si mesmo, soberanamente conhecível
pode não o ser a um determinado intelecto, pelo próprio excesso
de sua inteligibilidade; assim, o Sol, soberanamente visível, não
pode ser visto pelo morcego, por causa do excesso da sua luz. Levando isto
em consideração, certos disseram que nenhum intelecto criado
pode ver a Deus, em essência. Mas, esta opinião é errônea.
Pois, consistindo a felicidade última do homem, na sua altíssima
operação, que é a do intelecto, se o intelecto criado
não pudesse nunca ver a essência de Deus, ou não alcançaria
nunca a beatitude, ou esta haveria de consistir em outro ser que não
Deus, o que é contrário à fé. Pois, a perfeição
última da criatura racional está no que é o princípio
da sua existência, e um ser é perfeito na medida em que atinge
o seu princípio. Além disso, tal opinião é também
contrária à razão, pois é ínsito [inerente,
congênito, inato] no homem o desejo natural de conhecer a causa,
depois de conhecido o efeito, nascendo daqui a admiração.
Se, portanto, a inteligência da criatura racional não pudesse
atingir a causa primeira das coisas, seria vão o desejo da Natureza.
Por onde, devemos admitir, pura e simplesmente, que os bem-aventurados vêem
a essência de Deus.
Essência
Compreensível de Deus?4
Dizemos
que Deus não tem nome ou está acima de qualquer denominação,
porque a sua essência sobrepuja o que Dele inteligimos e exprimimos
pela palavra... Todo nome ou é abstrato ou concreto. Os concretos
não convêm a Deus, que é simples. Os abstratos, também
não, porque não exprimem nada de perfeitamente existente.
Logo, nenhum nome pode ser atribuído a Deus... Segundo o Filósofo,
as palavras são sinais dos conceitos, que são semelhanças
das coisas. Por onde, é claro que as palavras se referem às
coisas que devem significar, mediante a concepção do intelecto.
Logo, na medida em que uma coisa pode ser conhecida por nós, essa
mesma pode ser por nós nomeada. Ora, como já demonstramos,
nós não podemos ver a Deus em essência, nesta vida.
Mas somente O conhecemos por meio das criaturas, e por via da casualidade,
da excelência e da remoção. Portanto, nós podemos
nomeá-Lo por meio das criaturas. Não, porém, que o
nome que designa exprima a divina essência, como ela é, assim
como a palavra homem significa a essência do homem tal como é,
exprimindo-lhe a definição, que lhe declara a essência,
pois a noção significada pelo nome é a definição...
Dizemos que Deus não tem nome ou está acima de qualquer denominação,
porque a sua essência sobrepuja o que dele inteligimos e exprimimos
pela palavra.
Em
Deus há ciência perfeitíssima. Para evidenciá-lo,
devemos considerar que os seres dotados de conhecimento distinguem-se dos
que não o são, neste sentido que estes têm apenas a
sua forma própria, ao passo que àqueles é natural poderem
conter em si também a forma de outro ser, pois, a espécie
do objeto conhecido está no conhecente. Por onde, é manifesto
que a Natureza do ser que não conhece é mais restrita e limitada;
ao passo que a dos que são dotados de conhecimento têm maior
amplitude e extensão. E, por isso, diz o Filósofo que a alma
é de certo modo tudo. Ora, a limitação da forma se
dá pela matéria. Por isso, dissemos antes que, quanto mais
imateriais são as formas, mais se aproximam de uma certa infinidade.
Ora, é claro que a imaterialidade de um ser é a razão
que o torna capaz de conhecimento; e conforme o modo da imaterialidade,
assim o do conhecimento. Por isso, diz Aristóteles, que as plantas,
por causa da sua materialidade, não conhecem; ao passo que o sentido
é susceptível de conhecimento porque é capaz de receber
as espécies sem matéria. E ainda mais capaz de conhecimento
é o intelecto, porque é ainda mais separado e emerge da matéria,
como diz Aristóteles. Por onde, sendo Deus o ser sumamente imaterial,
conclui-se que é, por excelência, dotado de conhecimento...
Não há ciência perfeita das coisas praticáveis,
senão enquanto conhecidas como tais. Por onde, sendo a ciência
de Deus, a todos os respeitos, perfeita, necessariamente conhece as coisas
que pode fazer, como tais, e não somente, enquanto objeto de especulação.
E, contudo, nada perde da nobreza da ciência especulativa, porque
vê todas as coisas diferentes de si, em si mesmo, a quem conhece especulativamente.
Por onde, pela ciência especulativa de si mesmo, tem conhecimento
especulativo e prático de todos os outros seres.
As
doenças e as enfermidades são partes da Natureza viciosa.
Chama-se doença à corrupção de todo o corpo,
ao passo que enfermidade é a doença acompanhada de fraqueza;
e o vício supõe o dissídio entre as partes do corpo.
Esses dois fenômenos não podem ser separados senão mentalmente.
Pelo fruto é que se conhece a árvore; o vício da alma
é um hábito ou um afeto da mesma, inconstante, durante toda
a vida e dissentindo de si mesma... De Deus procedem todas as Naturezas
o serem o que são; e são viciosas na medida em que se afastam
da arte Daquele pelo qual foram feitas... Todo pecado (ato ou desejo contrário
à Lei Eterna) é voluntário; pois, se fosse involuntário
não seria pecado... Pecar não é senão buscar
as causas temporais, desprezando as eternas; toda a perversidade humana
consiste em usarmos do que devemos fruir e fruirmos do que devemos usar.
