O
diálogo platônico Timeu,
escrito cerca de 360 a.C., pertence ao grupo dos diálogos da velhice,
em que as idéias de Platão (428/427 – Atenas, 348/347
a.C.) são apresentadas por inteiro, fazendo parte do que se conhece
como a oitava tetralogia (Clitofon,
A República, Timeu e Crítias)
– ligadas entre si por um tema comum. Neste diálogo, do qual
participam do Sócrates, Crítias, Timeu e Hermócrates,
o
filósofo apresenta sua Cosmologia, isto é, sua teoria sobre
a origem e a formação do mundo natural. As idéias desenvolvidas
têm seqüência em outro diálogo – Crítias.
Para
o filósofo e matemático Platão, a ordem e a beleza
do Cosmo resulta de uma intervenção racional, intencional
e benigna de um Divino Artesão – um Demiurgo – que impôs
uma ordem matemática a um caos preexistente e, assim, produziu um
Universo divinamente organizado, a partir de um modelo eterno e imutável.
Neste diálogo (e também no Crítias), Platão
mencionou o célebre Mito(-lógico) da Atlântida, que
fascina, até hoje, tanto os eruditos como os leigos, tendo inspirado,
ao longo dos séculos, numerosos textos e filmes de ficção.
A visão platônica da origem do Universo também teve
enorme influência na Filosofia, especialmente na neoplatônica,
no ocultismo e na teologia, desde o século IV até nossos dias.
Enfim,
este inconcluso estudo tem por objetivo apresentar
para reflexão apenas alguns fragmentos do Timeu,
obra que, basicamente, é constituída de três partes:
1º) o Mito(-lógico) da Atlântida – uma civilização
muito evoluída que teria existido em uma ilha situada no Atlântico,
e que foi tragada pelo mar (o que não é bem assim); 2º)
a criação do mundo; e 3º) a formação da
alma e do corpo do homem – tudo elaborado segundo determinadas proporções
numéricas perfeitas e harmônicas.
Proporções
Numéricas Perfeitas e Harmônicas
Devo
explicar: como este é um estudo fragmentário e propositadamente
não segue propriamente a ordem natural em que o Timeu
foi escrito, talvez alguns excertos não sejam compreendidos. Mas
o intento foi exatamente este: mais confundir um pouquinho do que explicar
um tiquinho. Maldade? Claro que não. Apenas estimular que a obra
seja lida e estudada, o que longe está de ser uma maldade.
Bem,
se este estudo, que fiz para nós, não prestar, pelo menos
a música de fundo Ta
Pedia Tou Pirea, (tema do
filme Never on Sunday/Nunca aos Domingos, uma comédia
romântica que retrata a vida de Ilya – magnificamente interpretada
por Melina Mercouri – uma prostituta de bom coração
que vive no porto grego de Pireus) é ótima. E como eu não
farei nenhum comentário no final, aproveito para, agora, dar um pitaquinho:
os dois melhores remédios para a saúde são beber muita
água e bom humor. Ao ler os fragmentos do Timeu
você vai entender o porquê deste pitaquinho.
Proporções
Numéricas Perfeitas e Harmônicas
Timeu
(Fragmentos)
Em
todas as matérias, é da mais alta importância começar
pelo começo natural. Por conseguinte, a propósito da imagem
e do modelo, há que fazer diversas distinções. As palavras
têm um parentesco natural com as coisas que exprimem. Se exprimem
o que é estável, fixo e visível com o auxílio
da inteligência, são estáveis e fixas, e, na medida
do possível e em que pertença às palavras serem irrefutáveis
e invencíveis, não devem deixar nada a desejar a este respeito.
Inversamente, se exprimem aquilo que foi copiado deste modelo e que não
passa de uma imagem, são verossímeis e proporcionais ao seu
objeto, porque a verdade está para a crença como o ser está
para o devir. Então, Sócrates, se houver muitos pormenores
em muitas questões relativas aos deuses e à gênese do
mundo acerca dos quais não formos capazes de fornecer explicações
absolutas e perfeitamente coerentes e exatas, não te admires; mas,
se fornecermos explicações que não sejam inferiores
à nenhuma em verossimilhança, teremos de nos contentar, lembrando
de que eu, que falo, e vós, que julgais, não passamos de homens,
e que, em semelhante assunto, convém aceitar o mito verossímil,
sem procurar nada mais além.
A
geração deste mundo resulta de uma mistura engendrada por
uma combinação de Necessidade e Intelecto. Mas, como o Intelecto
dominava a Necessidade, persuadindo-a a orientar para o melhor a maioria
das coisas devenientes, foi, deste modo, através da cedência
da Necessidade a uma persuasão racional, que o Universo foi constituído
desde a sua origem.