Dizei
ao justo que ele será bem sucedido, pois, comerá o fruto dos
seus conselhos. Ai do ímpio que corre ao mal; porque lhe será
dada a retribuição das suas mãos... De tudo quanto
se comete, fará Deus dar conta no seu juízo, seja boa ou má
essa coisa...
O
livre-arbítrio é o hábito da alma livre, em si... O
homem, usando mal do livre arbítrio, perde-se a si mesmo e a este...
É livre quem é causa de si. O coração do rei
se acha na mão do Senhor; Ele o inclina para qualquer parte que quiser.
E ainda: Deus é o que opera em vós o querer e o perfazer.
Das
ações feitas pelo homem, só se chamam propriamente
humanas as que lhe são próprias, enquanto homem. Ora, este
difere das criaturas irracionais, por ser senhor dos seus atos. Por onde,
chamam-se propriamente ações humanas só aquelas de
que o homem é senhor. Ora, senhor das suas ações o
homem o é pela razão e pela vontade, sendo por isso o livre-arbítrio
chamado a faculdade da vontade e da razão. Portanto, chamam-se ações
propriamente humanas as procedentes da vontade deliberada; e se há
outras que convêm ao homem, essas podem, por certo, chamar-se ações
do homem, mas não propriamente humanas, pois não procedem
dele como tal. Ora, é manifesto que todas as ações
procedentes de uma potência são por esta causadas, quanto à
essência do objeto mesmo delas. E como o objeto da vontade é
o fim e o bem, necessário é tendam todas as ações
humanas para um fim.
Qualquer
ação humana que seja fim último há de necessariamente
ser voluntária; do contrário, não seria humana. Ora,
em duplo sentido, uma ação é chamada voluntária.
Por ser imperada pela vontade, como andar ou falar; ou por ser dela decorrente,
como o querer, em si mesmo. Ora, é impossível que o ato, mesmo
decorrente da vontade, seja fim último. Pois, o objeto da vontade
é fim como o da visão é cor. Por onde, assim como é
impossível que o primeiro visível seja a visão mesma,
porque toda visão se refere a algum objeto visível; assim
também é impossível que o primeiro desejável,
que é fim, seja o querer em si mesmo. Donde resulta que se alguma
ação humana for fim último, há de ser imperada
pela vontade. E então, em tal caso, há de haver alguma ação
do homem — ao menos, o próprio querer, que seja para um fim.
Logo, faça o homem, seja o que for, é verdade dizer-se que
age para um fim, mesmo operando um ato que seja o último fim.
Todos
os agentes agem necessariamente para um fim. Ora, eliminada a primeira,
de várias causas ordenadas umas para as outras, necessário
é que sejam também essas outras eliminadas. Ora, a primeira
de todas as causas é a final; pois, a matéria não busca
a forma senão quando movida pelo agente, nada passando por si da
potência para o ato. O agente, porém, só move visando
um fim, pois se não fosse determinado a certo efeito não produziria
antes um de preferência a outro. Ora, para produzir um determinado
efeito, necessário é seja determinado a algo certo como Natureza
de fim. E esta determinação, operada em a Natureza racional
pelo apetite racional chamado vontade, o é, nos outros seres, pela
inclinação natural denominada apetite natural. Deve-se, contudo,
considerar, que um ser tende para um fim pela sua ação ou
pelo seu movimento, de duplo modo: movendo-se por si mesmo para o fim, como
o homem; ou movido por outro, ao modo da seta tendendo para um fim determinado,
movida pelo sagitante, que dirige para ele a sua ação. Por
onde, os seres dotados de razão a si mesmos se movem para o fim,
por terem o domínio dos seus atos pelo livre-arbítrio, faculdade
da vontade e da razão. Ao passo que os privados dela tendem ao fim
por inclinação natural, como que movidos por outro e não
por si mesmos, por não conhecerem a noção de fim. E,
portanto, não podem ordenar nada para um fim, mas somente são
para este ordenados por outro, pois toda a Natureza está para Deus
como o instrumento para o agente principal, conforme já se estabeleceu.
O
objeto da vontade é o fim e o bem universais. Por onde, por não
serem capazes de apreender o universal, os seres privados de razão
e de intelecto não podem ter vontade, senão apenas o apetite
natural ou sensitivo determinado a um bem particular. Ora, é claro
que as causas particulares são movidas pela causa universal; assim,
o governador da república, que visa o bem comum, move pelo seu império
todas as funções particulares dela. Por onde e necessariamente,
todos os seres privados de razão hão de ser movidos, para
fins particulares, por alguma vontade racional, que alcance o bem universal
e que é a vontade divina.
Tudo
o que é especificado o é pelo ato e não pela potência.
Assim, os compostos de matéria e forma são especificados pelas
formas próprias. E assim, também se deve pensar a respeito
dos movimentos próprios. Pois, distinguindo-se de certo modo o movimento
pela ação e pela paixão, uma e outra se especificam
pelo ato: esta, pelo ato, princípio do agir; aquela pelo que é
o termo do movimento. Assim, a calefação–ato não
é mais do que uma certa moção procedente do calor;
e a calefação–paixão, do que o movimento para
o calor. E a definição dá a razão da espécie.