Timeu
exalta ser menos sofrível ter uma vida curta. Condena o uso de medicamentos,
a não ser em caso de grandes perigos, porque estes irritam as doenças.
Sobre os males do corpo, diz Timeu: De
onde vêm as doenças é o que, sem dúvida, todos
compreenderão facilmente. Sendo quatro os gêneros que entram
na composição do corpo – Fogo, Água,
Terra e Ar1
– sempre
que contrariamente à Natureza há carência ou excesso
destes elementos ou mudança da sede própria para um lugar
estranho, ou então, visto haver mais de uma variedade de Fogo e dos
outros elementos, quando predomina nalguma parte do corpo uma variedade
que não lhe é adequada, ou por outra causa do mesmo tipo,
surgem as desordens e as doenças. Quando um destes elementos altera
sua natureza ou muda de lugar, aquecem-se as partes que antes eram frias,
e as secas adquirem umidade, a mesma coisa acontecendo com as leves e as
pesadas, do que resulta sofrerem todas elas profundas alterações
em todos os sentidos. A única maneira, é o que afirmamos,
de alguma parte do organismo ficar idêntica a si mesma, sadia e com
boa aparência, é ajuntar-se-lhe ou sair dela a mesma coisa,
de modo uniforme e na devida proporção. O que viola uma dessas
regras, ou porque se retire de um daqueles elementos ou porque nele penetre,
provoca toda espécie de alterações, doenças
e corrupções.
Temos
que admitir que a doença da alma é a demência. E há
dois gêneros de demência: a loucura e a ignorância. Os
prazeres e as dores em excesso são as mais graves das doenças
para a alma; é que quando um homem está excessivamente contente
ou, pelo contrário, sofre por causa da dor, apressando-se a arrebatar
inoportunamente algum objeto ou a fugir do outro, não é capaz
de ver nem de ouvir nada corretamente, pois está louco e a sua capacidade
de participar do raciocínio encontra-se reduzida ao mínimo.
Aquele em quem se gera uma semente abundante que corre livremente pela medula,
como se fosse uma árvore com uma carga de frutos superior à
medida estipulada pela natureza, adquire repetidamente múltiplas
angústias e múltiplos prazeres nos seus apetites e nos frutos
que nascem desta condição. Torna-se louco durante a maior
parte da vida por causa das dores e dos prazeres extremos, pois tem a alma
doente, que é mantida na insensatez por via do corpo; ele é
tido, não por doente, mas por propositadamente mau. A verdade é
que esta licenciosidade em relação aos prazeres sexuais é
uma doença da alma que se deve, em grande medida, a uma só
substância que, por causa da porosidade dos ossos, corre pelo corpo
e o umedece. De um modo geral, não é correto repreender tudo
quanto respeita à incontinência de prazeres e ao que é
considerado digno de repreensão, como se os maus o fossem propositadamente;
ninguém é mau propositadamente, pois o mau se torna mau por
causa de alguma disposição maligna do corpo ou de uma educação
mal dirigida; estas são inimigas de todos e acontecem contra a nossa
vontade. Novamente no que respeita às dores, a alma adquire, do mesmo
modo, uma grande quantidade de males através do corpo... Devemos
nos esforçar, na medida do possível, através da educação
e de hábitos de aprendizagem, a fugir do mal e a alcançar
o seu contrário.
Quando alguém se entregou
aos apetites e às ambições e cultivou excessivamente
estes vícios, é inevitável que todos os seus pensamentos
sejam mortais; em tudo se tornou mortal, tanto quanto possível, e
nada nele deixa de ser mortal, pois foi esta a natureza que desenvolveu.
Por outro lado, para aquele que desenvolveu o gosto de aprender pensamentos
verdadeiros, exercitando, sobretudo, esta vertente em si mesmo, é
absolutamente inevitável que nele surjam pensamentos imortais e divinos,
já que se ateve ao que é verdadeiro; e tanto quanto é
permitido à natureza humana participar da imortalidade, dessa condição
não deixe de lado nem a mínima parte. Ao cuidar sempre da
parte divina que contém em si, cada um deve ter em ordem o gênio
divino que habita dentro de si, bem como seja particularmente feliz. Para
todos os seres há somente dois cuidados a ter em atenção:
atribuir a cada coisa os alimentos e os movimentos que lhes são próprios.
Os movimentos congêneres do que há de divino em nós
são os pensamentos e as órbitas do Universo; é necessário
que cada um os acompanhe, corrigindo, através da aprendizagem das
harmonias e das órbitas do Universo, as órbitas destruídas
nas nossas cabeças na altura da geração, tornando aquilo
que pensa semelhante ao objeto pensado, de acordo com a natureza original,
e, depois de ter feito esta assimilação, atingir o sumo objetivo
de vida estabelecido aos homens pelos deuses para o presente e para o futuro.