Ora, de um e outro modo, os atos humanos, considerados, quer como ações,
quer como paixões, especificam-se pelo fim. Pois, esses atos podem
ser considerados de ambos os modos, porque o homem se move a si mesmo e
é por si mesmo movido. Todavia, como já se disse, chamam-se
humanos os atos procedentes da vontade deliberada. Ora, o objeto da vontade
é o bem e o fim. Por onde é manifesto, que o princípio
dos atos humanos, como tais, é o fim; e semelhantemente, também
é o termo deles. Pois, um ato humano termina naquilo que a vontade
visa, como fim; assim como nos agentes naturais a forma do gerado é
conforme a do gerador. E porque, como diz Ambrósio, os costumes propriamente
são humanos, os atos morais especificam-se propriamente pelo fim,
pois, atos morais e atos humanos são o mesmo.
Beatitude significa obtenção
do último fim.
Qualquer
defeito, por pequeno que seja, causa o mal; o bem procede só de uma
causa íntegra... Em contrário, há certos fatos intermediários
que podem ser produzidos com bom ou mau ânimo, dos quais seria temerário
julgar...
O
amor que deseja ardentemente possuir o objeto amado é cobiça;
o que já o possui e o goza é alegria; o que foge do que se
lhe opõe é temor; o que sente o mal sucedido é tristeza...
Para todos, o bem e o belo são agradáveis... Todo amor é
virtude, de algum modo... O amor é uma virtude unitiva; a união
é um efeito do amor... A vontade reta é o amor bom; e a perversa,
o mau...
Não
há ninguém que não fuja da dor mais do que deseja o
prazer... Aquele que ama a iniqüidade aborrece a sua alma... A avareza
torna os homens odiosos... Os homens amam a verdade que os ilumina... A
ira sempre se refere ao singular, e o ódio ao genérico; assim,
todos odiamos o ladrão e o caluniador... A ira sempre é relativa
ao singular; o ódio, porém, pode se referir ao seu objeto,
genericamente...
O
desejo da Sabedoria conduz ao reino eterno... A cobiça
é o amor das coisas transitórias... Por ser a concupiscência
infinita é que os homens desejam coisas infinitas... Todo aquele
que bebe desta água tornará a ter sede...
A
potência intelectual precisa da experiência e do tempo... Os
velhos têm a esperança difícil, por causa da experiência...
Em contrário, alguns se vêm cheios de esperança por
terem vencido muitas vezes e muitos... A esperança que se retarda
aflige a alma... A fé gerou a esperança; a esperança,
a caridade...
A
virtude aperfeiçoa o homem para os atos pelos quais se ordena para
a felicidade. Ora, a felicidade ou beatitude do homem é dupla. Uma,
proporcionada à Natureza, pode obtê-la pelos princípios
desta. Outra lhe excede a Natureza, e só pode alcançá-la
pelo auxílio divino, por uma como participação da divindade,
conforme a Escritura onde diz que, por Cristo, nos tornamos participantes
da Natureza divina. E como esta beatitude excede as proporções
da Natureza humana, os princípios naturais, que dirigem o homem no
agir proporcionado ao seu ser, não bastam a ordená-lo à
referida beatitude. Portanto, é necessário lhe sejam acrescentados
por Deus certos princípios pelos quais se ordene à beatitude
sobrenatural, assim como, pelos princípios naturais se ordena a um
fim que lhe é conatural; mas, isso não acontece sem o auxílio
divino. Ora, esses princípios se chamam virtudes teologais, quer
por terem Deus como objeto, enquanto nos ordenam retamente para ele, quer
por nos serem infundidos só por Deus, quer por nos serem essas virtudes
conhecidas só pela divina revelação, na Sagrada Escritura.
Essencialmente,
e nesse sentido, as virtudes teologais excedem a Natureza do homem. Ou participativamente,
como a madeira em ignição participa da Natureza do fogo; e
nesta acepção o homem se torna, de certo modo, participante
da Natureza divina. E assim, as virtudes teologais convêm ao homem
segundo a Natureza participada... As virtudes teologais não se chamam
divinas, como significando que Deus seja virtuoso por elas; mas, no sentido
em que por meio delas, Deus nos torna virtuosos e nos ordena para Ele. Por
onde não são exemplares, mas, exempladas.
A
razão e a vontade se ordenam naturalmente para Deus, como princípio
que é e fim da Natureza. Isto, contudo, proporcionadamente a esta.
Mas, para Deus, como objeto da beatitude sobrenatural, a razão e
a vontade não se ordenam suficientemente, por Natureza.
Ora,
o objeto das virtudes teologais é Deus mesmo – fim último
das coisas e enquanto excede o conhecimento da nossa razão. Ao passo
que o objeto das virtudes intelectuais e morais é algo que a razão
humana pode compreender. Por onde, as virtudes teologais se distinguem especificamente
das morais e intelectuais... As virtudes teologais versam sobre o que excede
a razão humana...
Embora
a caridade seja amor, contudo, nem todo amor é caridade. Portanto,
quando se diz que toda virtude manifesta a ordem do amor, isso pode ser
entendido ou do amor, na acepção comum, ou do amor de caridade.
No primeiro caso, qualquer virtude manifesta a ordem do amor, porque qualquer
das virtudes cardeais exige o afeto ordenado, e a raiz e o princípio
de todo afeto é o amor. No segundo, não se deve, por isso,
considerar qualquer outra virtude como essencialmente caridade; mas como
defendendo todas as outras, de certo modo, dela.
As
virtudes teologais ordenam o homem para a beatitude sobrenatural, do mesmo
modo que, pela inclinação natural, ele se ordena a um fim
que lhe é conatural. Ora, isto se dá por dupla via. Primeiro,
pela razão ou intelecto, enquanto trazem em si os primeiros princípios
universais conhecidos pela luz natural do intelecto, nos quais se apóia
a razão, tanto na ordem especulativa como na prática. Segundo,
pela retidão da vontade naturalmente tendente para o bem da razão.
Ora, estas duas potências são incapazes de se ordenar à
beatitude sobrenatural, conforme aquilo da Escritura (I Cor. 2, 9): 'O olho
não viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais veio ao Coração
do homem o que Deus tem preparado para aqueles que o amam.' Logo, é
necessário que a ambas essas potências algo se lhes acrescente
sobrenaturalmente para o homem se ordenar ao fim sobrenatural. Assim, primeiramente,
ao intelecto se lhe acrescentam certos princípios sobrenaturais,
apreendidos por iluminação divina, e que são os princípios
da crença, objeto da fé. Em seguida, a vontade se ordena para
o fim sobrenatural, pelo movimento intencional, tendendo para ele, como
o que é possível de conseguir, o que pertence à esperança;
e por uma como união espiritual, pela qual, de certo modo, se transforma
nesse fim, o que se realiza pela caridade. Pois, o apetite de cada ser move-se
naturalmente e tende para o seu fim conatural, e esse movimento procede
de certa conformidade da coisa com o seu fim.
A
fé e a esperança implicam uma certa imperfeição,
porque aquela recai sobre o que não vemos, e esta, sobre o que não
temos. Por onde, não constitui virtude, ter fé e esperança
no que está ao alcance das forças humanas. Mas, tê-las
no que supera a faculdade da nossa Natureza excede toda virtude proporcionada
ao homem, conforme aquilo da Escritura (I Cor. 1, 25): 'o que parece em
Deus uma estultícia é mais sábio que os homens.' O
apetite implica duas condições: o movimento para o fim e a
conformidade com ele pelo amor. E assim, é necessário admitir,
no apetite humano, duas virtudes teologais, a saber: a esperança
e a caridade.
Daí
que... haja criaturas espirituais, que retornam a Deus não só
segundo a semelhança de sua natureza, mas, também, por suas
operações. E isto, certamente, só pode se dar pelo
ato do intelecto e da vontade, pois nem no próprio Deus há
outra operação em relação a Si mesmo.
Há
uma dupla ordem: a da geração e a da perfeição.
Ora, naquela, em que a matéria é anterior à forma,
e o imperfeito, ao perfeito, num mesmo ser, a fé precede a esperança
e esta, a caridade, atualmente falando, porque quanto aos seus hábitos
eles são infundidos simultaneamente. Pois, o movimento apetitivo
não pode tender esperando ou amando, senão para o que é
apreendido pelo sentido ou pelo intelecto. Ora, pela fé, o intelecto
apreende o que espera e ama. Logo, necessariamente, na ordem da geração,
a fé precede a esperança e a caridade. Semelhantemente, se
o homem ama alguma coisa é porque a apreende como bem seu. Ora, aquilo
de que o homem espera poder receber um bem, ele o considera como seu bem.
Logo, ama em quem espera, e, portanto, na ordem da geração
e quanto ao ato, a esperança precede a caridade. Mas na ordem da
perfeição, a caridade precede a fé e a esperança,
porque tanto esta como aquela se formam e adquirem a perfeição
de virtude, pela caridade. Por onde, a caridade é a mãe e
a raiz de todas as virtudes, enquanto forma de todos.
Pode-se
considerar de dois modos a ordem entre as criaturas e Deus. Um, é
aquele segundo o qual as criaturas, sendo causadas por Deus, dependem Dele
enquanto princípio do seu ser. E, assim, pela infinitude de seu poder,
Deus atinge cada coisa, causando-a e conservando-a, e é nesse sentido
que se afirma que Deus está imediatamente em todas as realidades
por essência, por presença e por potência. Há,
porém, uma outra ordem pela qual uma realidade tende para Deus como
fim, e aí, como diz Dionísio, há mediação
entre as criaturas e Deus: porque as inferiores são conduzidas a
Deus pelas superiores.
Deus
é a medida de todos os entes... O intelecto humano recebe sua medida
das coisas, de tal modo que um conceito do homem não é verdadeiro
por si mesmo, mas se diz verdadeiro pela consonância com a realidade.
O intelecto divino, porém, é a medida das coisas, já
que uma coisa tem tanto de verdade quanto reproduz em si o intelecto divino...
As coisas naturais estão no meio entre o conhecimento de Deus e o
nosso. Pois nós recebemos o conhecimento das coisas naturais, das
quais, Deus, pelo seu conhecimento, é a causa. Daí que: assim
como o cognoscível das coisas antecede o nosso conhecimento e é
a sua medida, assim, também, o conhecimento de Deus antecede as coisas
naturais e é medida para elas.
O
verdadeiro e o bem estão incluídos um no outro. Pois o verdadeiro
é um certo bem, senão não seria apetecível;
e o bem, um certo verdadeiro, senão não seria inteligível...
Na realidade objetiva das coisas, o bem e a verdade são permutáveis.
Daí que o bem seja entendido pelo intelecto a título de verdade;
e o verdadeiro, apetecido pela vontade a título de bem.