Tudo
o que é bom é belo. Tudo o que é belo não é
assimétrico. Um ser vivo, para ter estes atributos, terá que
ser simétrico... No que respeita à saúde e à
doença, à virtude e à maldade, não há
simetria ou assimetria maior do que a da própria alma em relação
ao corpo.
O Universo foi criado por uma Divindade
que, isenta de inveja, quis que, na medida do possível, todas as
coisas lhe fossem semelhantes.
Se
o Universo é todo esférico, não faz sentido dizer que
um sítio é embaixo e outro é em cima.
Prazer
= engodo do mal. Dor = antagônica do bem. Audácia e temor =
conselheiros insensatos. Paixão = difícil de apaziguar. Esperança
= induz e conduz ao erro.
O
Universo foi criado como um animal dotado de alma e de razão.
Quanto à forma, concedeu-lhe
a mais conveniente e natural. Ora, a forma mais conveniente ao animal que
deveria conter em si mesmo todos os seres vivos, só poderia ser a
que abrangesse todas as formas existentes. Por isto, Ele torneou o mundo
em forma de esfera... por estarem todas suas extremidades a igual distância
do centro – a mais perfeita das formas e a mais semelhante a si mesma.
A
Divindade criou a alma antes do corpo, e, quanto à origem, mais velha
e mais excelente do que ele, por estar destinada a comandar, e ele, a obedecer.
O
Deus, graças à sua condição e virtude, constituiu
a alma anterior ao corpo e mais velha do que ele, para o dominar e governar
– sendo ele o governado – a partir dos seguintes recursos e
do modo que se expõe: entre o Ser indivisível, que é
imutável, e o Ser divisível, que é gerado nos corpos,
misturou uma terceira forma de Ser feita a partir daquelas duas. E quanto
à natureza do Mesmo e do Outro,1
estabeleceu, de igual modo, uma outra natureza entre o indivisível
e o divisível dos seus corpos. Tomando as três naturezas, misturou-as
todas em uma só forma, e pela força harmonizou a natureza
do Outro – que é difícil de misturar – com o Mesmo.
Procedendo à mistura de acordo com o Ser, formou uma unidade a partir
das três, e depois distribuiu o todo por tantas partes quantas era
conveniente distribuir, sendo cada uma delas uma mistura de Mesmo, de Outro
e de Ser. Então, começou a dividir do seguinte modo: em primeiro
lugar, retirou uma parte do todo; em seguida, retirou outra que era o dobro
da primeira; uma terceira, que corresponde a uma vez e meia a segunda e
ao triplo da primeira; uma quarta, que era o dobro da segunda; uma quinta,
o triplo da terceira; uma sexta, oito vezes a primeira; e uma sétima,
que corresponde a vinte e sete vezes a primeira. Depois disto, preencheu
os intervalos duplos e triplos, subtraindo partes da mistura inicial e colocando-as
entre as outras, de tal forma que cada intervalo tivesse dois centros: um
que transpõe um dos extremos e é transposto pelo outro na
mesma fração, e outro que transpõe o extremo que lhe
é numericamente idêntico e também ele é transposto.
Destas ligações, foram gerados nos intervalos atrás
referidos outros intervalos de um e meio, um e um terço e um e um
oitavo. Através do intervalo de um e um oitavo, preencheu todos os
de um e um terço, deixando uma parte de cada um deles, tendo este
intervalo sobrante sido definido pela relação entre o número
duzentos e cinqüenta e seis e o número duzentos e quarenta e
três. Foi deste modo que a mistura, da qual retirou aquelas partes,
foi utilizada na sua plenitude. Então, cortou toda esta composição
em duas partes no sentido do comprimento e, sobrepondo-as, ao fazer coincidir
o centro de uma com o centro da outra, semelhantes a um X, dobrou-as em
círculo, juntando-as uma à outra pelo ponto oposto àquele
pelo qual tinham sido ligadas, e lhes impôs aquele movimento circular
que gira no mesmo local; destes dois círculos, fez um exterior e
outro interior. Então, determinou que o movimento exterior corresponderia
à natureza do Mesmo, e o interior à do Outro. Fez com que
o movimento do Mesmo se orientasse para a direita, girando lateralmente,
e que o do Outro se orientasse para a esquerda, girando diagonalmente, e
deu preeminência à órbita do Mesmo e do Semelhante,
pois a ela só deixou ficar indivisa. Por outro lado, a órbita
interior dividiu-a em seis partes e formou sete círculos desiguais,
fazendo corresponder cada um deles a um intervalo duplo ou triplo, de tal
forma que havia três tipos de intervalos. Definiu que os círculos
andariam em sentido contrário uns aos outros, três dos quais
com velocidade semelhante, e os outros quatro com velocidade diferente uns
dos outros e dos outros três, mas movendo-se uniformemente.