Quando
tratamos das paixões, a esperança visa um objeto principal,
que é o bem esperado. E em relação a ele, o amor sempre
precede a esperança; pois, nenhum bem é esperado sem ser antes
desejado e amado. Em segundo lugar, a esperança também recai
sobre aquele por quem esperamos poder conseguir um bem. E neste caso a esperança,
primeiramente, precede o amor, embora depois, pelo próprio amor,
a esperança aumente. Pois é porque julgamos podermos conseguir
um bem por meio de outrem, que começamos a amá-lo; é
por isso mesmo que o amamos e nele mais fortemente esperamos.
A
concórdia não é uniformidade de opiniões, mas
concordância de vontades.
A
bem-aventurança é o fim último da vida humana. Ora,
considera-se como já possuindo o fim quem tem a esperança
de obtê-lo. Donde, diz o Filósofo que as crianças se
consideram felizes por causa da esperança; e o Apóstolo (Rm.
VIII, 24): 'na esperança é que temos sido feitos salvos.'
Ora, a esperança de conseguir o fim resulta de nos movermos convenientemente
para ele e dele nos aproximarmos, e isso se faz pelo agir. Ora, nós
nos movemos para a bem-aventurança final e dela nos aproximamos,
pelos atos virtuosos, e principalmente pela influência dos dons, se
nos referimos à eterna beatitude, para a qual não basta a
razão, mas é necessário o auxílio do Espírito
Santo, para obedecer e seguir ao qual nos tornam aptos os dons. Logo, as
bem-aventuranças distinguem-se das virtudes e dos dons, não
como hábitos deles distintos, mas como os atos se distinguem dos
hábitos.
Deus,
sendo uno, produz o uno. Não só porque qualquer coisa é
em si una, mas, também, porque, de certo modo, a totalidade das coisas,
encerra unidade de perfeição... Quanto mais algo é
uno, tanto mais perfeita sua bondade e força.
Agostinho
e Ambrósio atribuem as bem-aventuranças aos dons e às
virtudes, assim como os atos são atribuídos aos hábitos.
Os dons porém são mais eminentes que as virtudes cardeais,
como já dissemos. E, por isso, Ambrósio, explicando as bem-aventuranças
propostas à multidão, as atribui às virtudes cardeais;
ao passo que Agostinho, ...as atribui aos dons do Espírito Santo.
Sempre
se verifica o fato de que o ínfimo de uma ordem de um ser superior
é limítrofe ao supremo da ordem inferior. Assim, certos ínfimos
do gênero animal mal superam a vida das plantas, como é o caso
da ostra, que é imóvel, só tem tato e está fixa
como as plantas. Daí São Dionísio dizer: 'A sabedoria
divina enlaçou os fins dos superiores com os princípios dos
inferiores'. No âmbito corporal, há, também, algo, o
corpo humano, harmonicamente disposto, que também se enlaça
com o ínfimo do superior, a alma humana, que está no último
grau das realidades espirituais. Tal enlace se manifesta no próprio
modo de conhecer da inteligência humana. Daí que a alma espiritual
humana seja como que um certo horizonte e fronteira entre as realidades
corpóreas e as incorpóreas: ela mesma é incorpórea
e, no entanto, é forma de corpo.
Deve-se
considerar que a natureza de algo é principalissimamente a forma
segundo a qual se constitui a espécie da coisa. Ora, o homem é
constituído em sua espécie pela alma racional. Daí
que aquilo que é contra a ordem da razão seja propriamente
contra a natureza do homem enquanto tal.
Sobre
os prêmios... manifestam-se diversamente os expositores da Sagrada
Escritura. Uns, como Ambrósio, dizem pertencerem todos à futura
beatitude. Agostinho, porém, considera-os pertencentes à vida
presente. Crisóstomo, por seu lado, nas suas Homilias, diz pertencerem
uns à vida futura, e outros, à presente. Para evidenciá-lo,
devemos considerar que a esperança da futura beatitude pode existir
em nós por duas razões: primeiro, por uma certa preparação
ou disposição à futura beatitude, e isso se dá
pelo mérito; ou, segundo, por uma incoação imperfeita
da futura beatitude, nos varões santos, já nesta vida. Pois,
uma é a esperança na frutificação da árvore,
quando rondeja viridente, e outra, quando começam a aparecer os primeiros
frutos. Por onde, o nas bem-aventuranças concernente ao mérito;
são umas preparações ou disposições à
beatitude, perfeita ou incoada. E o concernente nelas aos prêmios,
pode consistir ou na beatitude perfeita em si mesma, e então respeitar
à vida futura, ou em uma incoação da beatitude, como
se dá com os santos varões, e então dizem respeito
à vida presente. Pois, quem começa por progredir nos atos
das virtudes e dos dons pode ter esperança de chegar à perfeição
da via e da Pátria.
Diferem
a apreensão dos sentidos e a do intelecto. Ao sentido compete apreender
o colorido; ao intelecto, a própria natureza da cor.
Embora
às vezes, os maus não sofram nesta vida penas temporais, as
sofrem, contudo, espirituais: Por isso, diz Agostinho: 'Conforme mandaste,
Senhor, a alma desregrada é para si mesma o seu castigo'. E o Filósofo,
falando dos maus: 'na alma deles domina a discórdia, que os arrasta,
ora para aqui e ora, para lá' E depois, conclui: 'Se a tal ponto
é miserável o ser mau, havemos de fugir intensamente a malícia'.
E semelhante e inversamente, embora os bons não recebam às
vezes prêmios materiais nesta vida, nunca lhes hão de faltar,
contudo, os espirituais, já nesta vida, conforme aquilo da Escritura
(Mt. XIX, 29 e Mc. X, 30): 'recebereis, já neste século, o
cêntuplo.'
As
naturezas intelectuais têm maior afinidade com o todo do que as outras
naturezas. Uma substância intelectual qualquer é, de certo
modo, todas as coisas, já que pode apreender a totalidade do real
pelo seu intelecto; ao passo que qualquer outra substância participa
apenas de um setor particular do ser.
Todos
os prêmios, de que se trata, se consumarão por certo, na vida
eterna; mas de certo modo, enquanto lá não chegamos, começam
já nesta vida. Pois, o reino dos céus, no dizer de Agostinho,
pode ser entendido como o início da sabedoria perfeita, por já
começar a reinar neles o espírito. Quanto à posse da
Terra, ela significa o bom afeto da alma repousando pelo desejo na estabilidade
da herança perpétua, que é o significado de Terra.
São consolados nesta vida, participando do Espírito Santo,
denominado 'Paráclito', isto é, Consolador. Ficam saturados,
já no estado atual, do alimento de que diz o Senhor (Jo IV, 34):
'A minha comida é fazer eu a vontade de meu Pai.' Também nesta
vida os homens alcançam a misericórdia de Deus. Nela, purificada
a visão pelo dom da inteligência, Deus pode, de certo modo,
ser visto. Mesmo nesta vida, também os que pacificam os seus movimentos
tornando-se mais semelhantes a Deus, são chamados seus filhos. Mas,
sê-lo-ão mais perfeitamente, na Pátria.
Quanto
aos dons espontâneos, a virtude da liberalidade nos aperfeiçoa
para darmos a quem a razão nos manda fazer, por exemplo, aos amigos
ou a outros que nos são chegados. Mas o dom, pela reverência
para com Deus, só considera a necessidade nos casos em que são
preferíveis os benefícios gratuitos. Donde o dizer Lucas (XIV,
12): 'Quando deres algum jantar ou alguma ceia, não chames nem teus
amigos, nem teus irmãos etc.; mas convida os pobres, os aleijados
etc...', o que é propriamente ter misericórdia. E por isso
a quinta bem-aventurança proclama: 'Bem-aventurados os misericordiosos.'
Somos
senhores de nossas ações no sentido de que podemos escolher
isto ou aquilo. Não há escolha, porém, no que diz respeito
ao fim, mas somente sobre 'o que se ordena ao fim' (como se diz na Ética
de Aristóteles). Daí que o querer o último fim não
seja uma daquelas coisas de que somos senhores.
Também
os prêmios diferem entre si por mais ou menos ricos. Assim, possuir
a Terra do Reino dos Céus é mais do que simplesmente tê-La;
pois temos muitas coisas que não possuímos firme e pacificamente.
Consolar-se no reino é mais do que tê-Lo e possuí-Lo,
pois muitas coisas nós as possuímos com dor. Ser saciado é
mais do que simplesmente consolar-se; pois a sociedade implica a abundância
da consolação. Mas a misericórdia ainda excede à
sociedade, porque recebemos, por ela, mais do que merecemos ou podemos desejar.
E, mais ainda é ver a Deus, assim como maior é quem, na corte,
além de se sentar à mesa do Rei, vê-Lhe a face. Por
isso, na Casa Real, a maior dignidade é a do Filho do Rei.
Temo
o homem de um livro só.
Tudo
o que é imperfeito tende à perfeição.
A consciência é chamada
de lei do nosso intelecto porque é o juízo da razão
deduzido da lei natural.
Quando
a razão, mesmo errando, propõe algo como preceito de Deus,
então desprezar o ditame da razão é o mesmo que desprezar
o preceito de Deus.
Veritas
est adaequatio rei et intellectus. (A
verdade é a adequação da coisa ao intelecto).
O
meu Coração e a minha carne se regozijaram no Deus vivo.
Uma
Palavra Final
Não
é meu propósito querer corrigir ou acrescentar algo ao pensamento
de Santo Tomás. Não porque eu concorde com tudo que está
na Svmma
Theologica. Misticamente, não concordo. Mas porque, primeiro,
não me entranhei com a profundidade desejada para um estudo desta
Natureza; segundo, porque, no principal, mutatis mutandis, subscrevo
as entrelinhas do Doctor Angelicus; e, terceiro, porque, neste
caso, qual seria a utilidade de discordar? Como afirmei no objetivo do estudo,
espero que
estes pouquíssimos fragmentos da Svmma Theologica que selecionei
(sem comentar) possam vir a servir de estímulo para uma leitura da
obra do Aquinate. Depois...
Entretanto,
como este estudo foi muito longo, vou reapresentar o parágrafo que
sucede a Quinta Via utilizada por Santo Tomás para demonstrar a existência
de Deus. Deixo uma questão–reflexão em aberto: Quem
ou o que criaram este algo que conhece e que é inteligente?
E quem ou o que criaram o quem ou o que criadores deste algo que conhece
e que é inteligente? E assim por diante... A Metafísica
Rosacruz da AMORC,
formulada pelo Mestre Alden (Dr. Harvey Spencer Lewis, Ph. D., FRC), assevera:
Para o Ser nunca houve começo porque o Nada não pode dar
origem a alguma coisa. Agora acrescento: se para o Ser nunca houve
começo, para o ser não poderá haver fim porque
se o Nada não pode originar ou criar alguma coisa, também
não pode descriar o que quer que seja, nem mesmo uma ínfima
e tenuíssima particulazinha de poeira. Movimento e mudança,
sim; desaparecimento ou sumição no Nada, pelo Nada ou pelo
que quer que seja, não. Na própria desintegração
radioativa de um núcleo atômico instável, seja por ter
excesso de prótons, seja por ter excesso
de nêutrons, seja por ter
excesso de ambos, este
núcleo instável tende
a se transformar em outro nuclídeo mais estável, basicamente
por emissões
alfa, beta ou gama. Como acuradamente percebeu Antoine-Laurent de Lavoisier
(Paris, 26 de agosto de 1743 – Paris, 8 de maio de 1794), em a Natureza
(ou no Universo) nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Sub
Sole nihil novi est. Não há nada de novo debaixo do Sol.
Mas
não posso deixar de, mais uma vez, para concluir, insistir no fato
de que nada, absolutamente nada, terá qualquer valor religioso, espiritual
ou místico se ancorado em um imperativo hipotético malsão,
isto é, se a ação for boa exclusivamente como um meio
para a obtenção de alguma coisa – a obtenção
do presumido céu, por exemplo, a troco de comedeiras. Ou ainda: se
o imperativo hipotético impuser um dado curso de ação
para se chegar a um determinado e interesseiro fim – escapar do abrasador
inferno, por exemplo, a troco das mesmas ou de outras comedeiras. Se...
porque... para... então... não têm o menor cabimento
no seio da Sideralidade Incriada e Eterna (em termos espirituais). Daí,
a total inefetividade das negociatas com Deus e com os Santos, a total inefetividade
dos hipotéticos e exigidores dízimos tipo toma-lá-dá-cá,
a total inefetividade das genuflexões almofadadas e interesseiras
et cetera e tal e coisas e loisas. Eu
não tenho a menor dúvida de que Santo Agostinho, Santo Tomás
e os Santos Padres e as Santas Madres do Deserto sabiam disso e que concordam
comigo. E Confissão auricular e Comunhão de manhã e
sacanice e mixórdia à tarde adianta o quê? Isto é
hipocrisia para nenhum fariseu botar defeito. Kantianamente, a coisa é
assim e somente assim:
1º
- Age somente em concordância com aquela máxima através
da qual tu possas ao mesmo tempo querer que ela venha a se tornar uma lei
universal.
2º
- Age por forma a que uses a Humanidade, quer na tua pessoa como de
qualquer outra, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como meio.
2º
- Deveremos agir por forma a que possamos pensar de nós próprios
como leis universais legislativas através das nossas máximas.
Podemos pensar em nós como tais legisladores autônomos apenas
se seguirmos as nossas próprias leis.
Resumo:
há uma obrigação moral única e geral —›
Age de tal modo que a máxima da tua ação
possa se tornar princípio de uma legislação universal.
O
resto é simplesmente um hipotético e entrópico resto.
______
Notas:
1. A
Svmma Theologica (escrita entre os anos de 1265 e 1273) encontra-se
dividida em três partes, onde se encontram 512 questões. Cada
questão tem perguntas individuais. Estas representam os 2.669 capítulos
onde estão contidas as 1,5 milhões de palavras; 1,5 vezes
mais que todas as palavras de Aristóteles (1 milhão) e o dobro
de todas as palavras conhecidas de Platão.
2. Nos
pensamentos aristotélico e escolástico, acidente é
o aspecto casual ou fortuito de uma realidade, que, por esta razão,
é irrelevante para a compreensão do que nela é essencial
e imprescindível (por exemplo, a cor azul de um tecido é um
acidente que, por sua presença, não transforma a Natureza
essencial desse objeto). Renato Nunes, Professor do Departamento de Ciências
Humanas da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), no trabalho Aristóteles:
a Filosofia e a Busca do Universal, explica: O fato é que
o acidental, além de simples nome, não é muita coisa;
ele está muito mais próximo do não-ser do que do ser.
Contudo, o acidente, enquanto acidente, é, existe, ou seja, ele é
uma categoria existencial positiva: existencial porque faz parte de um ser,
da existência, da realidade de um ser; e positiva porque, de fato,
é, está presente neste determinado ser. Pode não ser,
entretanto, uma característica comum aos demais seres da mesma espécie,
mas deste ora em análise, é, e, portanto, não pode
deixar de ser real, ao menos para esse representante da espécie.
Exemplo: livro volumoso. O acidente, para de fato ser considerado como acidente,
só pode estar presente em um ser apenas em um determinado sentido.
Assim, este livro que tenho agora em minhas mãos é volumoso;
contudo, ser volumoso não é característica concernente
a todo e qualquer livro, mas sim, deste que ora tenho em mãos. Nesse
sentido, Aristóteles afirma: "aos resultados acidentais nenhuma
arte ou faculdade corresponde, pois as coisas que são ou vêm
a ser por acidente, também a causa é acidental".
3. A
tautologia é, na Retórica, um termo ou texto redundante, que
repete a mesma idéia. Como um vício de linguagem, a tautologia
pode ser considerada um sinônimo de pleonasmo ou de redundância.
A origem do termo vem de do grego tautó, que significa 'o
mesmo', mais logos, que significa 'assunto'. Portanto, tautologia
é dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes. Em Filosofia e
em outras áreas das ciências humanas, diz-se que um argumento
é tautológico quando se explica por ele próprio, às
vezes redundantemente ou falaciosamente. Por exemplo, dizer que o mar
é azul porque reflete a cor do céu e o céu é
azul por causa do mar é uma afirmativa tautológica.
Da mesma forma, um sistema é caracterizado como tautológico
quando não apresenta saídas à sua própria lógica
interna. Em outro exemplo, exige-se de um trabalhador que tenha curso universitário
para ser empregado, mas ele precisa ter um emprego para receber um salário
e, assim, custear as despesas do curso universitário.
4. Diz
o Frater Velado – Abade da Ordo Svmmvm Bonvm, Iniciado do Sétimo
Grau do Faraó e Irmão Leigo da Ordem Rosacruz – no trabalho
A Expansão dos Universos e o Trabalho dos Místicos (Instrução
simplificada para buscadores que avançam na Senda): Tudo
o que existe, sendo permanentemente extraído do Nada Absoluto, como
uma contraforma do Nada Aparente, é gerado pela rotação
da 'Spira Legis' (Espiral da Lei), que gira sobre si mesma ao mesmo tempo
em que descreve um movimento de ascensão. Para configurar essa ascensão
a própria 'Spira Legis' gera o Tempo, como um círculo de aferição
dos eventos, e estabelece a Dualidade como um parâmetro de compreensão
para as criaturas animadas. A noção de em cima e de em baixo
é fixada na Mente e, por osmose, nas mentes das criaturas, e, então,
a ascensão como um movimento vindo de um ponto e indo para outro
pode ser compreendida pela consciência material, a habilidade que
a matéria adquire de perceber e se perceber, quando animada... Na
verdade, porém, coincidentemente, a era temporal em que o ser humano
entrou agora marca a transposição do seu ser como um todo
(físico e consciência) de um degrau para outro na escalada
do animal homem para planos superiores de percepção, de vida
e de manifestações. Nesse novo patamar, a alegoria da Queda
perde o sentido, a Árvore da Vida cabalística se restringe
às suas limitações e a concepção de Deus
muda totalmente. Trata-se não só de uma evolução
imaterial, nas vibrações mais sutis, que se refinam, com reflexos
nas mais grosseiras, como uma etapa tipicamente cerebral, uma evolução
do cérebro como transformador de vibrações, codificador/decodificador
de símbolos e simbologias inteiras. Ou seja: o tipo biológico
humano começa agora a apresentar as mutações que vinham
sendo preparadas há vários séculos, e isto se reflete
na capacidade de ter mais memória e usar a memorização
melhor, na habilidade de desenvolver sistemas de raciocínio mais
próximos da verdade e na possibilidade de lidar com tecnologias cada
vez mais capazes de influir diretamente na genética humana. É
nesse contexto que o moderno místico tem de se situar para poder
realizar seu trabalho, em uma missão que conjuga misticismo, ciência
e tecnologia para a consecução de objetivos sociais e políticos
bem definidos. Cabe ao místico moderno influir incisivamente nos
acontecimentos políticos de seu tempo de modo que o sistema social
possa melhorar, tendo-se como referencial a totalidade da raça humana
e sua egrégora. Para que um místico possa atuar efetivamente
dentro dessa realidade, é necessária harmonização
com a Criação e com os seus mecanismos de evolução,
e perfeito entrosamento com outros místicos que pensem e ajam da
mesma forma, independente da organização a que sejam afiliados
ou que tenha fundado e estejam conduzindo na face da Terra. Muitas tentativas
sérias nesse sentido têm sido feitas nos últimos anos
que precederam a passagem do Terceiro Milênio CE, como uma preparação
para o que deve vir agora. Este texto, para leitura integral, está
disponibilizado no endereço:
http://svmmvmbonvm.org/expansuniv/
Páginas
da Internet consultadas:
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cadernos
&subsecao=religiao&artigo=existencia&lang=bra#5
http://www.consciencia.org/filosofia_
medieval19_sao_tomas_de_aquino.shtml
http://www.impactnew.com/filosofante/
pdf/filosofia_cultura_popular.pdf
http://www.consciencia.org/
aquinovidigal.shtml
http://desintencao.blogspot.com/
2007_01_01_archive.html
http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=2883
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Immanuel_Kant
http://www.permanencia.org.br/
sumateologica/suma.htm
http://sumateologica.permanencia.org.br/
suma.htm
http://sumateologica.permanencia.org.br/
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Tom%C3%A1s_de_Aquino
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Alberto_Magno
http://www.consciencia.org/
aquinovidigal.shtml
http://swordovoden.blogspot.com/
http://www.mctv.ne.jp/~bigapple/
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Suma_Teol%C3%B3gica
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Indulg%C3%AAncia_Plena
http://www.unisc.br/cursos/graduacao/
filosofia/docs/Aristoteles.doc#footnote18
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Tautologia
http://www.interconect.com.br/
clientes/pontes/externas/suma.htm
http://www.santotomas.com.br/
aquino/frasessobre.asp
http://www.mundodosfilosofos.com.br/
aquino.htm
http://anomalias.weblog.com.pt/
arquivo/2006_01.html
http://www.hottopos.com/
mp3/sentom.htm
Música
de fundo:
Laudate
Pueri Dominum
Fonte:
http://www.geocities.com/
nunes_garcia/JM_P_Sal.htm